JULIANA GOMES DE SOUSA[1]
(coautora)
MARIA DO SOCORRO RODRIGUES COELHO[2]
(orientadora)
RESUMO[3]: O artigo em tela tem como objetivo geral realizar um estudo exploratório sobre as controvérsias da aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) à figura do consumidor intermediário. Tem como objetivos específicos: identificar na doutrina e legislação brasileiras como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) disciplina a relação jurídica entre os participantes das relações de consumo; investigar se a Lei 8.078/1990 (CDC) admite a figura do consumidor intermediário na relação jurídica de consumo; analisar as controvérsias existentes acerca da aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a figura do consumidor intermediário, bem como seus reflexos no mundo jurídico. A delimitação da pesquisa tem em vista responder ao seguinte questionamento: quais são as controvérsias existentes na aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que tange à figura do consumidor intermediário? Para sua viabilização adorou-se como metodologia a pesquisa exploratória por meio de uma pesquisa bibliográfica de natureza qualitativa. Conclui-se que as controvérsias existentes na aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que tange à figura do consumidor intermediário dizem respeito às teorias que adotam em seus julgados, que ora são finalistas, maximalistas, finalistas mitigada, aprofundada ou temperada, incorrendo em efeitos que podem trazer graves reflexos ao mundo jurídico.
Palavras-chave: Consumidor intermediário, Hipossuficiência, Vulnerabilidade social, Decisões do STJ.
ABSTRACT: The article in question has the general objective of conducting an exploratory study on the controversies regarding the application of the Consumer Protection Code and the jurisprudence of the Superior Court of Justice (STJ) on the figure of the intermediate consumer. Its specific objectives are: to identify in Brazilian doctrine and legislation as the Consumer Protection Code (CDC) disciplines the legal relationship between participants in consumer relations; investigate whether Law 8,078 / 1990 (CDC) admits the figure of the intermediate consumer in the legal relationship of consumption; to analyze the existing controversies about the application of the Consumer Protection Code and the jurisprudence of the Superior Court of Justice (STJ) on the figure of the intermediate consumer, as well as its reflexes in the legal world. The delimitation of the research aims to answer the following question: what are the controversies existing in the application of the Consumer Protection Code (CDC) and the jurisprudence of the Superior Court of Justice (STJ) regarding the figure of the intermediate consumer? For its feasibility, exploratory research through a qualitative bibliographic research was loved as a methodology. It concludes that the controversies existing in the application of the Consumer Protection Code (CDC) and the jurisprudence of the Superior Court of Justice (STJ) with regard to the figure of the intermediate consumer relate to the theories they adopt in their judgments, which they pray are finalists, maximalists , finalists mitigated, deepened or tempered, incurring effects that can bring serious consequences in the legal world.
Keywords: Intermediate consumer, Hyposufficiency, Social Vulnerability, Decisions do STF
Sumário: 1 Introdução. 2 O Código de Defesa do Consumidor e a Figura do Consumidor Intermediário na Jurisprudência. 2.1 A Previsão Legal do Consumidor e do Fornecedor. 2.2 A Previsão do Produto ou Serviço no Código de Defesa do Consumidor. 2.3 O Reconhecimento da Vulnerabilidade do Consumidor na Relação Consumerista. 2.4 A Figura do Consumidor Intermediário na Jurisprudência. 3 Aplicação do CDC e da Jurisprudência do STJ à figura do Consumidor intermediário. 4 Conclusão. 5 Referências.
1 INTRODUÇÃO
As relações consumeristas acontecem a todo instante na sociedade globalizada. Pessoas compram em lojas à vista e a prazo, indústrias vendem e empresas compram para si ou para revender ao consumidor, e também a utilização de cartão de crédito tem sido cada vez mais frequente. Todas essas relações comerciais de compra e venda geram responsabilidades civis quando o consumidor é diretamente atingido na aquisição de produto e/ou serviços pelo fato ou pelo vício.
Visando solucionar conflitos existentes na relação jurídica de consumo, o legislador pátrio erigiu a Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990, denominada Código de Defesa do Consumidor (CDC), que deve ser aplicada somente nos referidos casos. No entanto, nada impede que sejam aplicadas as demais leis especiais ao mesmo caso concreto, desde que respeitados os princípios de aplicação da norma. É certo que na relação jurídica de consumo existem três elementos, a saber: o subjetivo, o objetivo e o finalístico. O primeiro diz respeito às partes envolvidas na relação jurídica, isto é, consumidor e o fornecedor; o segundo configura-se como produto ou serviço; o terceiro se traduz na ideia de que ao consumidor cabe adquirir ou utilizar o produto ou serviço como destinatário final.
Por consumidor deve-se entender toda pessoa física ou jurídica que adquire, utiliza-se de produto ou serviço como destinatário final. Por fornecedor deve-se entender toda pessoa que desenvolve atividade tipicamente profissional, mediante remuneração, excluindo-se aquelas que eventualmente coloquem produtos ou serviços no mercado de consumo sem o caráter profissional. Assim, o requisito que caracteriza o fornecedor é sua habitualidade, isto é, seu exercício contínuo de determinado serviço ou fornecimento de produto.
