RODRIGO FRESCHI BERTOLO
(Professor Temático)[i]
ÉRICA CRISTINA MOLINA DOS SANTOS[ii]
(Orientadora Metodológica)
RESUMO: Este estudo se resume em propiciar uma sucinta análise sobre a negatória da concessão do direito de nomear o natimorto em registro próprio, originado pela lacuna deixada pela Lei de Registros Públicos. Ainda amparado em uma visão humanista de respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, são analisados os fundamentos da concessão do direito ao nome do natimorto, sob a óptica dos direitos da personalidade, de estudo psicológico sobre a importância do nome as famílias enlutadas, a nomeação do natimorto nas legislações estrangeiras, as divergências entre Normas das Corregedorias-Gerais da Justiça e, por fim, a jurisprudência brasileira. Este trabalho tem por objetivo demonstrar que o direito ao nome do natimorto é, acima de tudo, um ato humanitário de respeito à memória da criança e da família que sofre com a sua perda, e que se faz imprescindível a regulamentação expressa do nome no registro de natimorto, a fim de viabilizar a faculdade de atribuir um nome ao filho natimorto, a todos os pais que assim desejarem.
Palavras-chave: Nome; Natimorto; Dignidade Humana; Personalidade Jurídica.
ABSTRACT: This study is summarized in providing a succinct analysis of the denial of the granting of the right to name the stillborn in its own register, originated by the lacuna left by the Public Records Law. Still supported by a humanist vision of respect for the principle of human dignity, the fundamentals of granting the right to the name of the stillborn are analyzed, from the perspective of personality rights, of a psychological study on the importance of the name for bereaved families, the appointment of the right on naming stillborn in foreign legislation, the divergences between the Rules of the Internal Affairs of Justice and, finally, Brazilian jurisprudence. This work aims to demonstrate that the right to the name of the stillborn is above all, a humanitarian act of respect for the memory of the child and the family that suffers from its loss, and that the express regulation of the name in the stillbirth registration is essential. In order, to enable all parents who so wish, the option of naming their stillborn child.
Keywords: Name; Stillborn; Human Dignity; Legal Personality.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO – 2. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – 3. DIREITOS DA PERSONALIDADE – 4. A IMPORTÂNCIA DE NOMEAR – 5.O NOME DO NATIMORTO E SEU REGISTRO NA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA – 6. O NOME DO NATIMORTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA – 7. JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA – 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS – 9. REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
O nascimento e a morte são os eventos mais emblemáticos e intensos na vida das pessoas. A primeira lembrança profunda que se tem de um nascimento é o primeiro choro do bebê, e da morte, o silêncio. A morte prematura de uma criança, além de silenciosa, muitas vezes é invisível. Tanto pela falta de compreensão para lidar com sua perda precoce, quanto pelo não reconhecimento do vínculo que o une aos pais desde as primeiras semanas de sua gestação, e até mesmo o não reconhecimento legal de que aquela criança de fato existiu. "É muito mais difícil para os pais lamentar uma criança morta sem nome, sem sepultura, sem lembranças tangíveis” (WEHKAMP, apud NIJS, 1999, p.16, tradução nossa).
Com fundamento na dignidade humana e disposto no rol exemplificativo dos direitos da personalidade, o direito ao nome civil é fundamental as relações humanas. Com relevância não somente jurídica, mas essencialmente social. Configurando-se como um atributo intimamente conectado a dignidade, propiciando o reconhecimento e a individualização dos seres humanos. Entretanto, a norma civil vigente condiciona o início da personalidade ao nascimento com vida, o que perfaz a ideia de que o nome é um direito exclusivo aos nascidos vivos.
Mas se a atribuição da dignidade através do nome pressupõe o nascimento com vida, qual é o caminho a percorrer para conferir dignidade aos nascidos mortos, senão pelo nome? Visto que o mínimo que se pode fazer para dignificar a memória do natimorto é o reconhecimento legal de seu nascimento, individualizando-o através do nome que usaria em vida.
O presente estudo trata-se de pesquisa bibliográfica, utilizando-se o método dedutivo, no qual aplicam-se as leis ou regras gerais aos fatos particulares. Bem como realizar-se-á análise qualitativa quanto a nomeação do natimorto, ou seja, aquele que nasceu morto, com peso corporal igual ou superior a 500g, e/ou estatura igual ou superior a 25cm e/ou com idade gestacional igual ou superior a 20 semanas, como dispõe o Conselho Regional do Estado de São Paulo (CREMESP, 2020). Tanto sob a ótica do princípio da dignidade humana como meio de conferir dignidade a sua memória e dignificar a dor das famílias enlutadas, quanto a dos direitos da personalidade, haja vista o entendimento da I jornada de direito civil de que a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura. Analisará também um estudo psicológico sobre a importância de nomear o natimorto.
Ademais, será analisada a Lei de Registro Públicos (LRP), que prevê o dever de atribuição do nome somente aos nascidos vivos, em registro de nascimento e aos que faleceram imediatamente após o nascimento com vida, em duplo registro (nascimento e óbito) com os demais elementos que couberem. Já do nascimento sem vida, o que resta, além da previsão de registro do natimorto no livro “C-auxiliar”, é a lacuna dos “elementos que couberem”.
