EMANUELLE ARAÚJO CORREIA[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo propõe a investigação acerca da prisão preventiva e a sua influência na superlotação do sistema penitenciário no Brasil, buscando por meio de uma análise da evolução histórica e de sua aplicabilidade em conformidade com a legislação brasileira, evidenciar dados atualizados acerca da realidade do sistema prisional. Para este, foi utilizada pesquisa bibliográfica, aonde analisar-se-á o advento das medidas cautelares penais, as novidades trazidas pelo pacote anticrime apresentado pela Lei nº 13.964/2019, bem como, os aspectos referentes ao encarceramento provisório no Brasil. A pesquisa proporcionará ao público o entendimento que, da influência da utilização indiscriminada da medida cautelar e da inobservância de seus requisitos, poderá ocasionar um prejuízo para o sistema penitenciário, no que tange a sua superlotação.
Palavras-Chave: Evolução Histórica; Medidas Cautelares alternativas à prisão; Prisão Preventiva; Superlotação do Sistema Penitenciário.
ABSTRACT: This article proposes the investigation of preventive detention and its influence on the overcrowding of the penitentiary system in Brazil, seeking through an analysis of the historical evolution and its applicability in accordance with Brazilian law, to show updated data about the reality of the system prison. For this, bibliographic research was used, which will analyze the advent of criminal precautionary measures, the novelties brought by the anti-crime package presented by Law No. 13.964 / 2019, as well as the aspects related to provisional incarceration in Brazil. The research will provide the public with the understanding that, from the influence of the indiscriminate use of the precautionary measure and the non-compliance with its requirements, it may cause damage to the prison system, with regard to its overcrowding.
Key-words: Historic evolution; Precautionary measures alternative to prison; Preventive Prison; Overcrowding of the Penitentiary System.
SUMÁRIO: Introdução.1. Evolução Histórica do Instituto da Prisão.1.1 Prisão Cautelar no Brasil. 1.2 A Lei 12.403/11. 1.3 Pacote AntiCrime. 2 A Prisão Preventiva No Brasil. 2.1 Pressuposto para aplicação e hipóteses de cabimento. 2.2 Das infrações que comportam o encarceramento cautelar. 2.3 Da decretação e do sistema recursal. 3 A Prisão Preventiva Como Fator De Superlotação Prisional. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho científico tem como objetivo principal investigar a possibilidade da prisão preventiva ser uma das causas da superlotação do sistema penitenciário no Brasil, através de uma análise da evolução histórica da aplicabilidade desta medida em conformidade com a legislação brasileira.
O cerceamento provisório é medida cautelar de natureza processual que deve ocorrer de modo excepcional, no qual somente deve ser utilizado quando imprescindível à finalidade a que se destina, observando expressamente todos os fundamentos previstos na lei, quais sejam, existência de materialidade, indícios de autoria, perigo na liberdade do agente e o cabimento da medida nas hipóteses previstas no artigo 313 do Código de Processo Penal.
A Lei 12.403 de 04 de maio de 2011 reformou o sistema das prisões cautelares, e trouxe um novo sistema multicautelar, no qual o agente se submete a um status que não implica prisão e ao mesmo tempo não importa em liberdade total, trata-se de uma sujeição às medidas cautelares diversas da prisão.
A prisão preventiva traz propósitos punitivos e respostas imediatas as expectativas sociais no que se refere ao fenômeno crime, tornando-se a presente discussão atual e de suma importância em razão das circunstâncias proporcionadas ao superlotado sistema carcerário brasileiro, que, muitas vezes, possui um grande número de encarcerados sob a ineficaz aplicação do instituto da prisão preventiva.
Visando a ampla abordagem e delimitação do tema apresentado, estruturou-se o presente artigo da seguinte forma: o primeiro capítulo se dedica ao estudo da evolução histórica da prisão preventiva, desde a antiguidade, até as últimas alterações na atualidade.
O segundo capítulo trata da prisão preventiva, os seus pressupostos, hipóteses de cabimento, decretação e às infrações que comportam o encarceramento desta medida cautelar.
