RUBENS ALVES DA SILVA[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo traz como proposta de pesquisa analisar os crimes contra a dignidade sexual do indivíduo, especificamente no que diz respeito ao crime intitulado de pornografia da vingança. O crime contra os costumes era o nome dado aos tipos de crimes que hoje se denominam de crimes contra a dignidade sexual, eles se referem, especificamente, a uma conduta moral perante a sexualidade com a condenação de certas formas sexuais. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de cunho de revisão literária, na qual se verificou que a pornografia de vingança (ou revenge porn) é o nome dado ao ato de expor na internet fotos e/ou vídeos íntimos de terceiros sem o consentimento destes, geralmente contendo cenas que, mesmo tendo sido gravadas de forma consentida, não deveriam ser divulgadas publicamente, pois esta nunca foi à intenção de, pelo menos, uma das pessoas que participou das referidas cenas.
Palavras-chave: Crimes Sexuais. Dignidade Sexual. Pornografia da Vingança.
ABSTRACT: This article presents as a research proposal to analyze the crimes against the sexual dignity of the individual, specifically with regard to the crime titled pornography of revenge. Crimes against customs was the name given to the types of crimes that today are called crimes against sexual dignity, they refer specifically to a moral conduct towards sexuality with the condemnation of certain sexual forms. It is a bibliographic research of literary revision, in which it was verified that pornography of revenge (or revenge porn) is the name given to the act of exposing on the Internet photos and / or intimate videos of third parties without their consent, usually containing scenes that, even though they were recorded in a consensual manner, should not be publicly disclosed, as this was never the intention of at least one of the people who participated in the scenes.
Keywords: Sexual Crimes. Sexual Dignity. Pornography of Revenge.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A PROTEÇÃO PENAL DA DIGNIDADE SEXUAL DO INDIVÍDUO. 3 DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES – ANTES DA LEI Nº 12.015/09. 4. DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. 5. PORNOGRAFIA DA VINGANÇA: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo traz como proposta de pesquisa analisar os crimes contra a dignidade sexual do indivíduo, especificamente no que diz respeito ao crime intitulado de pornografia da vingança. Abordando ainda os principais aspectos da tipologia criminal da Lei nº 12.015/09, assim como as mudanças legislativas ocorridas através da Lei nº 13.718/2018.
Vale ressaltar que, a sociedade que hoje vive na era da informática deve-se voltar para o jurista contemporâneo, cujo ponto de vista jurídico sofre mudanças em relação aos diversos aspectos da organização social, tais como: Democracia, Liberdade, Privacidade e Ética. Haja a vista, a informação na qual está alicerçada por sistemas digitais, tem sido como um bem jurídico de real valor, que pode ser levado em conta economicamente.
Assim sendo, a importância acadêmica, social e científica deste trabalho se dá também, por relatar os crimes tidos como violentos, não somente no âmbito familiar, social etc, mas também no que diz respeito aos crimes praticados no âmbito virtual, os quais geram consequências graves para a sociedade, pois atinge a todos, de forma direta ou indireta, e não escolhendo qual classe social será afetada.
Geralmente, a ideia de violência é pensada no espaço da rua, uma vez que se encontram, na atualidade, inúmeras residências cercadas por resistentes grades e enormes muros.
Entretanto, para muitos, o campo virtual tem se mostrado de forma vasta para prática criminosa, em virtude da facilidade e da ausência de uma maior fiscalização, existem pessoas que se aproveitam disso para cometer crimes virtuais, que vão desde a propagação de informações mentirosas até o uso das mesmas para uso dos meios eletrônicos, tais como fotografias íntimas e senhas.
Desta forma, as decisões dos tribunais ainda geram uma sensação de impunidade e desconforto, em virtude de não uma legislação própria que pune devidamente e ampara as vítimas. Neste sentido, o presente trabalho tratará desses aspectos tão relevantes e atuais no cotidiano da sociedade brasileira, tornando-se uma ferramenta mais acessível para os meios acadêmicos, social e científico.