Desta forma, faz-se imprescindível o exame das Normas das Corregedorias-Gerais de Justiça Estaduais, responsáveis por disciplinar os elementos essenciais que irão compor o registro do nascido morto, diante da omissão deixa pela LRP, que no tocante ao nome do natimorto divergem-se. O que enseja expressiva demanda pelo acionamento do judiciário a fim de sanar tal lacuna.
O presente estudo também analisará legislações estrangeiras, que em relação ao tema, concedem nome ao natimorto não somente para dignificar sua memória, como também por empatia a dor dos pais enlutados.
Também necessária é a apreciação da jurisprudência de tribunais que se destacaram na vida de algumas famílias ao permitir a nomeação das crianças que nem chegaram a respirar. No entanto, tais decisões pioneiras ainda são consideradas minoria, perpetuando o sofrimento e o sentimento de injustiça às famílias que apenas buscam o reconhecimento da existência do bebê, que permanecerá na memória daquelas, sendo lembrado pelo nome que haveria de usar em vida.
E a falta de legislação em nível nacional que concede aos pais a faculdade de nomear o filho natimorto, visto ser necessária para resguardar o direito aos pais de fazê-lo se assim desejarem. Seja com fundamento na concessão de personalidade jurídica ao natimorto e na dignidade humana ou através do reconhecimento de que para os pais enlutados, negar o reconhecimento legal da existência de seu filho através de sua individualização é tão doloroso quanto voltar para casa de braços vazios, com um berço que não possui mais propósito.
2 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade é um atributo que se encontra inserido nas principais legislações de nações democráticas, reconhecendo o ser humano como centro e fim do Direito. Essa propensão ocorreu devido ao traumático padecimento do mundo aos horrores do nazifascismo na segunda guerra mundial, onde a dignidade da pessoa humana regressou à relatividade ao ser adotado a raça, o grupo social e a orientação sexual de um indivíduo como critérios para seu reconhecimento. Sendo levados a campos de extermínio milhões de pessoas que não pertenciam ao grupo considerado digno. Demonstrando-se assim, a ruptura com a dignidade da pessoa humana.
Sua reconstrução se deu logo o pós-guerra, sendo reconhecida como iniciativa pioneira a “Carta Magna da vida pública alemã”, também conhecida Lei Fundamental da República Federal da Alemanha (RFA) um modelo de transição do autoritarismo para a democracia, responsável por manifestar incisa declaração: “Artigo 1 [Dignidade da pessoa humana – Direitos humanos – Vinculação jurídica dos direitos fundamentais] (1) A dignidade da pessoa humana é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público”. Tendo como inspiração a Declaração Universal de Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, que faz menção a dignidade humana no seu artigo 1º ao dispor que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
O constitucionalismo brasileiro, que desde 1934 recebe intensa influência germânica, também aderiu ao tema (BONAVIDES, 1993, p. 288). A Constituição de 1988 deixa manifesta que o Estado de Direito que fora instituído, tem como princípio basilar do direito pátrio a dignidade da pessoa humana no seu artigo 1º, inciso III: “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:[...] III - a dignidade da pessoa humana.”.
A dignidade humana respalda-se no fato de que:
Cada ser humano é humano por força de seu espírito, que o distingue da natureza impessoal e que o capacita para, com base em sua própria decisão, tornar-se consciente de si mesmo, de autodeterminar sua conduta, bem como de formatar a sua existência e o meio que o circunda. (DÜRIG, 1956, p.125 apud SARLET, 2006, p. 45)
Caracterizando-se como:
Qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições essenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (SARLET, 2009, p. 37)
Acerca do tema Alexandre de Morais (2019, p. 18) assim disserta:
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente, na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto serem humanos.
E como valor espiritual e ínsito à pessoa humana, a proteção da dignidade humana faz-se necessária a todos os seres humanos vivos ou mortos, pois a dignidade não está atrelada a condição do nascimento com vida, mas sim a condição de ser humano.
Para os juristas alemães Bodo Pieroth e Bernard Schlink (2008, p. 81), “O princípio da dignidade humana é o ponto de partida de outros direitos fundamentais, ele reforça o vínculo com outros direitos”. Como os direitos da personalidade. Desta forma, o princípio da dignidade da pessoa humana, é lei fundamental que constitui garantias, comando normativo de valor que irradia seus efeitos sobre todo o ordenamento jurídico pátrio, orientando a criação da ordem jurídica constitucional e infraconstitucional, e a interpretação e aplicação de todo o ordenamento jurídico brasileiro.
Da dignidade da pessoa humana decorre a garantia da proteção e respeito aos direitos da personalidade, compreendido neles, o direito à vida digna, honra, a imagem e ao nome, entre outros. Sendo o nome uma das maneiras mais efetivas de dignificar uma pessoa, porém o ordenamento civil vigente somente o garante aos nascidos vivos, não o conferindo aos natimortos, que para Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery (2005a, p. 162):
Mesmo não havendo nascido com vida, ou seja, não tendo adquirido personalidade jurídica, o natimorto tem humanidade e por isso recebe proteção jurídica do sistema de direito privado, pois a proteção da norma ora comentada a ele se estende, relativamente aos direitos de personalidade (nome, imagem, sepultura, etc.).
