RESUMO: Este artigo tem a intenção de explanar, ainda que de forma breve, o conceito de transferência de tecnologia à luz do ordenamento jurídico brasileiro e observar como os contratos de offset, como se convenciona denominar na nomenclatura internacional, são concretizados seguindo as regras da Administração Pública brasileira e as normativas de Direito Internacional Público como impõem os compromissos acordados junto à Organização Mundial do Comércio em tema de compras governamentais, especialmente sua aplicação no case da escolha dos caças da Força Aérea Sueca – Gripen. Inicialmente traremos ao artigo as conceituações jurídicas conforme o Direito Privado, com as denominações próprias emprestadas do Direito Empresarial, sem as quais não seria possível apresentar a definição específica do instrumento cabível e típico nos contratos de transferência de tecnologia, no caso o know-how, possibilitando ao leitor tomar notas do tema e o conjugar com as regras de Direito Administrativo pertinentes à República Federativa do Brasil que vincularam a Força Aérea na celebração do acordo de transferência de tecnologia.
Palavras-chave: Transferência de tecnologia.Direito Administrativo. Desenvolvimento.
ABSTRACT: This paper intends to explain, albeit briefly, the concept of technology transfer in the Brazilian legal system and to observe how offset contracts, as it is conventionally called in the international nomenclature, are implemented following the rules of Public Administration Brazilian Law and the rules of International Law as required by the commitments agreed with the World Trade Organization on government procurement, especially its application in the case of the choice of Swedish Air Force fighters - Gripen. Initially, we will bring to the paper legal concepts according to Private Law, with their own names borrowed from Business Law, without which it would not be possible to present the specific definition of the applicable and typical instrument in technology transfer contracts, in this case know-how, allowing the reader to take notes on the topic and to combine it with the rules of Administrative Law pertinent to the Federative Republic of Brazil that bind the Air Force in the conclusion of the technology transfer agreement.
Keywords: Technology transfer. Administrative Law. Development.
Sumário: Introdução. 1. Transferência de Tecnologia. 2. Licitações e a Transferência de Tecnologia. 2.1. A Licitação Internacional das aeronaves de combate Gripen. 3. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
Neste mês de setembro de 2020 em que a Organização das Nações Unidas comemora seu septuagésimo quinto ano de existência e de encontros anuais a partir da Assembleia-Geral reunida e aberta pelo Brasil seguindo uma tradição diplomática resultante da importância do país no mundo[1], o país recebe no porto de Navegantes, Santa Catarina, a primeira aeronave de combate F-39E Gripen adquirida em contrato de transferência de tecnologia do governo sueco e da empresa SAAB, concretizando os primeiros passos rumo à autossuficiência tecnológica em questão de aeronaves de combate a jato, os caças da Força Aérea.
O artigo visa trazer ao leitor a partir do método descritivo e de pesquisa bibliográfica as características do modelo de contrato celebrado, qual seja, de transferência de tecnologia ou contratos de offset, dentro de uma perspectiva do Direito Empresarial e da teoria dos contratos, porém abrangendo e mirando nas regras de Direito Administrativo que são específicas ao contrato em análise em razão da observância vinculada ao mandamento constitucional da realização de licitação.
Ademais do cumprimento do mandamento, também o Brasil deve observar como realmente o fez no caso em tela a primazia do desenvolvimento nacional, objetivo assegurado no artigo 3º da Constituição Federal, sempre à mente com as regras da Administração Pública e os compromissos do Direito Internacional – não se pode ignorar que o Brasil nas várias rodadas de negociação do comércio internacional se comprometeu com acordos em tema de compras governamentais - junto à Organização Mundial do Comércio.
Sob uma perspectiva internacional e de pactos de segurança e defesa, ainda assim precisamos tratar do Direito Privado com o necessário zelo, pois mesmo que estejamos a falar de Direito Internacional, Soberania ou Guerra, são as relações comerciais que unem o mundo em tempos de paz. Sendo que à luz da teoria dos contratos empresariais nos socorreremos para colocar em foco os contratos de transferência de tecnologia, e a especifidade do know-how, e prosseguindo ao rito típico das licitações, enfaticamente a licitação internacional que possibilitou a aquisição de um verdadeiro pacote de Defesa e Soberania: a compra da tecnologia e a permissão de desenvolvimento de 34 caças Gripen e a segurança do desenvolvimento de um parque tecnológico no Brasil com vistas à independência na tecnologia de fabricação de caças de combate no Brasil em parceria com a Embraer.
