Resumo: Este presente trabalho acadêmico vem elucidar sobre a situação dos moradores de rua no Brasil partindo-se de um contexto histórico de como esses surgiram e se fixaram em condição de pobreza resultando a cada ano num aumento cada vez mais significativo dos índices de indivíduos se instalando nas ruas. Não obstante, traz também a óptica dos Direitos Humanos em Immanuel Kant e como esses parecem estar vislumbrados sobre a vida daqueles que sua residência é a rua. Adstrito, o trabalho também aborda o sistema jurídico brasileiro em concomitância à Carta dos Direitos Humanos, vindo a mostrar formas de alterar a realidade dessas referidas pessoas a partir do respaldo da lei. Outrossim, declara em corolário o porquê dos albergues não terem plena eficácia na vida desses humanos e escrutina meios de inserir tais sujeitos à economia da República Federativa do Brasil.
Palavras-chave: Moradores de rua. Pobreza. Direitos Humanos. Immanuel Kant. Albergues. Oportunidade de emprego.
Sumário: 1. Introdução. 2. Proêmio da existência dos moradores de rua; 2.1. Conceito de pobre e pobreza; 2.2. Pobreza nos tempos antigos: herança da antiguidade tardia; 2.3. O dever da esmola; 2.4. Os séculos VII-XI; 2.5. Uma presença permanente; 2.6. Contrastes e escândalos; 2.7. A urgência da caridade; 2.8. Florescimento das instituições de assistência; 2.9. Realidades e decepções. 3. Immanuel Kant e sua influência para os Direitos Humanos. 4. Os Direitos Humanos e os indigentes das ruas. 5. Os albergues e sua ineficiência. 6. Inserção dos moradores de rua no mercado de trabalho. 7. Conclusão. 8. Referências.
1.Introdução
É incontrovertível que o ser humano é um fim em si mesmo. Possessor de direitos, detentor do princípio mais exímio, o princípio da dignidade humana, ser que tem personalidade jurídica a partir do nascimento e até mesmo o reconhecimento de sua plena capacidade à vida civil perante o ordenamento jurídico brasileiro. Em contrapartida as mais jubilantes garantias humanitárias, estão aqueles que possuem sua vida fixada nas ruas das cidades, os moradores de rua.
Sob essa lente que é necessário entender as causas históricas e materiais que fizeram instituir as pessoas de direito em pessoas ao relento. Analisar sob a égide dos Direitos Humanos e da Constituição Federal Brasileira seus direitos e como esses parecem ser, simplesmente, vedados àqueles que se encaminham para as ruas. Ademais, não basta apenas mostrar, mas buscar medidas para extinguir tal condição desumana e degradante contínua.
2.Proêmio da existência dos moradores de rua
2.1Conceito de pobre e pobreza
Para iniciar o presente estudo é preciso entender a diferença dos conceitos de “pobre” e “pobreza”. Michel Mollat opta por uma abordagem do pobre e da pobreza a partir da submissão de um conjunto de infortúnios.
O pobre é aquele que, de modo permanente ou temporário, encontra-se em situação de debilidade, dependência e humilhação, caracterizada pela privação dos meios variáveis segundo as épocas e sociedades, que garantem força e consideração social: dinheiro, relações, influência, poder, ciências, qualificação técnica, honorabilidade de nascimento, vigor físico, capacidade intelectual, liberdades e dignidades pessoais. Vivendo no dia-a-dia, não tem qualquer possibilidade de revelar-se sem a ajuda de outrem. (MOLLAT, 1989, p.5)
Ou seja, o pobre é determinado pelo meio, coagido pelas situações reversas do percurso da vida, logo, insere-se na pobreza, característica de um ambiente desprovido de recursos básicos, como a simples dignidade. E como bem declarou Mollat, não tem mais o ser pobre a possibilidade de viver sem a dependência de outro ser humano.
Adstrito a esse pensamento, encaixa-se o dito de Karl Marx inserido na obra “Miséria da Filosofia”.
Veio um tempo, enfim, em que tudo aquilo que os homens consideravam inalienável se tornou objeto de troca, de tráfico, e podia alienar-se. Foi o tempo em que as coisas que até então eram transmitidas, mas jamais trocadas, dadas, mas jamais vendidas, adquiridas, mas jamais compradas – virtude, amor, opinião, ciência, consciência etc. -, o tempo em que tudo passava pelo comércio. Esse tempo foi o da corrupção geral, da venalidade universal ou, para falar em termos de economia política, o tempo em que todas as coisas, morais ou físicas, tornando-se valores venais, são levadas ao mercado para que sejam apreciadas em seu mais justo valor. (MARX, 1847, p.47)
Torna-se perceptível que quanto mais o tempo evolui mais parece que o ser humano aliena o próprio ser humano. Clarifica-se como todo o amor da humanidade para a humanidade transformou-se venal. Como toda virtude parece estar apenas no texto escrito do “dever-ser” das leis mas não no “ser” da vida social. Como a opinião dos homens em relação aos outros homens já não leva em consideração esses como um fim em si mesmos, mas objetificado e passível de descarte. Como a ciência humana mutabilizou-se em mera descrição dos fenômenos sociais, longe da via de mudança que proporam os sociólogos. Como a consciência e a empatia viraram venalidade universal, meio da mídia para reger a conduta social, afim de transparecer o correto com um fim econômico incumbido nas intenções das grandes redes dominantes da modernidade. O homem usa o homem apenas como um meio de conquista cada vez maior da venalidade.
2.2 Pobreza nos tempos antigos: herança da antiguidade tardia
Precipuamente, é preciso entender que o estado de pessoa desprovida de condições mínimas a ser detentora de uma residência, ou de apenas um lugar para repousar longe do relento, começou a ser imposto a determinada classe desde muito tempo pregresso. Com o surgimento da grande Roma, por exemplo, surgiram grandes mazelas, como o agravo no campo pela falta de sementes, condições climáticas, mas também pelos abusos dos poderosos que tornavam o camponês endividado e o escravizava. Para fugir dessa miséria, deslocavam-se grupos de pessoas para as cidades onde aumentava até números “escandalosos” a massa de miseráveis urbanos que gozavam de uma situação ambígua: repressão e caridade. Mais à frente, pelo século IV, as condições sanitárias precárias e as deficiências alimentares (principalmente vitaminas A, B e D) deixavam o pobre mais exposto a doenças, verminoses e à peste. A diferenciação entre pobre válido (trabalhador pobre) e o pobre inválido (mendigo) é usada nessa época e tem características comuns.
Ainda sob esse espectro, os pobres habitavam prédios públicos ou mesmo cabanas simples feitas em meio a rochedos e cavernas. Porém, o limiar entre validez e invalidez estava na capacidade para o trabalho, e a invalidez era ou uma questão política (desemprego e vagabundagem) ou moral (velhos, doentes, deficientes, órfãos). Desde logo a Igreja cuidou de criar estabelecimentos (“asilos para os pobres e estrangeiros”), e tais estabelecimentos estavam eminentemente em suas mãos, e esta cooperava com o poder imperial para oferecer ajuda aos desvalidos.
