GILMAR GONÇALVES DA SILVA[1]
(coautor)
FRANKLIN JONES VIEIRA DA SILVA[2]
(orientador)
Resumo: Em decorrência do caos da sociedade de risco, no início do século XXI, multiplicaram- se as normas incriminadoras para os crimes de perigo abstrato, sobrecarregando, de tal forma, a Justiça Criminal brasileira. Neste artigo, ante isto, buscou-se analisar os institutos alternativos propostos como possíveis de ajudar na resolução dos conflitos penais, a saber: o plea bargaing americano, o procedimento sumário, o qual foi proposto pelo Projeto de Lei nº 8.045/2010, e os institutos despenalizadores da Lei nº 9.099/95. Neste contexto, o presente trabalho mostra-se salutar pelo fato de, não esgotando o assunto, trazer à baila a possibilidade de haver o necessário equilíbrio entre o garantismo e o eficientismo, atentando-se aos direitos fundamentais e à finalidade do direito penal. Para isto, fora utilizada a técnica de revisão bibliográfica, explorando, também, trabalhos tratantes dos temas referentes à expansão penal e ao negócio penal, a Lei nº 9.099/95 e o Projeto de Lei nº 8.045/2010, especificamente na parte abordadora do supracitado procedimento sumário.
Palavras-chave: Justiça consensual penal; procedimento sumário; plea bargainig.
Abstract: As a result of the chaos of the risk society, in the beginning of the 21st century, the standards for crimes of abstract endangerment have multiplied, therefore overwhelming the brazilian criminal justice. In this article, we seek to analyze the alternative legal institutes proposed as possible means to help in the resolution of criminal conflicts, namely: the American plea bargaining, the summary procedure, which was proposed by Bill of Law nº 8.045/2010, and the decriminalizing institutes of Law nº 9.099/95. In this context, the present study proves itself to be salutary by the fact that, not exhausting the subject, it emphasizes the possibility of existence of the necessary balance between Guarantee of Right to Trial and Efficientism, observing the fundamental rights and the purpose of criminal law. In order to do so, the bibliographic review technique was utilized, also exploring studies that deal with themes related to criminal expansion and penal business, Law nº 9,099/95 and Bill of Law nº 8.045/2010, specifically in the addressing section of the abovementioned summary procedure.
Keywords: Criminal consensual justice; summary procedure; plea bargaining.
Sumário: 1. Introdução. 2. Do ple bargainig americano. 3. Da introdução do consenso no processo penal brasileiro. 3.1. Composição civil. 3.2. Transação penal. 3.3. Suspensão condicional do processo. 4. Da renúncia aos direitos fundamentais. 5. Do mito do princípio da obrigatoriedade. 6. Garantismo versus eficientismo: a diversificação de procedimento. 7. Do Projeto de Lei nº 8.045/2010 e das propostas do presente trabalho. 8. Considerações finais. 9. Referências.
1. INTRODUÇÃO:
A segunda metade do século XX como o início do século XXI são vistos como sendo o marco temporal da introdução da justiça negocial no âmbito do modelo civil law, a qual mais era aplicada no modelo common low (SUXBERGER; FILHO, 2016, p. 383-384).
E não à toa ocorrera a retrocitada introdução da justiça negocial no sistema civil law, haja vista que o início do século XXI fora marcado pela expansão excessiva de normas incriminadoras, com tipificações penais de crimes de perigo abstrato, tudo isto em decorrência da sociedade de risco. (LEITE, 2009; SUXBERGER; FILHO, 2016).
Em decorrência disto, Leite (2009) ensina que o sistema judiciário tem se sobrecarregado diariamente. Nessa esteira, questiona-se: instrumento alternativo de resolução de conflitos penais, como o intitulado procedimento sumário, proposto pelo Projeto de Lei nº 8.045/2010, espécie de justiça consensual penal, é ou seria essencial no auxílio à Justiça Criminal brasileira? Atenderia aos princípios constitucionais de celeridade e eficiência? E, ainda, sem ferir os fundamentais direitos do acusado?
Entretanto, neste momento exsurge, tanto no direito penal quanto no direito processual penal, o conflito/tensionamento entre o garantismo e o eficientismo, posto que aquele é extremamente atrelado à irrenunciabilidade das garantias fundamentais do acusado; este, tem “[...] enfoque maior na eficiência e funcionalidade dos aparelhos estatais incumbidos do tratamento penal.” (CAMPOS, 2012, p. 01).
Neste prisma, o presente trabalho mostra-se importante pelo fato de, não esgotando o assunto, tendo em vista a complexidade do tema abordado, trazer à baila a possibilidade de haver o equilíbrio entre o garantismo e o eficientismo, atentando-se aos princípios iluministas e à finalidade do direito penal.
