Resumo: O presente Artigo foi elaborado a partir da adequada apreciação da Lei 4.790/19, que contribuiu para o diagnóstico e prognóstico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), dos estudantes do ensino fundamental, no estado do Amazonas, o objetivo principal trata de discussão sobre as questões legais norteadoras dos direitos das pessoas com TDAH considerando não existir uma legislação federal que proteja esses direitos o que, por si só, causa enorme prejuízo às crianças e adolescentes em seu desenvolvimento em diversos setores da sociedade. Dessa forma, o Método utilizado demonstra a importância e a urgente necessidade de uma legislação federal específica para o caso, cumprindo o Direito Fundamental preconizado na Constituição Federal e analisa de forma clara a legislação já em vigor no estado do Amazonas. Como Resultado da pesquisa, foi possível atrelar a importância do estudo do transtorno ao diagnóstico precoce, as formas de intervenção com apoio da escola, o envolvimento da comunidade escolar e da sociedade amazonense a respeito de tal disfunção. Conclui-se dessa forma, que a efetiva aplicação da lei servirá de sustentação ao atual sistema de educação no estado do Amazonas.
Palavras-chave: Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade; Lei nº 4.790 de 2019; Educação.
Abstract: This article was prepared based on the appropriate assessment of Law 4.790 / 19, which contributed to the diagnosis and prognosis of Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD), of elementary school students, in the state of Amazonas, the main objective is to of discussion on the legal issues guiding the rights of people with ADHD considering that there’s no federal legislation that protects these rights which, in itself, causes enormous damage to children and teenagers in their development in different sectors of society. Thus, the method used demonstrates the importance and the urgent need for specific federal legislation for the case, complying with the Fundamental Law set forth in the Federal Constitution and clearly analyzes the legislation already in force in the state of Amazonas, which regulates this matter after realize the great importance of the disorder in children and young people in the state. As a result of the research, it was possible to link the importance of the study of the disorder to early diagnosis, the forms of intervention with support from the school, the involvement of the school community and the Amazonian society regarding such dysfunction. It is concluded in this way, that the legislation and its effective application will support the current education system in the state of Amazonas.
Keywords: Attention Deficit Hyperactivity Disorder; Law N. 4.790 of 2019; Education.
Sumário: 1. Introdução. 2. TDAH: O mito e a indústria farmacêutica. 3. TDAH E A LEGISLAÇÃO AMAZONENSE: do diagnóstico à intervenção. 4. Considerações Finais. 5. Referências.
1.INTRODUÇÃO
A tipificação de um indivíduo não se resume apenas a um aspecto. Questões como a genética, hereditariedade, critérios sócio-históricos-ambientais são responsáveis pela modelação do indivíduo que assimila as informações conforme sua essência. A sociedade possui princípios básicos a serem seguidos e quem age diferente do determinado muitas vezes sofre as consequências dessa imposição social.
Por muitos séculos as pessoas com deficiência foram afastadas do convívio em sociedade justamente por esse preconceito. As famílias escondiam ou internavam seus tutelados e os abandonavam à própria sorte em sanatórios ou hospícios para que ninguém soubesse de sua existência, ou de sua “vergonha”. Somente após a Reforma Psiquiátrica iniciada pela Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental e a mudança de paradigma de que tais pessoas deveriam ser tratadas e não internadas e quão importante era o convívio familiar e social, que as pessoas com deficiência tiveram um novo olhar das autoridades e sociedade como um todo.
A partir daí novas legislações foram criadas dando definições outras do que seria a pessoa com deficiência. Exemplo claro foi o Transtorno do Espectro do Autismo - TEA considerado como deficiência com o advento da Lei nº 12.764, DE 27 de dezembro de 2012 – Lei Berenice Piana. Fato é que, no que tange ao Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH, muita discussão ainda se faz. Há mais de dez anos a Associação Brasileira de Déficit de Atenção – ABDA, propôs Projeto de Lei para garantia das pessoas com esse transtorno, no entanto, o projeto de lei até a presente data não foi aprovado.