1. A Transferência de Tecnologia
Tópico correlato à teoria dos contratos empresariais, mas que é diverso no caso em tela como será explanado, a transferência de tecnologia está estritamente vinculada ao desenvolvimento nacional e às concepções de economia nacional de modo umbilical ao desenvolvimento industrial e, consequentemente, às dificuldades que muitos países possuem em desenvolver parques tecnológicos próprios e se tornarem independentes de deveres como royalties e direitos de uso e compensação de tecnologia estrangeira. A pesquisa, elaboração e, ab initio a escolha de um asset a investir compreende o desejo de independência nacional em determinadas tecnologias e recursos que podem estar diretamente ou indiretamente conectados ao interesse nacional.
A pesquisa e desenvolvimento de um potencial tecnológico de um país traz em seu bojo tanto o desejo de independência tecnológico quanto a autonomia nas decisões em relação ao bem tecnologicamente e sua utilização. Quando o país não dá o primeiro salto do big bang tecnológico abrindo um primeiro éden tecnológico, faz-se necessário que uma determinada tecnologia seja adquirida mediante outras formas, podendo ser através do conhecimento adquirido pelo aprendizado das fontes primárias ou pela contratação de conhecimento alternativo - em regra estrangeiro quando falamos em Estados soberanos - para fins de suprir a demanda interna deste país.
O Direito Empresarial e a Economia nos apresentam através da incorporação de inovações tecnológicas uma multiplicidade de argumentos acerca da imperiosa expansão de volume físico da produção que permite suprir a demanda crescente de produtos. Forçosamente, aliás, é imprescindível lograr um conhecimento dos fatores que condicionam o processo de modernização tecnológica das economias em desenvolvimento sem deixar de discorrer sobre uma perspectiva ampla destas economias, de suas características fundamentais e experiência de desenvolvimento como também de suas tendências e metas futuras.
Não há que se ignorar que os contratos de transferência de tecnologia estão presentes não só no dia-a-dia de muitas empresas, mas também no de muitas entidades estatais, sendo não só uma questão de economia, mas também de segurança, saúde etc. Como leciona Sílvio Venosa (2011), sob a denominação genérica de transferência de tecnologia,reúnem-se as mais diferentes figuras contratuais, não raro com características específicas, em que o objeto principal é o conhecimento tecnológico facultado de um sujeito a outro, para que este último o explore empresarialmente. Cuidam-se de direitos intelectuais, bens materiais ou imateriais. O negócio jurídico, em si, é valorado por royalties, que serão pagos ao detentor originário da tecnologia, geralmente cedente.
Por se tratarem de contratos geralmente atípicos não há uma nomenclatura dos vários contratos que abrangem a dita transferência de tecnologia, bem como estes acabam muitas vezes aparecendo de formas mistas, combinadas entre si. Podemos citar como exemplos: contrato de know-how, contrato de licença, contrato de assistência técnica, bem como os acordos de compensação e offset mais tradicionais no setor de Defesa e Segurança Nacional.
Mesmo que atípicos, os contratos de transferência de tecnologia apresentam algumas características uníssonas tais como a limitação do uso da tecnologia, a temporariedade da cessão ou sua definitividade e as obrigações do cedente e cessionário.
Outrossim, a transferência de tecnologia pode ser privada ou pública, quando privada poderemos tratar de contrato de transferência de tecnologia, enquanto que nas relações de direito público poderemos nos deparar com tratados internacionais, sendo um dos casos mais famosos o famoso Lend and Lease Act dos Estados Unidos que permitiu ao Brasil se equipar belicamente durante a Segunda Guerra Mundial, como lecionam Cervo e Bueno sobre o tratado e a formação da Força Aérea Brasileira no período:
“Uma vez criado o Ministério da Aeronáutica, em 20 de janeiro de 1941, cuidou-se da modernização da Força Aérea Brasileira (FAB). (…) Os Estados Unidos forneceram, também, aviões de instrução, no âmbito do Lend-Lease no decurso dos anos de 1942, 1943 e 1944.”[2] (Grifo nosso).
