RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo estudar a atuação do Direito Penal frente à tutela da honra, cujo crimes encontram-se alocados em capítulo próprio da parte especial do Código Penal. A honra das pessoas é considerada uma das manifestações do direito da personalidade e, por consequência, objeto de tutela pelo atual ordenamento jurídico face ao princípio da dignidade da pessoa humana, considerado o epicentro axiológico da atual ordem constitucional. Por outro lado, temos um aparente conflito com alguns dos princípios que norteiam a aplicação do Direito Penal no nosso ordenamento jurídico, os quais impedem a sua atuação em face de condutas com baixa ofensividade. Nesse sentido, o presente trabalho traz uma visão crítica acerca dos crimes contra a honra previsto na legislação brasileira à luz dos princípios constitucionais e dos princípios da subsidiariedade e fragmentariedade.
PALAVRAS-CHAVE: DIREITO PENAL, CRIMES CONTRA A HONRA, DESCRIMINALIZAÇÃO, BENS JURIDISCOS, DIREITO PENAL MINIMMO, DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.
ABSTRACT: The present work aims to study the performance of Criminal Law in relation to the protection of honor, whose crimes are allocated in a specific chapter of the special part of the Penal Code. People's honor is considered one of the manifestations of the right of personality and, consequently, the object of protection by the current legal system in face of the principle of human dignity, considered the axiological epicenter of the current constitutional order. On the other hand, we have an apparent conflict with some of the principles that guide the application of Criminal Law in our legal system, which prevent its performance in the face of conducts with low offense. In this sense, the present work brings a critical view about the crimes against honor foreseen in the Brazilian legislation in the light of the constitutional principles and the principles of subsidiarity and fragmentation.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 ESCORÇO HISTÓRICO DOS CRIMES CONTRA A HONRA. 2 ESPÉCIES DE CRIMES CONTRA A HONRA NA HODIERNA LEGISLAÇÃO. 3 O DIREITO PENAL E OS PRINCIPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA, DA FRAGMENTARIEDADE E DA SUBSIDIARIEDADE. 4 A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL INAUGURADA EM 1988 E O TRATAMENTO DAS LESÕES A MORAL E A HONRA. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
KEYWORDS: CRIMINAL LAW, CRIMES AGAINST HONOR, DECRIMINALIZATION, LEGAL PROPERTY, MINIMUM CRIMINAL LAW, DIGNITY OF THE HUMAN PERSON.
INTRODUÇÃO
O Direito Penal é o ramo do direito que possui como objetivo a tutela de determinados bens jurídicos, ou seja, aqueles considerados indispensáveis para o controle e a ordem social. Também chamado de a ultima ratio, busca o Direito Penal sancionar mais severamente as condutas cuja lesão produza graves consequências aos bens jurídicos essenciais à manutenção e ao desenvolvimento do individuo e da sociedade.
O Ordenamento Jurídico, em sentido amplo, busca regular as relações entre as pessoas em sociedade, valendo-se, para tal desiderato, de vários instrumentos distribuídos entre os diversos ramos do direito, sendo, o Direito Penal, a manifestação mais severa de intervenção estatal contra o indivíduo, apenas justificando sua aplicação quando os demais ramos do direito se mostrarem ineficazes na tutela dos bens mais relevantes.
A Constituição Federal de 1988, que inaugurou no Brasil uma nova ordem constitucional, trouxe significativas mudanças, que refletiram em todo o ordenamento jurídico pátrio, obrigando os operadores do direito a repensar e adequar a legislação ordinária à nova ordem constitucional. Dentre as inovações trazidas pela carta magna brasileira, podemos destacar a expressa previsão, contida no artigo 5º, do direito a indenização à pessoa, pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
A nova Constituição Federal, que elevou à categoria de direito fundamental a reparação civil decorrente do dano à moral, pôs em xeque a criminalização dos chamados crimes contra honra, que passaram a possuir um caráter preponderantemente civil, levando-se em consideração o caráter fragmentário do Direito Penal.
