Artigo apresentado ao Centro Universitário São Lucas Ji-Paraná - UniSL, como parte dos requisitos para obtenção de nota na Disciplina Trabalho de Conclusão de Curso – TCCII, no curso de Direito, sob orientação do Prof. Claudenir da Silva Rabelo.
RESUMO: Nota-se que a proteção da mulher e das crianças é algo que o mundo contemporâneo sempre busca efetivar. Assim coma a aplicação do direito, se almeja sua efetividade aos casos concretos, por meio de medidas que estejam de acordo com aquilo que se anseia com a guarda compartilhada bem como com a medida protetiva. Logo, a pesquisa sobre o conflito do instituto da guarda compartilhada na ocorrência de medida protetiva se deu para conhecer melhor cada instituto desde o seu início até a atualidade em busca de um conhecimento pormenorizado sobre guarda compartilhada e a Lei Maria da Penha com suas medidas protetivas de urgência para que se pudesse então, após essa análise, entender os possíveis conflitos que os institutos sofrem caso sejam aplicados conjuntamente e os riscos que essa aplicação pode gerar tanto para a mulher quanto para a criança envolvida no caso. Para alcançar esse entendimento, utilizou-se a pesquisa bibliográfica em busca de alternativas que possam evitar os conflitos entre a guarda compartilhada e as medidas protetivas de urgência, com anseio na efetivação das medidas de proteção a mulher e da criança, bem como uma melhor resolução dos casos pelo judiciário brasileiro. Constatando então, que é notório a ocorrência de conflitos e que para uma possível solução seria necessário a análise de medidas alternativas e até preventivas para a diminuição dos conflitos.
Palavras-chave: Conflito. Guarda. Violência. Proteção. Acordo.
ABSTRACT: It is noted that the protection of women and children is something that the contemporary world always seeks to effect. As well as the application of the law, its effectiveness is sought in concrete cases, by means of measures that are in accordance with what is desired with shared custody as well as the protective measure. Therefore, the research on the conflict of the institute of shared custody in the occurrence of a protective measure was done in order to get to know each institute better since its beginning until the present day in search of a detailed knowledge on shared custody and the Maria da Penha Law with its protective measures of urgency so that one could then, after this analysis, understand the possible conflicts that the institutes suffer if they are applied together and the risks that this application can generate both for the woman and the child involved in the case. To reach this understanding, the bibliographical research was used in search of alternatives that could avoid the conflicts between shared custody and emergency protective measures, with an eagerness to implement measures to protect women and children, as well as a better resolution of cases by the Brazilian judiciary. It is clear that conflicts occur and that a possible solution would require the analysis of alternative and even preventive measures to reduce conflicts.
Keywords: Conflict. Guard. Violence. Protection. Agreement. .
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. A guarda compartilhada; 2.1. Aspectos gerais; 2.2. Acordo de guarda compartilhada e unilateral segundo o código civil; 2.3. Prejuízos ao menor antes da regulamentação da guarda; 3. Medida protetiva de urgência; 3.1. Aspectos históricos e formas de violência contra a mulher; 3.2. Espécies de medidas protetivas de urgência; 4. Conflito pela incompatibilidade da medida protetiva de urgência com a guarda compartilhada; 5. Medidas alternativas para possível solução dos conflitos; 5.1. A mediação como medida alternativa; 5.2. A ponderação das decisões judiciais; 6. Conclusão; 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A guarda compartilhada é uma inovação legislativa que trouxe incontáveis benefícios para o direito de família, visto que, historicamente os casos de divórcio ou separação de casais com filhos, acabava por gerar prejuízo ao menor no que concerne a sua educação, criação e tudo que esteja atrelado ao seu futuro.
Os modelos de guarda em nosso ordenamento jurídico consistem em guarda unilateral na qual um dos genitores, tendo avaliada suas situações necessárias para cumprimento do modelo de guarda, tomará para si toda a responsabilidade sobre quaisquer necessidades do filho que viverá consigo; guarda compartilhada que é a inovação que trataremos nessa pesquisa que consiste na divisão pelos pais de todas as tarefas e responsabilidades inerentes às necessidades do menor, buscando primeiramente que seja assegurado o princípio do melhor interesse do menor que vem estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990; e a guarda alternada, que não deve ser confundida com a compartilhada, uma vez que na alternada existe um revezamento de tempo em que o menor permanece com a mãe ou com o pai.
O capítulo XI do Código Civil de 2002, trata da proteção da pessoa dos filhos, dando a opção aos pais sobre a guarda ser unilateral ou compartilhada, devendo obedecer inteiramente às regras estipuladas na lei. Na compartilhada, os genitores irão compartilhar toda a responsabilidade concernente a criação e educação do menor envolvido, atribuindo de maneira conjunta o poder familiar sobre a criança e dividindo todos os ônus necessários, buscando sempre efetivar o princípio do melhor interesse do menor estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Há também o conflito entre a guarda compartilhada e uma possível medida de proteção à mulher, já que em muitos casos a mulher sofre agressão do seu ex companheiro e tem uma medida protetiva de urgência que impede que ele se aproxime da vítima.
Deve ser salientado que violência contra a mulher não se limita somente a agressão física, mas também a psicológica, sexual, patrimonial, moral, assim como expõe o Art. 7º e incisos da lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha). Nesses casos, quando se envolve uma guarda compartilhada vemos que o instituto fica extremamente comprometido, pois o compartilhamento da guarda faz com que o ex-casal precisem estar próximos um do outro para efetivar suas obrigações, logo, com uma medida protetiva de urgência, vemos que se inicia um conflito entre a guarda e a nova medida imposta.
Com a presente pesquisa, serão estudadas maneiras que tornem menos gravosas as relações familiares relacionadas a guarda compartilhada e a ocorrência de medida protetiva de urgência em face de violência contra a mulher, com intuito de analisar quais seriam as melhores alternativas para que sejam evitados processos desgastantes, envolvendo o menor que poderá passar por grande trauma psicológico gerando efeitos negativos por toda sua vida.
Este cenário será fundamentado com decisões jurisprudenciais e com relevantes doutrinadores que tratam sobre o tema para que possam ser apresentadas soluções pacíficas gerando efetividade na aplicação da justiça e preservando a família e os direitos constitucionais.