Nesse passo, convém observar que a Lei 8.078/1990, ou seja, o Código de Defesa do Consumidor consiste em uma lei infraconstitucional que visa proteger os interesses dos consumidores tidos como hipossuficientes ou em situação de vulnerabilidade técnica, jurídica e econômica em relação ao fornecedor, que é considerado pelo CDC parte hipossuficiente na relação jurídica de consumo. Convém frisar, que há uma diferença entre vulnerabilidade e hipossuficiência prevista no CDC, e o reconhecimento dessas tipicidades do consumidor no mercado de consumo pelo legislador pátrio: equacionar o desequilíbrio entre as partes, e não admite prova em contrário.
No entanto, ao inverso do que preza o artigo 2º da Lei 8.078/1990 acerca do consumidor, como aquele que adquire ou utiliza o produto ou serviço como destinatário final, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem reconhecendo em decisões de suas turmas da Seção de Direito Privado (Terceira e Quarta Turmas), a figura do consumidor intermediário, ao decidir que o critério do destinatário final econômico não é o determinante para a caracterização de relação de consumo ou do conceito de consumidor.
Nesses termos, fica perceptível que o STJ passou a considerar como destinatário final quem usa o bem em benefício próprio, independentemente de servir diretamente a uma atividade profissional, dando azo à figura do consumidor intermediário, uma vez que a compreensão dos julgadores amplia a expressão destinatário final, abrangendo todos aqueles que figuram na relação de consumo em condições de vulnerabilidade.
Segundo o portal da câmara dos deputados, tramita um projeto de lei proposto pelo deputado André Figueiredo (PDT - CE) para transformar em lei o entendimento do STJ, buscando uniformidade das decisões; este projeto tramita em caráter conclusivo e será analisada pelas comissões de Defesa do Consumidor: de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Tendo em vista essas observações, o presente estudo tem como objetivo geral realizar um estudo exploratório sobre as controvérsias da aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a figura do consumidor intermediário. Tem como objetivos específicos: identificar na doutrina e legislação brasileiras como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) disciplina a relação jurídica entre os participantes das relações de consumo; investigar se a Lei 8.078/1990 (CDC) admite a figura do consumidor intermediário na relação jurídica de consumo; analisar as controvérsias existentes acerca da aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a figura do consumidor intermediário, bem como seus reflexos no mundo jurídico.
Essa delimitação da pesquisa tem em vista responder ao seguinte questionamento: quais são as controvérsias existentes na aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que tange à figura do consumidor intermediário? O estudo encontra-se ancorado em teóricos como Densa (2009), Mello (2012), Santos (2016) dentre outros de igual importância. Para sua viabilização adotou-se como metodologia a pesquisa exploratória por meio de uma pesquisa bibliográfica de natureza qualitativa.
2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A FIGURA DO CONSUMIDOR INTERMEDIÁRIO NA JURISPRUDÊNCIA
Entende-se que para compreender a extensão da Lei nº 8.078/1990, também conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC) é importante, primeiro, fazer uma breve descrição dos fundamentos que a originaram. Nesse sentido, destaca-se que ela é uma lei que veio atrasada para defender as relações de consumo no Brasil, uma vez que se passou um século inteiro aplicando às mencionadas relações de consumo o Código Civil, lei instituída em 1917, tendo como base a tradição do direito civil da Europa (NUNES, 2009).
A despeito do referido código também haviam leis esparsas, como o Decreto-Lei nº 869 de 1938, cuidando dos crimes contra a economia popular; o Decreto-Lei de 22.626/1943 – Lei da usura; e a Lei 4.137/1962, voltada para a repressão do poder econômico. Como o Brasil possui desde o início de sua industrialização (1930) um padrão de sociedade reconhecido como o de massa, no qual predomina o modelo econômico capitalista, logo a característica econômica principal que se consolidou foi da produção planejada unilateralmente pelo fornecedor, fabricante, produtor, montadora, prestadora de serviços, etc. exigindo um modelo contratual (PAIVA, 2015). Assim, não há qualquer dúvida que:
Esse padrão é, então, o de um modelo contratual que supõe que aquele que produz um produto ou serviço de massa planeja um contrato de massa que veio a ser chamado de Lei nº. 8.078 de contrato de adesão. Por isso que a primeira lei brasileira que tratou da questão foi exatamente o Código de defesa do Consumidor: no seu art. 54 está regulado o contrato de adesão. E porque contrato de adesão? Ele é de adesão porque por uma característica evidente e lógica: o consumidor só pode aderir. Ele nunca discute cláusula alguma (NUNES, 2009, p. 4).