2. A PROTEÇÃO PENAL DA DIGNIDADE SEXUAL DO INDIVÍDUO
Dentre os vários conceitos que serão abordados neste trabalho, um merece ser comentado de maneira específica, o conceito de dignidade da pessoa humana, ele pode-se dizer que é aberto, amplo, não podendo se satisfazer de maneira estática.
Esse conceito, segundo afirma Bitencourt (2018) possui natureza eminentemente de inclusão, uma vez que ele pode abarcar as diferentes formas de existência em sociedade, especialmente de minorias das pessoas que necessitem de especial proteção, em relação aos seus direitos fundamentais.
Neste sentido, a sexualidade também deve ser respeitada em sua dignidade, pelo que se traça um conceito de dignidade sexual que, por sua natureza, pertence ao sistema de direitos fundamentais da pessoa humana, em virtude de trazer à tona as diversas relações existentes, tanto de caráter eminentemente pessoal, como por exemplo, o fato de ser homossexual, quanto de caráter social, como exercer a sexualidade no contato com outros, conforme Barroso (2014):
[...] quando nos referimos aos direitos sexuais, há de se ter em mente que a sexualidade é parte integrante da personalidade de cada ser humano, um aspecto natural e precioso da vida, uma parte essencial e fundamental de nossa humanidade. Destarte, os direitos sexuais têm como objeto e fundamento a proteção da dignidade da pessoa humana especificamente no tocante às questões relacionadas com o sexo, entendido aqui em sentido amplo, para abranger todas as suas dimensões, da mesma forma que os direitos humanos fundamentais, razão pela qual é lícito afirmarmos que os direitos sexuais são uma espécie daqueles. (BARROSO, 2014, p. 81).
Para o autor, o que se deve levar em consideração é que a moral pode até mesmo repudiar certas relações, tais como aquelas originadas e relacionadas ao comércio sexual. Tal repúdio diz respeito especificamente, a moral religiosa, que se caracterizam pelos os valores partilhados por indivíduos que professam a mesma fé.
Porém, existe o problema da moral secular, caracterizado num plano absoluto e rigorosamente distinto, que está relacionado à busca de enfrentar problemas vivenciados em uma situação prática, supondo um sujeito que seja responsável por seus atos, o qual poderá optar por duas ou mais condutas.
Neste sentido, entende-se que a liberdade sexual é uma das expressões mais caras da dignidade da pessoa humana, uma vez que quando exercida com poder de autodeterminação entre adultos, se faz a feição máxima do que aqui se denomina de dignidade sexual, consistindo em um direito inerente à pessoa humana e tutelado pelo sistema de direitos fundamentais existentes.
Com respeito a essa classe de comportamentos, e independentemente da discussão sobre a eficácia da adoção de uma política criminal repressiva como meio de combate à pedofilia, não resta dúvida de que o legislador encontra o fundamento da punibilidade das condutas que tipifica na tutela da integridade sexual do menor, segundo afirma (PRADO, 2016):
[...] entendendo que o mesmo não é capaz de compreender com exatidão a transcendência dos atos praticados, e cujo desenvolvimento psicofísico poderia resultar altamente comprometido pela submissão ao abuso sexual por parte de adultos, ainda que essas práticas fossem intermediadas pelo seu consentimento. (PRADO, 2016, p. 189).
Neste sentido, de acordo com o autor, pode-se inferir que resta indagar a respeito do fundamento da punibilidade destes mesmos delitos, quando praticados contra vítimas maiores de 18 anos e no pleno gozo de suas faculdades mentais.
Nessas hipóteses, não resta dúvida de que a tipificação de tais comportamentos se justifica sempre com base na falta de consentimento do sujeito passivo, que pode ter sua origem no uso de violência, grave ameaça ou fraude, empregadas pelo autor do crime para tornar possível o abuso sexual (a título de exemplo, a descrição típica do art. 213, relativo ao estupro de vítimas maiores de 14 anos).
Vale ressaltar que, de acordo com o princípio penal da lesividade ou da ofensividade, todo e qualquer delito deve lesar ou, ao menos, criar perigo de lesão a bens jurídicos, os quais possam ser definidos como, conforme Nucci (2017):
[...] um ente (dado ou valor social) material ou imaterial haurido do contexto social, de titularidade individual ou meta individual reputado como essencial para a coexistência e o desenvolvimento do homem e, por isso, jurídico-penalmente protegido. (NUCCI, 2017, p. 126).