2.3 O dever da esmola
Nos tempos dos séculos V e VI, chama-se idade dos bispos, pois, a partir da Decretal de Simplício (468-483), fica determinado que o bispo deve dedicar ¼ de seus rendimentos para os mais pobres (embora não do patrimônio pessoal do bispo). Ele deve fazer a distinção entre os seus bens e os bens da Igreja e não usar os desta, gerindo-os com rigor para que não se lesem os pobres. A instituição da matrícula vem do Oriente, por volta do século V, e é uma lista nominal de pobres que vivem às expensas da Igreja: o número de matriculados era fixo e limitado, não englobando todos os pobres da região. As matrículas foram associadas a mosteiros rurais porque, das cidades, a pobreza se deslocou para o campo e assim, as obras se deslocaram do episcopado para o mosteiro.
Na vista de Jonas de Orleãs e Hincmar de Reims, o rei tem o dever de proteger os mais pobres dos poderosos, fazendo surgir o mito do “bom rei“. Para Hincmar, o equilíbrio moral deve ser, ao mesmo tempo, equilíbrio social. A pobreza em Hincmar é toda fraqueza e dependência que a rapina engendra e explora; e é a caridade que reestabelece a justiça – mas não pensava ele, como seus contemporâneos, em modificar a ordem social imutável, que é ondem reside a paz. No pensamento desse, o bispo deveria receber o pobre em hospitais e constatava que os albergues deveriam substituir a matrícula em período de decadência. Mas os mosteiros acabaram por fazer as vezes da cidade episcopal. Nos primeiros padres do deserto já havia a tradição da pobreza ascética e os monges se fizeram os “pobres de Cristo”, que dão o que podem aos pobres involuntários.
2.4 Os séculos VII-XI
No século VII, o pobre não é escravo, mas camponês livre e desprezado; mas a sua insuficiência de viveres e vestuário (“pobreza estrutural”) o leva a se colocar sob o patrocínio de um poderoso, já desde os merovíngios. Prosseguindo até o século XI, o local de confronto entre pobre e rico foi o campo; se, no entanto, na época merovíngia, a pobreza era caracterizada pelo “não ter”, no século IX se caracterizava pela dificuldade de manter um lugar na sociedade e pela opressão dos poderosos. O pobre poderia ser isolado e solitário (vivendo em eremitérios) ou vagabundo e gregário, indo de cidade em cidade e de mosteiro em mosteiro, buscando distribuição de alimentos. Adstrito entre os doentes, órfãos, viúvas etc., os mais vituperados eram os desenraizados, expulsos de suas terras pela penúria.
Sobretudo, aí se ensaia e tem origem a concepção tripartida da sociedade: da necessidade do trabalho manual – ao desprezo antigo pelas atividades servis somam-se o gosto militar dos germânicos e o gosto judaico-cristão pela contemplação; começa a haver a aproximação entre trabalhador, camponês e pobre. Conquanto, os pobres (na terminologia do II Concílio de Aix-la-Chapelle. Os concílios do século IX buscaram promover doutrinas que protegessem os pobres da ação dos poderosos) são homens livres, com alguma terra, dominados pelos grandes e são chamados “pauperes”; os indigentes eram aqueles oprobriados (muitas vezes vindos dos pauperes) e que, pelo desequilíbrio da economia rural, não encontram lugar nela – o pauper carolíngio era livre, possuidor de alguns bens (que podia transmitir), não era indigente, mas estava submisso a tributos e dependências. Contudo, em virtude do “direito de dependência” que tinham os pobres da boa gentileza de outrem, dá-se ocasião para abusos, uma vez que eram os poderosos que controlavam a justiça; do mesmo modo, as limitações de recursos lançavam os pobres nas garras dos agiotas.
2.5 Uma presença permanente
Com o passar dos séculos, a partir do final do XI, a pobreza ainda conservava um significado espiritual e muitos fatores acabaram por interferir no aumento do número de pobres. É período de fome entre o fim do século XI e XII. Eram muitos os que viviam fora das cidades e do campo; muitos eram os marginais e excluídos e a questão agora era como recuperá-los e reintegrá-los, mas a muitos desses se misturavam hereges. O problema transfigura-se em triplo: “recuperar alguns, neutralizar outros e ajudar os terceiros”, porque a caridade continuava a ser um dever – a essa época, ocorre uma renovação da espiritualidade evangélica e por volta do ano de 1230 teólogos se lançam a formular os direitos dos pobres.
Entretanto, apesar da primeira Cruzada (1095), que, de certo modo, ajudou a reduzir a superpopulação relativa e dar vazão aos ânimos belicosos dos poderosos por todo o século XII, a miséria aumentou devido a catástrofes naturais. As doenças da carência atingem a todos, e em causa disso as peregrinações se tornam o ponto de encontro dos pobres. Conseguintemente, a pobreza começa aparecer nas ilustrações e afrescos feitos por artistas de preocupação moral e religiosa, que desejam incitar a realização de obras de misericórdia; isso conduz à feiura de um retrato do pobre. O endividamento também era uma das desgraças do pobre, tanto que o papa Alexandre III proibiu a hipoteca. Muitos, endividados e acuados, rompiam com seus bens e famílias e acabavam por viver fora da lei e à beira da criminalidade, roubando para subsistir, não sendo poucos os que vão parar nas forcas.
2.6 Contrates e escândalos
Apesar da evolução temporal das épocas, o pobre continua desprezado. Surge, então, a concepção da estabilidade social, para ricos e mesmo para pobres, onde a pobreza é perene. A pobreza era indigna, de tal modo que os reformadores gregorianos procuraram garantir, com a beneficência, a subsistência do clero, incompatível com a pobreza e a indigência – também não conveniente aos encarregados de guiar o povo cristão. A pobreza é vista como uma marca do pecado, como no Velho Testamento, e a salvação do pobre fica comprometida.
Com todos os reveses, os eremitas vão mudar essa perspectiva ao anunciar o valor purificador dos sofrimentos e da pobreza, reencontrando a eleição prometida no Novo Testamento. Os eremitas eram homens que, partindo do deserto, iam evangelizar multidões. Homens de aspecto rude, sem trato, cheios de ódio ao dinheiro, que como Cristo, não habitavam em nenhum lugar, bastando uma gruta. Vegetarianos que sobreviviam graças ao seu trabalho braçal. Pobre voluntário com a convicta vontade de imitar o ideal de Cristo e os Apóstolos – o impulso oficial para essa vida poucas vezes veio de pobres, mas de ricos que se fizeram pobres.