Conforme se verifica, a sociedade de massa, o modelo capitalista, e o modelo contratual na forma de adesão foram os principais fundamentos que deram origem ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) em 1990 no Brasil, dois anos depois de aprovado o Projeto de Lei (PL) 3683/1989 de autoria do Senador Jutahy Magalhães (PMDB/BA), que: “Contrapondo-se ao Modelo Capitalista o Regime Democrático gestou políticas estatais de proteção do consumidor a partir do surgimento de um plexo de direitos chamado de Terceira Dimensão[4]” (SIMÕES, 2011, p. 1).
Como se constata na atualidade, tanto em solo brasileiro quanto em outras partes do mundo, é grande a relação de consumo pelo capitalismo. Isso porque o sistema capitalista tem possibilitado o acúmulo de capital e, com isso, a realização de maior número de negócios. Por sua vez as políticas estatais têm cuidado em proteger a sociedade, criando leis como a da Lei nº 8.078/1990, reconhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Vale destacar, que no Brasil a mídia, as necessidades capitais do cotidiano assim como o desejo de fruição de bens e serviços têm incentivado o mercado a um maior volume de negócios, o que acabou consolidando a existência, por um lado, do fornecedor e do outro, do consumidor, ambos instituídos pela Lei nº. 8.078 de 11 de setembro de 1990, denominada de Código de Defesa do Consumidor (CDC), que surge a partir da Constituição Federal de 1988 emanada do constituinte originário, o qual andou bem ao instituir o art. 5º, LXXII na referida Constituição, pois por meio por meio dele:
[...] determinou ao Estado a promoção da defesa do consumidor no sentido de adotar um modelo jurídico e uma política de consumo que efetivamente protegessem o consumidor, o que se deu com a Promulgação do Código de Defesa do Consumidor 11 de setembro de 1990 (CDC) (DENSA, 2009, p. 4).
Também o art. 5º, inciso XXXII, traz previsão do CDC dizendo que: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor” (BRASIL, 1988, p. 1). Deve-se notar, que essa é uma norma de eficácia limitada, a qual só produz seus plenos efeitos após sua regulamentação. Em outras palavras o comando do art. 5º, XXXII, assegura direito ao consumidor, mas que só poderá ser exercido quando for regulamentado pelo legislador ordinário. É por isso que foi criado o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Convém salientar, que o referido artigo se encontra em harmonia com o art. 170 da mesma Carta Magna, o qual traz em sua redação que:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei (BRASIL, 1988, p. 1).
Conforme se verifica no artigo supra a Constituição Federal traz a previsão da instituição do Código do Consumidor e que ele deve ser seguido pelo Estado e pela sociedade com o fim de garantir a existência digna e a justiça social. Percebe-se que o CDC possui objetivo, o qual está insculpido no seu art. 4º, que traz o seguinte texto:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo (BRASIL, 1990, p. 1).
Observa-se que o CDC consigna a ordem econômica brasileira e confirma a proteção ao consumidor deixando-lhe a salvo de possíveis abusos ocorridos no mercado consumidor. Assim, vai se constatando que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) tem vida própria e foi criado como subsistema autônomo e vigente dentro do sistema constitucional brasileiro.
Desse modo, pode-se interpretá-lo como compondo “[...] um subsistema próprio que foi inserido no sistema constitucional brasileiro, e como tal é norma de ordem pública e de interesse social geral e principiológica, prevalente sobre todas as demandas normais anteriores, ainda que especiais, que com ela colidam” (NUNES, 2009, p. 70).
Nesse passo, deve-se compreender que para existir a relação jurídica de consumo, legisla o Código de Defesa do Consumidor (CDC) que deve haver por um lado o consumidor e por outro, o fornecedor. E é sobre essas duas figuras que se passa a tratar na seção seguinte focando na sua previsão legal.
2.1 A Previsão Legal do Consumidor e do Fornecedor
Deve-se estampar desde logo, que a relação de consumo é, “[...] basicamente, o vínculo jurídico, ou o pressuposto lógico do negócio jurídico celebrado de acordo com as normas do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) ” (PAIVA, 2015, p. 1). Nesse passo, é possível compreender que o CDC incide em toda relação de consumo, sendo essa relação caracterizada por dois polos: de um lado o consumidor e de outro o fornecedor.
Cabe frisar, que a Lei 8.078 de 11 de setembro de 1990, conhecida como Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabelece diferença entre estes, descrevendo nos seus arts. 2º e 3º, respectivamente, que:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (BRASIL, 2010, p. 855).
Convém salientar que o CDC não faz uma previsão da relação de consumo. No entanto, identifica os elementos subjetivos (o consumidor e o fornecedor) e objetivos (negócio celebrado entre essas partes). Assim, como se percebe na citação supra, para o (CDC) o consumidor configura-se como pessoa física, pessoa jurídica e ainda a coletividade de pessoas, que é o consumidor por equiparação.