Assim, imperioso entender que esses valores sociais não podem, todavia, ser apontados pelo legislador aleatoriamente, devendo os bens jurídicos guardar relação com o que está estampado na Constituição Federal – (CF), com os valores que ali estão estabelecidos. Assim, o bem jurídico penal é constituído de relevante importância para a sobrevivência do ser humano devendo haver uma tutela na esfera criminal.
3. DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES – ANTES DA LEI Nº 12.015/09
Os crimes contra os costumes era o nome dado aos tipos de crimes que hoje se denominam de crimes contra a dignidade sexual, eles se referem especificamente, a uma conduta moral perante a sexualidade com a condenação de certas formas sexuais, de acordo com CAPEZ:
[...] dos crimes contra os costumes, tutelava o Código Penal a moral social sob o ponto de vista sexual. A lei penal não interferia nas relações sexuais normais dos indivíduos, mas reprimia as condutas anormais consideradas graves que afetassem a moral média da sociedade. (CAPEZ, 2012, p. 25).
Assim entende-se que a mudança na expressão supracitada se deu em razão de que os crimes contra os costumes já não se enquadravam mais com a realidade dos bens juridicamente respaldados pelos tipos penais que se encontravam no Título VI do Código Penal. Vale ressaltar que na medida em que a sociedade brasileira vem evoluindo, o tipo de crimes, bem como sua caracterização, também vem se modificando mediante as mudanças comportamentais dos cidadãos brasileiros.
Neste sentido, deve-se levar em conta que a dignidade sexual faz parte das espécies que compõem o gênero da dignidade da pessoa humana, segundo Greco (2016):
[...] o vocábulo ‘costumes’ é aí empregado para significar (sentido restrito) os hábitos da vida sexual aprovados pela moral prática, ou, equivale mesmo, a conduta sexual adaptada à conveniência e disciplina sociais. O que a lei penal se propõe, in subjecta materia, é o interesse jurídico concernente à preservação do mínimo ético reclamado pela experiência social em torno dos fatos sexuais. (GRECO, 2016, p. 25).
Com isso, verifica-se que com as inúmeras alterações comportamentais ocorridas na sociedade pós-moderna trouxeram novas e graves preocupações. Assim, ao invés de procurar proteger a virgindade das mulheres, como acontecia com o revogado crime de sedução, agora, o Estado estava diante de outros desafios, a exemplo da exploração sexual de crianças e adolescentes. Neste novo cenário surgem dentro das tipologias criminais, as caracterizações do estupro, com a criação do delito de estupro de vulnerável e do atentado violento ao pudor.
Verifica-se também que outros artigos suas redações alteradas, passando a abranger hipóteses não previstas anteriormente pelo Código Penal; outro capítulo (VII) foi inserido, trazendo novas causas de aumento de pena.
De maneira acertada foi determinado pela nova lei que os crimes contra a dignidade sexual tramitariam em segredo de justiça (art. 234-B), evitando-se, com isso, a indevida exposição das pessoas envolvidas nos processos dessa natureza, principalmente as vítimas. Por exemplo, antes da Lei 12.015/2009 o delito de estupro compreendia apenas a conjunção carnal (assim entendida como a introdução do pênis na vagina) forçada praticada em detrimento da mulher, de acordo com (FARIAS, 2016):
Os demais atos libidinosos impostos mediante violência ou grave ameaça eram tidos como atentado violento ao pudor, tipificado no art. 214 do CP, agora revogado. A revogação desse artigo, contudo, não significou um abolitio criminis, pois a conduta antes prevista no art. 214 do CP passou a ser descrita no artigo 213 do mesmo Código. (FARIAS, 2016, p. 143).
Continuando com o exemplo, supracitado, verifica-se que o art. 213 (estupro) descrevia a seguinte conduta criminosa: "Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça". E o art. 214 (atentado violento ao pudor) tipificava o seguinte comportamento: "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso diverso da conjunção carnal".