No estado do Amazonas já houve um avanço legislativo sobre a matéria sendo publicada em 2019 legislação específica. A Lei n. 4.790/19 e as nuances desse transtorno serão o tema principal da presente pesquisa, que ambiciona discorrer sobre os aspectos sociais, na área da saúde, os aspectos jurídicos e principalmente no desenvolvimento humano, com vistas a caracterizar a criança e o adolescente como indivíduos que dependem primordialmente da educação para seu desenvolvimento cognitivo, sua permanência na escola com excelência na qualidade de ensino inclusivo pode fazer com que os efeitos do transtorno sejam minimizados e que em sua vida adulta possa ter uma melhor qualidade de vida.
2.TDAH: O mito e a indústria farmacêutica.
Por muito tempo se questionou sobre a existência do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Não se pretende aqui fazer uma digressão histórica sobre as diversas nomenclaturas que acompanham a disfunção, haja vista que muitas obras já fazem tal diferenciação. Mas o que se quer trazer à discussão é exatamente o atual pensamento de que o transtorno é real, que causa prejuízos aos seus possuidores bem como aos seus familiares e todos que de uma forma ou outra convivem com ele. Leon Eisenberg (1922 - 2009), médico psiquiatra norte-americano, considerado o “pai do TDAH”, teria afirmado que tal transtorno era “inventado”. No entanto, suas palavras, segundo Costa (2017), foram mal interpretadas em entrevista realizada à revista alemã Der Spigel.
Em um primeiro momento, cabe ressaltar que Eisenberg não descobriu o TDAH. Tal pesquisa remonta há mais de duzentos anos, quando o psiquiatra sequer havia nascido. Por outro lado, o médico pesquisador contribuiu com os estudos dos conceitos modernos de TDAH e na ampla divulgação do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM. Em verdade, o que o médico criticou foi a utilização exacerbada de medicamentos bem como o excesso de diagnósticos sem que se confirmassem tais observações clínicas. Em muitos casos, segundo ele, não existia TDAH, mas a agitação seria proveniente de fatores sócio ambientais (COSTA, 2017).
Apesar de tal declaração ter sido desmentida posteriormente, a informação já havia tomado vulto e ganhado o mundo. Fato é que, ainda hoje muitas pessoas acreditam ser o TDAH uma farsa criada pela indústria farmacêutica. Ainda há pensamentos que, equivocadamente, afirmam que isso não passa de uma criação liberal ao extremo, em que os pais não dão disciplina e não promovem a autoridade necessária para que as crianças obedeçam. Muitos ainda culpam a “nova” psicologia por ter adotado uma postura mais branda de entendimentos, tolerância e paciência de modo a que pais e filhos possam conversar, ensinar e aprender juntos, sem que para isso o filho necessite ser castigado fisicamente quando cometer qualquer ato errôneo.
Dialogar com a criança e ensinar o certo e o errado e as consequências de seus atos de modo algum é deixar a criança comandar a casa. Por outro lado, a culpa, a falta de tempo, a impaciência, dos atuais pais que nunca estão em casa, que terceirizam a criação dos filhos à escola, à babás, à avós, dentre outros, realmente cria uma ruptura no relacionamento e no desenvolvimento biopsicossocial da criança que passa a exigir mais dos pais que, por sua vez, devolvem a atenção a seus filhos com bens materiais e menos afeto.
Essas são algumas questões que existem nos dias atuais e que não serão resolvidos à curto prazo. Na verdade, essa questão deve ser resolvida de forma individual, subjetiva, de acordo com o que cada família deseja para sua subsistência e sua felicidade. Mas com tudo isso, e além disso, há sim um outro fator que se deve levar em consideração. O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH. Traçando uma linha do tempo, pode-se perceber que o TDAH, mesmo com outras nomenclaturas, já é discutido há mais de duzentos anos.