2. A GUARDA COMPARTILHADA.
2.1 ASPECTOS GERAIS.
O instituto da guarda compartilhada começou a engatinhar no ordenamento jurídico brasileiro no ano de 2002 com o projeto de lei nº 6.350 apresentado na época pelo então deputado Tilden Santiago, que visava regulamentar a guarda compartilhada no Brasil, dado que esse tema gerava grandes controvérsias em relação ao crescimento e educação de crianças menores que enfrentavam a dura realidade do divórcio de seus pais e acabavam ficando à mercê da sorte sobre com quem ficaria e como poderia conviver com seus genitores.
Por motivos costumeiros históricos, em casos como esses, o ônus de cuidar, manter financeiramente e educar a criança, sempre recaia sobre à mãe da criança já que o pai na maioria das vezes não tomava para si parte dessa responsabilidade, gerando então a necessidade de uma regulamentação que fizesse com que o menor fosse amparado de maneira justa, tendo o projeto de lei nº 6.350 sido aprovado em 23 de outubro de 2007.
Em 22 de dezembro de 2014 foi sancionada a lei nº 13.058 alterando então os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil de 2002, estabelecendo significado à expressão guarda compartilhada e regulamentando o instituto. Nesse sentido, Rolf Madaleno diz:
Existindo entre os pais a mera separação de fato pelo afastamento voluntário ou de corpos pela expulsão judicial de um dos conjugues da vivenda matrimonial, a guarda dos filhos segue sendo de ambos; considerando inexistir ainda qualquer solução processual a respeito da custódia oficial da prole, muito embora já presente a fatual separação dos pais, a nenhum deles é dada a primazia legal da custódia, não obstante existisse uma tendência oficial de preservar a situação verificada por ocasião da separação de fato, permanecendo os filhos com o genitor com o qual já se encontrava, havendo uma proposição legal de que o juiz evite conceder a guarda unilateral, salvo se houver algum risco a integridade física ou psíquica da criança ou do adolescente, e perdendo a guarda de fato ou unilateral o seu espaço em nome da prioridade na concessão ou no ajuste consensual da guarda compartilhada física. (MADALENO, 2019, p.441)
O instituto da guarda compartilhada pode ser definida como um acordo entre pais para que, após um divórcio, possam exercer o poder familiar sobre o menor fruto da relação, atendendo às suas necessidades de maneira conjunta, seja na educação quanto na manutenção financeira, devendo haver um entendimento mútuo entre os pais para que seja buscada sempre a melhor vida para os filhos. (AZEVEDO, 2013, p. 231).
Atendendo às respectivas regras impostas através dos acordos de guarda compartilhada, se tem o anseio de que sejam evitados danos aos direitos dos menores visto que em todas as relações familiares estes são sempre a figura mais frágil, carecendo de uma atenção diferenciada, assim, com a participação de ambos genitores em sua vida, haverá benefício ao menor sob aspectos familiares e sociais, transcendendo o lar em que vive uma vez que tendo uma vida resolvida desde a infância, acabará externando tais conquistas perante o meio social.
Antes de regulamentação por lei, através dos costumes, os casos em que havia separação entre marido e mulher com filhos, sempre faziam com que os menores ficassem com a mãe para educa-los e criá-los e essa situação não poderia perdurar com o tempo, uma vez que com a evolução dos tempos também evoluem os costumes e o ordenamento jurídico tende a acompanhar esse caminho, logo, a superação desses costumes ensejaria uma regulamentação para que trouxesse às famílias uma melhor resolução aos casos referente ao tema.
Após a regulamentação da guarda compartilhada, se busca um meio de que, mediante a separação dos pais, o ônus de cuidar dos filhos menores não recaia somente para um dos genitores, já que na maioria das vezes somente a mãe detinha da guarda e o pai somente pagava a pensão alimentícia decretada em juízo, restando então para a mãe todo o restante na criação do filho.
Com a guarda compartilhada, ambos genitores poderiam estar mais presentes na educação do filho, gerando grandes benefícios aos menores que sempre iriam ter presente a figura do pai e da mãe mesmo que separados, efetivando o poder familiar, podendo evitar possíveis conflitos futuros entre os filhos e os pais separados. (RAMOS, 2016, p.73)
Com isso, o princípio maior do Estatuto da Criança e do Adolescente, lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, que é o da busca do melhor interesse do menor, está enraizado e protegido, uma vez que os benefícios se espelham nesse sentido de proteção da criança.
Com a guarda compartilhada, os menores envolvidos estarão sempre se sentindo amparados pelos pais, mesmo que esses não vivam em união, mas buscam trazer aos filhos o que há de melhor, sem que haja contenda nas decisões ou na contribuição financeira, sempre participando da vida dos filhos (AZEVEDO, 2013, p.231)
2.2 ACORDO DE GUARDA COMPARTILHADA E UNILATERAL SEGUNDO O CÓDIGO CIVIL.
Destarte, a lei nº 11.698 foi sancionada no ano de 2008 trazendo então o instituto da guarda unilateral ou compartilhada que podem ser requeridas com consenso dos pais ou isoladamente por um só, mesmo após o divórcio. (AZEVEDO, 2013, p.231)
Com essa inovação legislativa, ficou então possibilitado aos pais separados ou divorciados, optarem pelo acordo de guarda, sob um consenso mútuo observando e obedecendo todos os requisitos impostos em lei.
O Art. 1.584, inciso II do Código Civil de 2002, retrata que a guarda compartilhada será concedida pelo juiz observando as necessidades do filho ou em razão da distribuição do tempo necessário de convívio com o pai, e aqui se vê claramente que é observado o melhor interesse do menor, que deve ser levado em conta em todo despacho ou sentença judicial. (AZEVEDO, 2013, p.231).
Um ponto importante que se deve atentar é que, em casos em que os pais não entrem em acordo quanto a guarda do menor envolvido na separação, deverá então ser estipulada a guarda compartilhada, salvo quando houver declaração de um dos genitores de que não deseja a guarda do filho, entendendo assim como a compartilhada uma regra e a unilateral uma exceção. (Art. 1.584, § 2º do código civil de 2002).