Para melhor entendimento do conceito de consumidor, abrangendo seu conceito material e outros por equiparação, tenha-se em mente a seguinte preleção:
O Art. 2º, caput, do CDC diz que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. O Art. 2º, parágrafo único do CDC, traz o conceito de consumidor por equiparação, definindo-o como a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. No entanto, há outro conceito por equiparação situado no art. 17, do CDC, que define todas as vítimas do dano causado pelo fato do produto e do serviço, como consumidores; o último conceito por equiparação, se encontra localizado no art. 29, o qual aduz que todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas de comércio e, obviamente, fazem jus à proteção do contrato (SILVA, 2019, p. 1).
Nessa perspectiva, deve-se compreender que não há uma definição única de consumidor, sendo importante, por isso, observar a relação de consumo, isto é, o vínculo jurídico emanado dela para se detectar em qual polo se encontra o consumidor e o fornecedor. “Haverá relação jurídica de consumo sempre que se puder identificar num dos polos da relação o consumidor, no outro o fornecedor, ambos transacionando produtos e serviços” (NUNES, 2009, p. 71).
No caso do fornecedor, ele é caracterizado pelo CDC como sendo toda pessoa tanto física quanto jurídica, nacional ou estrangeira, de direito público ou privado. Mas não é só isso, ela deve atuar “[...] na cadeia produtiva exercendo atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, exportação distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços” (DENSA, 2009, p. 16). Cabe destacar aqui que fornecedor é gênero do qual é espécie o fabricante, o produtor, o construtor, o importador.
2.2 A Previsão do Produto ou Serviço no Código de Defesa do Consumidor
Deve-se assinalar que para a existência da relação de consumo deve existir também o produto e/ou serviço a ser ofertado. Também o CDC faz diferença entre produto e serviço esclarecendo em seu art. 3º, § 1º e 2º que:
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. § 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (BRASIL, 2010, p. 855).
Segundo o artigo acima, produto é bem móvel ou imóvel, nesses termos pode ser tanto um carro, motocicleta, lancha, barco (bens móveis), quanto um sofá, casa, fazenda, apartamento, terrenos (bens imóveis) que tenham existência corpórea, isto é, física, e os bens incorpóreos, como programas de computador ou música.
Por serviço deve-se compreender tendo em tela o § 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, qualquer atividade que seja ofertada no mercado consumerista, desde “[...] os serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista (§2º do art. 3º). Exclui-se expressamente: a) os serviços gratuitos; b) as relações trabalhistas (estas são regidas pela CLT) ” (SANTOS, 2016, p. 1).
Nesses termos, verifica-se que serviço é toda atividade realizada em favor do consumidor. Para melhor entendimento das atividades bancárias como relação consumerista o doutrinador fez questão de inseri-las no rol de serviços. Apesar de controvérsias jurídicas entre doutrinadores e a jurisprudência prevaleceu o reconhecimento desses serviços como sendo de relação de consumo depois que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) emitiu a Súmula nº 297, com o seguinte teor: “O Código de defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras” (STJ, 2004, p. 1).
Como se nota, a oferta do produto ou serviço é parte preponderante na relação de consumo entre fornecedor e consumidor. Nesse caso, o fornecedor é aquele que é detentor do poder econômico.
2.3 O Reconhecimento da Vulnerabilidade do Consumidor na Relação Consumerista
O CDC prevê que a parte vulnerável da relação jurídica de consumo é o consumidor para quem é previsto ação governamental no sentido de protegê-lo efetivamente (FERREIRA, 2018). Outra característica do consumidor é a hipossuficiência que não se confunde com vulnerabilidade. Note-se que para o Código de Defesa do Consumidor todos os consumidores são vulneráveis, mas nem todos são hipossuficientes. Sobre esse aspecto, convém destacar que a referida condição deve ser verificada no caso concreto, sendo caracterizada quando o consumidor apresenta traços de inferioridade cultural, técnica ou financeira (DENSA, 2009).
Convém anotar, que a hipossuficiência é uma espécie de fragilidade que tem o consumidor diante do fornecedor. Desse modo, para entender melhor sua característica, sente-se a necessidade de apontar os princípios norteadores do Código de Defesa do Consumidor (CDC) pondo em relevo o princípio da hipossuficiência, lembrando que por princípio deve-se entender um “[...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência” (MELLO, 2012, p. 232).
Dito isso, segue referenciando os princípios basilares do Código de Defesa do Consumidor (CDC): Princípio de igualdade ou isonomia (art. 5°, CF/88); Princípio da liberdade de escolha (arts. 1º, III, 3º, I, 5º, caput, entre outros); Princípio da boa-fé (art. 4º do CDC); Princípio da equidade; Princípio da imprevisibilidade; Princípio da proteção do consumidor; Princípio da responsabilidade objetiva (art. 12, CDC); Princípio da inversão do ônus da prova (art. 333, I, CPC); Princípio da vinculação (art. 30, CDC); Princípio da identificação da publicidade (art.36 caput, CDC); Princípio da veracidade da publicidade (art. 37, § 1º, CDC); Princípio da transparência da fundamentação da publicidade (art. 36, parágrafo único do CDC); Princípio da correção do desvio publicitário (art. 56, XII CDC); Princípio da confiança (arts. 12 a 25 do CDC) (NUNES, 2009).