Vedar a atribuição do nome ao natimorto, como forma de identificá-lo e dignificar sua memória, demonstra o total desrespeito ao princípio constitucional da dignidade humana, como se aqueles, por não terem superado o nascimento, são irrelevantes ao Direito portanto irrelevantes até mesmo as suas famílias, o que de fato não são.
Quanto aos direitos da personalidade, estes
(..) são reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos no homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, o segredo, o respeito, a honra, a intelectualidade e outros tantos. (BITTAR, 2015, p. 29)
Consagrados pela Magna Carta e posteriormente pelo Código Civil vigente, são reconhecidos como direitos subjetivos de natureza jurídica constitucional, civil e penal, tendo como uma de suas finalidades, a proteção da dignidade humana. Nasceram em atenção aos anseios e a constante evolução cientifica e tecnológica da sociedade. Como resultado de debates da sociedade brasileira que pleiteava o respeito e a proteção aos direitos intimamente conectados a personalidade humana, tendo como respaldo o princípio da dignidade humana, matriz ética dos direitos da personalidade. “Significa este princípio, que orienta e legitima o sistema jurídico de defesa da personalidade, que a pessoa humana é o fundamento e o fim da sociedade, do Estado e do direito e, como tal, a eles preexistente” (AMARAL, 2017, p. 380).
Intimamente ligado ao conceito de pessoa, a personalidade é um atributo ou qualidade do ser humano, adquirida através do nascimento com vida, ou seja, todo aquele que nasce com vida torna-se uma pessoa, por conseguinte adquire personalidade. Pode ser definido como capacidade genérica para adquirir direitos e contrair deveres ou obrigações na ordem civil. É pressuposto para a inserção e atuação da pessoa na ordem jurídica (GONÇALVEZ, 2019, p. 111). É o agrupamento das particularidades ínsitas a própria pessoa que confere a ela o poder de pleitear todos os seus direitos personalíssimos, primordiais a satisfação e proteção da personalidade e de sua essência, assim como sua integração nas relações jurídicas, com aplicação a todos os homens (erga omnes).
Para Caio Mario (2002, p. 152) são direitos “inalienáveis e cuja existência tem sido proclamada pelo direito natural, destacando‐se, dentre outros, o direito à vida, à liberdade, ao nome, ao próprio corpo, à imagem e à honra”. “São direitos inatos, absolutos e necessários.” (BITTAR. 2015, p. 43).
No tocante ao início da personalidade doutrinadores adeptos da teoria natalista, defendem que se inicia a partir do nascimento com vida, sendo essa adotada pelo Código Civil vigente (Artigo 2º).
A doutrina tradicional sustenta ter o direito positivo adotado, nessa questão, a teoria natalista, que exige o nascimento com vida para ter início a personalidade. Antes do nascimento, não há personalidade. Ressalvam‐se, contudo, os direitos do nascituro, desde a concepção. Nascendo com vida, a sua existência, no tocante aos seus interesses, retroage ao momento de sua concepção. (GONÇALVES, 2019, p. 117)
De forma antagônica, José Tavares (1928, p. 21) em comentários ao Código Civil Português questionava a atribuição da personalidade desde a concepção, visto ser qualidade inerente a condição de ser humano, só se concebe como atributo ínsito ao próprio ser, como uma consequência imediata da formação e existência do indivíduo, que forma-se pelo fenômeno biológico da concepção, existindo e vivendo desde esse momento; sendo protegido pela lei, e por isso desde logo deveria ser reconhecida a sua personalidade.
Análogo é o entendimento da I jornada de direito civil ao afirmar que “a proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura.”. Apesar do natimorto nunca ter sido sujeito de direito pois não adquiriu personalidade, alguns direitos relativos à personalidade como o direito ao nome, merecem proteção.
Mesmo tendo sido extinta a personalidade jurídica da pessoa natural pela sua morte ou da pessoa jurídica já dissolvida, o sistema jurídico se ocupa em regular algumas hipóteses, que se caracterizam como proteções diretas ou indireta de quem não é mais ou nunca chegou a ser sujeito de direito, por que não adquiriu personalidade (natimorto) ou já a perdeu (morto, pessoa jurídica extinta). São meios de proteção direta de quem não tem personalidade jurídica, v.g., dar nome e sepultura ao natimorto. (NERY; NERY JÚNIOR, 2011b, p. 213)
Nestes termos, com fundamento na personalidade jurídica, pleitear pela individualização do natimorto através do direito ao nome, parece ser legítimo. Haja vista sua condição humana, um nascituro que infelizmente não alcançou a vida extrauterina. Compreendendo no nome, o prenome e o sobrenome que receberia em vida.
“O nome de uma pessoa está intimamente relacionado ao reconhecimento de sua individualidade e personalidade. A questão da identidade e natureza de uma pessoa são frequentemente associadas ao nome que leva” (NIJS, 1999, p. 48, tradução nossa). Dê certa forma, é um pré-requisito para estabelecer um relacionamento com outras pessoas.
Quando um bebê nasce com vida, nomeá-lo não só parece natural como é imprescindível. O nome é uma das primeiras perguntas que os pais escutam, não somente após o nascimento, mas desde o momento da descoberta da gestação. Porém essa maneira natural de lidar com o nome é perdida com o nascimento sem vida.