Esses indivíduos pregavam aos marginalizados e, além do mais, possuíam o intento de restaurar a dignidade deles, reincluindo-os na comunidade. Viviam pobres entre eles e não só se debruçavam sobre eles. O movimento eremítico teve grande alcance social, pois mobilizava gente de todas as condições, a ponto desses abandonarem o clero paroquial. O ponto de contato do eremitismo com a pobreza é, justamente, o fato desta ser associada à pureza, de tal maneira que protestos populares contra a riqueza do clero era uma revolta contra o avesso da pobreza, agora associada à pureza.
2.7 A urgência da caridade
Já sob uma ideia diferente, no século XII, muitos mosteiros não se conservaram como lugar da beneficência, isso porque (e não somente por causa do aumento do afluxo de mendigos, sobrecarregando os recursos dos mosteiros) aumentou o número de homens que iam pessoalmente ao pobre (os monges não iam ao pobre, mas este ao mosteiro), acontecendo por essa época, um despertar da caridade evangélica – não restrita aos eremitas – levando a uma nova reflexão sobre a pobreza e a caridade, tendo muitos movimentos surgidos para restaurar as tradicionais obras de assistência.
Veio, porém, o progresso da economia monetária que possibilitou a um número cada vez maior de leigos rivalizarem com os religiosos as obras de misericórdia. Mas além da explicação econômica, também se pode pensar que o leigo procurou interceder, ele mesmo, mais diretamente por sua salvação. Leigos, então, assumem os estabelecimentos de assistência que se multiplicam pelo século XII, passando a ter por toda parte casas de misericórdia e leprosários. É no meio urbano que a caridade leiga se manifesta com intensidade, porque é lá onde está a grande massa de pobres.
Adjuntas, as confrarias também aparecem como sociedades de socorro mútuo, algumas vezes fechadas a seus membros. Mas com o tempo, ainda no século XII, as autoridades já prenunciavam tomar para si o controle desses estabelecimentos, por questões de saúde pública. Dessarte, é essencial deixar salientado que desde a primeira metade do século XII, em Jacques de Vitry, consideravam-se “pobres de Cristo” todos os deficientes, leprosos, abandonados e famélicos.
Cada vez mais parece ressurgir a objetificação do homem. Nessa época era unânime a opinião que a parte equivalente á esmola devia ser constituída do supérfluo, devendo atingir um certo grau de privação. Era (visto o pobre não ter direito real, só moral, sobre o supérfluo do rico) o bispo quem intervinha em defesa do pobre. Assim posto, vê-se o pobre como ser incapaz de exercer suas próprias ações e desvinselado de direito real.
2.8 Florescimento das instituições de assistência
Na vivência das constantes injustiças e pré-determinação ditada por outrem, no século XIII, parece surgir esperança para os necessitados. Serviços e fundações de beneficência adquiriram estabilidade e maior organização administrativa, embora não houvesse desaparecido dos mosteiros a instituição da esmolaria. Essas esmolarias poderiam ser eclesiásticas, mas também principescas, não devendo, entretanto, confundirem-se com a caridade pessoal do príncipe. A esmolaria dos príncipes era como que a versão leiga da eclesiástica, funcionando, inclusive, hierarquizada, do mesmo modo que esta última. Mas sua originalidade está no fato de ser uma das primeiras formas de instituição leiga de assistência – não se perdendo, entretanto, de vista, que na Idade Média, o leigo e o clerical, espiritual e temporal, não estão dissociados.
Torna-se sabida a instituição da “esmola comum”, no século XIII e mesmo no início do XIV, a qual dava ajuda em dinheiro aos pobres, que podem ser divididos em duas categorias: os inscritos (cadastrados em listas anuais) e os associados ocasionais; além também de assumir os encargos dos sepultamentos dos indigentes. Não obstante, é preciso destacar que as confrarias tinham por objetivo primeiro o progresso espiritual dos seus membros e somente de forma secundária tinham como preocupação a beneficência, exigindo de seus membros uma contribuição para o caixa de auxílio e um legado para os pobres.
Juntamente traz o século XIII a “esmola personalizada”. Chegando muitos ricos a deixar em testamento uma parte de suas riquezas para os pobres (o que fora incitado por legislações sinodais pelo século). Essa “moda testamentária” atingiu até mesmo os camponeses. Com o século XIV, a generosidade condescendente do mercador se soma à liberdade do senhor; faz-se caridade porque, além da fama e da reputação social, “ter seus pobres” significa ter intercessores. A monetarização da esmola foi importante, sobretudo, em seu aspecto social e moral: dá ao pobre a possibilidade de escolha do que comprar; tem sua dignidade respeitada; o “pobre envergonhado” tem garantida a discrição do recebimento da esmola.
2.9 Realidades e decepções
Chega-se um período em que os imbróglios eclodem em massa na sociedade e comprometem, diretamente, a vida dos menos abastados. Nasce, então, o denominado “pobre laborioso”, aquele cujo trabalho (e ele normalmente conhece um ofício) e esforço são insuficientes para lhe garantir a subsistência, uma nova categoria de pobres se levado em consideração que, tradicionalmente, o pobre era aquele que havia se tornado incapaz de ganhar a vida por causa da ruína ou invalidez, por exemplo. No campo, essa “nova pobreza” significa um rebaixamento da situação dos camponeses com relação aos seus senhores, o que foi se agravando pela insuficiência das terras para cultivo, endividamento e estreitamento dos laços de dependência. A preocupação com o lucro da terra, beneficiado pelo progresso técnico e que buscava responder as demandas externas, também foi um fator responsável pelos novos aspectos da pobreza nos campos.
Simultaneamente a essa mazela, outro fator foi a prática da usura, principalmente por judeus e lombardos, que adiantavam dinheiro a 30% de juros ou mais para a compra de sementes ou uso direto – muitas vezes os camponeses pagavam após a colheita, época em que pagavam também as taxas ao senhor. Na segunda metade do século XIII surge um princípio de classificação das fortunas, segundo a estimativa dos patrimônios e rendas, afim de taxá-los e aplicar-lhes impostos de acordo com as necessidades da cidade. Estabelece-se um mínimo possível de pagar imposto, abaixo do qual estão os pobres – a definição de “pobre fiscal” varia segundo esse mínimo. Tal critério, entretanto, não indica uma indigência absoluta, sendo uma noção puramente fiscal e variável segundo o que se tem possível de ser taxado naquele ano.
Agravante a isso, certos limites se impunham às esmolas. Um exemplo se refere à “esmola padrão”, que se manteve no mesmo valor (entre 1324 e 1347), embora os preços e salários variassem – a esmola sempre foi, em essência, um complemento do salário. Outro exemplo era a restrição feita a certos grupos de ter acesso aos hospitais, como judeus e viajantes de boa saúde; talvez na intenção de reservar o local para pobres e doentes.