Embora todos esses princípios norteiem o Código de Defesa do Consumidor, o que mais evidencia a vulnerabilidade do consumidor é que ele é a parte mais fraca na relação de consumo, o que permite elencar cinco tipos de vulnerabilidade:
1) Técnica, pois o fornecedor é detentor das técnicas para gerir uma atividade econômica; 2) Jurídica/científica, uma vez que o fornecedor tem maior poder no campo jurídico, tem orientação específica. 3) Fática, haja vista que a vontade do consumidor está vinculada à do fornecedor, submetendo-se àquilo que é oferecido, mesmo havendo, muitas vezes, algumas discordâncias relativas ao contrato. 4) Socioeconômica, pois o fornecedor tem poder econômico, tem melhores condições para desenvolver sua atividade (EBRADI, 2017, p. 1).
Como se observa, a vulnerabilidade do consumidor se revela pelo não conhecimento do produto ou serviço adquirido, falta de conhecimentos jurídicos, contábil ou de economia, devendo ser considerado o elo fraco da corrente. Essa concepção dista-se da hipossuficiência que pode ser econômica, quando o consumidor tem dificuldades financeiras, ou incapacidade de fazer prova em juízo. Essas condições requerem a verificação no fato concreto (BORGES, 2010). É notável que o CDC contemple em seu bojo uma política nacional de relações de consumo, assinalando que:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo [...] (BRASIL, 2010, p. 855).
Diante desse artigo, pode-se notar que o CDC se antecipa à questão da relação de consumo entre fornecedor e consumidor apontando como um dos objetivos da política Nacional de Consumo, dentre outros, a importância da transparência e harmonia das relações de consumo. Mas não para por aí porque aponta também a questão do destinatário final, matéria de discussão na doutrina e jurisprudência porque abre precedentes para um terceiro elemento subjetivo: a figura do consumidor intermediário.
2.4 A Figura do Consumidor Intermediário na Jurisprudência
Não será demais lembrar aqui que o Código de Defesa do Consumidor foi promulgado pouco menos de dois anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, lapso temporal exíguo para se instituir uma lei tão ampla e inovadora como é o CDC, denotando na atualidade a necessidade de amadurecimento acerca de conceitos essenciais como consumidor intermediário, gerado pelo STJ. Trilhando esse entendimento, segue-se lembrando que desde sua edição, em 1990, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem sendo sucessivamente rogado a se pronunciar sobre os conceitos tanto de destinatário final quanto de consumidor, consequentemente (PASQUALOTTO; CARVALHO, 2018).
Muito embora, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) tenha erigido o conceito de consumidor, o que se percebe na sua aplicação prática é uma verdadeira complexidade, uma vez que a expressão destinatário final é fonte de debates e discussões doutrinárias e jurisprudenciais. Para compreender a figura do consumidor intermediário, que desponta na relação jurídica de consumo, convém compreender algumas correntes doutrinárias acerca do destinatário final. Nesse contexto, a teoria finalista preceitua que:
[...] o consumidor é aquele que retira definitivamente de circulação o produto ou serviço do mercado. Para esses seguidores dessa doutrina, a intenção do legislador ao outorgar o Código de Defesa do Consumidor estava em tutelar, de maneira especial, determinado grupo da sociedade, mais vulnerável, e em alguns casos, hipossuficiente (DENSA, 2009, p. 11).
Vê-se na citação acima que para a teoria finalista o destinatário final é aquele que se utiliza do bem como consumidor final, tanto de fato quanto economicamente. Primeiro, porque o bem é para si, segundo porque ele não será utilizado para nenhuma finalidade produtiva. Nele como adquirente, encerra-se o ciclo econômico.
Existe ainda a teoria maximalista, a qual interpreta que “[...] destinatário final é todo aquele consumidor que adquire o produto para o seu uso, independente da destinação econômica conferida ao mesmo” (BOECHAT, 2018, p. 1). Também há a teoria finalista mitigada, aprofundada ou temperada, criada pelo STF, e que “[...] não observa apenas a destinação do produto ou serviço adquirido, levando em consideração, também, o porte econômico do consumidor” (LIMA, 2014, p. 1).
Essa corrente na verdade é um desdobramento da corrente finalista. Em que pese as teses doutrinais das correntes enunciadas e a discussão de quem é o destinatário final da relação de consumo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ):
[...] tem relativizado o rigor da teoria finalista, admitindo a figura do consumidor intermediário: aquele que adquiriu o produto ou o serviço para utilizá-lo em sua atividade empresarial, podendo, contudo, ser beneficiado com a aplicação do CDC, desde que demonstrada sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica (STJ, 2010, p. 1).