O terceiro capítulo, versa sobre a prisão preventiva, como meio da superlotação do sistema penitenciário no Brasil e analisa os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), que mostram a prisão preventiva como fator de superlotação prisional.
Assim, através da análise do Código de Processo Penal e os conceitos e apontamentos trabalhados pelos doutrinadores acerca da matéria a ser estudada, buscou-se apresentar através desse material científico respostas acerca das questões jurídicas que envolvem a decretação da prisão preventiva, sem o devido cumprimento de todos os requisitos legais e seus reflexos na superlotação do sistema carcerário.
1 EVOLUÇÃO HISTÓRIA DO INSTITUTO DA PRISÃO
Uma comunidade é formada por indivíduos, que são seres sociais, por natureza, e que submetem a regras impostas pelos próprios grupos para organizar a convivência. A obediência a tais regras de comportamento, se deu através do temor da consequência que a desobediência acarretaria. A imposição de tais regras era exercida pelos próprios membros da comunidade, uma vez que não existia um Estado responsável pela fiscalização.
Com o surgimento do Estado, o direito de punir passou a ser exclusivamente do ente estatal, sendo vedada qualquer manifestação de vingança privada. Assim o Estado iniciou uma organização e estabeleceu quais condutas seriam caracterizadas como fato criminoso e qual seria a sua sanção cominada, visto à necessidade de dar uma resposta justa a sociedade, além do exemplo do que não fazer.
Portanto, surgiu a necessidade de estabelecer penas para reorganizar a sociedade, sendo que a principal pena utilizada na época era a pena de morte, mas, como não correspondia as expectativas de redução da criminalidade, entrou em declínio a partir da segunda metade do século XVIII, tornando-se assim, a prisão uma melhor opção para punição a ser dada pelos Estados.
Segundo Bitencourt (2012 p.32), a prisão era um meio de assegurar a aplicação da pena, reservada àqueles que seriam submetidos aos mais terríveis tormentos exigidos por um povo ávido de distrações bárbaras e sangrentas, sendo aplicadas diretamente sobre o corpo do culpado.
Assim, conforme explicita Rosa (2008) desde o início dos tempos a prisão apresenta um caráter provisório e instrumental, configurando-se em medida processual prévia à pena real a qual deveria ser cumprida nos tempos remotos.
Dessa forma, antes de a prisão passar a ser instrumento de pena, ela se destinava a reter o condenado até a execução de sua pena, que era sempre corporal ou infamante. A custódia do acusado como meio de assegurar a aplicação das sanções punitivas antecede historicamente a própria pena privativa de liberdade, posto que esta foi introduzida pelo Direito eclesiástico, como forma de penitência. (ROSA, 2008).
Na idade antiga, a prisão era utilizada essencialmente como uma forma de manter o indivíduo sobre o controle do Estado, mas a sanção penal consistia em pena de morte, castigo corporal e infamante.
Contudo, até o século XVIII, a prisão continuou sendo vista como uma forma de custódia, em que o principal objetivo era preservar a integridade do indivíduo, para fins exclusivamente de caráter acautelatório, visando garantir a execução da pena, ou execução de dívida.
Já na idade média, a prisão passou a ser empregada com maior frequência e sem os critérios de excepcionalidade e substituição anteriores. Os custodiados eram submetidos a diversas formas de maus tratos, com o objetivo de se obter a confissão e com o propósito de permitir ao inquisidor ter o acusado à sua disposição para os fins determinados pelo sistema.
Nesse período a prisão continuava ser um meio de assegurar a aplicação da pena, surgindo a prisão do Estado, que poderiam ser de dois tipos: prisão provisória e a prisão pena, temporária ou perpétua; e a prisão Eclesiástica, direcionadas aos membros da Igreja que não cumprissem suas obrigações.
O Direito Canônico, influenciou positivamente no direito no que tange a prisão mais humana, com ideias voltadas à reabilitação, restauração, visando a privação de liberdade com respeito ao direito fundamental, da dignidade da pessoa humana.