Para isto, se fará uso da técnica de revisão bibliográfica, analisando, também, trabalhos tratantes dos temas referentes à expansão penal e ao negócio penal, a Lei 9.099/95 e o Projeto de Lei nº 8.045/2010, especificamente na parte abordadora do supracitado procedimento sumário.
Assim sendo, o presente estudo discorrerá acerca da (a) introdução do consenso no processo penal brasileiro, (b) da renúncia aos direitos fundamentais do acusado, (c) do suposto princípio da obrigatoriedade, (d) da diversificação/simplificação de procedimento a crimes de média gravidade e, ao final, (e) da possibilidade (ou não) do adotamento da proposta trazida pelo Projeto de Lei nº 8.045/2010, referindo-se ao procedimento sumário, assim como de possíveis propostas, feitas pelo presente estudo, com fins de aperfeiçoamento do aludido Projeto de Lei.
Antes, porém, mister se faz dissertar acerca do plea bargaining americano, fito a sua inarredável influência exercida sobre o diálogo penal em uso no Brasil[3].
2. DO PLEA BARGAINING AMERICANO:
Quando de sua elaboração, a Constituição Norte-Americana buscou descentralizar o exercício do poder objetivando preservar os direitos individuais. Ademais, sabido é que a citada Constituição, por meio da 6ª Emenda Constitucional, assegurou o direito de se julgar as graves infrações, definidas pela Suprema Corte como sendo as infrações puníveis com pena de prisão superior a seis meses, perante o júri, podendo, aí, as partes opinarem por apresentar o caso para um juiz singular, declinando de seu direito constitucional. (CAMPOS, 2012, p. 4-5).
Ao lado de tal previsão constitucional convive o plea bargaining, um meio para a negociação da pena, onde, havendo a confissão da culpa (guilty plea), ocorre a benesse do Estado. Ele se apresenta como a forma mais viável para a resolução dos casos processuais penais, trazendo, desta forma, benefícios mútuos a ambas as partes processuais. (BRANDALISE, 2016).
O plea bargaining tem por finalidade disponibilizar o processo penal aos pares do processo, onde pode ocorrer a sentença a partir da declaração de culpa por parte do acusado (guilty plea) ou por sua não contestação à acusação do órgão acusador (nolo contendere). Consequentemente teremos, na primeira, os efeitos no juízo cível, enquanto que, no segundo caso, estes não incidem, visto se limitar a não contestação da acusação. (BRANDALISE, 2016, p. 66).
Mais: o modelo common law norteia o sistema jurídico dos Estados Unidos da América, onde, a depender da jurisdição (se federal ou estadual), os procedimentos criminais podem sofrer variações. Nada obstante, observa-se o seguinte e mais comum procedimento criminal em território americano: prisão do acusado, oferecimento da acusação com causa justa, apreciação pelo magistrado e, após, designação de data para o acusado comparecer perante o juiz, momento no qual tomará conhecimento da acusação e lhe é dado o direito de buscar a liberdade por meio de fiança. Ato contínuo, a acusação que fora formalizada passará pelo crivo do Grande Júri, o qual decidirá a questão: se há ou não justa causa, com fins definir se o réu irá ou não a julgamento. (CHEMERINSKY; LEVENSON, 2008 apud CAMPOS, 2012, p. 03).
Antes do mencionado julgamento, porém, poderá ocorrer o plea bargaining que, perante as cortes criminais americanas, ratifica-se, compreende um processo negocial entre o acusado, por meio de seu defensor, e o Estado, por meio do membro do órgão acusador, podendo daí advir a confissão de culpa (guilty plea) ou a não confissão de culpa (nolo contendere), que refere-se à declaração de que não irá contestar à acusação. (CAMPOS, 2012).
Além do mais, mister evidenciar que, nos Estados Unidos, cerca de 90 por cento dos crimes não chegam a julgamento, sendo resolvidos por meio do ora estudado instituto. (CAMPOS, 2012, p. 04).
Importa explicitar que, no plea bargaining, acordam entre si o Ministério Público e o acusado/advogado, enquanto o juiz analisa se há base fática para as acusações acordadas entre aqueles, de forma que não sobreponha qualquer influência sobre o acusado, com fins de que este possa escolher sem vícios sobre a sua vontade, restando claras as consequências advindas de sua aceitação para com a negociação da pena. Todavia, em não havendo aceitação do acordo por parte do juiz, fica possibilitado ao acusado declinar do acordo antes aceito. (BRANDALISE, 2016, p. 68).
No plea bargainig americano, ainda mais, a negociação pode ser admitida do instante em que a acusação é formalizada até no decorrer da execução da sentença condenatória. Isto por entender-se, nos Estados Unidos, “que a negociação serve de ponto de equilíbrio à impossibilidade de solução judicial de todas as demandas e o caminho inverso da impunidade, o que representa [...] a legitimidade que o instituto necessita.” (BRANDALISE, 2016, p. 68-69).