Podemos apontar que a transferência de tecnologia pode ser simples, sendo o melhor caso o know-how, em que não se fala em transmissão de mais outras informações, apenas a tecnologia objeto da avença. De outro lado, existe a possibilidade de transferência de tecnologia conjugada a outros direitos, o que parece ter ocorrido em vários casos de desenvolvimento tecnológico brasileiro como é o caso do Acordo Nuclear de 27 de junho de 1975 assinado em Bonn, Alemanha Ocidental, que resultou nos primeiros passos para a independência energética brasileira e o desenvolvimento de um verdadeiro programa nuclear para fins energéticos e científicos[3].
A legislação brasileira sobre desenvolvimento tecnológico trouxe a matéria com a criação da autarquia INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) ao regular o tema da transferência de tecnologia e prever uma série de regras, entre as quais o Ato Normativo nº 15/75 impôs que os contratos em tela fossem averbados contratos no INPI com vistas a dar “eficácia perante terceiros”, “legitimar os pagamentos internos e internacionais, permitindo a agilização fiscal” e “comprovar a exploração efetiva da patente ou o uso efetivo da marca no país”.
O know how é o instrumento que adjetiva a transferência de tecnologia, caracteriza determinadas avenças, permite qualificar a transferência de tecnologia em quando falamos em tecnologia altamente restrita e de Defesa estamos em verdade falando em essência sigilosa do tratado que estabelecerá os deveres e direitos entre cedente da tecnologia e o cessionário. O know-how nos contratos e tratados de Defesa ganham ainda mais importância pois submetem os envolvidos a compromissos gravosos que afetam a soberania das suas ações. Basta imaginar que se o Brasil, detentor de alguma tecnologia estadunidense, e.g., vendesse determinada tecnologia inicialmente adquirida dos EUA a um país alvo das sanções desse estaria rompendo o convencionado e sujeito também a sanções que poderiam afetar gravemente a economia nacional.
O Know-how, devemos apontar, é diverso da assistência técnica em razão da natureza das atividades, sendo que o primeiro se dá com a tradição do bem imaterial, incluindo o que pode ter de mais sigiloso na tecnologia, já no segundo se fala somente em prestação de serviços.
Sobre o assunto, Akira Chinen aponta a tecnologia como “mercadoria diferente das demais em sua forma, por ser impalpável e não visível; é algo que existe só no domínio das ideias e sem base material”[4].
Hoje, o avanço tecnológico é sinônimo de desenvolvimento econômico. É o que separa os países periféricos das superpotências industriais. É o que separara as empresas modernas das condenadas à superação e falência. O desigual domínio internacional de a tecnologia poder ser refletido em 85% das patentes de invenção apresentadas no mundo provém dos países altamente industrializados, enquanto que menos de 20% originavam-se de países em desenvolvimento. Uma vertente econômica, porém, considera que países em desenvolvimento devem comprar das nações mais avançadas tecnologias necessárias ao seu progresso em um nítido caso de teoria ricardiana. O argumento utilizado é o de que a pesquisa e o desenvolvimento da tecnologia tem um custo muito alto e correm o risco de ficaram superados por outros concorrentes, antes mesmo de sua conclusão ou implantação.
Como segredo absoluto de fábrica, restrito a um número limitado de pessoas, nem sempre o know-how industrial fica imune à quebra de sigilo e de proteção. São vários os exemplos de espionagem internacional, relacionados a novos armamentos, arsenais nucleares e convencionais, poderio ofensivo, instalações ou estratégias militares.