Neste sentido, conforme explana o doutrinador Cezar Roberto Bitencourt (2012 p.35)
De toda a Idade Média, caracterizada por um sistema punitivo desumano e ineficaz, só poderia se destacar a influência penitencial canônica, que deixou como sequela positiva o isolamento celular, o arrependimento e a correção do delinquente, assim como outras ideias voltadas à procura da reabilitação do recluso.
Na Idade Moderna, houve um aumento significativo da criminalidade, e a pena de morte passou a não era uma solução tão adequada.
Segundo Bitencourt (2012 p.50) a prisão passou a se tornar necessária, nesse período, em virtude do crescimento do número de pessoas que praticavam crimes, consequência histórica do empobrecimento de grande parte da população, que encontrou no crime a única forma de garantir o mínimo de subsistência.
Ainda nesse sentido, remonta Bitencourt (2012 p.51) a existência de uma dominação da burguesia sobre ao proletariado e com isso a vinculação da prisão à necessidade de ordem econômica, o que inclui a prisão como um instrumento não apenas penal, mas também, um instrumento de controle social.
No século XVI, iniciou-se o desenvolvimento das penas privativas de liberdade, o que ocasionou a criação de presídios, com o fim de manter os presos abrigados durante o cumprimento da sua pena.
1.1 Prisão Cautelar no Brasil
No Brasil, a prisão cautelar foi inserida no ordenamento jurídico, a partir da legislação da proclamação da independência no ano de 1822. Decorrente da declaração da independência política, no ano de 1824 houve a promulgação da Constituição do Império.
No artigo 179, da mencionada Constituição do Império, ficou determinado que ninguém poderia ser preso sem culpa formada, sem mandado emanado por juiz, e, mesmo com culpa formada, ninguém poderia ser conduzido a prisão ou nela ser conservado se prestasse fiança, nos casos que a lei permitia.
No Código de Processo Criminal no ano de 1832, a prisão preventiva dependia da ordem escrita da autoridade competente, e era prevista para os casos que a prática de crime não tinha lugar para fiança autorizada.
Com o advento do Código de Processo Penal do ano de 1941, as medidas de prisão foram agravadas, principalmente a modalidade preventiva, que passou a ter a sua admissibilidade ampliada. Com esse novo Código, foi instituída a prisão preventiva obrigatória, que era aplicada aos acusados de crimes cuja pena fosse de reclusão igual ou superior a dez anos.
No mesmo diploma legal, surgiram hipóteses específicas que autorizavam o cabimento da prisão preventiva, descrevendo os elementos de cautelaridade, quais sejas: ordem pública, conveniência da instrução penal e garantia da aplicação da lei penal.
A legislação processual penal de 1941 trouxe as hipóteses de cabimento da prisão preventiva e os seus pressupostos que autorizam sua decretação. Tais hipóteses sofreram significativas alterações com a novel Lei nº 12.403 de 2011, que confirmou o caráter cautelar da prisão e positivou sua subsidiariedade ao introduzir medidas cautelares do encarceramento que têm preferência na aplicação ao caso concreto.
1.2 A Lei 12.403/11
A prisão preventiva já se conceituava como uma medida cautelar de restrição de liberdade, decretada por ordem escrita e fundamentada por autoridade competente.
Com o advento da Lei 12.403, em 04 de maio de 2011, surgiram novas regras para a prisão e liberdade. A sistemática da prisão processual foi profundamente alterada, trazendo um novo regime, que modifica dispositivos anteriores.
Trouxe a nova lei, hipóteses que justificam a decretação e mecanismos alternativos a prisão cautelar, com a adoção de medidas cautelares e consequentemente a forma de tratamento do acusado.
Determinando também, procedimentos específicos para a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, que devem ser aplicadas em hipóteses emergenciais, subordinados a existência de um processo de julgamento, e a uma futura execução.