Não obstante, muitos abusos punham em risco a dignidade dos pobres. Afrontas que colocavam em perigo até os hospitais – estatutos e o maior controle civil não foram suficientes para evita-los: rendas desviadas, designação de gente sem competência, falta de manutenção – de modo que um concílio foi convocado para tentar resolver esse problema proibindo dar hospitais em benefício a seculares e orientando a escolha de homens competentes e de “boa reputação”. Emergem discussões e brigas dentro das ordens mendicantes acerca da pobreza, as quais acabaram freando o vigor das iniciativas de misericórdia. Os espirituais, acabaram relegando a segundo plano a caridade, afastando-se da realidade dos pobres. De fato seus sermões se valiam de um tipo abstrato de pobre – que desconsiderava, por exemplo, os pobres laboriosos – o que ocorre, principalmente, após o surgimento da Legenda Maior, por volta de 1260. No final do século XIII o pobre, seja no campo como na cidade, tenta assumir um papel mais ativo, obstantemente, suas ações foram absorvidas e exploradas por outros, sendo os pobres utilizados como massa de manobra para servir a causas que não eram suas. Sempre estando subordinados e permanentementes na condição de meio de obtenção valorativa, jamais um fim em si mesmos.
3. Immanuel Kant e sua influência para os Direitos Humanos
Exordialmente, emerge Immanuel Kant com seu Imperativo Categórico, disposto nas máximas respectivamente elucidadas em sua obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”.
Aja apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo tempo que se torne uma lei universal. (KANT, 1785, p.129)
Aja de tal maneira que use a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente como um fim e nunca apenas como meio. (KANT, 1785, p.135)
Ou seja, princípios regentes para toda e qualquer ação que o indivíduo em suas plenas faculdades mentais venha exercê-los. Outrossim, Kant determina em seu pensamento o conceito de pessoa, a qual seria apenas aquela que exercesse plenamente a sua personalidade moral, conseguintemente, o seu imperativo categórico, praticando toda e qualquer ação independentemente de outrem para a guiar ou para impor sobre ela alguma prática, diz ele, então, que se foi desvencilhado da menoridade. Determina, pois, Kant que um ser sem essas capacidades não se constitui pessoa, em corolário, servos e escravos logo não se constituíam em pessoas, haja vista possuírem um absoluto regente de suas ações. Concluir-se-á que Kant compreende que sem o Direito de se autoguiar não haverá personalidade, intrinsecamente não haverá liberdade, muito menos igualdade e, finalmente, não haverá pessoa. Hodiernamente, a constante dos moradores de rua, exibe à sociedade indivíduos guiados e determinados pela boa vontade e compadescência dos outros que por eles cruzam, a concedência de esmola, ou um prato de comida, uma conversa dos mais empáticos. São cidadãos à mercê da cidadania, tirados deles os mais naturais direitos de integridade, de ir e vir, de igualdade, de emprego, de saúde, de educação.
O prussiano também trouxe para a humanidade seu tão famoso dito clarificador dos entendimentos:
Só a crítica pode cortar pela raiz o materialismo, o fatalismo, o ateísmo, a incredulidade dos espíritos fortes, o fanatismo e a superstição, que se podem tornar nocivos a todos e, por último, também o idealismo e o cepticismo, que são acima de tudo perigosos para as escolas e dificilmente se propagam no público. (KANT, 1781, p.38)
Por conseguinte, se não for criticada a atual situação dos moradores de rua, ou seja, sua marginalização, sua insalubridade no modo de viver, sua ociosidade para com a sociedade, um descarte instantâneo de um ser humano, jamais se haverá de transformar esses indivíduos.
Kant, não obstante, traçou o caminho para a tomada da codificação de leis verdadeiramente universais, imutáveis e eternas: os Direitos Humanos, os quais só se concretizariam séculos depois de sua morte com a tão famigerada Carta dos Direitos Humanos, fruto exímio da calamidade: a segunda guerra mundial. Em sua obra “A Paz Perpétua” transmite: “Se um vizinho não proporcionar segurança a outro (o que só pode acontecer num Estado legal), cada um pode considerar inimigo a quem lhe exigiu tal segurança” (KANT, 1795, p.10), destarte, Kant aqui deseja transmitir que todos, necessariamente, dependem uns dos outros e que a segurança é um bem de todos e, concomitante, dever de todos sobre a preservação dessa. Conquanto, caso um não proporcione a devida segurança a outro, logo, podem-se considerar inimigos entre si. Apesar desses ditames, torna-se certo e clarificado o que disse Kant e totalmente aplicável à situação dos moradores de rua, haja vista que nessa condição o ser humano das ruas encontra-se desprovido de qualquer segurança, exposto a qualquer das vicissitudes da vida, tanto as rotineiras ocorrências de assassinatos imotivados, arrastões ou até mesmo o abuso de poder das autoridades policiais. Insegurança ao ser humano causada pelo próprio ser humano.
Interligado a essa mesma obra, emana Kant:
Chama-se, por isso, também destino, enquanto compulsão de uma causa necessária dos efeitos segundo leis que nos são desconhecidas, e Providência em referência à finalidade que existe no curso do mundo, enquanto sabedoria profunda de uma causa mais elevada que tem em vista o fim último objetivo do gênero humano e predetermina o devir do mundo, causa essa que não podemos realmente reconhecer nos artifícios da natureza nem sequer inferir a partir deles, mas (como em toda relação da forma das coisas com o fim em geral) só podemos e devemos pensar, para assim formarmos para nós um conceito da sua possibilidade, segundo a analogia da arte humana: a relação e a consonância desta causa com o fim que a razão nos prescreve mediatamente (o fim moral) é representar para si uma ideia que é, sem dúvida, arrebatada no propósito teórico, está no entanto bem fundada no plano dogmático e, segundo a sua realidade, no propósito prático (por exemplo utilizar o mecanismo da natureza em relação com o conceito de dever da paz perpétua)” (KANT, 1795, p.23)
Causa necessária, mais elevada, a qual tem seu fim na humanidade, relacionada com o fim que a razão determina para os seres, essa é a causa da paz perpétua. Partindo desse exórdio, torna-se evidente que a paz, a plena concordância entre os seres só será alcançada com a causa última, que deve estar no psicológico de cada indivíduo, para que esse consiga em concomitância com o seu semelhante, exercer a plena comunhão. Nos dias de hoje, é mais do que evidente que essa causa necessária é o prático respeito à dignidade humana, que com seu vigor transpassará todos os outros direitos essenciais, tornando esses, também, perceptíveis em toda a sociedade em sua completude. Tanto, enfim, para as gentes das ruas.