Este trabalho tem por objetivo, analisar a adequação constitucional e a aplicação prática dos crimes contra a honra, realizando um estudo à luz dos princípios que permeiam todo o ordenamento jurídico e, em especial, o Direito Penal.
1.ESCORÇO HISTÓRICO DOS CRIMES CONTRA A HONRA
A honra, marca de distinção da pessoa, conhecido como o princípio ético que leva o indivíduo a gozar de bom conceito junto à sociedade e estima da própria dignidade, desde os tempos mais remotos tem sido tutelado pelo Direito Penal, como um bem jurídico indispensável à manutenção da ordem pública.
Na idade antiga, mais precisamente na Grécia e em Roma, as ofensas à honra eram cruelmente castigadas pelo fato de tal atributo estar intimamente ligado à pessoa, havendo uma natureza de Direito Público, sancionada inclusive com a pena de morte. O Direito Canônico, na idade média, também punia criminalmente aqueles que lesam a honra de outrem. (BITENCOURT, 2011)
Não obstante a antiga previsão de pena àqueles que maculavam a honra da pessoa, foi apenas no período moderno que tais delitos ganharam independência.
O Direito Francês foi o primeiro a estabelecer distinção clara entre as modalidades que esse crime poderia assumir. O Código Penal Francês de 1810 foi o primeiro a incriminar separadamente calúnia e injúria, embora ainda englobasse em um mesmo conceito calúnia e difamação. Em 1819 substituiu o termo “calúnia” por “difamação” e eliminou o requisito da falsidade. (Bitencourt, Vol. 2, pag. 314)
No Brasil, o Código Criminal do Império e o Código Penal de 1890 também incriminavam as práticas da calúnia e da injúria, abrangendo esta, tal como no Código Penal Francês, as noções de injúria e difamação concebidas no hodierno códex.
2.ESPÉCIES DE CRIMES CONTRA A HONRA NA HODIERNA LEGISLAÇÃO
O atual Código Penal brasileiro prevê, no capítulo V, inserido no título dos crimes contra a pessoa, três espécies de crimes contra honra sendo eles a calúnia, a difamação e a injúria.
O Código penal, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1942, seguindo a tendência das demais legislações penais ocidentais, manteve a criminalização tripartida das lesões à honra, por reconhecer a transcendência do interesse na tutela daquele bem jurídico para toda sociedade.
A proteção da honra, como bem jurídico autônomo, não constitui interesse exclusivo do indivíduo, mas da própria coletividade, que tem interesse na preservação da honra, da incolumidade moral e da intimidade, além de outros bens jurídicos indispensáveis para a harmonia social. Quando determinadas ofensas ultrapassam esses limites toleráveis justifica-se a sua punição, que, na disciplina do Código Penal vigente, pode assumir a forma de calúnia, difamação e injúria. (Bitencourt, vol.2, 2011, p. 314)
Com efeito, podemos então definir honra como sendo o bem imaterial compreendido no complexo de predicados físicos, morais e intelectuais que orbita a todo ser humano, ainda que de forma mínima, que o faz merecedor de deferência tanto no seio social quanto na sua própria autoestima, sendo valor insuscetível de apreciação ou valoração mercantil porquanto intrínseco e indissociável à dignidade da pessoa humana.
Neste contexto, parte da contemporânea doutrina penal bipartiu a noção de honra dividindo-a em honra objetiva e subjetiva, conceitos estes utilizados para fins meramente didáticos, não sendo utilizados pelo legislador. Assim, entende-se por honra objetivam, segundo MASSON (2011) “a visão que a sociedade tem acerca das qualidades físicas, morais e intelectuais de cada pessoa. É a reputação de cada indivíduo no seio social em que está imerso”. Ao passo que considera-se honra subjetiva como sendo o “sentimento que cada pessoa possui acerca das suas próprias qualidades físicas, morais e intelectuais. É o juízo que cada um faz de si mesmo”. Dada a definição de honra, como bem jurídico tutelado, passemos a examinar cada um dos crimes tipificados pelo código penal.