Pelo visto, essa decisão se apoia na vulnerabilidade do consumidor e afasta a tese da teoria finalista de que consumidor é o destinatário final do produto ou serviço. A decisão do STJ esteia-se no art. 4º da CDC, que traz in verbis:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo [...]. (BRASIL, 1990, p. 1);
Dessa forma, a jurisprudência cria através da teoria finalista mitigada, aprofundada ou temperada, a figura do consumidor intermediário, que “[...] causou espécie, mas que acabou se consolidando na jurisprudência da corte responsável pela uniformização da interpretação de toda a legislação infraconstitucional brasileira” (PASQUALOTTO; CARVALHO, 2018, p. 3).
Assim, resta saber quais são as controvérsias existentes na aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que tange à figura do consumidor intermediário.
3 APLICAÇÃO DO CDC E DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ SOBRE A FIGURA DO CONSUMIDOR INTERMEDIÁRIO
Já se disse mais de uma vez que a relação de consumo faz negócio jurídico entre as partes, que são o consumidor e o fornecedor. Como leciona o CDC, o primeiro é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final; o segundo é toda pessoa tanto física quanto jurídica, nacional ou estrangeira, de direito público ou privado, que atue na cadeia produtiva de produtos ou prestação de serviços (BRASIL, 1990).
Deve-se salientar que apesar da “[...] relativa clareza do dispositivo normativo, o conceito de consumidor não conseguiu manter-se estático nas últimas duas décadas, sofrendo alterações relevantes ditadas pela jurisprudência” (PEREIRA, 2011, p. 224) Esse fato, tem gerado controvérsias na aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a figura do consumidor intermediário, bem como seus reflexos no mundo jurídico.
Nesse passo, deve-se destacar, que quando se diz respeito ao consumidor intermediário, a expressão “destinatário final” tem gerado acalorados debates quando se trata da aplicação do CDC, pois uma parcela doutrinária:
[...] entende que a expressão se aplica ao consumidor fático e econômico do bem ou serviço, isto é, àquele que, em caráter definitivo, utiliza-se do que é oferecido pelo fornecedor, sem se colocar como intermediário da fruição do bem ou serviço por terceiros. Outros autores, porém, sustentam que será também considerado “destinatário final” todo aquele que se insere em relação de consumo, independentemente da expressão econômica dos sujeitos envolvidos (consumidor e fornecedor) e sem perquirir a finalidade da aquisição de produtos e/ou serviços (LIMA, 2014, p. 1).
Bem se vê que há uma controvérsia quando se trata do destinatário final da relação de consumo. Como já se disse alhures, existem correntes doutrinárias acerca do destinatário final da relação de consumo, sendo elas: teoria finalista, teoria maximalista, doutrina finalista temperada. É na primeira teoria que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) faz a subsunção da figura do consumidor intermediário, mitigando seu rigor.
Abaixo segue julgado do STJ para se ter melhor compreensão de como esse Tribunal tem tratado os processos relacionados à teoria finalista pura:
STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 1358231. REL. MIN. NANCY ANDRIGHI. DJE DATA: 17/06/2013. EMENTA: DIREITO CIVILE DIREITO DO CONSUMIDOR. TRANSPORTE AÉREO INTERNACIONAL DE CARGAS. ATRASO. CDC. AFASTAMENTO. CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. APLICAÇÃO. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. Em situações excepcionais, todavia, esta Corte tem mitigado os rigores da teoria finalista, para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade. 4. Na hipótese em análise, percebe-se que, pelo panorama fático delineado pelas instâncias ordinárias e dos fatos incontroversos fixados ao longo do processo, não é possível identificar nenhum tipo de vulnerabilidade da recorrida, de modo que a aplicação do CDC deve ser afastada, devendo ser preservada a aplicação da teoria finalista na relação jurídica estabelecida entre as partes. 5. Recurso especial conhecido e provido (STJ, 2013, p. 1).
Como se verifica do julgado acima, o critério adotado pelo STJ foi o da aplicação da teoria finalista sem mitigação, não reconhecendo consumidor finalista na relação de consumo, sobretudo por não ter identificado nenhuma vulnerabilidade da recorrida. Como admite a relatora Ministra Nancy Andrighi, em situações excepcionais a Corte tem mitigado a referida teoria, quando não seja tecnicamente a destinatária final, mas desde que se apresente em situação de vulnerabilidade.