Hoje, o entendimento é outro, pois não há mais o crime de atentado violento ao pudor, porém a conduta correspondente agora é considerada estupro; ou seja, a redação em vigor do art. 213 (estupro) alcança tanto a conduta antes considerada estupro como aquela anteriormente considerada como atentado violento ao pudor. O vocábulo estupro passou a ter, portanto, uma maior amplitude.
Imperioso lembrar que o crime em referência, em todas as modalidades, é considerado hediondo (art. 1º, V, da Lei nº 8.072/1990). Neste sentido, entende-se que o ato libidinoso seria aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido.
Não se incluem nesse conceito as palavras, os escritos com conteúdo erótico, pois a lei se refere ao ato, ou seja, a uma realização física completa. Por exemplo: realizar masturbação na vítima, introduzir o dedo ou instrumento postiço em seu órgão sexual, realizar coito oral ou anal etc. Condutas mais leves como apalpadelas, amassos, beijos lascivos devem ser enquadrados como contravenção penal (Art.61 LCP).
Portanto, pode-se inferir que ao utilizar a expressão “dignidade sexual”, portanto, quis o legislador não apenas modernizar a visão que se tinha dos crimes sexuais como crimes contra os “bons costumes”, como também reconheceu explicitamente a necessidade de uma melhor definição do bem jurídico lesionado por aqueles delitos: dignidade sexual, no sentido da norma.
De acordo com a concepção aqui desenvolvida, duas importantes vertentes, abrangendo tanto a integridade sexual, entendida como intangibilidade corporal ou o direito do ser humano a preservar o seu corpo contra agressões externas com fim libidinoso (inviolabilidade carnal), bem como a liberdade sexual, que nada mais é do que o direito de toda pessoa de escolher como, quando e com quem deseja manter atividade sexual, e quando prefere abster-se da mesma, preservando sua integridade sexual, segundo (QUEIROZ, 2015):
Liberdade sexual, portanto, é o direito que possui cada ser humano de dispor livremente de sua integridade sexual, de acordo com suas próprias convicções (direito de autodeterminação sexual ou autonomia sexual), tanto em sua vertente positiva (escolha de parceiros sem limitação, ressalvada a liberdade sexual alheia), como negativa. (QUEIROZ, 2015, p. 51).
Continuando, o autor afirma que a visão da sociedade sobre o sexo mudou e muito, em função da educação familiar e de políticas institucionais. Assim sendo, nota-se que falar de sexo faz parte do currículo escolar nas diretrizes curriculares de muitos Estados brasileiros como conteúdos obrigatórios, ao lado de outros assuntos relacionados a desafios contemporâneos (meio ambiente, trânsito, drogas, etc.).
Verifica-se o que demonstra não só uma preocupação dos poderes públicos em melhor instruir os jovens, como também uma necessidade de que a sociedade acompanhe a evolução cada vez mais vertiginosa do alcance da maturidade sexual por parte dos mesmos. Neste aspecto, se evoluem sexualmente em um ritmo mais veloz que seus genitores, então que ao menos o façam com conhecimento e precaução.
4. DOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL
De acordo com (CAPEZ, 2016), não houve previsão para o crime de estupro de vulnerável no CP de 1940. Nos casos de prática da conjunção carnal contra a vítima menor de quatorze anos, ou ainda com pessoas alienadas ou deficientes mentais incapazes de manifestar livremente a sua vontade, o sujeito ativo do crime tinha sua conduta tipificada no crime de estupro, que era previsto no art. 213, Título VI (Dos crimes contra os costumes), combinado com o revogado artigo 224, Capítulo I (Dos crimes contra a liberdade sexual) ambos do CP, imputando-se uma violência ficto-presumida (NUCCI, 2017, p. 102).
Assim, conforme visto nos itens anteriores, a nova redação do art. 213 do Código Penal considera ainda como estupro o constrangimento levado a efeito pelo agente no sentido de fazer com que a vítima, seja do sexo feminino, ou mesmo do sexo masculino, pratique ou permita que com ela se pratique, outro ato libidinoso.