Descoberto por Alexander Crichton (1763 - 1856) em 1798, o médico é pioneiro a descrever as características do transtorno. Em suas obras sobre doenças mentais, o autor mencionava nos capítulos sobre “atenção e suas doenças” além das variações do nível de atenção consideradas normais para cada indivíduo, outros que apresentavam “desatenção patológica” que consistia segundo Crichton: “uma incapacidade de manter a atenção a qualquer evento com um grau necessário de constância, ou uma total suspensão da capacidade de atenção no cérebro” (RESENDE, 2016).
Tais características apresentadas por Crichton não correspondem ao pensamento atual. Os estudos daquela época eram ainda superficiais e algumas outras circunstâncias comórbidas influenciaram as pesquisas levando a interpretações equivocadas pela ausência de recursos científicos colocados à disposição do pesquisador àquela época. O TDAH foi descoberto nos Estados Unidos e ainda hoje é o país onde há maior índice de diagnósticos desse transtorno. Mas as informações sobre o TDAH ainda permanecem dúbias, mesmo naquele pais.
Ao que se percebe, mesmo passados mais de duzentos anos a questão da observação, do diagnóstico diferencial e de exclusão e outras causas sócio ambientais ainda confundem os profissionais da saúde no diagnóstico do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade. Há fortes indícios de que crianças saudáveis e ativas estejam sendo diagnosticadas com TDAH sem qualquer controle e confirmação conforme os parâmetros exigidos pelo DSM - V.
De fato, há muitos equívocos no que tange ao diagnóstico do TDAH, são necessárias várias características, que serão abordadas em momento oportuno, para que o quadro apresentado se encaixe no diagnóstico que não se comprova por exames laboratoriais, mas sim por exames clínicos, histórico familiar, ambiente social e hereditariedade. Profissionais despreparados, inexperientes e inescrupulosos estão vendendo diagnósticos e isso prejudica sobremaneira o desenvolvimento da criança que não possui a patologia, bem como prejudicam as crianças que realmente possuem o transtorno porque, dentre outros aspectos, sofrem pela discriminação. O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento de base neurológica descrita no DSM – V (APA, 2013). Tal transtorno é percebido desde a fase infantil, no entanto, não desaparece na fase adulta. Em verdade, muitos adultos aprendem a conviver com o transtorno e se reorganizam para criar um estilo de vida próprio para conseguir cumprir com suas responsabilidades sociais, profissionais e familiares de forma satisfatória. Mas isso não é rápido, simples, fácil, muito menos sem sofrimento. Pessoas que não foram diagnosticadas e/ou não foram tratadas dos sintomas do TDAH tiveram seu desenvolvimento ao longo dos anos com demasiada dificuldades, perdas, sofrimentos que os levaram a caminhos desastrosos em todas as áreas da vida.
O desenvolvimento da criança é muito importante. Ela passa por diversas fases e há sequências lógicas entre uma fase (habilidade) e outra, como ensinam as teorias de Jean Piaget (1896-1980), Erick Erickson (1902 - 1994), Sigmund Freud (1856 - 1939), Levy Vigotsky (1934 -1986), dentre outros cientistas. A criança necessita desenvolver aptidões sociais, emocionais, cognitivas, e uma ruptura nesse ciclo pode ser prejudicial para seu desenvolvimento, demandando maior tempo e especificidade para adquirir tal potencialidade. Tais aptidões ou habilidades são adquiridas ou experienciadas desde o nascimento do indivíduo alcançando níveis mais elevados até a fase adulta.
Algumas habilidades que são desenvolvidas pelo ser humano são as funções executivas. Tais funções se situam no sentido de direcionar o indivíduo à realização de metas, teoria da mente, avaliação de seus comportamentos e sua validade, criação de estratégias e adaptação das mesmas para resolução de problemas imediatos, de médio e longo prazo. Pode parecer uma situação corriqueira, no entanto, cada indivíduo tem um tempo em seu desenvolvimento para criar e exercitar tais habilidades que servem para sua subsistência na vida diária.