Apesar de sua inegável preponderância em solo americano, o estudado instituto sofre a grave crítica de ser inconstitucional, haja vista supostamente suprimir direitos fundamentais do acusado, tais como o direito de conhecer das acusações lhe imputadas, de não autoincriminar-se, de um julgamento em um júri imparcial, de questionar as testemunhas e do direito a um advogado. (LYNCH, 2003 apud CAMPOS, 2012, p. 06).
Em continuação, traz-se a lume, ainda, a crítica levantada acerca da ação do Ministério Público americano, ao poder que lhe é concedido no tocante à sua discricionariedade e às suas diversas formas de agir, inclusive pressionando o inocente a confessar culpa. (CAMPOS, 2012).
A despeito de tais críticas, a Suprema Corte Americana tem considerado constitucional a prática do plea bargaining, observados, contudo, fixados requisitos procedimentais, objetivando rechaçar qualquer possível ilegal conduta da acusação. (CAMPOS, 2012, p. 07).
3. DA INTRODUÇÃO DO CONSENSO NO PROCESSO PENAL BRASILEIRO:
Nos últimos anos do século XX, propagou-se, nos países da Europa e da América Latina, a necessidade de se fazer acordo entre acusação e defesa no âmbito do Processo Penal. Isso também aconteceu no Brasil, acentuando-se com a promulgação da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, visto que, por meio desta, mudaram-se os paradigmas do processo penal, fito que algumas das decisões passaram a ocorrer por meio do consenso, trazendo, assim, uma nova forma de estender o espaço para a vontade das partes e uma nova forma de convivência entre os sistemas de resposta do Estado para o delito penal cometido. A ideia principal aqui é garantir o acesso à justiça de forma mais simples e célere. (LEITE, 2009, p. 133).
Tudo se concretiza com promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que, em seu artigo 98, inciso I, deixa previsto a criação dos juizados especiais para o julgamento das causas cíveis menos complexas, bem como para as infrações penais de menor potencial ofensivo, as quais referem-se às infrações cuja lei comine pena não superior a 2 (dois) anos. (LEITE, 2009, p. 137).
Nessa toada, indispensável se faz examinar, em apertada síntese, os três institutos despenalizadores trazidos pela Lei 9.099/95, quais sejam: a) composição civil; b) transação penal; c) e suspensão condicional do processo.
3.1. Composição civil:
Sentença Penal Transitada em Julgado era conditio sine qua non para que a vítima pudesse buscar a reparação dos danos advindos da infração dentro do sistema do Código de Processo Penal. Neste, se fazia necessário um título judicial executivo, acompanhado de uma grande rede burocrática. (LEITE, 2009, p. 143)
Entretanto, com a composição civil, temos outras características como: a) a tentativa para o acordo entre a vítima e o agente, a qual acontece no primeiro momento da audiência preliminar, objetivando, precipuamente, a reparação dos danos de forma amigável, b) a busca pela economia processual e c) a celeridade da justiça para a resolução de conflitos. (LEITE, 2009, p. 143).
Na composição civil, temos a possibilidade do diálogo e, por meio deste, podem ser atendidos, de forma resolutiva, os interesses do ofendido e do ofensor, trazendo consigo o acesso à justiça, a celeridade, a transparência, a confiabilidade e mais qualidade para a imagem da justiça. (LEITE, 2009, p. 144).
3.2. Transação penal:
Logo após a composição civil, não gerando esta os frutos esperados, segue-se a transação penal, onde, dentro da Lei Federal ora abordada, se dá pelo acordo entre o titular da ação e o agente cometedor de infração de menor potencial ofensivo. Neste momento, pode acontecer o acordo entre as partes litigantes, cabendo ao órgão ministerial, com a sua discricionariedade limitada pela lei, escolher o tipo de pena a ser aplicada ao caso concreto. (LEITE, 2009, p. 144)
Na transação penal, por meio de um acordo, o titular da ação penal, assim como o suposto autor da infração de menor potencial ofensivo, abrem mão de alguns direitos e/ou benesses em detrimento do outro, sabendo que o infrator, a partir dali, submeter-se-á imediatamente a uma pena restritiva de direito ou multa. (LEITE, 2009, p. 145).
Com isto, buscam um resultado satisfatório e que ponha fim ao conflito, evitando o processo e satisfazendo o jus puniendi, cabendo ao magistrado, neste ato, desenvolver o papel de mediador, esclarecendo devidamente o imputado sobre as possíveis consequências oriundas de sua forma de manifestar-se. (LEITE, 2009, p. 145).