O crime de Calúnia, que está previsto no artigo 138 do código penal, pune com detenção de seis meses a dois anos quem imputa, falsamente, a alguém, fato definido como crime. Protege-se, no delito em tela, a honra objetiva da pessoa que, perante a sociedade, se ver constrangida ao lhe ser atribuída, falsamente, uma conduta definida como crime, roubando-lhe o decoro. Nestes termos, a Calúnia pode ser entendida como uma difamação qualificada pela imputação falsa de fato definido como crime, sendo o único tipo penal pune a lesão a memória dos mortos e que admite amplamente a exceção da verdade.
Na Difamação, cujo tipo é descrito no artigo 139 do código penal, também tutela-se a honra objetiva da pessoa, ou seja, a reputação do ofendido e o respeito que este goza perante a sociedade. Pune-se então quem difama alguém, “imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação”. Neste crime, que pode também ter como sujeito passivo a pessoa jurídica, pouco importa se o fato ofensivo imputado seja falso ou não. Ao contrário da calúnia, neste crime, mesmo que o fato atribuído à vítima seja verdadeiro, ainda assim estará configurado o delito em comento, não admitindo-se a exceção da verdade, salvo quando trata-se de funcionário público e a ofensa diz respeito ao exercício de suas funções.
Por fim, no crime de Injúria, cujo tipo penal está previsto no artigo 137 do código penal brasileiro, ao contrário das duas espécies anteriormente abordadas, busca-se a proteção da honra subjetiva da pessoa, consistindo em crime quem “injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”. No crime em apreço, por tutelar a honra subjetiva, não há a imputação de um fato determinado, configurando a conduta delituosa a ofensa da dignidade e o decoro pessoal do ofendido, entendidas estas como os atributos morais e atributos físicos e intelectuais respectivamente, realizado através de xingamentos ou atribuição de qualidade negativa, somado ao animus injuriandi do autor.
No crime de Injúria, em particular, podemos destacar a forma qualificada prevista no parágrafo 2º, consistindo em Injúria real, quando a lesão à honra subjetiva é realizada mediante violência ou vias de fato que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes, punindo-se tal conduta com detenção de 3(três) meses a 1(um) ano e multa, além da pena correspondente a violência. Na forma da Injúria real, por se tratar de crime complexo, além da honra subjetiva tutela-se a incolumidade física da pessoa. Prevê também a modalidade de Injúria racial, quando da prática da ofensa utilizar-se de elementos referentes a raça, cor, etnia religião ou a condição de idosa ou portadora de deficiência, sendo a ação penal pública condicionada a representação, punida com reclusão de 1(um) a 3(três) anos além de multa. Por fim, cumpre ressaltar a total impossibilidade de arguir a exceção da verdade neste crime.
Nos crimes contra a honra, como regra geral, a ação penal é de exclusiva iniciativa privada, conforme depreende-se do artigo 145 do código penal.
Tal escolha do legislador se deu em virtude de que, conforme leciona BINTECOURT (2011), “a honra, quer objetiva, quer subjetiva, é um dos bens jurídicos disponíveis por excelência”, cabendo ao ofendido, via de regra, promover a ação penal pela qual se poderá buscar a responsabilidade daquele que cometeu o delito. Assim, constatada a prática criminosa é dada a “absoluta discricionariedade do sujeito passivo a decisão de processar ou não sujeito ativo, e, mesmo após ter decidido iniciar a ação penal, facultando-lhe poder renunciar o direito de queixa ou perdoar ao agente”.
Percebe-se então, que o legislador brasileiro, por se tratar de um bem jurídico disponível por excelência, decidiu deixar ao livre arbítrio do ofendido a promoção da ação penal que busca responsabilizar o autor do fato, bem como a disposição dos instrumentos despenalizantes como a renúncia e o perdão do ofendido.
