RESUMO: Conforme dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, considera-se criança, a pessoa até doze anos incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos. A legislação supracitada foi publicada, no intuito de substituir o antigo Código de menores; vez que este, de forma autoritária, preocupava-se apenas com os “menores em situação irregular”. Desde a promulgação da Constituição Federal, surgiu uma maior preocupação com os menores de forma geral. Passo seguinte, houve uma alteração no panorama, pautado no princípio da busca do melhor interesse, impulsionando a proteção integral, e desencadeando a prioridade absoluta desses. Entre os diversos direitos enumerados nos diplomas, encontra-se a previsão de proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; Ocorre que embora esse direito seja tutelado, existem casos de violação. Diante do exposto, neste presente artigo será analisado julgado do Superior Tribunal de Justiça, que diante da divergência acerca da possibilidade de computar ou não essa atividade vedada, para fins previdenciários, concluiu que mediante prova efetiva do trabalho é inadmissível desconsiderar esse lapso temporal.
PALAVRAS-CHAVE: direitos; menores; trabalho de menores; fins previdenciários.
ABSTRACT: According to the Statute of the Child and Adolescent, a child is considered to be a person up to twelve years old and an adolescent to be between twelve and eighteen years old. The aforementioned legislation was published in order to replace the old Code for minors; since the latter, in an authoritarian way, was concerned only with “undocumented minors”. Since the promulgation of the Federal Constitution, there has been a greater concern for minors in general. Next step, there was a change in the panorama, based on the principle of seeking the best interest, boosting comprehensive protection, and triggering their absolute priority. Among the various rights listed in the diplomas, there is the provision to prohibit night work, dangerous or unhealthy for children under eighteen and any work for children under sixteen, except as an apprentice, from the age of fourteen; It turns out that although this right is protected, there are cases of violation. In view of the above, this article will be analyzed by the Superior Court of Justice, which, in view of the disagreement over the possibility of computing or not this prohibited activity, for social security purposes, concluded that upon effective proof of work it is inadmissible to disregard this time lapse.
KEYWORDS: rights; minors; child labor; social security purposes.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da evolução dos direitos das crianças e adolescentes. 3. Da regularização do trabalho infantil. 4. STJ: Análise de julgado. 5. Do trabalho infantil e aplicação da primazia da realidade. 6.Do acerto da decisão do STJ no Agravo Interno. 7. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como finalidade fazer uma suscinta análise do recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A questão tratou de um trabalhador que solicitou sua aposentadoria de forma administrativa, porém o pleito foi indeferido pelo INSS, sobre o argumento de falta de contribuição. Verificou-se com tudo, que na ocasião o lapso temporal não foi preenchido porque a autarquia desconsiderou a atividade rural exercida pelo solicitante em atividade rural exercida com menos de doze anos de idade.
Para isso, em um primeiro momento será realizado uma abordagem acerca dos avanços dos direitos das crianças e adolescentes e o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, a inclusão de direitos, com ênfase na proibição de trabalho a menores de quatorze anos, em seguida será apresentado uma sinopse de caso decidido pelo STJ, pontuando acerca da validação de trabalho infantil, ainda que proibido para computo de fins fiscais.
Em apertada síntese, será avaliado a compatibilidade do julgado com o ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo por se tratar de aplicação de “bônus”, qual seja computo para fins fiscais, advindo de uma conduta expressamente vedada.
2. DA EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
O Estatuto da criança e do adolescente, determina que criança, é a pessoa até doze anos incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos. Foi publicado no ano de 1990, no intuito de substituir o antigo Código de Menores, que de forma autoritária somente se preocupava com “menores em situação irregular”; uma doutrina em que se pautava na ideia de que crianças e adolescentes eram objetos de direito, e que possuíam como única opção a segregação para carentes ou delinquentes.
Nas linhas do autor Guilherme Freire de Melo Barros (2019):
“O Estatuto substituiu o antigo Código de Menores, Lei nº 6.697/79, cuja incidência era voltada precipuamente ao menor em situação de irregular. Crianças e adolescentes eram vistos como objeto de tutela à luz daquele regramento. 'Durante todo este período a cultura da internação, para carentes ou delinquentes foi a tônica. A segregação era vista, na maioria dos casos, como única solução.”