Assim, surgiu a possibilidade tanto de decretar a prisão preventiva imediata, quanto de aplicar as medidas cautelares prevista no artigo 319 do Código de Processo Penal, podendo ainda serem decretadas de forma isolada ou cumulativa.
No artigo 311, o novo texto do Código de Processo Penal, expõe que a prisão preventiva é cabível em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, o qual é decretada pelo juiz no curso da ação, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente de acusação, ou por meio de representação da autoridade policial
O artigo 312, não sofreu mudanças no que se refere às condições para a decretação da prisão preventiva, sendo elas: a garantia da ordem pública e ordem econômica, conveniência da instrução penal e assegurar a aplicação da lei. Contudo, acrescentou-se um parágrafo único que traz uma hipótese de decretação subsidiária da prisão preventiva, quando há o descumprimento das medidas cautelares conforme artigo 282, § 4 do Código de Processo Penal.
Já a redação do artigo 313, foi profundamente alterada, retirando hipóteses que antes autorizavam a prisão preventiva, restringindo-as nos casos de: crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; nos crimes dolosos se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada e julgado; nos crimes que envolvem violência doméstica e quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la.
No artigo 314, houve apenas uma correção, na referência do artigo das excludentes no Código Penal, mantendo a proibição na sua decretação, quando o crime for cometido nas hipóteses de excludente de ilicitude.
A redação do artigo 315, foi alterada, mas manteve-se a ideia que prisão preventiva deve ser decretada por decisão devidamente fundamentada. Por fim, o artigo 316, permaneceu de forma integral, afirmando que uma vez sanados os requisitos que determinaram tal medida, o juiz deve revogá-la, como também poderá decretar novamente, se necessário.
Uma situação inovadora trazida pela Lei n. 12.403/11, é que a prisão preventiva deve ser decretada subsidiariamente, quando não for cabível, a sua substituição por outra medida cautelar não restritiva de liberdade.
A prisão preventiva é utilizada como instrumento do juiz em um inquérito policial ou na ação penal, após constatada a existência de crime e indícios suficientes de autoria e materialidade.
1.3 Pacote AntiCrime
Em 24 de dezembro de 2019 foi publicada a Lei nº 13.964 de denominada como Pacote Anticrime, que se refere a um conjunto de alterações na legislação brasileira que tem como objetivo aumentar a eficácia no combate ao crime organizado, ao crime violento e à corrupção.
A lei sancionada trouxe alterações dentro do Código de Processo Penal, principalmente sobre os aspectos da prisão preventiva. Uma das maiores alterações, foi no artigo 311, retirou a expressão “de ofício”, ou seja, não podem mais os juízes decretar prisões preventivas sem provocação.
Com a nova redação, a decretação da prisão preventiva só poderá ser feita pelos juízes a requerimento do Ministério Público, do assistente de acusação ou por representação da autoridade policial.
Conforme entendimento do doutrinador Aury Lopes Jr, o pacote anti crime é um reparo da aplicação do sistema acusatório, exposto na Constituição Federal de 1988, em oposição ao sistema inquisitorial, descrito no Código Penal, de 1941. [2]
O texto do artigo 312, do Código de Processo Penal apresenta os pressupostos para a decretação da prisão preventiva. Com a mudança da nova lei, foi acrescentado ao final do referido artigo o pressuposto de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, que expressa, uma adaptação do periculum libertatis, que significa perigo da liberdade do acusado, e o fumus comissi delicti, a fumaça do direito praticado, ou seja, presunções e indícios de que o crime foi praticado por aquela pessoa.
No mesmo artigo, o parágrafo único, foi transcrito para o parágrafo primeiro, e foi inserido um novo parágrafo. O parágrafo segundo dispõe que a decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. Assim o dispositivo tem como objetivo evitar que a prisão preventiva seja decretada com base em histórico no passado, mas sim sobre o respectivo delito, sob os fatos novos e contemporâneos.
Quanto ao artigo 313, da mesma legislação, o qual expôs as hipóteses de admissão da prisão preventiva, o seu parágrafo único, foi transcrito para o parágrafo primeiro, e houve a inclusão do parágrafo segundo.