Existem duas condutas claras e diametralmente opostas e que se posicionam de modo distinto no tocante ao estabelecimento obrigatório da guarda compartilhada, podendo ser chamada uma dessas vertentes de otimista, liderada por países como Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, ou os chamados países sangue frio, nos quais a guarda compartilhada é imposta, e essa corrente preserva a guarda conjunta existente ao tempo da coabitação dois pais, enquanto a corrente pessimista, em transito nos países considerados sangue quente, como Brasil, Espanha e Portugal, confere um poderoso poder de veto à mãe, pois para a jurisprudência desses países, a guarda compartilhada depende de uma atitude positiva de ambos os genitores e não cabe impô-la diante de uma atitude reticente da mãe, tratando-se a guarda conjunta de um regime excepcional, porque precisam os pais trocarem informações sobre os rebentos para unificar as pautas desenvolvidas no interesse dos filhos e se lhes falta o diálogo eles põem em risco os cuidados e atenções devidas aos filhos. (MADALENO, 2019, p.451)
Após ser escolhida e homologada o modelo de guarda, sendo ela a compartilhada ou a unilateral, devem os genitores atentar a todas as regras estipuladas pelo juízo, e o não cumprimento das medidas estipuladas quanto a guarda, acarretará aos pais as medidas expostas no § 4º do artigo supracitado.
2.3 PREJUÍZOS AO MENOR ANTES DA REGULAMENTAÇÃO DA GUARDA.
Sabe-se que o número de divórcios ou separações de casais com filhos é crescente no Brasil por diversos motivos e em muitos desses casos o casal possui filhos menores. Nessa ocasião, o filho menor acaba ficando à mercê da própria sorte tendo sua vida decidida através de processos judiciais.
Segundo o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) através de levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) o crescimento de divórcios no Brasil apresentou espantoso crescimento de 269 % no período de 1984 a 2016, trazendo ainda que o Brasil conta com cerca de 581,8 dissoluções de casamento por ano até 2018.
Isso mostra como a evolução do direito brasileiro impactou nas relações de família, já que com as inovações legislativas os divórcios acabaram se tornando mais acessíveis e menos morosos, trazendo mais efetividade quando buscado pelo casal.
A lei nº 13.058 de 22 de dezembro de 2014 veio com o intuito de regular e dar significado à guarda compartilhada, alterando os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 ambos do Código Civil brasileiro de 2002 tratando em seu capítulo XI Da proteção da Pessoa dos Filhos. (RAMOS, 2016, p.74)
Antes da regulamentação do instituto, os casos de separação e divórcio que envolvia filhos menores era demasiadamente complicado visto que em muitos casos o pai não assumia responsabilidade além de pagar pensão alimentícia mensalmente, recaindo sobre a mãe todas as demais responsabilidades com o filho.
Nos casos em que há menores, o casal não pode optar pelo simples divórcio em cartório, devendo então submeter-se a um processo um pouco mais complicado pois, a Lei prega que nesses casos devem prevalecer o melhor interesse do menor regido pelo ECA, mais precisamente no Título I da lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990.
O Código Civil brasileiro em seu artigo 1.584 trata sobre a guarda unilateral e compartilhada, sendo essa escolhida com consenso ou não pelo casal ou por apenas um deles que deverá requerer tal guarda. O referido artigo também estipula sanções para os pais que não obedecerem aos requisitos do acordo de guarda.
Após toda a tramitação do processo judicial do divórcio regida pelo art. 731 do Código de Processo Civil de 2015, poderá o casal com filhos optar pelo acordo relativo a guarda dos filhos como disposto no inciso III do artigo supracitado. Então, a partir do acordo, escolhendo o ex-casal pelo modelo de guarda compartilhada, irão dividir as responsabilidades enquanto a criação, educação e tudo o que o filho menor precisar para sua subsistência, e essa guarda compartilhada irá fazer com que os genitores mantenham contato frequentemente para que possam então efetivar o modelo de guarda, trazendo assim um benefício imensurável para a vida do menor envolvido.
Assim como a compartilhada, a guarda unilateral é regulada pelo Código Civil brasileiro em seu art. 1.583 e seguintes, diferenciando-se daquela pelo fato de que nessa não há uma efetiva divisão de obrigações referente aos filhos já que a guarda detém-se apenas para uma das partes, porém, a parte que não detenha a guarda está obrigada a fiscalizar tudo o que acontece com o filho e o genitor detentor da guarda, buscando sempre informações que possibilitem identificar que o interesse dos filhos estão sendo atendidos de maneira efetiva não deixando que nada falte ao menor, sendo esses interesses o acesso à educação, saúde física e psicológica obedecendo o disposto no § 5º do art. 1.583.
Independentemente do modelo de guarda acordada pelo casal, a observância que se deve ter será sobre o princípio do melhor interesse do menor, apregoado pelo estatuto da criança e do adolescente, buscando sempre protege-lo de qualquer que seja o dano que possa sofrer por uma indecisão ou conflitos de seus genitores, lembrando que o juiz, vendo que nenhum dos genitores estão aptos a deter a guarda do menor, irá então buscar alguém da família que possa se adequar a guarda e beneficiar o menor, observando o grau de parentesco e relações de afinidade do familiar, nos termos do Art. 1.584 § 5º do Código Civil.
3. MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA.
3.1 ASPECTOS HISTÓRICOS E FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER.
A expressão violência deriva da palavra latina “vis” que expressa tipo de pessoa repugnante, agressiva ou com falta de consideração. O termo violência surgiu no século XIII para identificar pessoas que se enquadrassem nos adjetivos citados acima, já que a época a violência era muito comum especialmente contra as mulheres. (FERNANDES, 2015, p.47)
Assim, se entende que a violência vem desde os primórdios da humanidade, como um meio de mostrar força em uma cultura agressiva, onde aquele que é mais forte detinha mais poder sobre o mais fraco, o que era tido como normal nessa cultura, já que a mulher muitas vezes submetia-se a agressões do homem por qualquer motivo, tendo essa ação como algo normal e necessário para o convívio com a mulher.
