A Reforma Administrativa em curso perante o Congresso Nacional – ora autuada como Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 32/2020 – vem encontrando bastante resistência no âmbito da Administração Pública.
Para o governo, trata-se de uma medida ajustada e necessária nos exatos moldes em que enviada ao Congresso Nacional em 03/09/2020. Já para parte deste, bem como de membros do Poder Judiciário, das Funções Essenciais à Justiça, de associações, de sindicatos e de determinados setores da sociedade civil organizada, cuida-se de uma proposta reformatória nefasta para o país.
Em meio a tal conflito – que aqui não se pretende abordar ou exaurir – chamou a atenção a inclusão expressa de diversos princípios ao caput do artigo 37 da Carta Política, a qual, acaso reformado, passará a ter a seguinte redação:
PEC 32/2020
Art. 1º A Constituição passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de quaisquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, imparcialidade, moralidade, publicidade, transparência, inovação, responsabilidade, unidade, coordenação, boa governança pública, eficiência e subsidiariedade e, também, ao seguinte:
[...][1]
Uma leitura detalhada desse dispositivo faz saltar aos olhos o paradigmático princípio da inovação. Isto porque há tempos a sociedade clama para que a Administração Pública possa adotar em seu âmago um pensamento disruptivo onde o ato administrativo se desenvolva num constante processo de re(criação). Isto é, alterar-se o mindset do gestor público ao ponto de tornar o exercício da função administrativa uma mutante trilha e não um perene trilho, obviamente guardados os deveres de segurança jurídica.
Aliás, a inovação já é uma tendência do legislador constituinte, conforme se pode verificar no texto da Constituição Federal notadamente a partir da Emenda Constitucional nº 85/2015:
Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
[...]
V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
[...]
IX - educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
Art. 167. São vedados:
[...]
§ 5º A transposição, o remanejamento ou a transferência de recursos de uma categoria de programação para outra poderão ser admitidos, no âmbito das atividades de ciência, tecnologia e inovação, com o objetivo de viabilizar os resultados de projetos restritos a essas funções, mediante ato do Poder Executivo, sem necessidade da prévia autorização legislativa prevista no inciso VI deste artigo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
[...]
V - incrementar, em sua área de atuação, o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:
[...]
§ 2º As atividades de pesquisa, de extensão e de estímulo e fomento à inovação realizadas por universidades e/ou por instituições de educação profissional e tecnológica poderão receber apoio financeiro do Poder Público. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
CAPÍTULO IV
DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
§ 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
§ 6º O Estado, na execução das atividades previstas no caput, estimulará a articulação entre entes, tanto públicos quanto privados, nas diversas esferas de governo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
§ 7º O Estado promoverá e incentivará a atuação no exterior das instituições públicas de ciência, tecnologia e inovação, com vistas à execução das atividades previstas no caput. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal.
Parágrafo único. O Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
Art. 219-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades públicos e com entidades privadas, inclusive para o compartilhamento de recursos humanos especializados e capacidade instalada, para a execução de projetos de pesquisa, de desenvolvimento científico e tecnológico e de inovação, mediante contrapartida financeira ou não financeira assumida pelo ente beneficiário, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
Art. 219-B. O Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) será organizado em regime de colaboração entre entes, tanto públicos quanto privados, com vistas a promover o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 85, de 2015)
Já no plano infraconstitucional, como preveem as Leis Federais nº 10.973/2004 e nº 11.196/2005, busca-se inovar no sentido de proporcionar a introdução de novidade ou aperfeiçoamento no ambiente produtivo e social que resulte em novos produtos, serviços ou processos ou que compreenda a agregação de novas funcionalidades ou características a produto, serviço ou processo já existente que possa resultar em melhorias e em efetivo ganho de qualidade ou desempenho.
Fixadas essas premissas, o vanguardista Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de lançar o Laboratório de Inovação (Inova STF), mediante a Resolução nº 708, de 23 de outubro de 2020, vale dizer, após o envio da PEC nº 32/2020, consagrando exatamente o princípio da inovação que poderá, muito em breve, ser alçado ao caput do artigo 37 da Carta Cidadã[2].
Segundo o STF, a iniciativa pretende acelerar a modernização do processo judicial, criando o conceito de processo digital. O objetivo é redefinir o processo judicial, com foco na experiência do usuário, fluxo contínuo de trabalho, utilização de estratégias digitais e automatização, incorporando novas soluções para otimizar o processo decisório. A proposta engloba uma nova estratégia para análise de precedentes.
Nesse cenário, entende-se que andou bem o Supremo ao lançar o Inova STF, pois mesmo não havendo expressamente um princípio da inovação no texto constitucional, tem-se como necessária e urgente a adoção de uma nova visão para o planejamento estratégico e gestão dos processos judiciais, onde a inovação deve ser uma pedra angular.
Ao mesmo tempo, em que pese as críticas – pontuais ou não – que possam existir acerca da conveniência, oportunidade e redação da PEC nº 32/2020, fato é que há pontos nela contidos com sensível relevância para o funcionamento da Administração Pública e detentores de potencial para promover uma disrupção no modelo de gestão. Um desses pontos é o princípio da inovação. Este, inegavelmente, é um vetor que se aplicado ao serviço público poderá revolucionar o planejamento estratégico da Administração Pública[3].
É dizer que a PEC nº 32/2020 não traz exclusivamente malefícios, e pode, caso bem trabalhada e conduzida, elevar o patamar do funcionamento da Administração Pública, mudando não só o texto frio da norma constitucional, mas também – e principalmente – a mentalidade muitas vezes arcaica, inerte e obsoleta que insiste em imperar no seio do setor público.
[1] BRASIL. Câmara dos Deputados. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2262083>. Acesso em: 31 out. 2020.
[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=454210>. Acesso em: 31 out. 2020.
[3] FREITAS, F. L. Filho. Gestão da inovação: teoria e prática para implantação. São Paulo: Atlas, 2013.
Procurador do Estado de Alagoas. Advogado. Consultor Jurídico. Ex-Conselheiro do Conselho Estadual de Segurança Pública de Alagoas. Ex-Membro de Comissões e Cursos de Formação de Concursos Públicos em Alagoas. Ex-Membro do Grupo Estadual de Fomento, Formulação, Articulação e Monitoramento de Políticas Públicas em Alagoas. Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Ex-Estagiário da Justiça Federal em Alagoas. Ex-Estagiário da Procuradoria Regional do Trabalho em Alagoas. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALHEIROS, Elder Soares da Silva. O STF na vanguarda da reforma administrativa: uma aplicação prática do princípio da inovação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 nov 2020, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55438/o-stf-na-vanguarda-da-reforma-administrativa-uma-aplicao-prtica-do-princpio-da-inovao. Acesso em: 23 dez 2024.
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