Para a médica psicoterapeuta belga Michela Nijs, em seu estudo intitulado “O luto tem seu tempo: Rituais de despedida quando uma criança morre cedo” (1928, p. 21, tradução nossa), quando esta era a situação, os pais raramente eram questionados quanto ao nome do filho perdido.
Para os pais e familiares do bebê que partiu prematuramente atribuir-lhe um nome é especialmente importante. "Quando os pais atribuem um nome a criança natimorta é certificado a morte de uma pessoa e não da perda de um produto gestacional” (NIJS, 1999, p. 48, tradução nossa). Visto que, muitas vezes o natimorto é a morte trágica e secreta de uma pessoa sem nome e identidade.
O reconhecimento da individualidade do bebê é essencial, como meio de conferir dignidade à aquelas pessoas que lidaram com a morte precoce daquele que nem ao menos escutaram chorar. Apesar de grande parte desses pais terem conferido um nome para o bebê antes mesmo de saber o seu sexo, a maioria não teve a chance de atribuí-lo de fato.
A nomeação de crianças natimortas é de fato relevante visto que, chamar o filho pelo nome que receberia em vida ajuda os pais enlutados a lidarem com o trauma da perda. "Porque os pais têm tão poucas memórias concretas do filho, e a nomeação pode frequentemente ajudá-los a reconhecer que estão lamentando uma pessoa de fato. O nome também pode se tornar um símbolo para certificar a existência da criança” (NIJS, 1999, p. 48, tradução nossa).
Especialmente quando há outras crianças, a nomeação do bebê natimorto facilita a sua compreensão como membro da família e a sua lembrança. O que é importante para a saúde mental da família. (LOTHROP, 1998, p. 89, tradução nossa)
O vínculo com o bebê se desenvolve muito antes do seu nascimento, desde os preparativos para a sua chegada até a escolha de seu nome. Para muitos, o assunto é irrelevante juridicamente, pois logo se esquecerão, mas a memória do filho perdido permanecerá para sempre com os pais, desta forma, conceder o direito de atribuir um nome ao natimorto não somente dignifica a sua memória, como ajuda a família a superar, de forma digna e empática, a dor da perda de um filho.
5 O NOME DO NATIMORTO E SEU REGISTRO NA LEGISLAÇÃO ESTRANGEIRA
A Comparação dos diferentes sistemas legais entre países revela-se de suma relevância, visto que a experiência alheia sobre o tema possibilita tanto o desenvolvimento do Direito nacional, quanto o enriquecimento do presente estudo, através da análise comparativa quanto à possibilidade de nomear o natimorto e seus fundamentos. Com destaque à Alemanha e a Irlanda, que pautam o registro do natimorto não como direito personalíssimo, mas sim como um ato que dignifica a memória do natimorto e proporciona respeito a dor dos pais e familiares enlutados.
Na Alemanha, a nomeação do natimorto é reconhecida pelos legisladores como forma de dignificar a despedida. Desde de 1º de Julho de 1998 os bebês natimortos (somente aqueles com peso igual ou superior a 500 gramas) podem ser inscritos no registro civil familiar (Das Familienbuch), com os seus respectivos nome e sobrenome, devido a revogação da seção 24 da Lei do Estatuto Civil (Personenstandsgesetz - PStG) que estipulava o registro do natimorto apenas no livro de óbitos, sem a opção de nomeá-lo. Destaca-se que o “Das Familienbuch” é um documento de registro civil, onde são inseridos os dados sobre o casamento, nome de nascimento dos cônjuges e os dados pessoais dos pais do casal, além das data(s) de nascimento da(s) criança(s).
Com a revogação da seção 24, o parágrafo segundo da seção 21 da PStG facultou aos pais a inserção do nome do natimorto também ao assento de nascimento, no Livro do Nascimento (Das Geburtenbuch) que difere se do registro familiar. No assento de nascimento, além de outros elementos, constará o nome e sobrenome da criança, com a anotação de que nasceu morta. Neste caso, o nome deverá ser inserido somente mediante pedido dos pais ou do guardião legal da criança, caso tivesse nascido com vida, caso contrário o registro de nascimento será lavrado de acordo com os parágrafos 2º, 3º e 4º da seção 21, ou seja, com a data e horário de nascimento, o sexo da criança, os nome e sobrenome dos pais, e se um deles desejar, sua afiliação legal a uma comunidade religiosa.
Porém a grande mudança se deu após o casal de alemães Barbara e Mario Martin perderem três filhos prematuramente, Joseph-Lennard e os gêmeos Tamimo e Penelope, sendo apenas Penelope, que morreu uma hora depois do nascimento, incluída no registro familiar, pois seu coração batia após o nascimento e por pesar 500 gramas. De acordo com a lei alemã, os outros filhos não foram registrados por serem natimortos nascidos com peso inferior a 500 gramas, sendo considerados abortos. (DEUTSCH WELLE, 2012, tradução nossa)
Por meio de uma campanha o casal recolheu 40.000 assinaturas a fim de pleitear perante o parlamento alemão a modificação da Lei do Estatuto Civil (PStB) permitindo que todos os natimortos fossem registrados e enterrados a pedido da família. Desta forma, por meio da Portaria para Implementação do Estatuto Civil (PStV), o parlamento alemão modificou os parágrafos 2º e 3º da seção 31 da PStV que versa sobre nascidos vivos, natimortos e aborto, versando o parágrafo segundo sobre a adoção do critério para definir o natimorto como aquele com peso mínimo de 500 gramas ou, se inferior, aquele que a gravidez superou as 24 semanas, devendo ser registrado no livro de registro civil familiar com todos os elementos especificados em lei, incluindo o nome do registrado. Ademais também versa sobre a possibilidade da certificação do nascimento dos bebês que não se enquadram na classificação de natimorto, consideradas abortos.