Com o passar do tempo, o conceito de violência contra a mulher teve uma atenção especial pela convenção de Belém do Pará que foi adotada no Brasil em 9 de junho de 1994 criada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para que fosse dado significado a violência contra a mulher trazendo com o Decreto nº 1.973 de 1º de agosto de 1996, em seu Artigo 1, definição de violência como qualquer ação contra a mulher, baseada no gênero que venha causar morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico, na esfera pública ou privada.
A violência contra a mulher não é somente agressão física como já se pensa de início, mas é também a psicológica, sexual, patrimonial e moral elencados no Art. 7º e incisos da lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006. (FERNANDES, 2015, p.49)
Destarte, pensar que a violência contra a mulher se limita somente a agressão física, torna-se um equívoco, uma vez que ela vai muito além disso.
Na legislação brasileira, com a vigência da Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006 que veio para coibir a violência contra a mulher, em seu Art. 7º, distribui-se as formas de violência, quais sejam:
Violência física que consiste em qualquer tipo de agressão contra a mulher que atente contra sua integridade física ou saúde corporal, ocorrendo quando o homem parte para cima da mulher causando alguma lesão corporal.
Violência psicológica, acontece quando o homem trabalha sob o psicológico da mulher sem necessariamente agredir fisicamente, mas com dizeres que muitas vezes abalam a mulher de uma maneira tão grave que acaba com sua autoestima ou causa algum dano emocional que traz consigo diversos problemas psicológicos, sendo essa muitas vezes é a maneira de violência mais comum em meio a sociedade uma vez que o homem usa de sua persuasão contra a mulher fazendo com que ela acredite que não tenha valor ou condição de se defender das ofensas.
Violência sexual, que consiste em qualquer ato que traga constrangimento a mulher a praticar algum ato sexual sem seu consentimento.
Violência patrimonial, que ocorre quando o homem retém qualquer que seja bens da mulher, como em muitos casos em que a mulher trabalha todos os meses e tem seu salário completamente controlado pelo companheiro.
Violência moral, quando há alguma ofensa a honra da mulher relacionada a conduta em que o homem cometa que configure calunia, difamação ou injúria.
Na legislação estrangeira, são referidas outras formas de violência. Na Argentina, a legislação menciona a violência simbólica contra a mulher que, por meio de “padrões estereotipados, mensagens, valores, ícones ou sinais transmita ou reproduza dominação, desigualdade e discriminação nas relações sociais, naturalizando a subordinação da mulher na sociedade”. Em Angola, a Lei da Violência Doméstica compreende o abandono familiar, consistente em “qualquer conduta que desrespeite, de forma grave e reiterada, a prestação de assistência nos termos da lei. (FERNANDES, 2015, p.48)
Com o decorrer do desenvolvimento legislativo brasileiro e com a busca incessante de igualdade de direitos e respeito para com as mulheres, elas vieram conquistando cada vez mais seu espaço e obtendo o respeito que merecem, entretanto ainda existem inúmeros casos de violência contra a mulher em todo o mundo, uma vez que grande parcela tem medo de se posicionar contra os fatos e denunciar seus agressores, pois muitas vezes usam de ameaça para intimidá-las, mesmo que haja a lei Maria da Penha que contém mecanismos processuais eficazes e seguros que buscam coibir qualquer represália por parte do agressor quando a mulher efetua denuncia, efetivando a função protetora da lei.
3.2 ESPÉCIES DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA.
Antes da edição da nova lei, os casos que envolviam violência contra a mulher tinham competência de julgamento pela Lei n.º 9.099/95 por juizados especiais, tratando as causas de crimes de menor potencial ofensivo. A Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006, é uma inovação legislativa que trouxe um marco de extrema importância para as mulheres, pois através dela criou-se mecanismos para coibir a violência cometida contra a mulher e defendê-la em todos os seus direitos de forma digna e segura.
A lei foi criada em homenagem a farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, uma importante figura feminina que sofreu muitas agressões e lutou para que seu agressor fosse condenado, assim, com base nessa sua luta para responsabilizar o agressor, o legislador brasileiro inspirou-se na criação de uma lei severa que viesse a proteger a mulher efetivamente e punir o agressor.
As conquistas trazidas com a edição da lei Maria da Penha, elencaram diversas disposições que antes eram carentes no ordenamento jurídico brasileiro, primeiramente trazendo uma distinção entre a violência cometida no meio comunitário, pessoal e estatal, tratando então como restritiva, considerando a violência cometida no contexto pessoal. (FERNANDES, 2015, p.49)
As medidas protetivas de urgência são mecanismos de defesa trazidos com a edição da lei Maria da Penha, sendo usadas para proteger a integridade da mulher que sofreu algum tipo de violência. Com elas, em casos onde a vítima busca ajuda, deverá ser aplicada a medida mais benéfica em proteção a mulher o mais rápido possível, podendo até a autoridade policial requerer a prisão preventiva do agressor em qualquer fase da instrução criminal, nos termos do Art. 20 da referida lei.
Os mecanismos que podem ser adotados em casos de violência, são elencados na seção II da Lei nº 11.340 de 2006 em seu Art. 22 e incisos, sendo eles disponíveis para aplicação pelo juiz que aplicara em conjunto ou separadamente as medidas protetivas de urgência que melhor se encaixe no caso e traga efetividade para a decisão.
A medida protetiva de urgência mais comum adotada pelos juízes é o afastamento do lar ou local de convivência com a mulher, fazendo com que o agressor fique proibido de se aproximar obedecendo um certo distanciamento. Porém poderá ser adotada medida diversa, a depender de cada caso concreto, como suspensão da posse ou restrição do porte de armas geralmente aplicadas aos servidores de segurança pública ou afins; afastamento do lar; proibição de determinadas condutas; restrição de visita aos dependentes menores e prestação de alimentos, estabelecidas no rol do Art. 22 da lei Maria da Penha.
A lei nº 13.984 de 03 de abril de 2020, promulgada pelo atual presidente da república Jair Messias Bolsonaro, veio incluindo os incisos VI e VII no Art. 22 da Lei Maria da Penha, onde no inciso VI estabelece a obrigação do agressor a comparecer em programas de recuperação e reeducação e no inciso VII estabelece que ainda deve se submeter a um acompanhamento psicológico individual ou em grupo.