Fato é que, a pessoa com TDAH tem grande dificuldade em exercitar suas funções executivas. Segundo a doutrina, tais habilidades encontram-se basicamente localizadas no córtex pré-frontal, que é uma das áreas do encéfalo mais afetadas pelo TDAH, que de modo geral prejudicam o desenvolvimento da pessoa com o transtorno em seu relacionamento social. É natural que a pessoa com TDAH tenha certas dificuldades nos seguintes aspectos: tomada de decisão, flexibilidade cognitiva, fluência verbal, categorização, planejamento e volição.
Considerando tais informações e a comprovação de que o TDAH não é um transtorno inventado ou muito valorizado, é que se discute a necessidade premente de haver uma legislação afeita a esse assunto para regular a matéria, os direitos e a intervenção dos casos de pessoas com TDAH. No território brasileiro o assunto TDAH ainda é pouco difundido, muito confundido e nada respeitado. Há dez anos a Associação Brasileira de Déficit de Atenção propôs junto ao Senador Gerson Camata, projeto de Lei[1] sobre o tema. Até o momento o Projeto de Lei não foi aprovado, estando a população brasileira muito aquém no resguardo dos direitos das pessoas com TDAH.
3.TDAH E A LEGISLAÇÃO AMAZONENSE: do diagnóstico à intervenção
Lei nº. 4.790/2019 (AM)
Dispõe sobre as medidas a serem adotadas para identificar, acompanhar e auxiliar o aluno com TDAH e/ou dislexia nas redes pública e privada de ensino do Estado do Amazonas e dá outras providências. (Aprovada em 27/2/2019 D.O.E. Nº. 33.962).
A Lei n. 4.790 de 27 de fevereiro de 2019, que dispõem sobre as medidas multidisciplinares a serem adotadas no estado do Amazonas, surgiu em um momento de grande necessidade para crianças e adolescentes em idade escolar. Trata a lei de responsabilizar os atores envolvidos na identificação (precoce), acompanhamento e auxílio do aluno que possua o TDAH e/ou dislexia. Na presente pesquisa será abordado especificamente os aspectos do TDAH e procedimentos a serem adotados na rede escolar pública e privada. Para tanto, importa esclarecer os aspectos de tal disfunção para que o objeto da lei não se perca em teorias abstratas da existência ou não do referido transtorno.
Num primeiro momento, há que se mencionar o artigo 2º da Lei n. 13.146 de 2015 que trata da Inclusão das Pessoas com Deficiência. Tal dispositivo explica quem são as pessoas consideradas com deficiência para efeitos legais apresentando em seguida a garantia de seus direitos.
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm)
As pessoas com TDAH não se enquadram em tal legislação, uma vez são caracterizadas como pessoas com distúrbio e não com deficiência. Aponta-se dessa forma sua distinção segundo melhor doutrina:
Déficit de Atenção é um distúrbio que atinge crianças e adultos, caracterizado primariamente pela falta de concentração em atividades rotineiras e pela impulsividade. Os quadros de Distúrbio do Déficit de Atenção são ocasionados por uma disfunção neurológica, que afeta o funcionamento do córtex pré-frontal. Essa é a área do cérebro responsável pela atenção, organização, controle de impulsos e capacidade de expressar sentimentos, entre outras. Tal disfunção se dá, em parte, pela deficiência do neurotransmissor Dopamina. (https://www.vittude.com/blog/deficit-de-atencao/. Tatiana Pimenta.