Na expressão “outro ato libidinoso” encontram-se inseridos todos os atos de natureza sexual, que não há conjunção carnal, que tenham por finalidade satisfazer a libido do agente, de acordo com (BATISTA, 2017):
Com a nova epígrafe do delito em estudo, entretanto, passou-se a tipificar a ação de constranger qualquer pessoa (homem ou mulher) a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso. Deste modo, ações que antes configuravam crime de atentado violento ao pudor (CP, art. 214), atualmente revogado pela Lei n. 12.015/2009, agora integram o delito de estupro, sem importar em abolitio criminis. Houve uma atipicidade meramente relativa, com a mudança de um tipo para outro (em vez de atentado violento ao pudor, passou a configurar também estupro, com a mesma pena). (BATISTA, 2017, p. 34).
Para o referido autor, o tipo de constrangimento realizado pelo agente, portanto, pode ser dirigido a duas finalidades diversas. Na primeira delas, o agente obriga a própria vítima a praticar um ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
Neste sentido, a sua conduta, portanto, é ativa, atuando sobre seu próprio corpo, com atos de masturbação, por exemplo; no corpo do agente que a constrange, praticando sexo oral ou ainda, em terceira pessoa, sendo assistida pelo agente.
O segundo comportamento é passivo, uma vez que nesse aspecto, a vítima permite que com ela seja praticado o ato libidinoso diverso da conjunção carnal, quer seja pelo próprio agente que a constrange, quer seja por um terceiro, a mando daquele. Dessa forma, o papel da vítima pode ser ativo, passivo, ou, ainda, simultaneamente, ativo e passivo.
Cuida de um tipo misto alternativo, onde a prática de mais de um comportamento, levado a efeito em um mesmo contexto, importará em infração penal única.
A partir da década de 80 do século passado, os tribunais brasileiros, especificamente os de esfera superior, começaram a questionar a presunção de violência constante do revogado art. 224, a, do Código Penal, passando a entendê-la, em muitos casos, como relativa, ao argumento de que a sociedade do final do século XX e início do século XXI havia se modificado significativamente, e que os menores de 14 anos não exigiam a mesma proteção daqueles que viveram quando da edição do Código Penal, em 1940, conforme Brodt (2016):
[...], no entanto a doutrina e jurisprudência se desentendiam quanto a esse ponto, discutindo se a aludida presunção era de natureza relativa (iuris tantum), que cederia diante da situação apresentada no caso concreto, ou de natureza absoluta (iuris et de iure), não podendo ser questionada. (BRODT, 2016, p. 167).
Na continuidade de seus argumentos, o referido autor defende a posição de que tal presunção era de natureza absoluta, pois que para ele não existe dado mais objetivo do que a idade, apontada como elemento integrante do tipo.
Desta forma, não se justificavam as decisões dos Tribunais que queriam destruir a natureza desse dado objetivo, a fim de criar outro, subjetivo. Infelizmente, deixavam de lado a política criminal adotada pela legislação penal, e criavam suas próprias políticas.
Não conseguiam entender, permissa venia, que a lei penal havia determinado, de forma objetiva e absoluta, que uma criança ou mesmo um adolescente menor de 14 (quatorze) anos, por mais que tivessem uma vida desregrada sexualmente, não eram suficientemente desenvolvidos para decidir sobre seus atos sexuais. Suas personalidades ainda estavam em formação. Seu conceitos e opiniões não haviam, ainda, se consolidado, conforme Conegundes (2015):
Dados e situações não exigidos pela lei penal eram considerados no caso concreto, a fim de se reconhecer ou mesmo afastar a presunção de violência, a exemplo do comportamento sexual da vítima, do seu relacionamento familiar, da sua vida social etc. O que se esquecia, infelizmente, era que esse artigo havia sido criado com a finalidade de proteger esses menores e punir aqueles que, estupidamente, deixavam aflorar sua libido com crianças ou adolescentes ainda em fase de desenvolvimento. (CONEGUNDES, 2015, p. 241).
Neste aspecto, o autor elucida que tendo em vista os acontecimentos criminosos que são noticiados diariamente na mídia, o Estado, em resposta ao clamor popular, age por meio do legislador de maneira a adotar leis penais mais severas.