Dessa forma, tendo em vista a falta de regulamentação aos menores de idade, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, e o advento do Estatuto da Criança e do adolescente em 1990, fez-se necessário uma alteração no panorama do tratamento menor;
Pautando-se no princípio da busca do melhor interesse das crianças e dos adolescentes, e impulsionando a proteção integral, desencadeando a prioridade absoluta desses. Deixaram de ser tratados como objetos de direito, e passaram a ser sujeitos de direito.
Como sujeitos de direitos, passaram a ter uma série de direitos que antes eram negligenciados. Direitos estes indispensáveis para o desenvolvimento regular e sadio, de forma a propiciar uma vida minimamente digna.
Entre os diversos direitos enumerados nos diplomas, encontra-se os de brincar, praticar esportes, divertir-se; e no intuito de preservar essa fase de desenvolvimento, asseverou-se também a proibição do trabalho infantil, que será abordado com ênfase no próximo tópico.
3. DA REGULARIZAÇÃO DO TRABALHO INFANTIL
Diante da proteção integral conferidas aos menores, também houve a regularização acerca dos menores no âmbito trabalhista.
Dispõe a Constituição Federal, em seu artigo 7º, X:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;.
Dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigos 60 e 65:
Art. 60. É proibido qualquer trabalho a menores de quatorze anos de idade, salvo na condição de aprendiz.
Art. 65. Ao adolescente aprendiz, maior de quatorze anos, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários.
Dispõe por fim, a Consolidação de Direitos do Trabalho, em seu artigos 60 e 65:
Art. 403. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos.
Conclui-se que o trabalho só é permitido a pessoas acima de dezesseis anos, excetuando os maiores de quatorze anos, sendo que nessa idade, só é ilícito a atividade em caso de programas de menor aprendiz. Ademais, importante ressaltar, que nem sempre foi assim, essa consolidação ocorreu no ano de 2000. Em data anterior, a data limite era de doze anos, ou seja, o trabalho era proibido apenas aos menores de quatorze anos. Assim, aos adolescentes aprendiz e aos maiores de dezesseis anos trabalhadores, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários.
4. STJ: ANÁLISE DE JULGADO
Após a prévia análise de fatores definidores, passo para análise do recente julgado do STJ, sobre a relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, na primeira turma, realizado no dia 02/06/2020, acerca de um pleito de aposentadoria.
O julgado, em tese trata de um trabalhador que solicitou de forma administrativa a concessão de sua aposentadoria. Data vênia, embora preenchidos os requisitos, o INSS indeferiu o pleito, sobre o argumento de que o agente não logrou êxito em contemplar o lapso de contribuição. Uma vez que não seria possível computar o período em que este trabalhou antes de completar doze anos de idade.
Diante do indeferimento administrativo, o trabalhador optou em judicializar a questão, utilizou como fundamentação que a lei foi omissa acerca da limitação de idade mínima para computação de fins previdenciários no âmbito do trabalho rural.
Têm-se que a dúvida pairava na seguinte questão, de um lado o trabalho de menor de 12 anos sempre foi vedada, de outro ainda que proibido, no caso em contento, através de provas materiais anexadas, juntamente com o depoimento de testemunhas, ficou comprovado que o menor de fato exerceu atividade laboral, nesse caso, seria admissível ou não a aplicação desse lapso temporal para fins previdenciários?
A corte entendeu que a análise deve se moldar sob a influência do pensamento garantístico, ou seja deve-se buscar o cumprimento da proteção integral, de forma a beneficiar-se o menor, que é o hipossuficiente. Aduziu que o objetivo de limitação de trabalho infantil tem por escopo o benefício do menor, e não o contrário. Assim, embora a legislação imponha limite para o registro no Regime Geral da Previdência, não seria razoável que aqueles trabalhadores que já sofreram quebra de direitos, exercendo atividade laboral em idade inferior, tenham novamente os seus direitos violados, não computando esse período para fins previdenciários.
Nesse sentido, palavras proferidas no acordão (2020):
“Desta feita, não é admissível desconsiderar a atividade rural exercida por uma criança impelida a trabalhar antes mesmo dos seus 12 anos, sob pena de punir duplamente o Trabalhador, que teve a infância sacrificada por conta do trabalho na lide rural e que não poderia ter tal tempo aproveitado no momento da concessão de sua aposentadoria. Interpretação em sentido contrário seria infringente do propósito inspirador da regra de proteção. “
O STJ, portanto, entendeu que o exercício desse trabalho, mesmo que vedado, não pode ser analisado de forma a prejudicar novamente o trabalhador. Deixar de aplicar os direitos previdenciários seria como condenar este duas vezes, a primeira no sentido de ter a sua infância violada, vez que deixou de ser respeitados os direitos mínimos para uma vida digna, e o segundo no sentido de não utilizar esse período de violação para computar hipótese que tem como finalidade beneficia-lo, qual seja o cômputo do lapso para fins previdenciários.