Considerando tais informações, constata-se que tanto as deficiências como o Transtorno do Espectro do Autismo - TEA, Transtorno do Desenvolvimento Intelectual – TDI, bem como disfunções como o Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade – TDAH, ou Transtorno Global do Desenvolvimento como: Transtornos de Aprendizagem – TA, Dislexia, Discalculia e Disgrafia, dentre outros, afetam sobremaneira o desenvolvimento global do indivíduo que necessita de apoio em diversas vertentes. Como já mencionado, o TDAH é um distúrbio do neurodesenvolvimento que afeta o Sistema Nervoso Central – SNC e com ele as funções executivas. Dessa forma, o amplo conhecimento desse transtorno e a forma de como fazer o diagnóstico e a intervenção para um prognóstico positivo, são o ponto fundamental dessa pesquisa. Nessa teia, dentre outras analises a serem feitas, uma delas trata da avaliação neuropsicológica:
A avaliação Neuropsicológica (AN) pode ser definida por suas várias facetas. Aqui são apresentadas algumas das definições encontradas na literatura. A Avaliação Neuropsicológica Clinica é a aplicação dos conhecimentos da área de Neuropsicologia para avaliar e intervir no comportamento humano, relacionando-o ao funcionamento normal ou deficitário do sistema nervoso central (HAASE et al., 2012, 1-8).
Diante de tais informações, importa frisar a obrigatoriedade do conhecimento dessas condições nos ambientes escolares. Não somente pelos professores e gestores, mas também por toda comunidade acadêmica. O sistema de identificação só será possível a partir do conhecimento de toda equipe técnica na percepção e no olhar cuidadoso para a diversidade. Nem sempre a criança ou adolescente que possui características diferenciadoras possuem uma deficiência ou disfunção, motivo pelo qual um diagnóstico de exclusão é sempre importante.
A legislação traz em seu bojo informações sobre diversos profissionais que possuem competência para avaliar o aluno e, por meio de um diagnóstico multiprofissional atestar se o indivíduo necessita de uma atenção diferenciada. Uma vez constatada a especificidade da criança ou adolescente (§ 2º), a escola ficará responsabilizada por providenciar profissional de apoio escolar para acompanhar o acadêmico em suas atividades escolares. Apesar de tal profissão ainda não estar regulamentada em lei, muitas pessoas denominadas popularmente como “mediadoras” são contratadas por pais e responsáveis para o apoio à criança, bem como pelas escolas.
Artigo 3º: Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se: XIII - profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas) (LBI) .
Art. 1.º, §2.º Os alunos possuirão acompanhamento educacional especializado por profissional de apoio escolar na própria sala de aula e demais ambientes escolares. (L. 4.790/19)
Uma crítica que desde logo se faz é quanto a qualificação e capacitação desse profissional. Enquanto vasta legislação é uníssona em demonstrar a importância de uma especialização para a pessoa que atua na educação especial, a maioria das escolas, não somente no Amazonas, contratam, tanto na rede de ensino pública quanto na privada, estagiários do curso de pedagogia para auxiliarem os professores das classes. O fato é que para auxiliar a criança ou adolescente com TDAH é necessário que se tenha um conhecimento metodológico especializado dessa disfunção para que a criança possa se desenvolver primordialmente nas questões pedagógicas de forma funcional, dentro de suas habilidades e especificidades.
Conforme destacado, o profissional de apoio escolar deve ser alguém que tenha significado para a criança. Importa frisar que o que se pretende não é transformar o menor em uma criança dependente do mediador. A ideia de inserir tal profissional de apoio escolar é justamente servir de termômetro e liame entre o aluno e o conteúdo a ser apreendido. O mediador irá auxiliar o aluno com comandos precisos e de fácil compreensão a arrumar sua a mochila, a ter contato e socialização com outras crianças e adultos, a compreender determinados comandos sociais, mantendo-o conectado à atividade a ser desempenhada vez que esses simples Atos da Vida Diária – AVD’s, apesar de serem realizados pelo aluno, normalmente são deixados de lado pela desatenção e impulsividade que o cerca, vez que o TDAH afeta justamente suas Funções Executivas.
Em linhas gerais, observa-se que há alunos que podem precisar do apoio de um mediador escolar, cujas dificuldades podem ser de natureza diversa, valendo destacar: dificuldade motora geral e acessibilidade; concentração e impulsividade; de leitura; na comunicação e interação.