Outro exemplo acerca do exposto anteriormente é que muitas pessoas entendem os chamados crimes contra a honra como sinônimos, mas há diferenças sutis, definidas no Código Penal. Calúnia (art. 138) é acusar alguém publicamente de um crime, e difamação (art. 139), de um ato desonroso. Já a injúria (art. 140) é basicamente uma difamação que os outros não ouviram: é chegar e dizer para um sujeito algo que esse sujeito considere prejudicial. Valem ressaltar que é possível cometer os três delitos de uma vez só, de acordo com Damasceno (2019):
Por exemplo, se num determinado programa de TV, um entrevistado disser que o apresentador é cafetão, estará acusando em público de um crime (calúnia) desonroso (difamação), cara a cara (injúria). Então, atenção quando for denunciar uma empresa em redes e/ou mídias sociais, ou quiser contar os podres do ex em público. (DAMASCENO, 2019, p. 171).
Continuando, o autor enfatiza que é preciso cuidado extra com um tipo de vítima: o presidente da República ou qualquer outro chefe de Estado estrangeiro. “Contra eles, mesmo que o ‘criminoso’ tenha dito a verdade, será condenado”, conta Jorge Alberto Araújo, juiz e professor da Universidade Regional de Campinas, mas esse não é o foco desta pesquisa, apenas foi citado para uma visão mais ampla de como os delitos ocorrem e são vistos pela lei.
Divulgação de informações, muitas vezes mentirosas, que podem prejudicar a reputação da vítima. Estes crimes tornaram-se mais comuns com a popularização do site de relacionamentos, mídias, redes sociais etc.
Os últimos acontecimentos noticiados nas mídias reacenderam os debates acerca da violência sexual contra as mulheres e das dificuldades jurídicas na proteção das vítimas. Os eventos recentes, e tantos outros, trazem a população brasileira uma sensação em comum: a grande impunidade para a violência sexual contra a mulher.
Assim sendo, verifica-se que outras formas de violência diversas da penetração vaginal, mas que também são muito impactantes nas vítimas eram tratadas como “atentado violento ao pudor”, um crime menos grave.
Com a alteração da lei, conforme supracitado, todo e qualquer ato libidinoso, cometido mediante violência ou grave ameaça, passou a ser considerado estupro. Mas, a legislação ainda deixa invisíveis diversas formas de violência e sua aplicação depende da interpretação dos operadores do direito.
5. PORNOGRAFIA DA VINGANÇA: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS
Conforme visto anteriormente, a Lei nº 12.015, de 07 de agosto de 2009, modificou significativamente os dispositivos do Código Penal (CP), ao prever os crimes contra a dignidade sexual, que na antiga redação eram denominados crimes contra os costumes. Esta lei trouxe o art. 217-A que representa o tipo penal autônomo denominado estupro de vulnerável.
Desse modo, não havia que se falar mais em violência presumida do art. 224 do CP que restou revogado pela nova lei, portanto, na incidência da causa de aumento de pena do art. 9º da Lei nº 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos).
Além disso, a Lei nº 12.015/09 promoveu a unificação de tipos antigos, como a conjunção carnal (art. 213, CP) com o revogado delito de atentado violento ao pudor (art. 214, CP), entre outras modificações.
Neste aspecto a nova Lei 13.718/18, que passou a vigorar em todo o território nacional em 25/9/2018, integrando o Código Penal Brasileiro, passou a tipificar como crime: importunação sexual; divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia; estupro corretivo. A lei ainda tornou a pena mais rígida nos casos de crimes sexuais contra vulnerável, e estabeleceu causas de aumento de pena para esses crimes, em razão da extensão dos temas, que são comuns a outros crimes contra a dignidade sexual, bem como no caso de estupro coletivo e estupro corretivo, segundo Hungria (2017):
A disseminação de pornografia não consentida na internet não se configura unicamente como um problema da esfera digital, mas como um crime, amparado em uma legislação ainda incipiente. O problema também se sustenta numa disparidade de gênero, já que 81% das vítimas atendidas pela ONG Safernet (que é referência no combate à violação de direitos humanos na internet) são mulheres. (HUNGRIA, 2017, p. 91).