A inovação se dá no fato de que as crianças que são consideradas abortos espontâneos (SternenKinder) apesar de não serem registradas, desde maio de 2013, os pais ou o tutor legal da criança caso tivesse nascido com vida, possuem a faculdade de relatar o nascimento do bebê ao cartório responsável, “a mudança na lei do status civil permite, assim, um tratamento digno as crianças-estrelas (SternenKinder).” (BundesministeriumfürFamilie, Senioren, Frauenund, Jugend, 2018, tradução nossa). Neste caso o cartório emitirá ao requerente um certificado onde será indicado o nome, sobrenome e gênero da criança, a data de nascimento com a especificação “§31, Absatz 2 PStV” indicando que o certificado está de acordo com a seção 31, parágrafo 2 da PStV, entre outras informações.
Desta forma concedendo a todas as famílias de crianças que morreram intrauterinamente ou na ocasião do parto, a certificação de sua existência e de sua individualização a partir do direito de nomeá-las, quer seja através do registro de nascimento do natimorto, ou através da “certidão de aborto das SternenKinder”.
Na Irlanda o reconhecimento da importância de nomear o natimorto em registro, se deu primeiramente através da “Stillbirths Registration Act, 1994”, legislação que regula o registro de nascimento de natimortos, adotando como critério a definição de natimorto como uma criança nascida com peso igual ou superior a 500 gramas ou com idade gestacional igual ou superior a 24 semanas, que não mostre sinais de vida (Seção 1).
Proposto pelo Ministro da Igualdade e Reforma da Lei Mervyn Taylor, o Projeto de Lei teve como escopo propiciar não somente o registro oficial de natimorto, como também ajudar os pais enlutados a passarem pela experiência da perda de forma menos traumática. Adotando como fundamento basilar a essencialidade terapêutica do registro, uma vez que o reconhecimento legal do nascimento dá aos pais evidências tangíveis da existência do filho natimorto, trazendo conforto a eles. Como argumentação em debate, ao propor o projeto de lei Taylor (1994) assim dispõe:
[..]The establishment of a stillbirths register, as proposed in the Bill, would provide tangible evidence of the existence of stillborn children and so serve as a focus for the memories of bereaved parents [...] the rationale for stillbirths registration is essentially therapeutic. Stillbirths registration is primarily intended to comfort grieving parents [...].
Tendo como parâmetro a “Stillbirths Registraction Act”, a lei vigente que regula o registro de nascimento do natimorto, na Irlanda é a “Civil RegistrationAct 2004” que em seu capítulo 3 versa sobre o registro de nascidos vivos e natimortos.
Quanto a nomeação do natimorto, destaca-se que na legislação Irlandesa, o registro do natimorto assemelhasse ao dos nascidos vivos, onde constará o nome e sobrenome da criança, a data, o horário e o local do nascimento, entre outras especificações, entretanto, será anotado o peso e período gestacional da criança (GOVERNMENT OF IRELAND, 2020, tradução nossa). Destaca-se também a previsão de retroatividade na legislação, dando aos pais de natimortos nascido antes de 1995 a possibilidade de registrá-los de acordo com normas especificas dispostas em lei (seção 29).
Na legislação irlandesa, é notório que a nomeação do natimorto é pautada pelo sentimento e não por dados estatísticos e probatórios ou por razões lógicas, na medida em que a perda de um bebê pode ser a dor mais profunda que uma pessoa pode ter. Nas palavras do então Senador do painel do trabalho Dan Neville (1994):
It is important, too, that the baby is named so parents can use a name to talk about their baby to others. It will thus be It will thus be easier to refer to him or her in discussions with their other children and easier to connect memories to the baby if he or she is referred to by name.
O direito de nomear o filho natimorto evita o duplo trauma dos pais que ao perderem o filho tem o direito ao reconhecimento de sua existência e morte negados.
6 O NOME DO NATIMORTO NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
A Lei de Registros Públicos (LRP) é expressa quanto ao dever de nomear o nascido vivo e a criança que faleceu logo após o nascimento com vida, mas é omisso quanto a nomeação do natimorto. Ou seja, aquele que morreu no útero materno ou em decorrência do parto, apenas lhe reservando um registro em apartado, cujo conteúdo não faz alusão expressa a possibilidade de nomeação do natimorto, sendo vago ao dispor que tal registro será lavrado com os elementos que couberem no livro C-auxiliar, não especificando-os (artigo 53, §1º da LRP). Ressalta-se que apesar da lacuna existente na LRP quanto a nomeação do natimorto em registro, a falta de obrigatoriedade ou proibição de nomear expressa na lei, trata-se de questão meramente interpretativa. Não podendo ser alegado que a falta de disposição a favor, é justificativa para a proibição da nomeação do natimorto.