2.Licitações e a Transferência de Tecnologia
Como já exposto, para que uma empresa disponha de tecnologia adequada a seus processos produtivos, existem dois caminhos possíveis: obtê-la por meios próprios ou adquiri-la de terceiros. A opção por um ou outro dependerá de uma série de fatores cujo exame excede, em muito, os objetivos do presente estudo. Contudo, entre os principiais fatores que, na prática empresarial, costumam ter peso considerável, podem ser citados: os recursos econômicos e humanos da empresa; o setor industrial em que sua atividade é desenvolvida; e o ambiente socioeconômico, político e cultural em que a empresa exerce sua atividade.
De qualquer maneira, a transferência de tecnologia implica na transmissão ou no intercâmbio entre dois ou mais sujeitos. A transferência pressupõe, de um lado, a existência de um controlador da tecnologia e, de outro, de um dependente que carece dessa tecnologia e a necessita. Portanto, a transferência de tecnologia compreende, na realidade, as operações de aquisição e de disponibilidade.
Contemplada pelas perspectivas do concedente e do adquirente, costuma-se atribuir à transferência de tecnologia uma série de benefícios para ambos. Para o receptor ou adquirente, se destacam como principais benefícios a aquisição de tecnologia que permita uma competitividade maior no mercado e a complementação de seus próprios programas de desenvolvimento, além de atrair novos mercados. Para o concedente há grandes benefícios receber direitos (royalties) pela transferência de tecnologia e obter rentabilidade por uma tecnologia ainda inexplorada, etc.
Destarte, em razão de sua importância, em especial quando se trata de importação, é tradicionalmente vista pelo poder público como uma atividade que importa certos riscos que podem ser evitados mediante um sistema de proteção e controle. Entre esses riscos destacam-se o pagamento de preços e royalties excessivos, com remessa de divisas para o estrangeiro, a aquisição de tecnologia obsoleta ou inadequada e, sobretudo, o risco de subordinar a economia do país às grandes potências ou aos complexos industriais multinacionais. Tudo isto levou a que a Administração Pública, especialmente dos países importadores de tecnologia, assumisse um papel de guardiã da ordem econômica, com a finalidade de restabelecer o equilíbrio através do apoio à parte mais fraca.
Uma das primeiras manifestações da política pública de controle em questões de transferência de tecnologia foi a Decisão no. 24 (de 31 de dezembro de 1970) da Comissão do Acordo de Cartagena que estabelecia que todo contrato de importação de tecnologia e sobre patentes e marcas, deveria ser examinado e submetido à aprovação do organismo competente do respectivo País Membro. No Brasil, o título VI da Lei de Propriedade Industrial de 1996, também prevê um certo grau de intervenção do INPI em relação às operações de transferência de tecnologia.
Entretanto, como no case tratado no trabalho, quando a Administração Pública busca adquirir transferência de tecnologia deve seguir um iter diferenciado do seguido pelas demais pessoas jurídicas, isso se dá em razão da Administração Pública se reger por outros princípios, como a Legalidade estrita, competindo, portanto, à Administração Pública fazer apenas o que lhe for estipulado por Lei, além de seguir às normas de contrato público.
2.1. A Licitação Internacional das aeronaves de combate Gripen
Ao tratarmos de uma compra de material com transferência de tecnologia realizada pela Administração Pública, em razão do Princípio da Igualdade e do disposto no artigo 37, XXI, da Constituição Federal de 1988, além da Lei 8.666/93, que disciplinam o tema, nos colocamos em seara eminentemente pública, diferenciando, portanto, das outras formas do direito privado e sua autonomia. Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro[5], podemos nos ater aos princípios da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, da legalidade, impessoalidade e moralidade, não excluindo outros princípios de Direito Administrativo.
O case retratado no trabalho é de compra de aviões de caças e a transferência de tecnologia, tal aquisição se dá por compra, a qual se exige licitação, pois a compra se destina à União, mais especificamente à Força Aérea Brasileira. Sua obrigatoriedade se encontra no artigo 2o. da Lei 8.666/93 que exige licitação para os contratos de obras, serviços, compras, alienações, concessões e permissões de serviço público. Entretanto, em conseqüência da busca por aparelhos de defesa com alta tecnologia não existente no país, viu-se o Brasil obrigado a realizar licitação internacional, portanto possuindo características diferenciadas.