O mediador não fará os exercícios e provas do aluno, mas estará próximo a ele para lembra-lo de prestar atenção ao que a professora diz, auxiliá-lo a ler os enunciados das questões, garantir que o aluno entenda a proposta e incentivá-lo à pesquisa e resolução das tarefas. O mediador não substituirá o professor em qualquer momento do ensino. Não é isso que se pede e nem é isso que deve ser feito pela escola. O mediador irá auxiliar o professor que possui uma turma com mais de 20 alunos para dar atenção e não pode se ausentar da sala quando o aluno sentir necessidade de sair da mesma para se reorganizar ou autorregular.
Ainda concernente a autorregulação, é importante salientar que aluno com TDAH e/ou outras deficiências ou disfunções não lidam bem com frustrações podendo se desorganizar rapidamente, causando assim desconforto para ele, para os colegas e para os professores. Atingindo a maturidade emocional e cognitiva, poderá aos poucos aprender a se autorregular. O não aprendizado pelo aluno com TDAH como determinam as regras gerais de educação podem causar prejuízos ao seu desenvolvimento, motivo pelo qual as adaptações são necessárias. O cérebro é plástico e possui capacidade de assimilação e aprendizado ilimitados. No entanto, a atenção, tão necessária para a concentração e memorização, é um dos desafios da pessoa com TDAH.
O fato de que nossa atenção é flutuante e de que, em média, nossa capacidade de reter informações dura em média 15 a 20 minutos, é eficaz intercalar momentos de estudo com atividades agradáveis – no caso de adolescentes, intercalar estudo com alguns minutos ao videogame pode ajudar na aprendizagem. (PESSOA, 2018, p. 85)
No caso do aluno com TDAH que seja hiperativo/impulsivo ou desatento ou ainda combinado, o critério atenção é um dos fatores que lhes causam enorme prejuízo na aprendizagem escolar e em todo seu desenvolvimento biopsicossocial e espiritual. Mas para que todo esse procedimento seja conhecido pelos profissionais é necessário sua a capacitação periódica, bem como do corpo docente da escola, se faz imprescindível.
Importa salientar que tal atenção dispensada à criança ou adolescente deve ser de forma integral conforme preconiza a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. O que se protege é o ser humano em sua integralidade, portanto, não é apenas o conteúdo acadêmico que deve fazer parte da atenção da escola, mas também o relacionamento interpessoal, a convivência social as experiências empíricas que irão construir uma personalidade para viver em sociedade.
É fundamental para as crianças e adolescentes que possuam TDAH que o corpo técnico das escolas esteja capacitado para lhes entender e saber como lidar com as adequações pedagógicas e estruturais do ambiente escolar conforme preconiza o artigo 3º da Lei estadual sobre TDAH. Para tanto, como já mencionado, todos devem participar da capacitação a ser realizada em diferentes níveis e áreas de conhecimento. Por se tratar de transtorno neurobiológico há a necessidade de orientação nas áreas da saúde e educação no sentido de esclarecer dúvidas, confirmar hipóteses e facilitar o entendimento daqueles que estarão atuando na linha de frente com esse público.
A partir da capacitação do corpo técnico das escolas, os profissionais terão condições de identificar situações singulares e comunicar à gestão da escola para que os pais/responsáveis pelo aluno possam investigar sua condição. Importa ressaltar que os responsáveis pelo aluno irão procurar diagnóstico com uma equipe multidisciplinar pública ou privada para constatar a disfunção ou afasta-la. Tal papel não é atribuição da escola.