Nota-se com essa nova lei que o legislador pensou em um modo de prevenção de reincidência do agressor em cometer novas condutas violentas contra a mulher, pois oferecendo esses atendimentos de recuperação, reeducação e acompanhamento psicológico, o agressor será submetido a um acompanhamento mais próximo onde os profissionais que irão atendê-lo, buscarão entender os motivos de suas condutas buscando uma maneira de evitar que possa agir novamente de maneira errônea, podendo essas medidas ser consideradas de caráter preventivo, já que certamente irão evitar a violência contra a mulher.
Uma outra inovação legislativa tratando sobre medida protetiva veio com a lei nº 13.827 de 13 de maio de 2019 autorizando agora as autoridades judiciais e policiais decretarem medida protetiva de urgência àquelas mulheres que estão sob risco iminente após violência doméstica.
Com essa inovação, a segurança da mulher é ainda mais eficaz, pois antes, as medidas protetivas de urgência careciam de liberação dos juízes para serem aplicadas aos casos e isso dependia de um procedimento muito mais moroso e consequentemente mais perigoso para a mulher pois esta estava em constante risco de o agressor cometer algo ainda mais grave, então com a alteração não se faz mais necessário aguardar essa liberação judicial quando ficar evidente conforme o Art. 12-C da Lei nº 11.340, que exista um risco atual ou iminente a vida ou integridade física da mulher em situação de violência.
Nesses casos, observando os riscos iminentes, a própria autoridade policial por meio do delegado de polícia irá determinar o imediato afastamento do agressor e logo após, nos termos do Art. 38-A da mesma lei, o juiz competente irá registrar a medida protetiva de urgência estabelecida em favor da mulher remetendo esse registro ao banco de dados do CNJ onde o Ministério Público, Defensoria Pública e órgãos de assistência pública e de assistência social, irão fiscalizar o cumprimento e a efetividade da medida protetiva imposta.
4. CONFLITO PELA INCOMPATIBILIDADE DA MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA COM A GUARDA COMPARTILHADA
Após entendimento dos institutos das medidas protetivas de urgência e a guarda compartilhada, e suas respectivas histórias, aplicações e funções, resta entender quais são os conflitos que podem ocorrer quando ambos forem aplicados simultaneamente em um caso concreto, já que a ocorrência de aplicações de medidas protetivas de urgência em proteção a mulher é comumente aplicada mesmo quando há um acordo de guarda compartilhada entre os genitores.
Antes de tudo, se deve salientar que a guarda compartilhada é um mecanismo que busca primeiramente a efetivação do princípio do melhor interesse do menor estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, assegurando sempre aquilo que for de interesse e cuidados ao menor.
A guarda compartilhada ainda deve ser um meio de que os genitores tenham participação conjunta na vida do filho, uma vez que todo o alicerce que guiará a vida da criança depende de parcela importante do convívio com seus genitores, e para isso, nesse modelo de guarda, deverão estar em comum acordo e designados a efetivar o que foi pactuado. Nesse Sentido Rolf Madaleno diz:
A guarda compartilhada legal procura fazer com que os pais, apesar de sua separação pessoal, e vivendo em lares diferentes, continuem sendo responsáveis pela criação, educação e manutenção dos filhos, e sigam responsáveis pela integral formação da prole, mesmo estando separados, obrigando-se a realizarem da melhor maneira possível suas funções parentais. (MADALENO, 2019, p. 451)
Destarte, se tratando a partir disso sobre as medidas protetivas de urgência, pode-se observar sérios conflitos que trazem um enorme embaraço no que se refere a efetivação da guarda compartilhada, já que em diversos casos, casais que possuem o acordo de guarda compartilhada, acabam passando por situações em que o homem acaba cometendo violência contra a mulher, podendo esse agressor ser penalizado pela lei Maria da Penha, iniciando assim um conflito de institutos.
O Art. 22 da lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006, traz um rol de medidas protetivas de urgência que podem ser aplicadas obrigando o agressor em algumas penalizações, sendo as conflitantes as que estão nos incisos II, III e IV do artigo supracitado.
O inciso II traz que o juiz poderá, caso constatada a violência contra a mulher, determinar que o agressor se afaste do lar ou qualquer local de convivência com a ofendida, para assegurar a integridade da mulher, entretanto, com essa medida há um choque frontal caso esse mesmo casal possua um acordo de guarda compartilhada, pois para a efetivação do modelo de guarda o pai teria que se aproximar da mãe para cumprir com suas obrigações concernentes a guarda.
Já o inciso III do mesmo artigo, constatada a violência, o agressor que nesse caso não convive com a vítima, será penalizado com a proibição de aproximação da vítima, também gerando o mesmo conflito, já que o pai terá dificuldades ou até a impossibilidade de cumprir com seus deveres de família referente a guarda do filho.
Ainda no inciso IV do Art. 22 da lei Maria da Penha, o agressor será penalizado com a restrição ou suspensão a visita aos dependentes menores, impossibilitando em casos de guarda compartilhada que o pai também possa cumprir com seus deveres, gerando assim os conflitos dos institutos. Nesses casos o juiz deverá observar ainda o que dispõe o Art. 23, inciso III, afim de que sua determinação não traga prejuízos em relação aos bens, guarda dos filhos e alimentos.
No enfoque da proibição ou restrição de visita aos dependentes menores em casos que o genitor venha agredir a mãe da criança, há entendimento jurisprudencial que demonstra não só o conflito entre os institutos, mas também o comprometimento do direito constitucional do pai em visitar a criança para exercer suas funções paternas.