O novo item traz que não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal ou da apresentação ou recebimento de denúncia. Dessa forma, não se admite, a utilização da prisão preventiva como forma maquiada da execução provisória da pena.
O artigo 314, não sofreu alterações, já no artigo 315, no que desrespeito a decisão, foi acrescentada agora a palavra fundamentada, a Constituição Federal expressa que toda decisão judicial deve ser motivada, fundamentada, sob pensa de nulidade, e, portanto, a prisão será ilegal. Assim, a prisão preventiva, como medida excepcional que é somente deverá ser decretada pelo juiz com fundamentação detalhada.
No parágrafo primeiro, do mesmo artigo, foi inserido que, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada, assim, ele não pode decretar a prisão preventiva com base na gravidade abstrata do crime ou passado do criminoso.
No mesmo dispositivo, foi acrescido por completo o parágrafo segundo que traz em seus incisos exemplos de decisões genéricas, onde não serão consideradas fundamentações válidas para qualquer decisão judicial. Vejamos:
§ 2º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - limitar-se a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019).
Por fim, o artigo 316, possibilita ao juiz novamente decretar e revogar a prisão preventiva se sobrevierem motivos para tanto, devendo ser interpretado também em alinhamento com as disposições do disposto no artigo 311 do Código de Processo Penal, que permite em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, a decretação da prisão preventiva, o qual agora rejeita a decretação de prisão preventiva de ofício.
A alteração mais importante do artigo 316 do CPP foi o acréscimo de um parágrafo único. Pelo novo dispositivo, o juiz deverá avaliar a necessidade da continuação da preventiva a cada 90 dias. No entanto, continua não existindo prazo limite para a prisão preventiva, o que existe agora é a exigência do juiz que a decretou revisá-la e se, numa dessas avaliações, considerar que a prisão não é mais necessária, deve decretar a soltura do preso.
2 A PRISÃO PREVENTIVA NO BRASIL
A prisão preventiva está descrita do artigo 311 ao 316 do Código de Processo Penal, é conceituada como uma medida cautelar, restritiva de liberdade, que deve ser decretada subsidiariamente, quando não for cabível, a sua substituição por outra medida cautelar não restritiva de liberdade. Logo, não pode se transformar em antecipação da tutela penal ou execução provisória da pena.
Conforme apresenta a jurisprudência firmada pelo Excelentíssimo Ministro do STF Celso de Mello como relator do Habeas Corpus nº 95.290/SP:
A prisão cautelar não pode - nem deve - ser utilizada, pelo Poder Público, como instrumento de punição antecipada daquele a quem se imputou a prática do delito, pois, no sistema jurídico brasileiro, fundado em bases democráticas, prevalece o princípio da liberdade, incompatível com punições sem processo e inconciliável com condenações sem defesa prévia.
A prisão preventiva ocorre antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, e tem como finalidade impedir que o indivíduo pratique novos crimes, ou impedir que interfira na apuração dos fatos, através da sua conduta. Ela deve certificar a aplicação da sanção correspondente ao crime praticado e garantir que se concretize o resultado final da demanda.
2.1 Pressuposto para aplicação e hipóteses de cabimento
Para a decretação da prisão preventiva é necessário que estejam presentes os pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Desse modo, para que ocorra o cerceamento da liberdade, é indispensável ter um indício de autoria do crime praticado pelo indivíduo, além de prova de materialidade.
O fumus comissi delicti, é a soma da prova de materialidade de um crime e indícios de autoria delitiva, já o periculum libertatis, significa a existência do perigo de juízo da persecução penal.
Nesse sentido, as hipóteses de cabimento, devem estar expostas, para que ocorra a privação de liberdade do indivíduo, trazendo o artigo 312 do Código de Processo Penal a seguinte redação:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
A garantia da ordem pública é um dos fundamentos que o Código de Processo Penal Brasileiro traz para a decretação da prisão preventiva. O artigo em epígrafe, não traz de maneira específica, como o fundamento deve ser aplicado, o que ocasiona irregularidade em sua execução.