A Lei 8.666/93 impõe entre as modalidades de licitação, a concorrência, que será obrigatória como segue:
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
(…)
§ 3o A concorrência é a modalidade de licitação cabível, qualquer que seja o valor de seu objeto, tanto na compra ou alienação de bens imóveis, ressalvado o disposto no art. 19, como nas concessões de direito real de uso e nas licitações internacionais, admitindo-se neste último caso, observados os limites deste artigo, a tomada de preços, quando o órgão ou entidade dispuser de cadastro internacional de fornecedores ou o convite, quando não houver fornecedor do bem ou serviço no País. (Grifo nosso).
A decisão de compra que resultou nesta grande licitação internacional remonta aos anos 1990, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso - mas mesmo no período liberal de Collor - já se debatia a necessidade de modernização da FAB, que contava com seus caças Mirage, AMX A-1 e F-5 em começo de deterioração e com aumento de custos de manutenção que eram sabidos que se tornariam excessivos após mais algumas décadas.
O Projeto FX, antecessor do Programa de Aquisição dos Caças Gripen, ocorreria como é da natureza das licitações internacionais previstas na Lei de Licitações e Contratos, ocorrendo a abertura da licitação, com o recebimento dos documentos de habilitação, posteriormente sua abertura com as propostas dos já habilitados, ao que se seguiria a verificação de cada proposta com a avaliação dos projetos mais adequados ao interesse nacional e, por fim, a contratação da empresa vencedora com a homologação e adjudicação do objeto licitado, como rege a Lei 8.666/93.
O projeto à época foi afastado ou postergado em razão da crise econômica e das reformas que o país atravessava, enquanto que coube à FAB continuar os estudos e que decidiram pela reformulação do projeto, mas com a aquisição de tecnologia suficiente que permitisse ao país ter o controle e autonomia de desenvolver melhores aeronaves considerando as dimensões continentais e o interesse na América do Sul.
Somente no fim dos anos 2000 que o projeto foi retomado, agora com a alcunha de FX-2 e no propósito amplo de compra do pacote como um todo, aeronave e tecnologia, com preferência na licitação ao licitante que ofertasse maior tecnologia. A retomada do projeto confluiu com a publicação da Estratégia Nacional de Defesa e a reformulação dos objetivos de Defesa do Brasil, como explicitou o Embaixador Celso Amorim, à época da escolha dos Caças Gripen Ministro da Defesa:
“Forças Armadas bem aparelhadas e adestradas minimizam a possibilidade de agressões, permitindo que a política de defesa contribua decisivamente com a política externa voltada para a paz e o desenvolvimento”[6] (Grifo nosso).
A legislação mais concernente ao tema por mais que possa parecer ser a Lei 8.666/93 em verdade é a Lei 12.598 de 2012, especial em relação àquela, que dispõe inter alia:
Art. 1º Esta Lei estabelece normas especiais para as compras, as contratações e o desenvolvimento de produtos e de sistemas de defesa e dispõe sobre regras de incentivo à área estratégica de defesa.
Parágrafo único. Subordinam-se ao regime especial de compras, de contratações de produtos, de sistemas de defesa, e de desenvolvimento de produtos e de sistemas de defesa, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e privadas, as sociedades de economia mista, os órgãos e as entidades públicas fabricantes de produtos de defesa e demais entidades controladas, direta ou indiretamente, pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, são considerados:
I - Produto de Defesa - PRODE - todo bem, serviço, obra ou informação, inclusive armamentos, munições, meios de transporte e de comunicações, fardamentos e materiais de uso individual e coletivo utilizados nas atividades finalísticas de defesa, com exceção daqueles de uso administrativo;
II - Produto Estratégico de Defesa - PED - todo Prode que, pelo conteúdo tecnológico, pela dificuldade de obtenção ou pela imprescindibilidade, seja de interesse estratégico para a defesa nacional, tais como:
a) recursos bélicos navais, terrestres e aeroespaciais;
b) serviços técnicos especializados na área de projetos, pesquisas e desenvolvimento científico e tecnológico;
c) equipamentos e serviços técnicos especializados para as áreas de informação e de inteligência; (Grifo nosso).