Apesar da disparidade de 81% citado por Hungria em conformidade com a ONG Safernet a pornografia de Vingança pode ser praticada contra qualquer pessoa tendo como sujeito ativo e passivo tanto o homem como a mulher, ou seja, esse crime pode ser praticado contra alguém do gênero masculino.
Desta forma, segundo a advogada Carrie Golberg, especialista em direito digital e consultora da ONG Iniciativa dos Direitos Civis Cibernéticos (CCRI, na sigla em inglês), que oferece suporte jurídico e emocional às vítimas de pornografia de vingança nos Estados Unidos, diz que os provedores poderiam ser mais atuantes no combate a crimes virtuais, seja ao oferecer suporte financeiro a grupos que lutam contra o abuso online ou ao reforçar as equipes responsáveis pela área de remoção de conteúdo.
Vítimas de crimes cibernéticos no Brasil têm encontrado amparo no Marco Civil da Internet, que criou uma trilha rápida para a supressão de conteúdos acessíveis de forma pública. O artigo 21 da lei determina uma "responsabilidade civil solidária" dos provedores que, ao serem notificados a excluir determinado material, não o fazem, conforme Silveira (2015):
[...] não há um prazo específico para que um provedor remova uma imagem acusada como ofensiva, mas "entende-se que a medida deva ser tomada o mais rápido possível, assim que o provedor tomar ciência da existência do conteúdo íntimo”. No ano passado, uma lei que alterou o Código Penal tornou crime a importunação sexual — prática sem consentimento de ato libidinoso contra alguém— e também a divulgação de cenas de sexo e pornografia contra a vontade. As penas variam de um a cinco anos e, no caso da pornografia de vingança, pode ser agravada de um terço a dois terços quando o agressor manteve alguma relação de afeto com a vítima. (SILVEIRA, 2015, p. 62).
Neste aspecto, o caso do estupro virtual, o entendimento passou a ser usada a partir de uma a alteração de 2009 no Código Penal, que ampliou o conceito de estupro. Com a utilização dos meios eletrônicos e a expansão da internet, o ambiente virtual passou a ser utilizado entre os casais, com gravações de vídeos em momentos íntimos, compartilhamento de fotos em estado de nudez e envio de mensagens com teor sexual.
Apesar da condenação por boa parte da sociedade esse tipo de compartilhamento ocorrer em todas as faixas etárias sexualmente ativas, independente do grupo social. No entanto esse ato pode se demonstrar um tanto quanto problemática, após o término da relação, pois com a expansão da internet se criou um novo mundo de agressões. é dentro desse contexto, que se destaca o crime conhecido popularmente como “Revenge Porn” ou Pornografia de Vingança.
Ele consiste em divulgar na internet por meio de sites ou redes sociais fotos e vídeos com cenas de intimidade, nudez, sexo (á dois ou grupal), sensualidade entre outras coisas parecida, sem o consentimento da vítima, desta forma, inevitavelmente, colocando a pessoa em situação humilhante e constrangedora diante da sociedade e dela mesma.
A relação pode até ser consensual e o material na maioria das vezes é produzido com o consentimento da vítima ou enviado pela mesma, contudo isso não significa dizer que houve seu consentimento para a publicação do conteúdo, segundo Nucci (2017):
Esse crime tem como principal autor em sua maioria ex-parceiros (namorados, maridos), principalmente alguém que tinha relações íntimas com a vítima. Mas também existem casos em que essas divulgações não autorizadas de fotos e vídeos íntimos de terceiros se dá sem que os agentes sequer se conheçam, muitas vezes por furto ou invasão de seus computadores ou celulares, ou por situação em que levaram os aparelhos a uma assistência técnica. (NUCCI, 2017, p. 53).
Assim, com a ampliação dessa prática de crime, surgiu a necessidade de nossos legisladores adequarem ao novo mundo digital existente, e com isso surgiu a primeira lei visando abranger esse tipo de delito, foi a chamada “Lei Carolina Dieckmann”, quando a atriz teve diversas fotos íntimas expostas na internet quando levou seu computador em uma assistência técnica. Um dos maiores problemas desse crime é o dano psicológico que as vítimas sofrem, tendo casos inclusive de suicídios por não aguentar a pressão.