A decretação da medida preventiva fundamentada no requisito da garantia da ordem pública envolve juízo de valor por parte da autoridade, fazendo a ponderação entre os danos causados e os resultados auferidos, de modo que verifica se o ônus imposto é proporcional à relevância do bem jurídico que se pretende resguardar.
A inadequada fundamentação da garantia da ordem pública seria uma das principais responsáveis pela superlotação dos presídios, visto que muitas vezes vêm maquiadas como formas de privação da liberdade adotadas como medidas de defesa social, no sentido de imediata reação ao delito, que teria como efeito primordial satisfazer o sentimento de justiça da sociedade, ou ainda, a prevenção especial, assim entendida como a necessidade de se evitar novos crimes.
Verificado o perigo do agente em liberdade, a gravidade do delito, a repercussão e o clamor da sociedade, tal direito de liberdade, poderá ser suprimido em benefício de uma maioria.
O fundamento da conveniência da instrução criminal, muito utilizado aliado ao princípio da prisão preventiva já mencionado o periculim libertais, tem como objetivo impossibilitar que o agente em liberdade, pratique algum ato que atrapalhe o andamento do processo, tais como: perturbar a produção de provas, ou ameaça a testemunhas e demais partes envolvidas.
A prisão preventiva poderá ser decretada com objetivo de assegurar a aplicação da lei penal. O mencionado fundamento busca evitar que, o acusado comprometa os efeitos da decisão definitiva aplicada ao final do processo, sendo decretada a prisão cautelar, quando houver indícios que evidenciem a fuga do distrito da culpa.
A garantia da ordem econômica está relacionada a crimes que, sobretudo os lesem ou afetem de forma significativa a ordem financeira, possibilitando a prisão do agente buscando evitar a reiteração na prática criminosa e pôr fim à continuidade dos atos ilícitos.
Quando houver o descumprimento das medidas cautelares menos gravosas pelo agente, será aplicada outra medida mais rígida do que a imposta anteriormente, podendo ser decretada a prisão preventiva com fundamento nesta hipótese legal.
2.2 Das infrações que comportam o encarceramento cautelar
Depreende-se da redação do artigo 313 do Código de Processo Penal, que a prisão preventiva apenas poderá ser decretada quando for praticados crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos, nos crimes dolosos se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada e julgada, nos crimes que envolvem violência doméstica, e quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser solto após a sua identificação, salvo em hipóteses que a manutenção da medida for recomendada.
A prisão preventiva pode ser decretada em caráter subsidiário, quando outras medidas cautelares não forem cabíveis, nunca com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação, apresentação ou recebimento da denúncia.
2.3 Da decretação e do sistema recursal
A prisão preventiva poderá ser decretada em qualquer fase do processo desde que, fundamentada e requisitada pelas condições do artigo 315 do Código de Processo Penal, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. Durante a fase do processo penal, só poderá ser decretada por provocação dos interessados.
3 A PRISÃO PREVENTIVA COMO FATOR DE SUPERLOTAÇÃO PRISIONAL
O sistema prisional brasileiro enfrenta um enorme transtorno, o aumento da população penitenciária, o que não necessariamente acarreta redução dos índices de violência nem, muito menos, o aumento da sensação de segurança por parte da população. Essa superlotação do sistema carcerário não se deve apenas ao crescimento da criminalidade, mas também, tem relação íntima com diversos fatores dentre eles a prisão preventiva.
A prisão preventiva é uma medida cautelar mais gravosa entre todas as medidas previstas legalmente, que deve ser utilizada em circunstâncias excepcionais. Ainda assim, as penitenciárias superlotadas de supostos culpados contrariam o disposto na Constituição Federal de 1988 que traz expresso no artigo 5°, inciso LVII o princípio da presunção da inocência, através do qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
Dessa forma, através desse princípio basilar que é uma das mais importantes garantias constitucionais, no qual todos os indivíduos da sociedade são considerados inocentes, até que se prove ao contrário, a utilização da prisão preventiva deve ser em casos excepcionais e jamais vista como opção punitiva. No entanto, a jurisprudência brasileira evidencia um fenômeno diferente, em que a prisão preventiva vem aumentando e sendo aplicada como medida de proteção e defesa social.