Desta maneira há um contrato internacional visando à aquisição de material de defesa conjunto com transferência de tecnologia, com o objetivo posterior de explorar, manter, adaptar tais tecnologias, principalmente em área sensível como a de Defesa.
Foram requisitos mais destacados para a licitação internacional de compra de caças e transferência de tecnologia:
- habilitação de documentos, com autenticação consular e tradução por tradutor juramentado;
- foro de eleição, que será a sede da Administração Pública;
- diretrizes de política monetária do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central;
- modalidade de concorrência;
- divulgação pública ampla, objetivando dar conhecimento às empresas;
- respeito às normas da OMC, em especial quanto ao tema “segurança”, além de observância das normas emanadas das organizações internacionais.
O procedimento da concorrência, apropriado em razão do valor, compreende as seguintes fases: edital, habilitação, classificação, homologação e adjudicação. Portanto, a futura compra dos aviões caças e da transferência de tecnologia deverá seguir, em geral, as normas legais apropriadas já citadas, porém, em razão do sigilo da matéria, segurança nacional, tais procedimentos se dão em certo sigilo, existindo publicidade em quase todos os procedimentos, ressalvados os casos que possam afetar a segurança nacional.
3. Conclusão
Nos comemorativos dos 75 anos de Organização das Nações Unidas o Brasil recebe a primeira aeronave Gripen E de um total de 36, o que pode parecer pouco pacífico ou sinal de uma concentração típica de país que planeja atos bélicos. Ocorre que a compra internacional mediante transferência de tecnologia dos caças no projeto F-X2 tem o objetivo de consagrar a tradição pacífica do Brasil, à luz do artigo 4º da Constituição Federal de 1988 que resguarda a paz e a cooperação na América Latina.
A aquisição das aeronaves vem no bojo da Estratégia Nacional de Defesa que visa proteger o país e o preparar para realizar atos dissuasórios em uma eventual ameaça. Basta ver que o país não programou a compra de mais 100 aeronaves de combate como faria qualquer outro país com as dimensões continentais do Brasil. Fez-se, pelo contrário, uma opção pelo possível e bom, conseguimos realizar uma licitação internacional com transferência de tecnologia, ao menos parcial, que permitiu ao Ministério da Defesa resguardar seus outros tantos valiosos projetos e que não drenou o orçamento nacional como um todo, em que pese a crítica de parcela da imprensa.
É digno de nota que a moralidade administrativa e a proporcionalidade combinadas com a estrita legalidade e o mandamento constitucional da manutenção da paz estão preservadas e não há sinais de vícios ou imoralidades na realização desta importante licitação internacional. É sabido e o país ainda sofre as consequências políticas, econômicas e sociais de erros e crimes cometidos envolvendo grandes contratos e compras governamentais nos últimos anos nas mais variadas situações e frentes em que o Estado Brasileiro atuou. Que o país aprenda a conciliar o desenvolvimento nacional com a probidade mais rígida, garantindo a todos um país justo, digno e solidário.
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[1] Em livro de autoria deste autor narramos o episódio que resultou na escolha do Brasil como país a abrir a Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas como primeiro orador. Ver O G-4 e a Reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas: O Brasil na ONU, p. 46.
[2] História da Política Exterior do Brasil, p. 286
[3] Idem, p. 441-442.
[4] CHINEN, Akira. Know-how e Propriedade Industrial, São Paulo: Editora Oliveira Mendes, 1997, p.5
[5] Direito Administrativo, p. 354
[6] A grande estratéia do Brasil: discursos, artigos e entrevistas da gestão no Ministério da Defesa (2011-2014). p. 38.
Mestrando em Ciências Aeroespaciais no PPGCA da Universidade da Força Aérea. Advogado e professor, graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2014). Especialista em Direito Ambiental, Direito Constitucional e Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes. Tem experiência na área de Direito Público, especialmente Direito Internacional Público e Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Thiago dos Santos. A transferência de tecnologia da Força Aérea Brasileira: compra governamental internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 out 2020, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55339/a-transferncia-de-tecnologia-da-fora-area-brasileira-compra-governamental-internacional. Acesso em: 23 dez 2024.
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