O inciso III do mesmo artigo acrescenta que a escola deve seguir as orientações dos especialistas no que tange ao acompanhamento e comportamento do aluno. Materiais adaptados, horários diferenciados, avaliações e testes com disposição própria, posicionamento em ambiente físico da sala de aula e um olhar diferenciado, podem ser algumas ações que trarão ao aluno a confiança e a inclusão de que precisam para uma vida social e acadêmica em âmbito escolar com maior qualidade. Importante a parceria entre ensino público e privado na troca de experiências com os alunos de educação especial em escolas regulares. Muitas informações podem ser focadas no sentido de uniformizar o entendimento sobre essas questões e o aprender coletivo sobre essa nova realidade cada dia mais crescente.
Em todas as escolas públicas ou privadas do estado devem possuir pessoal capacitado na gerência e coordenação de atividades administrativas e pedagógicas. A figura de um pedagogo na coordenação de uma escola é condição sine qua non para que a escola funcione com os preceitos principais de uma boa educação. Tal profissional, além das demais atribuições que lhe competem, deverá proceder uma avaliação em conjunto com o corpo docente responsável pelo aluno para a criação de um dossiê considerando todas as especificações deste. Os responsáveis pelo aluno serão convocados e orientados a buscar apoio de equipe multidisciplinar para trabalhar as habilidades e potencialidades de seu tutelado, e que as terapias possam ser realizadas no contra turno ao horário regular de estudo.
Ressalte-se que tal dossiê é documento sigiloso em que apenas a coordenação e a equipe que trabalha diretamente com o aluno podem ter acesso. Atente-se para o fato de que o constrangimento e a discriminação serão punidos na forma da lei, podendo-se aplicar o artigo 3º, IV da Lei de TDAH/AM e subsidiariamente a Lei Brasileira de Inclusão em seu artigo 4º § 1º ao destacar: “Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”.
§ 1º Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas.
A entrevista realizada no ato da matrícula pode facilitar sobremaneira na identificação do aluno com TDAH e a prova de nivelamento (ou reclassificação), quando necessária, conforme orientação da LDB, Lei 9.394/96, também podem servir de parâmetro para a identificação precoce de um possível transtorno de aprendizagem. Importa frisar que tal conduta não é impositiva e que o profissional que ali está não irá diagnosticar um transtorno, vez que não tem competência para tal. No entanto, percebendo que o grau de desenvolvimento neurobiopsicológico não corresponde aos índices típicos da educação, o profissional poderá sugerir aos responsáveis para procurarem o especialista para confirmar ou refutar a disfunção.
Tal disfunção não é diagnosticada de forma simples nem rápida. Como já mencionado, o ser em desenvolvimento sofre diversos estímulos desde sua gestação. Muitas são as deficiências e disfunções e um diagnóstico de exclusão é importante para que o tratamento seja realizado corretamente. No entanto, o fato de um aluno não possuir um diagnóstico definitivo que ateste a sua condição não exime a escola de ter um olhar diferenciado para com ele. Aliás, todos os alunos possuem características específicas, devendo o professor ter um olhar diferenciado para toda a classe. Muitas técnicas devem ser utilizadas em prol de um desenvolvimento escolar e social que beneficie o aluno e a longo prazo sua família e toda comunidade.
Por fim, a criação do referido dossiê também servirá para quando a criança for transferida da escola e todo o processo exaustivo não precisará ser repetido para que o menor tenha tratamento especializado. Havendo essa troca de informações o indivíduo terá seu processo e ingresso na nova escola de forma mais célere e inclusiva.
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Critérios importantes devem ser analisados diante das condições de desenvolvimento sociais, históricos, ambientais e educacionais das crianças e adolescentes em fase escolar, que respondem positivamente aos critérios nosológicos do TDAH. A partir de tal apreciação, destacou-se a ausência de uma legislação que regule os direitos das pessoas com TDAH em âmbito nacional e se analisou a criação de uma legislação atinente a seus direitos no Amazonas.
Foi pesquisada a importância de uma legislação que protegesse os direitos das pessoas com TDAH e as diversas dificuldades que tal disfunção acarreta na vida das pessoas em fase escolar até a fase adulta. Muitas pessoas com TDAH enfrentam dificuldades em seu desenvolvimento e crescem tendo diversos problemas desde relacionamentos afetivos, emocionais, comportamentais e educacionais.