Nesse sentido o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios decide:
PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO RECEBIDO COMO RECLAMAÇÃO. ARTIGO 232 DO REGIMENTO INTERNO DO TJDFT. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE. APLICABILIDADE. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. MEDIDAS PROTETIVAS DEFERIDAS. SUSPENSÃO DO DIREITO DE VISITAS DOS FILHOS COMUNS. REVOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO LEGAL. RECLAMAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Em razão do princípio da fungibilidade, o recurso em sentido estrito interposto em face de decisão que defere medidas protetivas pode ser conhecido como Reclamação Criminal, na forma do art. 232, do Regimento Interno do TJDFT. 2. A teor do artigo 19, da Lei nº 11.340/2006, as medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo Juiz, a requerimento do Ministério Público ou da vítima. Todavia, é necessário, para tanto, que o pedido seja acompanhado de indícios mínimos de provas, porquanto seu deferimento enseja restrição de direitos da pessoa. Torna-se indispensável, portanto, a demonstração de fundados indícios de cometimento de ilícito penal bem como da grave situação de perigo causado pelo requerido. No caso dos autos, os referidos requisitos restaram demonstrados diante das informações prestadas pela ofendida e pela testemunha, no sentido de que ela vive acuada pelo reclamante, o qual frequentemente a agride, com palavras, gestos e ações. 3. A convivência entre pai e filha não deve e não pode ficar à mercê das brigas e desentendimentos do ex-casal. Não havendo nos autos elementos materiais suficientes que desabonem a conduta do pai em relação à filha, não há qualquer motivo para a manutenção da medida protetiva de suspensão do direito de visitas dos filhos comuns. 4. Recurso conhecido e parcialmente provido.
(TJ-DF 07034097120198070012 DF 0703409-71.2019.8.07.0012, Relator: DEMETRIUS GOMES CAVALCANTI, Data de Julgamento: 05/03/2020, 3ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE: 17/03/2020, disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/>. Aceso em 15 out. 2020)
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, ao julgar um Recurso em Sentido Estrito interposto pelo agressor, conhecendo-o parcialmente provido contra decisão do Juiz de primeiro grau que impôs medida protetiva de urgência contra o agressor com fundamento no Art. 22, inciso III, alínea ‘c’, e inciso IV da lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006, obrigando o agressor a não manter qualquer tipo de contato com a vítima e com sua filha a qual os dois mantem sob guarda compartilhada, proibindo ainda o agressor de frequentar determinados lugares impostos na sentença.
No julgamento do Recurso em Sentido Estrito, o relator manifestou-se pelo não seguimento do recurso, alegando que esta não seria a medida processual apropriada para apreciar as decisões oriundas de medidas protetivas aplicadas pela lei nº 11.340 de 2006, analisado então o não cabimento do recurso, recebendo-o como reclamação, nos termos do Art. 232 do regimento interno do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
Ainda no voto do desembargador relator do recurso, constatou-se a veracidade e cabimento da medida protetiva aplicada contra o agressor em benefício da vítima, sendo notável que esta vinha sofrendo ameaças constantes colocando-a em risco iminente, porém, a medida protetiva aplicada também atingiu o relacionamento entre pai e filha, vindo a afastar o agressor do convívio com a criança que, no entendimento do relator não se funda, uma vez que a convivência entre pai e filha jamais apresentou qualquer risco ou algum tipo de controvérsia que fizesse merecer alguma medida protetiva em face da filha. Decidiu então que fosse mantida a aplicação da medida protetiva em benefício da mulher e afastada a mesma medida em relação a criança, devendo o agressor atentar-se para não descumprir a medida que lhe resta, podendo sofrer as sanções do art. 24-A da Lei nº 11.340 de 2006.
Pelo que já é sabido, pode-se notar que as medidas protetivas de urgência, aplicadas em casos de casais que possuem acordo de guarda compartilhada de filhos menores, o conflito transcende o ex-casal, e afeta direitos da criança bem como os do próprio agressor.
Como já exposto, o Estatuto da Criança e do Adolescente, possui o princípio maior de sempre buscar pelo melhor interesse do menor, o qual deve ser levado com a importância maior em todos os casos em que seja discutido. Nota-se ainda que mesmo que o agressor penalizado com uma medida protetiva de urgência por ter cometido alguma violência contra a mulher, ainda detém do direito de manter o convívio e aproximação com o filho menor, desde que não ofereça nenhum tipo de ameaça. Portanto, uma medida protetiva aplicada sem o necessário estudo e acompanhamento próximo do caso, acaba por gerar um conflito pela incompatibilidade das medidas, uma vez que se for comprovado que o pai não oferece qualquer risco ao menor e que nos momentos de convivência com o filho, efetiva seu poder familiar com maestria, claro se faz que a aplicação de uma medida protetiva que afaste o pai do filho irá contra o princípio pregado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como ferir o direito constitucional do pai.
5. MEDIDAS ALTERNATIVAS PARA POSSÍVEL SOLUÇÃO DOS CONFLITOS
5.1 A MEDIAÇÃO COMO MEDIDA ALTERNATIVA.
No direito brasileiro muito se ouve falar sobre a solução pacifica dos conflitos, onde se busca um meio alternativo de resolver demandas sem que elas precisem necessariamente ser enviadas ao judiciário para apreciação, podendo então as partes recorrer a autocomposição, onde as partes conflitantes entram em acordo entre si e solucionam seus problemas; mediação onde os conflitantes escolhem alguém de confiança para ajudar na busca de uma solução do conflito facilitando a dinâmica do acordo de maneira que as partes sintam-se confiantes e satisfeitas com o que é decidido.
Trazendo para a ceara dos conflitos gerados pela aplicação de medidas protetivas de urgência na ocorrência de guarda compartilhada, vislumbra-se como já dito, um conflito colossal, uma vez que não se trata apenas do cometimento de crime contra a mulher, mas também no comprometimento de direitos das crianças estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como o direito do pai em cumprir seu papel.
Mediante os conflitos gerados na ocorrência dos institutos supracitados, vê-se a possibilidade de submeter os casos ocorrentes a um processo de mediação com intuito preventivo, buscando maneiras mais brandas e que afastem conflitos familiares mesmo quando os pais da criança estejam separados, para que possam então exercer o poder familiar em harmonia.
O processo de mediação pode ser aplicado ao casal antes mesmo que seja imputada medidas protetivas de urgência em casos de violência, em busca de esclarecimentos dos conflitos entre os genitores num aspecto psicológico, para que de maneira sedimentada se encontre os motivos pelos quais surgem as condutas violentas por parte do agressor bem como a reação da mulher e das crianças envolvida no seio familiar.