O iluminista não parou por aí, também continuou a declarar: “A partir da natureza do homem, pretende ver com antecedência que este nunca quererá o que se exige para realizar o fim que leva à paz perpétua” (KANT, 1795, p.35). Parecem até contraditórias tais palavras advindas de Immanuel Kant, porém, apesar de tipificado ele de “idealista transcendental” não deixou de enxergar a realidade: o homem não deseja o bem ao outro, e se não deseja ao outro, não terá a si mesmo a paz perpétua. O que transmite Kant ao dizer “o que se exige” é a personalidade moral. É ela a condição para o homem exercer o bem mútuo verdadeiramente, em contrapartida, o homem não possui inerente essa natureza do bem-fazer e, por isso, também degrada-se a si mesmo. Quanto a isso, é partido dos exórdios que se verifica o descaso dos homens mais abastados para com os miseráveis, sempre propondo melhorias suficientes para acalmar os ânimos revoltosos dos mais pobres mas sem enxergar neles a completude de um ser humano detentor de direitos reais, não diferente, também a monopolização das casas de caridade, sempre sob o domínio dos mais poderosos, ditadores das regras e responsáveis pelos abusos. Obstantemente, é preciso rejeitar essa parte da natureza humana a qual é indiferente à sua própria espécie, instaurar a conscientização por meio das escolas, destituir a monopolização das instituições de caridade, especializar as pessoas moradoras de rua a um trabalho, valer-se do imperativo categórico.
Sob esse mesmo viés, é necessário entender porque Kant chama seu “guia de regras” de imperativo categórico. Precipuamente, porquanto não podem nunca deixar essas regras de permanecerem perpetuamente nas ações dos indivíduos, por isso imperativo, e, além de, não poderem ser relativas, ou seja, regras que são cabíveis em um momento mas não são em outro, ao contrário, são regras cabíveis à todas as situações. Assim, a compaixão, a gentileza, a educação, o respeito e, em suma, a empatia são parte daquilo que deve imperar absolutamente nas ações de qualquer indivíduo em relação a qualquer outro indivíduo. Então, continuou Kant:
Um direito que na realidade é apenas uma palavra sem conteúdo e se baseia em contratos que se encerram, já no próprio ato de sua conclusão, a reserva secreta de sua transgressão [...] Aspirai antes de mais, ao reino da razão pura prática e à sua justiça e o vosso fim (o benefício da paz perpétua) vos será dado por si mesmo. Pois a moral tem em si a peculiaridade, e decerto no tocante aos seus princípios do direito público (portanto em relação a uma política cognoscível a priori), de que quanto menos faz depender do comportamento acerca do fim proposto, da vantagem intentada, seja ela física ou moral, tanto mais com ele se torna em geral consoante. (KANT, 1795, p.42)
Dessa forma, é mais do que exposto que Kant indica que o direito é apenas um conjunto de regras sem valor em si mesmo e que se este não prezar pela moral racional, não valerá de nada. Tão como se reflete na vida dos indigentes, não falta a eles a legislação presumida de direitos a todas as condições básicas, mas ainda não foi estabelecida no intelecto daqueles que aplicam a lei a razão pura guia da paz perpétua, pois estes ainda usam suas ações sempre objetivando a um fim monetário e vantajoso, ainda não usam o bem para o próprio bem.
Inseparável a essa finalidade promíscua das ações humanas, disse: “O homem é lançado para a classe das restantes máquinas vivas, às quais se deixaria apenas ainda a consciência de não serem seres livres, afim de se tornarem, segundo o seu próprio juízo, os mais miseráveis de todos os seres do universo” (KANT, 1795, p.43). Analisando-se que Immanuel Kant ainda estava em época muito distante da revolução industrial que ia ocorrer no mundo, e já percebera que havia uma constante do homem se direcionar à miséria, simplesmente, evidenciava que a humanidade já iria se autoeliminar não tardiamente. Foi aí que com a eclosão da tão inovadora e revolucionária indústria o homem conseguiu, finalmente, materializar ele mesmo em máquina. Foram abusos seguidos de abusos, condições degradantes de trabalho, mortes, repetições incessantes, um passo rápido à “não vida”, assim, aqueles que não suportavam e questionavam o porquê daquela instância foram morar nas ruas, em sua maioria idosos, deficientes resultantes dos acidentes nas indústrias, e grávidas. Nessa progressão do horror eclodiu a primeira grande guerra global, e tudo porque mais uma vez os abastados queriam subordinar, cada vez em maior número, os indigentes ao trabalho desumano. Perderam, como disse Kant, a consciência de que eram seres livres por natureza, dotados de uma mente que possui seu próprio movimento, e que sem essa capacidade nada no mundo externo teria sentido. O criador da máquina jamais poderá se tornar a própria máquina, pois ele tem seu movimento causador como causador do movimento das máquinas, não só na questão física, mas também na capacidade de mudar e aperfeiçoar todos os objetos a sua volta. O homem não pode voltar a era de regresso e, para isso, precisa modificar a visão de que o mundo gira em torno da venalidade, e sim, que esta fora criada pelo ser humano e está sob seu total domínio.
Intrinsecamente a essa mixórdia, está o que escreveu Victor Hugo em sua obra “Os Miseráveis”: “Demolimos o Antigo Regime quanto aos fatos, mas não pudemos exterminá-lo completamente quanto às ideias. Não basta acabar com os abusos, é preciso modificar os costumes. O moinho se foi, mas o vento ainda permanece” (HUGO, 1862, p.78). Assim é vista a condição humana atual, a guerra se foi mas os anseios de alienação humana ainda permanece. Daí ainda prossegue Kant em “A Paz Perpétua”: “O princípio deve estender-se como a obrigação dos detentores do poder de não recusar a ninguém o seu direito, nem de o restringir por antipatia” (KANT, 1795, p.43). Emana ele que se o direito existe não pode ser suplantado pelos possuidores do poder. A partir dessas elucubrações, é notório que o costume da antipatia dos regentes para com o povo necessitado ainda é perene, agarrada na vida, em principal, dos moradores de rua, tão debilitados e a eles tão restringidos direitos.
Opulentamente, não deixou de pronunciar Immanuel Kant:
O amor aos homens e o respeito pelo direito dos homens são ambos deveres; mas aquele é um dever condicionado; em contrapartida, o segundo é um dever incondicionado, absolutamente imperativo, que quem quiser entregar-se ao suave sentimento da benevolência deve estar certo de não o ter transgredido” (KANT, 1795, p.51)
Com presente virtuosa erudição, é necessário instaurar verdadeiramente na consciência dos homens que o respeito ao que está escrito como direito é um dever de todos os homens, incondicionado e determinante para todos os momentos e situações da vida humana. Por cúmulo, os moradores de rua merecem o devido respeito, e por não possuírem, eles próprios, condições de modificarem sua atual condição de vida, o Estado e seus administradores devem, por imperativo, tirá-los dessa instância, inseri-los novamente na comunidade e na economia e, acima de tudo, convencê-los mais uma vez de que são seres humanos usufrutuários de todos os direitos do ordenamento jurídico.