A carência de um rol taxativo na LRP quanto aos elementos que couberem no registro do natimorto, deixou a cargo das Normas de Corregedorias-Gerais de Justiça (NCGJ) a especificação de tais elementos, que no tocante ao nome, divergem-se. Nas NCGJ-MT e NCGJ-BA são expressas ao vedarem a nomeação, quando em seus artigos 859 e 584 respectivamente, diz que em caso de natimorto não será dado nome. Já nas NCGJ-SP, após revisão normativa das Normas de Serviço no Registro Civil, de forma antagônica, adotou a atribuição de nome ao natimorto como faculdade exercida pelos pais, dispensando o duplo registro (nascimento e óbito) análogo é o entendimento adotado pelas NCGJ-RO. O que possibilitou, em março de 2012, o registro de Sara, filha natimorta do casal Elias Germano Lúcio e Vanessa Gomes Lúcio, perante o cartório de Barueri (SP), atribuindo a ela, o nome que usaria caso tivesse nascido com vida. (PAIS E FILHOS, 2013)
Seguindo o mesmo caminho, o Desembargador Jones Figueiredo Alves, Corregedor- Geral da Justiça em exercício estabeleceu o provimento nº 12/2014, que faculta aos pais a de atribuição de nome, em caso de natimorto, no registro a ser assentado no Livro “C-Auxiliar”, com o índice em nome do pai ou da mãe, dispensando o assento de nascimento. Nas palavras de Alves no artigo “O nome ao natimorto é um direito humanitário”, Alves (2013) assim dispõe:
Desde a concepção e durante a vida intrauterina, a criança por nascer não será uma mera perspectiva de filho, mas uma pessoa a chegar, com personalidade jurídica de fato, tendo direito a um nome. O filho gestado significa o projeto parental já alcançado, de tal modo que, por isso mesmo, o nascituro já recebe dos pais um nome. Isso é fato que tem sido recorrente, a tanto que é preparada a sua chegada pondo-se-lhe o nome que o representa. (CONJUR, 2013)
Entendimento este, também adotado pelo Corregedor-Geral de justiça Kisleu Dias Maciel Filho do Estado de Goiás, ao assinar o provimento nº 30 de 14 de outubro de 2019, facultando a identificação do natimorto. Em depoimento ao Centro de Comunicação Social do TJGO em seu site oficial, O corregedor-Geral Maciel Filho (2019) assim dispõe:
A Justiça caminha hoje no sentido da humanização, da cooperação, de uma melhor prestação jurisdicional, mais digna, célere e eficiente. Isso representa um grande avanço para toda a sociedade, negligenciar às famílias enlutadas o direito de ter o nome do seu filho registrado oficialmente é atentar contra a dignidade humana, contra o sagrado e divino princípio de humanidade, da vida em si. A Corregedoria hoje se norteia por um viés muito mais humanizado, colaborativo, moderno e que prima não somente pela eficiência, mas pela dignidade de todos. (TJGO, 2019)
Entretanto, tais divergências e a carência de especificação clara e expressa em lei, ainda ensejam uma crescente demanda de famílias que já acometidas pelo luto, provocam o judiciário a fim de sanar a lacuna deixada pela omissão no ordenamento, buscando o reconhecimento de que a criança natimorta é integrante da família, ou foi, mesmo que somente pelo período em que estava no útero materno onde fora almejada, cuidada e amada pelos entes queridos, tentando lhe conferir dignidade através do reconhecimento legal do nome que haveria de usar em vida, mas que por vezes lhe é negada. Nas palavras de Jones Figueiredo (2013) “O filho, já esperado pelo nome que lhe seria dado, torna-se apenas o registro do feto que feneceu como sombra de si mesmo e feto, enquanto tal, por não ter vindo à luz com vida, mesmo que por mínima fração de tempo”.
É notório que o direito ao consentimento de atribuir nome ao natimorto garante tanto a dignidade do feto quanto a dignidade de sua família, pois para estes não resume o nome à apenas um fato registral e estatístico, o nome constitui-se em interesse essencial da pessoa (AMARAL, Francisco. 2015, p. 380). É a certificação de que aquela criança apesar de não ter nascido com vida, detém relevância jurídica para o Estado, visto ser ele um futuro cidadão que a sociedade também perdeu. Teixeira de Freitas ensina: “As pessoas por nascer existem, porque, suposto não sejam ainda nascidas, vivem já no ventre materno” (Esboço do Código Civil, Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1952, vol. I, nota ao art. 53).
Dada as constantes transformações, o tema chegou ao Congresso Nacional brasileiro em 2013, por iniciativa da Câmara dos Deputados. O projeto de Lei nº 88, de 2013 (nº 5.173 na Câmara dos Deputados), de autoria do Deputado Federal Ângelo Agnolin, pretendia modificar o art. 53, §1º da Lei de Registros Públicos, incluindo de forma expressa o prenome e sobrenome na lavratura do assento do registro de natimorto. O fundamento da lei esclarecia que mesmo nascido sem vida, o natimorto era um ser humano, dotado de humanidade e, por esse motivo, gozava da proteção jurídica concernentes aos direitos de personalidade.