Observe-se que as decisões dos Tribunais Superiores tornam-se jurisprudências, isto é, “[...] orientações uniformes dos tribunais na decisão de casos semelhantes” (COSTA; AQUAROLI, 2007, p. 82). Assim indicando ter ciência da lei esses tribunais fazem jurisprudência. No entanto, deve-se reforçar o fato de que existem controvérsias entre jurisprudências voltadas para a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a figura do consumidor intermediário, haja vista que em outra decisão do STJ, o Relator seguiu orientação da teoria maximalista que amplia o conceito de consumir, como se observa no julgado a seguir:
STJ. TERCEIRA TURMA. RECURSO ESPECIAL Nº 445854. REL. MIN. CASTRO FILHO. DJ DATA: 19/12/2003 EMENTA: CONTRATOS BANCÁRIOS – CONTRATO DE REPASSE DE EMPRÉSTIMO EXTERNO PARA COMPRA DE COLHEITADEIRA – AGRICULTOR – DESTINATÁRIO FINAL – INCIDÊNCIA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – COMPROVAÇÃO – CAPTAÇÃO DE RECURSOS – MATÉRIA DE PROVA – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA. I – O agricultor que adquire bem móvel com a finalidade de utilizá-lo em sua atividade produtiva, deve ser considerado destinatário final, para os fins do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor. II – Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor às relações jurídicas originadas dos pactos firmados entre os agentes econômicos, as instituições financeiras e os usuários de seus produtos e serviços. III – Afirmado pelo acórdão recorrido que não ficou provada a captação de recursos externos, rever esse entendimento encontra óbice no enunciado n.º 7 da Súmula desta Corte. IV – Ausente o prequestionamento da questão federal suscitada, é inviável o recurso especial (Súmulas 282 e 356/STF). Recurso especial não conhecido, com ressalvas quanto à terminologia (STJ, 2003, p. 1).
Conforme se verifica no julgado supramencionado, cuidou o Relator em considerar o agricultor como destinatário final, e a relação como sendo consumerista, não se preocupando com sua vulnerabilidade. Observe-se que a máquina agrícola, fruto da relação de consumo entre o agricultor e o vendedor será empregada no campo, denotando que seria utilizada para produção de hortifrutos a serem comercializados chegando esses produtos a um destinatário final, isto é, consumidor, muito embora não tenha sido esse o reconhecimento do Relator Ministro Castro Filho no Recurso Especial nº 445854/2003.
Tendo em vista os julgados já mencionados apresenta-se ainda o Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial nº 328043, do STJ, voltado para a teoria mitigada ou aprofundada observando-se nele a controvérsia quando se trata da figura do consumidor intermediário:
STJ. TERCEIRA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 328043. REL. MIN. SIDNEI BENETI. DJE DATA:05/09/2013. EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. VENDA PELA INTERNET. CARTÃO DE CRÉDITO CLONADO. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO CONSUMERISTA. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL E REEXAME DE PROVAS. DESCABIMENTO. SÚMULAS STJ/5 E 7. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO. 1. - A jurisprudência desta Corte tem mitigado a teoria finalista para autorizar a incidência do Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade, hipótese não observada caso dos autos. 2.- No que tange ao dever de indenizar, ultrapassar e infirmar a conclusão alcançada pelo Acórdão recorrido - existência de relação jurídica entre as partes - demandaria o reexame do contrato, dos fatos e das provas presentes no processo, o que é incabível na estreita via especial. Incidem as Súmulas 5 e 7 desta Corte. 3.- Agravo Regimental improvido (STJ, 2013, p. 1).
Como se constata da decisão acima o Superior Tribunal de Justiça (STJ) traz controvérsias em suas decisões gerando jurisprudência destoante. Pois como já disse o Ministro Relator Barros Monteiro no REsp 541.867/BA: “Entende-se que não se há falar em consumo final, mas intermediário, quando um profissional adquire produto ou usufrui de serviço com o fim de direta ou indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu próprio negócio lucrativo” (STJ, 2004, p. 1). É que deflui do referido processo:
COMPETÊNCIA. RELAÇÃO DE CONSUMO. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO E DE SERVIÇOS DE CRÉDITO PRESTADO POR EMPRESA ADMINISTRADORA DE CARTÃO DE CRÉDITO. DESTINAÇÃO FINAL INEXISTENTE. A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a incompetência absoluta da Vara Especializada de Defesa do Consumidor, para decretar a nulidade dos atos praticados e, por conseguinte, para determinar a remessa do feito a uma das Varas Cíveis da Comarca. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 541.867/BA. Órgão Julgador: 2ª Seção. Relator: Min. Barros Monteiro. Data do Julgamento: 10/11/2004 (STJ, 2004, p. 1).
Como se nota, comparando as decisões proferidas no REsp 541.867/BA e no REsp 445854 há uma discordância quanto ao consumidor intermediário, haja vista que nesse último o agricultor adquiriu bem móvel com a finalidade de utilizá-lo em sua produção e foi caracterizado como consumidor final, não sendo provido seu recurso. De outra banda, o REsp 541.867/BA foi provido entendendo o STJ se tratar de consumidor intermediário.