Vale ressaltar que a aplicabilidade nesses casos da Lei Maria da Penha, Lei 11.340/2006, nos casos em que houver algum vínculo afetivo entre o agente e a vítima, conseguindo demonstrar a existência desse vínculo, a difamação sofrida pela divulgação do conteúdo íntimo, a vítima deverá receber tratamento imediato nas Delegacias.
Desta forma, as autoridades policiais podem e devem requisitar ao juiz a imposição de medida restritiva ao agente. Além disso, essa lei traz um benefício importante, o agente não poderá usufruir do benefício previsto na Lei dos Juizados Especiais, que incluem a transação penal, conversão das penas em pagamento de cestas básicas ou prestação de serviços comunitários.
Em outros casos a Pornografia da Vingança era tratada como uma injúria, difamação ou ameaça, o que gerava um ar de impunidade por não haver uma legislação própria tratando do assunto, pois ela não se encaixava nos Crimes Contra a Dignidade Sexual, pois era um tipo a parte.
No ano de 2018, a Lei 13718/18 tornou crime à divulgação de cena de sexo e pornografia sem o consentimento da vítima, a Pornografia da Vingança está descrita dentre esses crimes com penas que variam de 01 a 05 anos, com agravante de um terço a dois terços, quando o autor do crime manteve uma relação íntima com a vítima. Este crime está descrito no título dos Crimes Contra a Dignidade Sexual, artigo 218-C, e sua agravante no §1º do Código Penal.
6. CONSIDERAÇOES FINAIS
A presente pesquisa classifica-se como bibliográfica e de características de revisão literária, neste sentido o objetivo da mesma foi analisar os crimes contra a dignidade sexual do indivíduo. Assim sendo, verificou-se que em relação ao crime intitulado de Pornografia da Vingança foram esmiuçados os novos crimes agora previstos no artigo 218 – C, CP.
Também se destacou a alteração da natureza da ação penal nos crimes contra a liberdade sexual (agora indistintamente pública incondicionada). Foram ainda estudadas as modificações promovidas nas causas de aumento de pena e as revogações expressas levadas a efeito pelo legislador.
Desta forma, conclui-se que numa análise geral, as alterações são bem vindas, especialmente considerando toda a celeuma gerada em torno dos casos de abusos sexuais cometidos na internet, pois que a crescente percepção de que crimes e discriminações encontraram na rede um ambiente propício para a propagação massiva e o anonimato não parece, contudo, ter freado o número de casos de violência de gênero, como visto no estudo a prática desse crime é extremamente desproporcional entre homens e mulheres, talvez essa predominância se dê pela dominação masculina, uma vez que entre a mulher e o homem nunca houve uma partilha do mundo em condições de igualdade, infelizmente ao se analisar historicamente, verifica-se que ao homem pertence à política, a ciência, a família e até mesmo a própria mulher, sendo um capital simbólico, uma posse e propriedade masculina, o que torna a Pornografia da Vingança vista por alguns como uma nova modalidade de violência de gênero.
Desta forma, a Pornografia de Vingança traz inúmeras consequências a vítima, pois quando a o ato acaba sendo público, há reflexo no grupo social e familiar, sofrendo perda do emprego e muitas das vezes rejeição por parte da família (principalmente filhos) ou amigos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 21. ed. Rio de Janeiro, 2017.
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[1] Prof. Rubens Alves. Bacharel em direito, advogado, especialista em processo civil judiciário, especialista em docência e gestão do ensino superior, autor de livros, mestre em direito.
Graduanda do Curso de Direito no Centro Universitário Luterana de Manaus – ULBRA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUTO, Alessandra Monteiro. Um breve estudo sobre o crime de importunação sexual Artigo 218-C do Código Penal: "pornografia da vingança" Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 out 2020, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55393/um-breve-estudo-sobre-o-crime-de-importunao-sexual-artigo-218-c-do-cdigo-penal-pornografia-da-vingana. Acesso em: 23 dez 2024.
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