3.O DIREITO PENAL E OS PRINCIPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA, DA FRAGMENTARIEDADE E DA SUBSIDIARIEDADE
O Direito Penal, por se tratar da forma mais brutal de invasão do estado na liberdade individual da pessoa, permeia-se por vários princípios garantistas, que buscam, das mais diversas formas, limitar o poder punitivo estatal e impedir o arbítrio do estado em desfavor do cidadão.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ratificada na França em 26 de agosto de 1789, que definiu os direitos individuais e coletivos dos homens, que ainda hoje são amplamente utilizados nos estados democráticos, pode ser considerada o nascedouro do principio da intervenção mínima, estudada neste tópico, porquanto proclamava em seu artigo oitavo, que a “lei apenas deve estabelecer penas estrita e evidentemente necessárias e ninguém pode ser punido senão por força de uma lei estabelecida e promulgada antes do delito e legalmente aplicada.”
O principio da intervenção mínima do Direito Penal, portanto, está intimamente atrelado ao princípio da legalidade, tendo em vista que este apenas estabelece limites ao arbítrio estatal, porém não impede que o estado, dentro da estrita legalidade, aplique penas cruéis e desarrazoadas cujo meio não seja o mais adequado para consecução dos seus fins, aplicando-as em situações inócuas e irrelevantes.
Para impedir a aplicação do Direito Penal e consequente a sua sanção a condutas ínfimas e cuja lesividade não atinja os bens jurídicos considerados indispensáveis, fora estabelecido o princípio da intervenção mínima cuja diretriz segundo BINTECOURT (2011) “orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico”.
Nestes termos, pode-se deduzir que, caso outras formas de sanção ou outras medidas de controle social mostrem-se adequadas e suficientes para atingir a sua finalidade – proteção do bem jurídico, a sua criminalização será considerada inadequada, ante o caráter agressivo e estigmatizante da pena.
Como corolário do princípio da intervenção mínima podemos destacar ainda os princípios da fragmentariedade e da subsidiariedade.
Segundo o princípio da fragmentariedade, para MASSON (2011) o Direito Penal deverá apenas ser aplicado e preocupar-se “com alguns comportamentos contrários ao ordenamento jurídico, tutelando somente os bens jurídicos mais importantes à manutenção e ao desenvolvimento do indivíduo e da coletividade.”
Assim, em atenção ao aludido princípio, o Direito Penal irá socorrer tão somente aqueles valores cuja proteção se mostre imprescindível para a manutenção da sociedade e da pessoa singular, limitando-se a castigar as condutas mais reprováveis perpetrada em desfavor dos bens jurídicos mais relevantes.
No que diz respeito ao princípio da subsidiariedade, que também orienta o Direito Penal, prevê tal diretriz que esta ciência jurídica apenas será provocada e aplicada, quando os demais ramos do direito se mostrarem inócuos para a eficiente proteção de determinado bem jurídico. Nestes termos, depreende-se que, BINTECOURT (2011) “se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas, e não as penais.”.
Em outras palavras, o Direito Penal funciona como um executor de reserva, entrando em cena somente quando outros meios estatais de proteção mais brandos, e, portanto, menos invasivos da liberdade individual não forem suficientes para a proteção do bem jurídico tutelado. (Masson, vol. 2, 2011, p.41)
Conclui-se, portanto, que a sanção penal, por estar intimamente ligada a privação de liberdade e restrição de direitos do indivíduo, além de ser dotada de uma série de estigmas sociais, apenas terá justificada sua aplicação quando esta constituir meio indispensável para a proteção de determinados bens jurídicos, cuja tutela refira-se aos bens jurídicos mais importantes à manutenção e ao desenvolvimento do indivíduo e da sociedade e quando nenhum outro ramo do direito for suficiente para sua proteção em atenção aos princípios da intervenção mínima, da fragmentariedade e da subsidiariedade, respectivamente.
4.A NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL INAUGURADA EM 1988 E O TRATAMENTO DAS LESÕES A MORAL E A HONRA
A Constituição Federal promulgada 1988 inaugurou no Brasil uma nova ordem constitucional, trazendo ao país o que havia de mais moderno em matéria de democracia, assegurando-se diversas garantias constitucionais, com o objetivo de dar maior efetividade aos direitos fundamentais.