O não diagnóstico e intervenção precoce a estas pessoas pode ocasionar graves prejuízos em sua vida diária e a longo prazo podendo haver evasão escolar, uso de substâncias, gravidez precoce e problemas com a justiça.
Não ser o TDAH uma deficiência não tira o caráter emergencial de seu tratamento e preocupação com um prognóstico satisfatório para que o indivíduo possa se organizar e reorganizar de forma satisfatória para a vida em sociedade.
Muito é cobrado da pessoa com TDAH e vários estereótipos lhes são impostos. A presente pesquisa vem demonstrar que tal disfunção existe, é séria e merece toda a atenção para que a pessoa que o possui tenha melhores condições de se desenvolver de modo funcional.
5.REFERÊNCIAS:
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JALOWITZKI, Marise. TDAH. Crianças que desafiam. Ed. Do autor. P.A. 2014;
LENT, Roberto (coordenador). Neurociência da Mente e do Comportamento. GEN. 2015;
PESSOA, Rockson Costa. Como o cérebro aprende. Ed. Vetor. S.P. 2018;
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ROTTA, Newra Tellechea, OHLWEILER, Lygia, RIESGO, Rudimar dos Santos. Transtorno da Aprendizagem. Abordagem Neurobiológica e Multidisciplinar. 2ª ed. Artmed. P.A. 2016.
https://www.psicoedu.com.br/2016/11/historia-origem-do-tdah.html?m=1. RESENDE, Eduardo. 2016. Acesso em: 12 de maio de 2020.
https://www.psicoedu.com.br/2017/02/pai-do-tdah-fabricada.html. COSTA, Eduardo. 2017. Acesso em 12 de maio de 2020.
https://tdah.org.br/quais-as-mudancas-e-direitos-que-o-projeto-de-lei-7081-oferecera-para-as-pessoas-com-tdah-e-dislexia-no-brasil/.Ana Luiza Navas. 2019.
HAASE, Vitor Geraldi, et al. Neuropsicologia como ciência interdisciplinar: consenso da comunidade brasileira de pesquisadores/clínicos em Neuropsicologia. Revista Neuropsicologia Latinoamericana. ISSN 2075-9479 Vol 4. No. 4. 2012.
[1] O projeto de Lei 7081/2010, de autoria do Senador Gerson Camata (PMDB), cuja relatoria é da Deputada Federal Mara Gabrilli (PSDB – SP), tem por objetivo instituir, no âmbito da educação básica, a obrigatoriedade da manutenção de programa de diagnóstico e tratamento do TDAH e da Dislexia. O projeto já foi aprovado no senado e faltam apenas 3 comissões para ser aprovado na Câmara dos Deputados. O projeto estabelece que as escolas devam assegurar aos alunos com TDAH e Dislexia acesso aos recursos didáticos adequados ao desenvolvimento de sua aprendizagem, e que os sistemas de ensino garantam aos professores formação própria sobre a identificação e abordagem pedagógica (https://tdah.org.br/legislacao/).
Advogada, Mestre e Doutora em Direito. Professora da Escola de Direito da Universidade do Estado do Amazonas - UEA. Acadêmica finalista de Psicologia e Estagiária em Intervenções Neuropsicológicas na Faculdade Martha Falcão/Wyden
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOBRAL, ALICE ARLINDA SANTOS. A contribuição da Lei 4.790/19, para o diagnóstico e prognóstico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, dos estudantes do ensino fundamental, no estado do Amazonas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 nov 2020, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55407/a-contribuio-da-lei-4-790-19-para-o-diagnstico-e-prognstico-de-transtorno-do-dficit-de-ateno-e-hiperatividade-dos-estudantes-do-ensino-fundamental-no-estado-do-amazonas. Acesso em: 23 dez 2024.
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