Entende-se que os exemplos acima são suficientes para ilustrar o fato de que o STJ tem criado diferentes jurisprudências quando se trata da figura do consumidor intermediário, ora inclinando-se para a teoria finalista pura, ora para a teoria maximalista, ora para a mitigada, aprofundada ou temperada. Embora seja assim, percebe-se que no cerne de suas decisões vige a preocupação de reconhecer a hipossuficiência e a vulnerabilidade do consumidor. “Outra conclusão lógica é de que o STJ reconhece simultaneamente as teorias, finalista e finalista aprofundada, vez que se baseiam em critérios diferentes para a determinação do conceito de consumidor [...]” (PASQUALOTTO; CARVALHO, 2018, p. 24).
Não cabe dúvida que os julgados acima mencionados se tornam jurisprudências a serem seguidas pelo mesmo tribunal e outros quando se tratar de matéria similar. Assim, crê-se necessário dizer que:
A despeito de não possuir, a jurisprudência, regra geral, efeito vinculante ou coercitivo, no sentido de obrigar os órgãos do poder judiciário, não se pode negar a força destas decisões reiteradas, mormente porque servem de inafastável norte interpretativo e orientador para os aplicadores do direito (JUSBRASIL, 2012, p. 1).
Dessa forma, é de inferir que quando o STJ traz uma decisão sobre existência do consumidor intermediário ele reconhece essa figura na relação consumerista. E quando não o reconhece em hipótese nenhuma, cria expectativa controversa sobre a aplicação do CDC frente a evidências fáticas desse tipo de consumidor, que embora não seja o destinatário final figura na relação de consumo. Desse modo, entende-se que julgados “[...] podem ter efeito gravíssimo, sobre toda a jurisprudência nacional e, consequentemente, sobre toda a sociedade” (WAMBIER, 2009, p. 250).
Por outro lado, observa-se que embora o STJ consagre o critério da doutrina finalista para sua interpretação do conceito de consumidor, ainda assim se ressente da necessidade de, em situações extraordinárias, mitigar o critério subjetivo do conceito de consumidor final para admitir, a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) em relações de consumo que o consumidor figura como intermediário, contrariando assim, a teoria do destinatário final.
4 CONCLUSÃO
Nas relações jurídicas de consumo, nas quais prevalecem o fornecedor e o consumidor, há de se notar que este último é a parte vulnerável da relação consumerista, sendo identificado como hipossuficiente na relação de consumo. A Lei 8.078/1990 (CDC) em seu art. 2º reconhece como consumidor aquele que adquire o produto ou serviço como destinatário final.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em alguns dos seus julgados, tem relativizado o rigor da teoria finalista, prevendo a figura do consumidor intermediário, que é aquele que adquiriu produto ou serviço não para seu consumo, isto é, como destinatário final, mas para utilizá-lo em sua atividade empresária. Tais decisões inovam o ordenamento jurídico haja vista que a Lei 8.078/1990 (CDC) não traz a previsão legal desse tipo de consumidor e, por vezes, destoam quando se trata de apontar quem é de fato o consumidor, se final ou intermediário.
Nessa perspectiva, entende-se que o presente estudo atingiu seu objetivo, uma vez que os resultados permitiram concluir que as controvérsias existentes na aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que tange à figura do consumidor intermediário dizem respeito às teorias que adotam em seus julgados, que ora são finalistas, maximalistas, finalista mitigada, aprofundada ou temperada, incorrendo em efeitos que podem trazer graves reflexos no mundo jurídico, uma vez que as decisões proferidas assim podem trazer sérios prejuízos econômicos ao consumidor intermediário em litígio, que busca ser protegido sob o manto do direito do consumidor.
Diante dessa conclusão sugere-se aos Ministros do STJ que cuidem em harmonizar suas decisões referentes ao consumidor intermediário, servindo-se também da teoria do finalismo aprofundado, que criou a categoria do consumidor equiparado, permitindo a ampliação do seu sentido, como o de consumidor intermediário, o qual figura em situações específicas e concretas.
REFERÊNCIAS
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WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Estabilidade e adaptabilidade como objetivo do direito: civil law e common Law. Revista de Processo, n. 130, p. 249-251, dez., 2005.
[1]Graduanda do Curso de Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: [email protected]
[2]Profa. Me. Orientadora de Trabalho de Conclusão do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho –UNIFSA. Doutoranda em Direito, professora de Argumentação jurídica e Hermenêutica-UNIFSA. E-mail [email protected]
[3]Trabalho de conclusão de Curso apresentado no Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Teresina-PI, 14 de novembro de 2020.
[4] São assim denominados porque dizem respeito ao direito de fraternidade ou de solidariedade uma vez que possuem natureza de implicação universal (MEDEIROS, 2004, p. 75).
Graduando do Curso de Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Josué Ferreira da. Controvérsia na aplicação do Código de Defesa do Consumidor e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a figura do consumidor intermediário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 nov 2020, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55427/controvrsia-na-aplicao-do-cdigo-de-defesa-do-consumidor-e-jurisprudncia-do-superior-tribunal-de-justia-sobre-a-figura-do-consumidor-intermedirio. Acesso em: 23 dez 2024.
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