Para fundamentar o entendimento acima, o Jornal Brasil de Fato, em matéria publicada em 19 de fevereiro de 2020, através das informações levantadas pelo Monitor da Violência, revela que o Brasil tem 710 mil presos, em cadeias com capacidade de 423.389 vagas, uma superlotação de 67,8%.
Além disso, cerca de 31% são provisórios, posteriormente recebendo em sua maioria, penas restritivas de direitos e medidas alternativas ou a decisão foi pelo arquivamento do caso ou pela prescrição da pretensão punitiva. [3]
A legislação vigente não estabelece quanto tempo deve durar uma prisão preventiva, de modo que gera prisões desnecessárias por tempo indeterminado, influenciando diretamente na superlotação do sistema carcerário.
Dessa maneira conclui-se que, a prisão preventiva, que deveria ser tratada como exceção, virou regra, tornando as prisões inconstitucionais e ilegais. O sistema opera com dobro, até o triplo da sua capacidade, tendo a superlotação como um dos seus maiores problemas.
A superlotação do sistema prisional brasileiro possui quase metade de seus indivíduos constituídos por presos provisórios, sem condenação em primeiro grau de jurisdição, o que demonstra a possível má aplicação da prisão preventiva, o que pode se tornar um fator que corrobora para o aumento da população prisional.
Há muitos anos o sistema prisional brasileiro sofre com a superlotação e encontra-se em um verdadeiro estado de falência, as cadeias públicas acabaram se transformando em verdadeiros depósitos humanos, locais de confinamento, sofrimento, tortura e desrespeito à dignidade da pessoa humana.
Um dos mais graves problemas do sistema prisional brasileiro é a superlotação, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN), o Brasil possui uma população prisional de 748.009 mil presos, dado do ano de 2019, dentro dos indivíduos presos, 33% não haviam sido julgados e condenados.
A prisão preventiva tem caráter cautelar e deve ser sempre aplicada como medida excepcional, ou seja, pelo princípio da proporcionalidade ela deve ser sempre aplicada como última instância, depois de esgotar as outras medidas diferentes, deve ser decretada efetivamente em um daqueles casos de última medida.
As penas restritivas de direitos foram criadas com a intenção de proteger a dignidade daquele que pouco ou nenhum perigo oferece à sociedade. Logo, não pode o julgador substituir a pena privativa de liberdade sem nenhum critério, e por isso, o código penal apresenta requisitos legais a serem observados antes de aplicar a “pena alternativa”. (MACHADO, 2003, p. 19).
Os presos provisórios são aqueles indivíduos que ainda não possuem condenação definitiva, sem julgamento em primeira instância, contribuindo com a superlotação e a falta de vagas nos presídios, apresentando um déficit de cerca de 287 mil vagas nos presídios brasileiros, segundo dados do Monitor da Violência, que têm como base informações oficiais dos 26 estados e do Distrito Federal feito pelo site de notícias G1. [4]
Outro fator que contribui para a superlotação dos presídios brasileiros são as inconformidades procedimentais, infelizmente muito recorrentes, tais como ausência de oferecimento da denúncia a presos provisórios que estão encarcerados há vários anos, além de prazos vencidos para a progressão do regime e o cumprimento de pena em regime mais grave do que o fixado na sentença.
A ideia que a reclusão do indivíduo é a solução para os problemas correspondentes ao crime e seus agentes, não reflete na redução dos altos índices de criminalidade. Portanto, a aplicação da prisão preventiva, com objetivo de combater a criminalidade não traz o efeito por ela esperado.
Assim, conforme os dados apresentados, percebe-se que a aplicação inadequada da prisão gera efeitos na qualidade do sistema carcerário. A sua utilização de forma cotidiana, sem ser em casos excepcionais e obedecendo todos os requisitos legais necessários, evidenciam a superlotação das cadeias públicas brasileiras.