Entretanto, o projeto de lei foi vetado pelo então Presidente da República em exercício, Michel Temer com a argumentação de que “a alteração poderia levar a interpretações que contrariariam a sistemática vigente na codificação civil, inclusive com eventuais efeitos não previstos para o direito sucessório”, o que é de fato controverso. Já que o registro de natimorto, efetuado no Ofício de Registro Civil de Pessoas Naturais, não possui natureza constitutiva, somente declaratória. Por conseguinte, o consentimento de nome não reflete o reconhecimento de personalidade jurídica para fins patrimoniais, pois o registro não é capaz de conceder tais direitos, mas apenas de assegurar a publicidade erga omnes desta circunstância. Também há de se esclarecer que negar o nome ao natimorto com fundamento no direito sucessório não é plausível, visto que algumas normas estaduais já concedem esse direito, ademais não será lavrado um registro de nascimento mas sim um registro de natimorto, constando de forma clara e expressa que aquela criança nasceu sem vida, o que não daria aos seus herdeiros o direito a participar da sucessão de bens, não interferindo, desta forma, no direito patrimonial.
As divergências e a carência de especificação clara e expressa em lei, ensejam uma crescente demanda de famílias que já acometidas pelo luto, provocam o judiciário a fim de sanar a lacuna deixada pelo ordenamento, tentando conferir dignidade ao natimorto através do reconhecimento legal do nome que haveria de usar em vida.
O parecer favorável a atribuição de nome ao natimorto vem mudando a vida de muitas famílias, que enxergam na justiça o amparo que a legislação não lhes conferiu. Nos dizeres da Juíza Patrícia Maiello Ribeiro Prado, a ação de retificação de registro civil para a inclusão do nome do natimorto:
Trata-se de procedimento de jurisdição voluntária de caráter administrativo, mas também e sobretudo emocional [...]. Afinal o nome ao natimorto é um direito humanitário, no seu espectro mais denso. Como bem destacou o d. Promotor de Justiça, e nas palavras do e. Desembargador Rui Portanova, bem é certo que omitir o nome representa “uma crueldade para com os pais, que já passaram pelo traumático evento da criança morta, e não precisam passar por uma segunda 'morte' do filho, desta vez causa pelo desprezo da ordem jurídica” [...] (TJSP, 5º Vara Cível, Comarca de São Paulo, Foro Regional III – Jabaquara. Ação de Retificação ou Suprimento ou Restauração de Registro Civil – Retificação de Nome nº 1043873-29.2020.8.26.0100, 20.06.2020)
Também de forma análoga, a Juíza Andréa Epaminondas Tenório de Brito, em sentença na Ação de Retificação de Certidão de Natimorto, deferiu o pedido de identificação do natimorto, tendo este morrido em 2009, o que identifica o caráter retroativo da decisão, fato este de suma importância visto que a possibilidade de nomeação do natimorto deve alcançar a todos que desejam assim fazê-lo.
A certidão de natimorto em questão fora lavrada no dia 09 de setembro de 2010, quatro anos antes da vigência do artigo 634 do Código de Normas dos Serviços Notariais e de Registros do Estado de Pernambuco, incluído pelo Provimento CGJ/Peº 12/2014 e publicado no DJE de 11 de setembro de 2014, dispositivo que prevê a consignação no assento de óbito do natimorto do prenome e sobrenome para ele escolhidos, sempre que solicitado pelo declarante [...] Por outro giro, como bem discorreu o desembargador Jones de Figueiredo Alves, decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, em artigo publicado junto ao sítio eletrônico Consultor Jurídico – CONJUR, “há um luto social diante do natimorto, filho dos pais que não o tiveram, e futuro cidadão que a sociedade não o recebeu. Esse luto tem, por certo, relevância jurídica, não resumida ao fato registral e estatístico”.¹ O sofrimento vivenciado por uma mãe em decorrência da morte de um filho é decerto um dos sentimentos mais lancinantes, algo sobremaneira intenso, sendo o deferimento da medida aqui perseguida um gesto de compreensão, solidariedade e ínfima tentativa de mitigação de uma dor tão pungente [...] Diante do exposto, julgo PROCEDENTE o pedido contido na inicial, amparada pela legislação acima referenciada. (TJPE, 12ª Vara de Família e Registro Cível da Capital. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE CERTIDÃO DE NATIMORTO nº 0081347-57.2019.8.17.2001)
Em argumento favorável a individualização do natimorto através do nome, o desembargador relator Luiz Felipe Brasil Santos assim disserta:
É por isso que o nascituro, desde a sua concepção, já tem – e deve mesmo ter – protegidos os seus direitos de personalidade, dentre eles, especialmente, o direito ao nome, talvez o que seja mais representativo da personalidade. A não ser assim, a mensagem remetida aos pais é que aquela criança gestada e esperada, que tanto significou para eles, e que foi tão presente na vida de cada um mesmo antes do nascimento, é um nada jurídico, que nem nome deve ter registrado. (Apelação Cível Nº 70057297814, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 30/01/2014).
(TJ-RS - AC: 70057297814 RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Data de Julgamento: 30/01/2014, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 04/02/2014)
Apesar dos tribunais brasileiros estarem se destacando na vida de algumas famílias ao permitir a nomeação de crianças natimortas, tais decisões pioneiras ainda são consideradas minoria, prolongando o sofrimento e o sentimento de injustiça as famílias que apenas buscam o reconhecimento da existência do filho perdido que permanecerá na memória daquelas, sendo lembrado pelo nome que haveria de usar em vida.