4. Os Direitos Humanos e os indigentes das ruas
Partindo do pressuposto do que diz a Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu preâmbulo: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” (Assembleia Geral da ONU, 1948). Torna-se mais que evidente que o fato de ainda hoje existirem moradores de rua é uma realidade engessadora da afronta à dignidade humana perante a referida carta, pois somente o fato de estar exposto às inseguranças da vida na rua, ainda está desprovido de condições básicas à existência humana, como alimentação saudável e propriedade. Adstrito ao preâmbulo, ainda está descrito:
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida e em uma liberdade mais ampla. (Assembleia Geral da ONU, 1948)
Têm-se, pois, a exposição que o provimento das melhores condições de vida não estão a se direcionar aos “indigentes” das ruas, muito menos a liberdade mais ampla, haja vista ser fato não poderem estes circularem em ambientes públicos como shoppings ou supermercados, pois se pressupõe não possuírem condição alguma de poder de compra. Essa falta de liberdade é uma das vedações decorrentes do impedimento desses exercerem tantos outros direitos, em especial o direito ao trabalho, direito pilar das transformações, das melhorias tanto nas questões econômicas quanto sociais de um país.
Adjunto está o Artigo I desse documento, onde diz: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns com os outros com o espírito de fraternidade” (Assembleia Geral da ONU, 1948). Outrossim, segundo o dicionário Priberam, “igualdade” significa: “Qualidade de igual. Relação entre coisas ou pessoas iguais. Correspondência perfeita entre as partes de um todo. Organização social em que não há privilégios de classes. Sinal aritmético de igualdade” (IGUALDADE, 2020). Com esse enunciado, reconhece-se que os desvalidos das ruas também devem ser considerados iguais a qualquer outra pessoa. Assim sendo, devem, por obrigação do Estado, ter uma moradia, uma formação escolar, um emprego digno.
Compilado está o Artigo III do mesmo dispositivo: “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (Assembleia Geral da ONU, 1948). O dicionário Priberam quanto ao sentido da palavra “vida”, declara:
O período de tempo que decorre desde o nascimento até à morte dos seres. Modo de viver. Comportamento. Alimentação e necessidade da vida. Ocupação, profissão, carreira. Princípio de existência, de força, de entusiasmo, de atividade (diz-se das pessoas e das coisas). Fundamento, essência; causa, origem. Biografia. Passar a vida: Usa-se seguido de preposição a e infinitivo, de gerúndio ou de preposição e sintagma nominal para indicar continuidade de ação. Vida civil: os direitos civis. Vida eterna: vida futura, a outra vida, a existência espiritual despois da morte. A bem-aventurança, a glória eterna. (VIDA, 2020)
Por conseguinte, é manifesto que apesar dos paupérrimos possuírem a condição de vida biológica são eles coibidos de exercer a vida civil que abarca da alimentação ao trabalho. Ainda de acordo com o Priberam, quanto à “liberdade”:
Direito de proceder conforme nos pareça, contanto que esse direito não vá contra o direito de outrem. Condição do homem ou da nação que goza de liberdade. Conjunto das ideias liberais ou dos direitos garantidos ao cidadão. Ousadia. Franqueza. Licença. Desassombro. Demasiada familiaridade. Imunidades, regalias. (LIBERDADE, 2020)
Consoante a isso, é inegável que os carecidos, conjuntamente, não possuem liberdade a julgar porque não é somente por não estarem presos que estão livres, esses não estão imunes a nada, ao contrário, estão à degenerante fatalidade das ruas. Seguindo novamente Priberam, em “segurança”:
Ato ou efeito de segurar. Qualidade do que é ou está seguro. Conjunto das ações e dos recursos utilizados para proteger algo ou alguém. O que serve para diminuir os riscos ou os perigos. Aquilo que serve de base ou que dá estabilidade ou apoio. Sentimento de força interior ou de crença em si mesmo. Afoiteza, ousadia. Força ou convicção nos movimentos ou nas ações. Certeza demonstrada. Caução. Pessoa cuja atividade profissional consiste em proteger pessoas, instalações ou bens, ou controlar o acesso de pessoas a determinado local. Segurança social: sistema público de proteção dos cidadãos, segundo a legislação produzida, os direitos, os deveres e as contribuições efetuadas, notadamente em caso de doença, desemprego, reforma, etc. (SEGURANÇA, 2020)
Em conformidade com essa premissa, percebe-se que este direito emana tão primordial, pois é um que não depende da própria pessoa e sim, necessariamente, do Estado sob o qual essa pessoa está instalada. Sem embargo, afeta diretamente no psicológico do ser humano se essa segurança não for provida, engendrando um sentimento de incapacidade e insuficiência, sentimentos que são inerentes aos esmoleiros e que em alto grau podem resultar no imbróglio desse, e de qualquer pessoa desprovida de segurança, de tirar sua respectiva vida.
Ligado está o Artigo XIII,1 da Declaração aludida: “Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado” (Assembleia Geral da ONU, 1948), totalmente condizente com os direitos sobreditos. Coadunado a essa obrigação, o ordenamento jurídico brasileiro também disserta sobre a referida matéria, quanto ao direito à liberdade de locomoção, diz a Constituição Federal do Brasil em seu artigo 5°, XV: “É livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens” (BRASIL, 1988); e em seu artigo 5°, LXI: “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de ordem judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei” (BRASIL, 1988), então se materializa como puro preconceito não permitir que um carecido adentre a um estabelecimento público, conquanto, alegam esses estarem mal cheirosos e mal vestidos, porém, foram-lhes suprimidos o direito da higiene pessoal, não deram-lhes condições monetárias de comprar roupas e, se não estão a fazer nenhum mal em estabelecimento público, mostra-se inconstitucional a expulsão sem nem ao menos recepção mínima e suficiente dos interesses do carecido. Quanto ao de residência, o ordenamento jurídico brasileiro também elucida sobre essa matéria, especificamente na Emenda Constitucional n°.26/2000 a qual alterou o artigo 6° da CF, onde diz “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988), direito tão mais do que básico mas essencial, não proporcionar residência a alguém significa despersuadir o ser humano de uma proteção das insultas aos perigos da vida urbana, haja vista que quem mora nas ruas, na prática, já não mais é visto como humano, mas como parte das pestes integrantes do meio urbano, os quais muita das vezes nem possuem documentos, pois segundo uma pesquisa realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) , para um texto intitulado ‘Discussão Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil”, apontou que apenas 47,1% da população de rua estimada estava cadastrada no CadÚnico (Cadastro Único para Programas Sociais – É um instrumento de coleta de dados e informações com o objetivo de identificar todas as famílias de baixa renda existentes no país. Devem ser cadastradas as famílias com renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa. Famílias com renda superior a esse critério poderão ser incluídas no CadÚnico, desde que sua inclusão esteja vinculada à seleção ou ao acompanhamento de programas sociais implementados pela União, estados ou municípios. E, um dos critérios para fazer esse cadastro é a documentação pessoal) em 2015. Contíguo, de acordo com o I Censo de Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, dos entrevistados 24,8% não possui quaisquer documentos de identificação, 42,2% possuem CPF, 39,7% possuem carteira de trabalho, 37,9% possuem certidão de nascimento ou casamento ou título de eleitor.