Dentre as inovações trazidas pela nova constituição, podemos destacar o extenso rol de direito Direitos e Garantias Individuais elencados na carta política, dentre os quais, o que prevê, mais precisamente em seu artigo 5º, nos incisos V e X, o dever de indenizar àquele que causar dano, ainda que moral, a outrem.
A opção do constituinte, ao elevar a obrigação de indenizar imposta aquele que causa dano a moral, a um direito fundamental, foi assegurar a reparação da ordem jurídica lesada, seja por meio da composição civil ou por outros meios, tais como direito de resposta.
Nestes termos, não há dúvidas de que o legislador brasileiro tornou certa a obrigação da composição civil e o direito a indenização daqueles que tiveram sua moral maculada diante da sociedade, contudo, a partir da promulgação da Carta Magna, passou-se a questionar se a previsão constitucional em comento havia dado, para as condutas descritas no capítulo dos crimes contra a honra, um tratamento de cunho preponderantemente civil revelando a intenção do constituinte em afastar, gradativamente, a responsabilidade penal aos autores daqueles delitos.
Tal questionamento decorre das semelhanças entre os dois bens jurídicos protegidos, a moral e a honra, que se confundem, porquanto uma sempre está atrelada a outra. Com efeito, impossível haver lesão moral sem afetar a honra, tampouco macular a honra sem abalar a moral.
Ao declarar que o dano moral será indenizado, o constituinte de 1988 claramente demonstrou a sua intenção de transferir a responsabilidade das pessoas que causam danos à honra de outrem, através de condutas caluniosas, difamantes e injuriosas da esfera penal para a esfera civil, porquanto se mostra mais adequada no cenário nacional contemporâneo.
Na realidade, o Direito Criminal foi alijado da disciplinação desta matéria, a qual foi transferida para a égide do Direito Civil. O moderno Constituinte Brasileiro decidiu eliminar as Ciências Penais desse campo, por entender que as violações à honra pessoal possuem natureza privada, consistindo em ultrajes personalíssimos que só interessam aos titulares da honra objetiva ou subjetiva ultrajada. Só os diretamente ofendidos possuem legitimidade para exigir a devida reparação da ilicitude, mesmo porque um mesmo fato pode significar insustentável ofensa grave para uma determinada vítima e nada representar de ofensivo a outra pessoa. Desejando, as vítimas deve impulsionar o Poder Judiciário – não mais na busca da imposição de uma sanção penal privativa de liberdade – todavia, perseguindo indenizações que possam reparar e ressarcir os danos materiais, os danos morais, os danos à imagem, os danos à vida privada e os danos à intimidade causados pela ofensa irrogada. Por isso, houve evidente transformação dos ilícitos penais em ilícitos civis. (Duarte, 1998, p.8)
A descriminalização dos crimes contra a honra e a escolha do constituinte brasileiro reflete a tendência global pela descriminalização de condutas cujos principais postulados podem ser apontados como sendo: a) a retirada das leis penais das infrações que, de acordo com os costumes de nosso tempo, não mais se justificam como crimes; b) despenalização de condutas de menor gravidade ou ofensas a regras de convívio social; c) suprimida a jurisdição penal para questões cuja solução ficaria mais bem situada na esfera civil ou administrativa.
Ora, é cediço que a sociedade brasileira mudou e com ela também mudaram os costumes, onde não mais se justifica a configuração de crime, com a consequente instauração de um processo penal, dotado de todos os seus estigmas sociais, de condutas corriqueiras e de lesividade irrisória que poderiam ser solucionadas em outro ramo do direito, como na prestação pecuniária aplicada na esfera civil, através de ação indenizatória, como prevê a Constituição Federal.
Já afirmava ROXIN (1989), para quem o fundamento da descriminalização de condutas irrisórias “radica em que o castigo penal coloca em perigo a existência social do afetado, se o situa à margem da sociedade e, com isso, produz também um dano social”.
A própria legislação penal brasileira vem adotando, nos últimos anos, uma tendência despenalizadora, também acolhida em países desenvolvidos, estabelecendo, por exemplo, institutos como o da suspensão condicional do processo, suspensão condicional da pena, a substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direito e a transação penal, afastando ao máximo a aplicação do direito penal das pessoas em que uma pena não seja a medida mais adequada.