Portanto, negar o nome ao natimorto é negar sua existência, perpetuando a dor das famílias enlutadas, que enxergam a falta de empatia e o desprezo para com seu alento no ordenamento jurídico, tratando o natimorto como “coisa” e seu registro como mero dado estatístico, desumanizando-o e diminuindo a dor de sua perda e relevância. Se tornando apenas um registro vazio para mães que vão voltar para casa de braços vazios.
O princípio da dignidade da pessoa humana como matriz do direito constitucional e infraconstitucional evidência a luta por um ordenamento mais humanista, que visa sanar os anseios de uma sociedade em constante evolução que pleiteia por direitos intrínsecos a personalidade humana, onde a sua aplicabilidade esteja não somente nas relações dos indivíduos com o Estado mas também nas relações privadas. Entretanto, ainda nos deparamos com um obstáculo a respeito do direito legal ao nome do natimorto, que, apesar de ser um ser humano, por não ter alcançado a vida extrauterina, não tem sua personalidade legitimada de maneira integral, desrespeitando o princípio constitucional da dignidade humana.
Apesar da perda de uma criança ser uma das dores mais profundas sentidas pelo ser humano, o Direito se recusa a reconhecer que negar aos pais a faculdade de nomear um filho que nasceu sem vida, além de ferir a dignidade do natimorto, também fere a dignidade da família que já sofre pela dor do luto. Não reconhecendo que a legitimação do nome ao natimorto, para os pais, é mais do que um nome em registro para fins estatísticos e probatórios, é a prova concreta da existência do seu filho.
Neste estudo, com fundamentação na dignidade humana buscou-se trazer as convicções existentes relativas à personalidade jurídica e se o natimorto galga de tal personalidade, tendo como favorável o entendimento da I jornada de direito civil. Bem como um estudo sobre a importância de nomear o natimorto, para as famílias enlutadas.
Foi exposta, ainda, uma análise de legislações estrangeiras que concedem o direito de nome ao natimorto, tanto de forma obrigatória, quanto facultativa, como forma de dignificar a memória do natimorto e da família e, também de confortar os pais diante da sua perda estimável, tendo por fim evitar o duplo trauma de perder o filho e ter sua existência e morte negados, causado pelo desprezo da ordem jurídica.
Com amparo na legislação nacional, constatou que apesar da Lei de Registros Públicos, que regula o registro de natimorto, não ser expressa quanto a possibilidade de nomeação do natimorto, a lacuna deixada é meramente interpretativa, visto que a LRP não somente não possibilita como também não proíbe a nomeação do natimorto em registro próprio. Porém, a forma com que as Normas das Corregedorias-Gerais da Justiça Estaduais encontraram de sanar tal lacuna, divergem-se, onde parte delas proíbem expressamente a nomeação legal do natimorto, e outras, no entendo, facultam aos pais o direito de nomeá-lo. Ocasionando, desta forma, o acionamento do poder judiciário por parte dessas famílias que tiveram seu direito cerceado, a fim de conferir dignidade através do nome que o natimorto haveria de usar em vida. E o que se percebeu foi que, embora o entendimento dos tribunais seja a favor do direito ao nome do natimorto, tais decisões ainda são minorias. Também foi analisada a tentativa de modificação do §1º do artigo 53 da Lei de Registros Públicos a fim de legitimar a nomeação do natimorto, que foi vetada pelo poder executivo com fundamento errôneo de que poderia ensejar efeitos não previstos no direito de sucessão, o que não é plausível visto que o nome do natimorto não garante a ele direito de participar de sucessão de bens, pois não possui natureza constitutiva mas, sim, declaratória, para fins de publicidade.
Conclui-se do presente estudo que é legitimo pleitear o direito ao nome do natimorto com fundamento nos direitos da personalidade em razão de ser o natimorto um ser humano, um indivíduo com direitos garantidos desde a concepção, sendo a ele resguardado o direito ao nome. Neste aspecto, é necessário destacar que ainda que o natimorto em si possa não deter os direitos da personalidade, desconsiderando o nome como um dos direitos a ele conferidos, a família, com fundamento na dignidade humana e no afeto, deteria o direito de nomeá-lo. Destaca-se que se faz necessário imputar ao Estado o ônus de proporcionar dignidade a todas as pessoas, quer elas tenham nascido com vida ou não, com destaque ao nome, como forma de validar a existência daquele que um dia fora almejado e amado por seus familiares, que apesar da sua breve existência, foi um ser humano e não somente um número de registro para fins de contabilização, não sendo plausível dar mais importância a um suposto patrimônio que evidentemente não será afetado em detrimento a dor psicológica dos pais que voltam para casa de braços vazios e com um registro “sem valor”. Pensar de outra forma seria caminhar em sentido oposto ao pensamento jurídico humanista, que coloca o ser humano como centro e fim do ordenamento.
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Bacharelando em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CABRAL, kimberly caroline. Mães de braços vazios: desamparo legislativo no registro do nome do natimorto Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 out 2020, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55338/mes-de-braos-vazios-desamparo-legislativo-no-registro-do-nome-do-natimorto. Acesso em: 23 dez 2024.
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