A mediação não tem caráter punitivo, tampouco de decisão sobre os casos apresentados, mas busca-se uma maneira de aproximar as partes em conflito, de maneira que entendam que a falta de diálogo ou compreensão pode gerar problemas.
No enfoque da violência doméstica, as mulheres acabam se tornando submissas ao seu companheiro que aproveitam dessa submissão para se mostrar como mais forte acabando por agredir a mulher de alguma forma, fazendo com que ela sinta-se ainda mais fragilizada e desprotegida, nesse momento se faz importante o papel de um mediador, para que possa ajudar os envolvidos a encontrar uma maneira harmoniosa de convívio com intuito de evitar qualquer tipo de violência.
Nesse sentido, Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva traz:
O objetivo da mediação não é necessariamente a obtenção de um acordo, mas gerar a transformação no padrão de comunicação entre os mediandos, para a construção da funcionalidade relacional. A mediação pode levar ao acordo, proporcionando opções e soluções mutuamente satisfatórias construídas pelos próprios mediandos. Isso não faz com que seja o acordo o objetivo da mediação. Nessa hipótese não se deve perder de vista a totalidade do conflito que não se resume apenas a disputas pontuais. (SILVA, 2013, p. 190)
A lei Maria da Penha é, sem dúvida alguma, um grande acerto do legislador brasileiro, uma vez que os direitos fundamentais recaem para todos independente do sexo ou gênero, e bem se fez ainda a lei em trazer as medidas protetivas de urgência a serem aplicadas aos casos nas quais cabem, porém como já discutido, os conflitos são verdadeiros e corriqueiros, visto que há o choque entre as medidas protetivas de urgência e guarda compartilhada, e que o Estado deveria aplicar métodos alternativos como a mediação para que esses conflitos pudessem ser diminuídos ou até extintos.
Ainda recai sob o Estado, a obrigação de promover a segurança no seio familiar, já que nesse sentido a Constituição Federal em seu Art. 226 traz que a família é a base da sociedade e tem proteção especial do Estado, também trazendo em seu § 8º que o Estado assegurará a assistência a família e ainda criará mecanismos para coibir a violência no âmbito das suas relações.
Fica claro pela interpretação constitucional, que a obrigação do Estado é notória e certa, possibilitando a criação de mecanismos de proteção e contra as ocorrências de violência familiar, e aqui reforça-se uma possível eficácia da implantação da mediação às partes que figuram um contexto de violência doméstica e que nele ainda tenha a figura de uma criança menor.
5.2 A PONDERAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS.
Como já citado, a aplicação de medidas protetivas de urgência num contexto familiar em que exista um acordo de guarda compartilhada acaba por gerar o conflito entre os institutos, uma vez que as decisões judiciais da vara de família irão homologar o acordo de guarda compartilhada entre os genitores estipulando a eles suas obrigações concernentes ao menor e a busca pelo respeito ao princípio estabelecido pelo ECA. Por outro lado, em casos de violência cometida contra a mulher por seu ex-companheiro, a vara criminal irá impor medida que afaste o agressor da vítima e consequentemente do menor envolvido.
Essas decisões judiciais que geram esses conflitos deveriam ser melhor analisadas pelos julgadores para que se possa tomar uma decisão que não gere conflitos entre si. Antes das decisões, seria de extrema importância um acompanhamento próximo ao caso, estudando a família e todo seu contexto, pois em muitos casos a medida protetiva de urgência cabe somente à mulher e não deveria gerar efeitos para o menor envolvido, por isso se faz necessário esse acompanhamento, buscando saber como é a convivência do pai com o filho sob o aspecto da guarda compartilhada e se oferece algum risco ao menor, e caso seja comprovado que não ofereça risco, o judiciário possa então buscar alguma alternativa para que mesmo com a aplicação de medida protetiva de urgência, a guarda compartilhada possa seguir seu plano.
Através de um acompanhamento mais próximo desses casos, o Estado poderia conhecer e identificar melhor o convívio entre o pai e o menor, a fim de evitar o conflito, e nesse enfoque buscar algumas medidas alternativas como a escolha algum familiar próximo que contribua para que o pai possa continuar o contato com o filho e efetivar seu papel paterno bem como manter seu direito constitucional de manter contato com o filho.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul, julgou mandado de segurança tratando a questão de suspensão do direito de visitas ao filho menor:
MANDADO DE SEGURANÇA. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. SUSPENSÃO DO DIREITO DE VISITAS AO FILHO MENOR. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE ESTUDO SOCIAL. O impetrante se insurge contra a decisão que deferiu em favor da vítima medida protetiva de urgência de suspensão do direito de visitas ao filho menor. Situação noticiada nos autos pela vítima que dá conta de que o impetrante já teria agredido o filho, bem como teria dito, na mesma oportunidade, que o que menos me custa é te degolar, te jogar aí na vala dos trilhos e levar o bebê embora, tendo a ofendida muito medo das atitudes do acusado com o filho menor, o que justifica, num primeiro momento, a imposição da medida protetiva de suspensão de visitas ao filho menor. No entanto, a imposição da medida protetiva de urgência de suspensão de visitas deve ser deferida/mantida com extrema cautela, para evitar prejuízo irreparável à criança, que tem direito ao convívio com seus pais. Impositiva a realização de estudo social na origem, a fim de verificar a necessidade, ou não, de manutenção da referida medida protetiva. SEGURANÇA PARCIALMENTE CONCEDIDA. LIMINAR RATIFICADA. (Mandado de Segurança Nº 70080712615, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Diogenes Vicente Hassan Ribeiro, Julgado em... 03/04/2019).
(TJ-RS - MS: 70080712615 RS, Relator: Diogenes Vicente Hassan Ribeiro, Data de Julgamento: 03/04/2019, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05/04/2019, disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/. Acesso em: 14 out. 2020)
A decisão que culminou o afastamento do genitor de seu filho, se deu a pedido da vítima que alegou que ela e a criança sofriam violência e ameaças constantes, colocando tanto a vida da mãe como da criança em risco.