CONCLUSÃO
A prisão preventiva deverá ser aplicada quando as demais medidas cautelares não forem suficientes e adequadas para a garantia do andamento do processo ou da execução penal.
Entretanto, ainda que esta medida deveria ser decretada em último caso, é possível encontrar decisões que decretam a prisão preventiva, sem a devida análise.
A nossa Constituição garante a liberdade como um direito fundamental, essa garantia individual aliada ao princípio basilar do direito penal, que é a presunção da inocência, garante que o acusado deverá responder o processo em liberdade. Esta é a regra, responder o processo em liberdade, a exceção seria o cerceamento de liberdade, prisão preventiva.
Portanto, se a privação da liberdade do indivíduo é indispensável, esta decisão deve ser corretamente fundamentada.
As prisões preventivas decretadas indevidamente agravam a situação do sistema prisional, que já está extremamente sobrecarregado. Sendo assim, as prisões devem ser decretadas com a devida fundamentação, pois quando isso não ocorre, causa danos tanto na sociedade, superlotando o sistema carcerário, quanto aos indivíduos, abalos na vida pessoal, familiar e mesmo que seja absolvido, não será ressarcido pelo estado por essa violação de seu direito fundamental.
Diante desta realidade, a prisão preventiva deve ser aplicada quando o caso necessite e que a liberdade do indivíduo vá ofender a produção de provas, a inquirição de testemunhas, e os demais andamentos do processo. Cada caso deve ser muito bem analisado, criteriosamente avaliado antes de ser decretado este instituto.
Por fim, defende-se nesse artigo, que a aplicação indevida da prisão preventiva, sem a devida fundamentação, traz abalos na ordem moral, na ordem social e na ordem jurídica. Dessa forma, as aplicações das penas alternativas ou restritivas de direito devem ser esgotadas e só depois a aplicação de pena restritiva de liberdade.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Rafael Damasceno de. A realidade atual do sistema penitenciário Brasileiro. Disponível em: <http://br.monografias.com/trabalhos908/a-realidade-atual/a-realidade-atual.shtml>.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 4. ed. São Paulo. Saraiva. 2012, p. 32.
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº3.689 de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htmAcesso em: 19-10-2020.
BRASIL. Constituição da República federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 19-10-2020.
BRASIL. Ministério da Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN. Disponível em: <http://antigo.depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen>Acesso em:19-10-2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 95.290/São Paulo. Relator: MELLO, Celso de. Publicado no DJe 01/08/2012. Disponível em:http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=2455191. Acessado em 19-10-2020.
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2. Possui graduação em Direito pela Faculdade UNIRG-TO; Especialização “lato-sensu” em Direito Processual Civil e Penal(2006) e em Direito Público (2007) pela Faculdade FESURV-GO; Mestrado em Direito pela Universidade de Marília-SP (2010); Doutorado em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais(2017). Atua como advogada no estado do Tocantins e como Professora no curso de Direito da Católica do Tocantins. Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Civil e Direito Processual Civil. E-mail: [email protected]
3. https://www.conjur.com.br/2019-dez-27/pacote-anticrime-acaba-decretacao-preventiva-oficio; Acesso em 19/10/2020.
[3] https://www.brasildefato.com.br/2020/02/19/brasil-tem-710-mil-presos-em-cadeias-que-comportam-423-mil-31-nao-foram-julgados; Acesso em 19/10/2020.
[4] https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2020/02/19/em-um-ano-percentual-de-presos-provisorios-cai-no-brasil-e-superlotacao-diminui.ghtml; Acesso em 19/10/2020.
Acadêmica do 10º período do curso de Direito da Católica do Tocantins
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KOOP, Dominique Louisie Monteiro. A prisão preventiva e seus reflexos na superlotação carcerária no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 nov 2020, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55406/a-priso-preventiva-e-seus-reflexos-na-superlotao-carcerria-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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