5. DO TRABALHO INFANTIL E APLICAÇÃO DA PRIMAZIA DA REALIDADE
Importante ressaltar que no âmbito do direito trabalhista, vige o princípio da primazia da realidade, que tem por finalidade estimular a busca da verdade real. Na relação o que importa são os fatos que de forma ocorreram.
Nas linhas de Plá Rodriguez (2000):
“em matéria de trabalho importa o que ocorre na prática, mais do que aquilo que as partes hajam pactuado de forma mais ou menos solene, ou expressa, ou aquilo que conste em documentos, formulários e instrumentos de controle”
Em Dito isso, é possível constatar que mesmo que o trabalho realizado à menores de idade nunca tenham sido permitido, é necessário aplicar o que de fato ocorreu na prática. Ou seja, nos casos em que os menores trabalharam, justo é que sejam considerados realizado e incidir computação para fins previdenciários.
6. DO ACERTO DA DECISÃO DO STJ NO AGRAVO INTERNO
A decisão do STJ mencionada acima está plenamente de acordo com o ordenamento jurídico. O Direito deve propiciar integral proteção as crianças e adolescentes, de forma a sempre procurar respeitar a sua integridade.
No caso concreto narrado acima, embora o trabalhador tenha realizado atividade laboral em idade vedada, o fato por si só, já viola direitos. Em outro giro, no âmbito trabalhista, preceitua o princípio da primazia da verdade, que tem como finalidade estimular a aplicação de direitos de acordo com a verdade real. Ademais não é razoável estipular uma idade mínima para reconhecer o computo para fins trabalhistas, vez que com a inadmissibilidade deste lapso temporal, configuraria dupla violação de direitos. Tal indeferimento, está em contramão com o novo modelo implementado com o advento do ECA, pautado no princípio da busca do melhor interesse, impulsionando a proteção integral, e desencadeando a prioridade absoluta dos menores.
Diante desse cenário, têm-se que o trabalho a menores de quatorze anos deve ser combatido, mas diante da inefetividade do ordenamento, jurídico o tempo de labor deve ser contabilizado para fins previdenciários.
7. CONCLUSÃO
Diante do que foi exposto, conclui-se que o STJ entende que apesar da proibição do trabalho infantil, o tempo de trabalho de menor de doze anos deve ser considerado para fins previdenciários.
Com acerto, o Tribunal, no Agravo de instrumento, de forma individualizada, compreendeu que no caso apresentado, existiam elementos suficientes para comprovar que o trabalhador exerceu atividade laboral de forma efetiva, ainda antes dos doze anos. Concluindo de tal sorte, que diante do exposto os fins previdenciários nesse período, não podem ser afastados.
Assim, frisou-se que esse trabalho infantil deve ser combatido, mas diante da impossibilidade, mediante provas do efetivo trabalho, analisadas caso a caso com cautela, o requerimento de aposentadoria não pode ser inadmitido por desconsiderar esse lapso temporal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Lei nº 10.097, de 19 de dezembro de 2000. Altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de
1º de maio de 1943. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l10097.htm Acesso em: 09 set. de 2020
FREIRE DE MELO BARROS, Guilherme. Direito da Criança e do Adolescente. 4ª ed. Volume Único – Imprensa: Salvador, JusPODIVM, 2018
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. 3. ed. atual. São Paulo: LTr, 2000. p. 37-38
BRASIL. Supremo Tribunal Federal (1. Turma). Agravo interno no Agravo em Recurso Especial. Relator: Napoleão Nunes Maia Filho, 16 jun. 2020 Brasília: STF. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp Acesso em: 10 set. 2020.
Pós graduanda em Direitos Humanos pela Faculdade UniAmérica, pós graduanda em Direito Civil e Consumidor pela Faculdade UniAmérica, pós graduanda em Processo Civil pela faculdade UniAmérica, graduada em Direito pela Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais, advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SELLERA, Nayene Ludmila Gonçalves. Da possibilidade de reconhecimento de tempo de labor a menor de doze anos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 out 2020, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55321/da-possibilidade-de-reconhecimento-de-tempo-de-labor-a-menor-de-doze-anos. Acesso em: 23 dez 2024.
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