Ao julgar o mandado de segurança, os desembargadores entenderam por conceder parcialmente, determinando que o juízo que prolatou a sentença realizasse urgentemente um estudo social a fim de verificar se a medida protetiva aplicada ao caso deveria ser mantida ou não, uma vez que deve ser observado o melhor interesse do menor, que pode sofrer danos irreparáveis caso uma medida seja tomada equivocadamente.
Diante do que foi exposto, percebe-se que o instituto da guarda compartilhada é um mecanismo de extrema importância e relevância no que se diz respeito ao bom desenvolvimento da criança, e que através desse modelo de guarda, o menor terá resguardado os seus direitos e efetivado o princípio adotado pelo Estatuto da Criança e do adolescente. Nesse mesmo contexto, nota-se um conflito quando, na eminência desse modelo de guarda, acontece algum tipo de violência cometida pelo pai contra a mãe da criança, resultando na aplicação de uma medita protetiva de urgência contra o agressor.
No que concerne ainda a guarda compartilhada e a guarda unilateral, o código civil brasileiro expõe as regras específicas para cada modelo, trazidas com as inovações legislativas que alteraram os artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil de 2002, devendo os genitores obedecer aquilo que foi decidido em juízo, sendo importante salientar que a guarda compartilhada sempre será regra e a unilateral uma exceção, a depender daquilo que cada genitor decidir, uma vez que a guarda compartilhada mesmo sendo regra, não será obrigatória, já que aquele que não tiver interesse nesse modelo de guarda poderá expressar sua vontade.
As inovações legislativas trazidas no âmbito da guarda compartilhada, trouxeram às crianças muito mais segurança para o futuro, já que antes da regulamentação da guarda compartilhada, esses menores eram prejudicados pela carência de uma proteção legislativa que agora não mais existe no direito brasileiro.
Ainda é notável que a lei Maria da Penha é um grande acerto legislativo, advinda com a lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006, com inspiração na história da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que foi uma vítima de violência cometida por seu companheiro e que lutou para que ele fosse condenado, trazendo nesta lei, as espécies de medidas protetivas de urgência de proteção à mulher a serem aplicadas a depender do caso apresentado, ondo o juiz ou até mesmo a autoridade policial na figura do delegado de polícia, poderá aplicar a medida cabível o mais rápido possível, trazendo então efetividade nas normas e a proteção dos direitos conquistados pelas mulheres vítimas de violência.
A aplicação dos dois institutos conjuntamente traz conflitos sérios, os quais não deveriam existir, já que esses conflitos ferem diretamente direitos constitucionais, quais sejam, o direito do pai em estar próximo do filho para cumprir seu papel no anseio familiar e o direito da criança de ter próximo o seu genitor.
É imprescindível que o Estado adote as medidas alternativas como a mediação para a busca da solução dos conflitos gerados pelos institutos, uma vez que se aplicado os métodos de mediação por um profissional qualificado e comprometido com a causa, muitos problemas familiares poderão ser extintos e consequentemente acontecerá uma queda nas ações punitivas aplicadas pelo Estado em casos de violência do tipo.
Ainda é necessário a ponderação concernente as decisões judiciais aos casos em questão, pois quando se aplica uma medida protetiva de urgência, muitas vezes não é observado todo o contexto familiar, acabando por comprometer aquilo que não deveria, como o convívio do genitor com o menor envolvido. Deve então haver esse trabalho com acompanhamento pormenorizado do caso, para buscar se o agressor oferece risco ao menor, e caso não ofereça, deve ser afastada a medida protetiva em face da criança, para que o pai possa efetivar seu papel.
Essa mediação e a ponderação nas medidas judiciais se fazem necessárias para que no contexto familiar, as partes envolvidas possam submeter-se a essas técnicas de mediação e decisões judiciais, de modo que busquem soluções que tragam um melhor convívio entre os genitores, mesmo que já separados e não vivam no mesmo teto, buscando um diálogo amigável e conciso, levando em consideração, acima de tudo, o comprometimento de trazer o melhor para o menor envolvido, que através das ações realizadas pelos pais, e das decisões tomadas em juízo, se possa enxergar uma maneira de que o menor possa viver e crescer com dignidade e acima de tudo, respeito.
7. REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 27 mai. 2020
BRASIL. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso em: 27 mai. 2020
BRASIL. Lei nº 13.827, de 13 de maio de 2019. Autoriza aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial e policial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13827.htm> Acesso em 28 mai. 2020.
BRASIL. Lei nº 13.984, de 03 de abril de 2020. Altera o art. 22 da lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2020/Lei/L13984.htm#art2> Acesso em: 29 set. 2020
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 28 mai. 2020
BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponivel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm> Acesso em: 15 set. 2020
BRASIL. Portaria GPR 354 de 16 de março de 2016. Determina a publicação do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Disponível em https://www2.tjdft.jus.br/regimento_interno.html Acesso em: 02 out. 2020
FERNANDES, Valéria Diez Scarence, Lei Maria da Penha. São Paulo: Editora Atlas, 2015
IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família. Em 33 anos, divórcios aumentam 269%, enquanto população cresceu apenas 70%., 2018. Disponível em: < https://ibdfam.org.br/noticias/na-midia/16311/> Acesso em: 21 set. 2020.
MADALENO, Rolf, Direito de Família, 9ª edição, Porto Alegre, Editora, Forense, 2019
RAMOS, Patricia Pimentel de Oliveira Chambers, Poder familiar e guarda compartilhada, São Paulo: Editora, Saraiva, 2016
SILVA, Luciana Aboim Machado Gonçalves (Org.). Mediação de Conflitos. 1ª edição. Editora Atlas, 2013
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS. Disponivel em: <https://www.tjdft.jus.br/>. Acesso em 14 out. 2020
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Disponível em: <https://www.tjrs.jus.br/novo/>. Acesso em 14 out. 2020
Acadêmico do 9º período do curso de Direito no Centro Universitário São Lucas Ji-Paraná/RO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Werick Patrick. Conflito do instituto da guarda compartilhada na ocorrência da medida protetiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 out 2020, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55383/conflito-do-instituto-da-guarda-compartilhada-na-ocorrncia-da-medida-protetiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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