Não separado está o Artigo XXI, 2 do supramencionado texto legal: “Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público de seu país” (Assembleia Geral da ONU, 1948). No ordenamento jurídico brasileiro se exibe a matéria de direito ao acesso ao serviço público, no artigo 5°, XXXIII da CF: “Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado” (BRASIL, 1988), portanto, enquanto o primeiro salvaguarda o direito ao serviço, o segundo protege o direito à informação sobre os serviços públicos prestados pelos próprios órgãos, os quais, adjuntos, dão aos cidadãos direitos de amplitude colossal (tanto sob o sistema de saúde, sistema sanitário, educacional, residencial, quanto mesmo, sob o sistema de veiculação das informações). Portanto, se não houver por iniciativa pública o direcionamento desses direitos aos indigentes, informando-os de suas garantias, estes não saberão que podem ir até o estabelecimento público para se informar sobre suas garantias e logo não exercerão essas. Coadunado com o I Censo de Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, dos entrevistados 88,5% afirmaram não receber qualquer benefício dos programas governamentais, porém, entre os 12,5% dos que recebiam benefícios, 3,2% é de aposentadoria, 2,3% do Programa Bolsa Família e 1,3% do Benefício de Prestação Continuada – BPC.
Junto está o Artigo XXII da susodita norma internacional: “Todo ser humano como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional de acordo com a organização de recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade” (Assembleia Geral da ONU, 1948). Incorporado no ordenamento jurídico brasileiro se normatiza sobre a matéria do direito à segurança social, disposta tanto no já referido artigo 6° da CF como também no caput do artigo 144 da CF, o qual diz: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (BRASIL, 1988). Contudo, parece claro que as políticas públicas proporcionadas pelo Estado não estão exercendo plena eficácia haja vista os índices de violência identificada de acordo com o Atlas da Violência de 2018, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o número de 62.517 assassinatos cometidos no país em 2016 coloca o Brasil em um patamar 30 vezes maior que o da Europa, só na última década, 553 mil brasileiros perderam a vida por morte violenta, ou seja, um total de 153 mortes por dia. Se as pessoas devidamente usufrutárias dos direitos estabelecidos estão sendo vituperadas, a conjuntura da vida dos incapacitados se mostra ao cúmulo da insegurança. Mais um direito básico suprimido do percurso dos indigentes.
Intrinsecamente o Artigo XXIII, 1 do supratranscrito regulamento evoca: “Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego” (Assembleia Geral da ONU, 1948). Adentro ao ordenamento jurídico brasileiro dispõe sobre essa matéria tanto no artigo 1°, IV, da CF, onde declara que tem como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito: “Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa” (BRASIL, 1988), como também, no artigo 170 da CF, onde emana: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (..) VIII – Busca do pleno emprego” (BRASIL, 1988). Frisa-se, assim, o fato de que a Carta Magna possui o anseio, explícito, de proporcionar existência digna, pois é patente que viver sem emprego cria todas as condições de uma vida indigna. Consequentemente, visto que em um mundo venalizado tudo tem valor monetário, um dos meios sobre-humanos de permanecer sem capital nesse tipo de sociedade é se encaminhando para a permanência nas ruas.
Ainda enfatiza o Artigo XXV, 1 dessa norma mundial: “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis...” (Assembleia Geral da ONU, 1948). No ordenamento jurídico brasileiro dispõe sobre essa matéria do direito à alimentação a lei n°.11.346/2006 a qual criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, além de firmar em seu artigo 2°: “A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar políticas públicas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população” (BRASIL, 2006). Ajuntado ao I Censo de Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, 79,6% dos entrevistados consegue fazer ao menos uma refeição ao dia, 19% não consegue fazer ao menos uma refeição por dia, 31,3% não se alimentam todos os dias e são pessoas que pedem dinheiro para sobreviver. De acordo com a mesma pesquisa, porém em relação às questões de higiene, 32,6% usam a rua para tomar banho, 31,4% usam os albergues/abrigos, 14,2% usam os banheiros públicos, 5,2% usam a casa de parentes ou amigos, quanto às necessidades fisiológicas, 32,5% utilizam a rua, 25,2% usam os albergues/abrigos, 21,3% usam somente os abrigos, 9,4% usam os estabelecimentos comerciais, 2,7% usam a casa de parentes ou amigos. Sob a égide desse mesmo censo, em relação à saúde dos entrevistados, 30% tinham algum problema de saúde, desse percentual, 10,1% possuíam hipertensão, 6,1% possuíam problema psiquiátrico/mental, 5,4% possuíam diabetes e 5,1% possuíam HIV/AIDS.
Conjunto ao artigo XXVI, 1 do regimento suprarreferido:
Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. (Assembleia Geral da ONU, 1948)
Continua o parágrafo 2° do mesmo artigo:
A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações... (Assembleia Geral da ONU, 1948)
Anexo ao ordenamento jurídico brasileiro se dispõe sobre a referida matéria com os termos de direito à educação, no artigo 205 da CF se estabelece: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Entretanto, parece que a concretização desse direito virou uma utopia, tanto para a maioria da população quanto para a minoria das ruas, pois, ou não se tem o mínimo, ou quando se tem é de má qualidade. Atado ao I Censo de Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, dos entrevistados 63,5% não concluiu o primeiro grau, 17,1% não sabem ler e escrever, 8,3% apenas assina o próprio nome, 95% não estuda atualmente, e apenas 3,8% afirmaram estar fazendo algum curso (2,1% ensino formal e 1,7% ensino profissionalizante).
Concomitante ao Artigo XXVII, 1 do mesmo tratado referenciado: “Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios” (Assembleia Geral da ONU, 1948). No ordenamento jurídico brasileiro se elucida sobre tal matéria com o termo de direito à cultura, diz o artigo 115 da CF: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais” (BRASIL, 1988). Quanto a esse direito, mostra-se inexistente à vida dos moradores de rua, pois se estes não possuem o exercício efetivo do direito de liberdade, igualdade e de ir e vir, logo, não têm como adentrarem em casas de exposição, ou em algum concerto musical, ou mesmo, usufruir de uma praça aberta sem estarem sendo seguidos por um segurança. Esse é um dos mais essenciais direitos de conhecer sua história e origem e está veementemente vetado aos carecidos.
Comutativamente está o Artigo XXVIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados” (Assembleia Geral da ONU, 1948). Tal anseio está concretizado como fundamento para a elaboração de toda a Carta Magna brasileira, onde diz no preâmbulo da CF:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil. (BRASIL, 1988)
E finalmente, expressa-se bem declarado que todos os direitos até aqui mostrados, obrigatórios de serem mantidos no Estado Democrático, foram suprimidos dos moradores de rua, e declara-se, entrementes, o dever de se estabelecer condições desses direitos serem plenamente exercidos na vida dessas gentes.