Ademais, a nova processualística trazida pela lei 9.099 de 1995, que instituiu no Brasil uma inovadora forma de justiça criminal, dando ênfase a conciliação e a transação penal, como forma políticas e juridicamente mais adequadas de solução dos conflitos, definindo os crimes de menor potencial ofensivo, veio a confirmar a tendência atual, porquanto traz consigo a possibilidade da composição civil pelos danos causados como forma de renúncia da ação penal e a consequente extinção da punibilidade do autor antes mesmo de iniciada a persecução penal.
Com efeito, ainda que alguém seja processado criminalmente no Brasil por um dos crimes previstos no capítulo dos crimes contra a honra, muito provavelmente tal processo terá como consequência, ou a composição civil dos danos causados, consistente em indenização paga a vítima, ou haverá uma condenação à prestação pecuniária, como pena restritiva de direitos, ambas, com caráter patrimonial, não havendo uma incidência prática da sanção penal, porém, subsistindo todos os efeitos maléficos do processo e pena criminial.
5. CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que a Constituição Federal de 1988, ao prevê a obrigação de indenizar pelo dano causado a moral de outrem, adotou uma diretriz despenalizante em relação aos crimes contra a honra, atribuindo a esta um cunho preponderantemente civil, porquanto sua solução fica melhor situada nesta esfera, cuja consequência é, no futuro, afastar a responsabilidade penal aos autores de tais condutas.
O Direito Penal por se tratar da forma mais invasiva do estado na liberdade individual da pessoa, apenas está legitimado a agir quando constituir meio indispensável para a proteção de seletos bens jurídicos, sendo estes os mais importantes à manutenção e ao desenvolvimento do indivíduo e da sociedade e quando nenhum outro ramo do direito for suficiente para sua proteção.
Os danos causados a moral e a honra, por se tratar de condutas menos lesivas e direcionadas a bens jurídicos disponíveis por excelência, não mais se justificam como crime na sociedade contemporânea, haja vista todos os efeitos nefastos e estigmatizantes do Direito Penal, devendo sua proteção ser atribuída a outro ramo do direito que melhor se adéqua a realidade.
Pugna-se, por todo o exposto, pela descriminalização dos crimes contra a honra em atenção aos princípios da intervenção mínima, fragmentariedade e subsidiariedade que permeiam o Direito Penal, devendo ser transferida para o Direito Civil a competência para a respectiva ação cujo objetivo é reparar e ressarcir os danos materiais, os danos morais, os danos à imagem, os danos à vida privada e os danos à intimidade pela ofensa causadas a outrem, por haver a evidente transformação dos ilícitos penais em ilícitos civis.
6. REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 1: parte geral. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal, volume 2: parte especial 2: dos crimes contra a pessoa. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – parte geral, vol. 1. 3ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Método, 2010.
MASSON, Cleber Rogério. Direito penal esquematizado – parte especial, vol. 2. 3ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Método, 2010.
DUARTE, Luiz Carlos Rodrigues. Crimes contra a honra e descriminalização, Porto Alegre, Universidade Federal do Rio de Grande do Sul, 1998, p.8
BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de setembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/del2848.htm>. Acesso em: 24 de jan. de 2019.
BRASIL, Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 24 de jan. de 2019.
Madrid. Universidad Complutense, 1973, traduzido do espanhol por Marcus Cláudio Acqua Viva. APUD. FERREIRA Filho, Manoel G. et. alli. Liberdades Públicas, São Paulo, Ed. Saraiva, 1978.
Pós-graduado/especialista em Direito Penal;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIVALDO RAMALHO JúNIOR, . A necessidade da descriminalização dos crimes contra a honra: em busca do direito penal efetivamente mínimo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 out 2020, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55389/a-necessidade-da-descriminalizao-dos-crimes-contra-a-honra-em-busca-do-direito-penal-efetivamente-mnimo. Acesso em: 23 dez 2024.
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