5.Os albergues e sua ineficácia
Partindo-se do proêmio da pesquisa publicada pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com base em dados de 2015, projetou-se que o Brasil tem pouco mais de 100 mil pessoas vivendo nas ruas. Das 101.854 pessoas em situação de rua, 40,1% estavam em municípios com mais de 900 mil habitantes, 77,02% habitavam municípios com mais de 100 mil habitantes e apenas 6,63% habitavam municípios com população de até 10 mil habitantes. Lobriga-se a tese de que a revolução industrial e a concepção de uma sociedade capitalizada causa a superinflação da quantidade de pessoas querendo se dirigir a esses locais. Não obstante, quando essas pessoas que migraram de cidades mais pacas se deparam com uma concorrência de mercado desumana e alienadora, e pelos costumes da cidade menos agitada, veem-se desprezados intelectualmente e não se adaptam a essa nova realidade, fazem uma das piores possíveis escolhas que um sujeito pode fazer: ir morar nas ruas.
Sob essa constante das cidades urbanas, atina-se um direcionamento para os albergues destinados a acolher os indigentes. Primordialmente, é necessário entender, então, o que são os albergues e o porquê deles terem sido criados. São, pois, casas de abrigo com número restrito de vagas para acomodação, geralmente vagas muito rasas para a quantidade de pessoas necessitadas desses abrigos. Em sua maioria são casas degradadas, até mesmo sem leito, com altos índices de saqueamento. O maior agravo que repelem os moradores de rua dos albergues são as altíssimas quantidades de restrições dentro desses locais, como: não poder levar o animal de estimação, horários rígidos de entrada e saída e, ainda, higiene precária. Tantos reveses já passam essas pessoas moradoras de rua e passarem dificuldades em um lugar que as restringe do tão pouco que já têm, tornar-se-á então mais vantajoso permanecer nas ruas do que nos abrigos.
6. Inserção dos moradores de rua no mercado de trabalho
Nesse momento, presa-se por verificar quais as possibilidades de aproveitamento dessa grande massa de pessoas em prol da economia brasileira. Mais uma vez partindo-se da pesquisa realizada pelo I Censo de Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua, contata-se que 70,9% dos moradores de rua exercem alguma atividade remunerada, 58,6% afirmam ter alguma profissão. Dentre essas atividades, 27,5% é de catador de materiais recicláveis, 14,1% é flanelinha, 6,3% trabalham na construção civil, 4,2% limpeza e 3,1% é carregador/estivador. Isto é, não é porque eles se encontram em uma situação de rua que serão apenas dispêndios ao Estado e, sim, pelo contrário, mostram-se resilientes, e possuintes de um ânimo para todos os dias trabalharem em condições exaustivas e totalmente desumanas, à mercê da CLT (pois esta só abarca relações contratuais firmadas à boa vista judicial.
Ao contrário do que a consciência preponderante imagina, constituem em apenas 15,7% aqueles que pedem dinheiro como principal meio para a sobrevivência. E, incrivelmente, 1,9% dos entrevistados afirmaram estar trabalhando com carteira assinada. Afora, ainda 47,7% dos entrevistados nunca trabalharam com carteira assinada. Entre aqueles que afirmaram já ter trabalhado alguma vez com carteira assinada, a maior parte declarou que isso ocorreu há muito tempo: 50% há mais de cinco anos e 22,9% de dois a cinco anos. Ou seja, se um dia uma parcela já trabalhou de carteira assinada, infere-se que esse indivíduo possuía condições mínimas de exercer funções adequadas à um determinado tipo de empresa, e, ademais, se boa parte dos moradores de rua não se prestam ao ato de pedinte significa que acreditam ser mais vantajoso, e honroso, se prestar a um trabalho ainda que por um retorno remuneratório irrisório.
7.Conclusão
Consequentemente, nota-se um mercado de trabalho iminente. Pessoas muitas das vezes com pregressa experiência em trabalhos de carteira assinada, ainda que pouca, mas alguns possuem um mínimo de qualificação. Pessoas que não estão nas ruas para tirar o dinheiro dos “trabalhadores de bem”, mas estão a cada dia que passa mostrando que ser morador de rua é ser tanto quanto alguém que possui moradia uma “pessoa de bem”, capacitada para o trabalho, em sua maior parte braçal. Mediante um incentivo veemente do governo essas pessoas serão inseridas novamente na sociedade, e da forma mais enobrecida, pelo seu trabalho e dedicação, como já fazem.
À vista disso, é necessário que venha a se existir um programa governamental conjunto, regido pelo Ministério do Trabalho e Emprego em parceria com o Ministério da Educação para estarem elaborando a cada semestre novas políticas públicas de capacitação profissional aos moradores de rua, recepcionando-os com a concessão dos materiais escolares, abrigo durante os cursos e estágios. Faz-se necessário também que esse trabalho seja realizado adjunto às Secretarias de Trabalho e Direitos Humanos, para essas estarem verificando a cada mês, através de censos, como os reabilitados estão se saindo nas provas, quais os lucros das empresas que aderiram aos profissionais advindos dos cursos de capacitação de indigentes e, além do mais, se essas pessoas realmente conseguiram sair das ruas por meio desse projeto e qual a sua situação financeira já estabilizada após sair das ruas. Uma medida excelsa e subalterna a todo um conjunto de órgãos e pessoas atuantes, tendo essas de estarem em plena associação em prol do bem maior que é salvaguardar os seres humanos que estão nas ruas.
Em face a todo o exposto, é indubitável ser permanente a luta pela consolidação dos direitos sociais mais básicos na vida dos chamados por moradores de rua. Amparados pelos insignes Direitos Humanos e a afamada Constituição Federal do Brasil, resta-se mover a máquina pública inerte para resultar na concretização de uma política pública capaz de transmutar a negligência quanto aos indigentes, pois é inescusável admitir que algum ser humano considere o relento da rua a sua casa. O patente trabalho tem por escopo, portanto, instaurar, antes de tudo, consciência na população brasileira no tocante aos moradores de rua em prol de estabelecer um desejo por empatia e sensibilidade para com o outro.
8.Referências
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Graduanda do sétimo período do curso de Direito pela Universidade Federal do Amazonas e estagiária no Ministério Público do Estado do Amazonas na 104º Promotoria de Justiça de Manaus (1º Vara do Tribunal do Júri)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: EVANGELISTA, Thaíza Lopes. Direitos humanos sob o prisma de Immanuel Kant em relação com a problemática dos moradores de rua: dos albergues à oportunidade de emprego Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 out 2020, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55345/direitos-humanos-sob-o-prisma-de-immanuel-kant-em-relao-com-a-problemtica-dos-moradores-de-rua-dos-albergues-oportunidade-de-emprego. Acesso em: 23 dez 2024.
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