3.3. Suspensão condicional do processo:
No transcorrer da persecução penal, observa-se que a suspensão condicional do processo é um instituo de consenso e de bilateralidade, haja vista que o órgão acusador concorda, por um determinado lapso temporal, em ficar inerte, enquanto o réu/defesa, avalia se convém aceitar a proposta do primeiro mencionado. (LEITE, 2009, p. 169).
A priori, conforme leciona (LEITE, 2009, p. 166), para as infrações cominadas com pena mínima que não ultrapasse um ano, cabe a suspensão condicional do processo, diferindo da transação no limite mínimo da pena, contanto que o infrator não tenha condenação anterior ou não esteja respondendo a outros processos, compatibilizando-se com o tratamento a ser dado. Observa-se, aí, o propósito do legislador em afastar a possibilidade de o réu primário ser encarcerado. E, por ser um movimento despenalizador, cria medida alternativa para a persecução penal.
No mais, mesmo tendo base consensual, a suspensão condicional do processo, ao ser comparada com transação, difere bastante em seus traços, pois a suspensão tem como efeito a aplicação de medidas, pressupondo, inclusive, uma formalizada peça acusatória. Além disto, tal instituto confere maior atenção à vítima. Lado outro, a transação penal preocupa-se com a aplicação de penas, assim como prioriza outros propósitos. (LEITE, 2009, p. 170).
Ainda, por razões semelhantes às expostas quanto à transação penal, não se confunde a suspenção condicional do processo com o plea bargaining estadunidense. Como é o caso da transação penal, pode-se afirmar que a suspensão condicional do processo se parece/aproxima mais do nolo contendere estadunidense. (BRANDALISE, 2016, p. 156).
4. DA RENÚNCIA AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS:
Quando se fala em justiça consensual penal, não só elogios vem à baila; há, também, críticas.
Ainda, o Estado Democrático de Direito, por meio da Constituição da República Federativa do Brasil, ao acusado assegura direitos e garantias fundamentais no decorrer e após todo tramite processual clássico, tais como o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, bem como a presunção de inocência. Não obstante, no momento em que há o consenso entre acusação e acusado, este renúncia boa parte dos retroditos direitos e garantias fundamentais. (LEITE, 2009, p. 37-42).
Corolário disto, doutrinadores nacionais e internacionais, ligados, em sua maioria, à ala extremamente garantista[4], tecem acirradas críticas a essa alternativa de resolução de conflitos.
Nada obstante, essa visão de que o Estado tem de ser a mãe de todos, interferindo em toda e qualquer decisão tomada pelo acusado, não pode prosperar. Longe está o presente trabalho, pontua-se, propor a livre disposição de direitos fundamentais, visto reconhecermos haver direitos e etapas processuais que são indisponíveis, especificamente tratando-se de crimes graves. (BRANDALISE, 2016).
Todavia, vendo a justiça consensual penal não desprovida de substrato político-criminal e criminológico[5], não se pode obstar o indiciado ou acusado, primário, praticante de crime de pequena ou média gravidade, escolher qual será a sua melhor alternativa de defesa, tampouco obstá-lo voltar ao convívio social e, por conseguinte, dar continuidade em sua vida livre de estigmatizações. (LEITE, 2009, p. 69).
Portanto, impor ao indiciado ou acusado passar por um amplo e árduo processo - independente da natureza do crime por ele cometido (se de pequena ou média gravidade) - não parece ser uma atitude acertada dentro do susodito Estado Democrático de Direito.
Brandalise (2016, p. 51), no sentido exposto, doutrina que “o interesse subjetivamente disposto na norma de direito fundamental não pode esquecer o caráter subjetivo que ela traz consigo também – e é nesta garantia subjetiva que está legitimado o não exercício.”
Contudo, bom salientar que o presente estudo não propõe ao indiciado ou acusado, cegamente, renunciar às garantias individuais. Está, sim, colocando que, diante do caso concreto, aquele, como melhor meio de defesa, pode/poderia lançar mão de específicas garantias individuais buscando, assim, vantagem em relação à resposta penal. (JUNIOR; SANDOVAL, 2020, p. 17).
5. DO MITO DO PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE:
Ao tratar de justiça consensual penal, no Brasil, não se pode fazê-lo sem abordar, também, o princípio da obrigatoriedade, bem como da oportunidade do oferecimento da ação penal, tendo em vista a tensão existente entre os dois mencionados princípios.
Nessa toada, nas palavras de Badaró (2015, p. 182), o princípio da obrigatoriedade:
[...] também denominado princípio da legalidade, significa que, quando o Ministério Público recebe o inquérito policial ou quaisquer outras peças de informação, e se convence da existência de um crime e que há indicio de autoria contra alguém, estará obrigado a oferecer denúncia.
E o citado autor, adiante, continua:
O artigo 24 do CPP dispõe que a ação “será promovida” por denúncia do Ministério Público. Não há, pois, campo de discricionariedade. O Ministério Público não poderá concluir que há justa causa para a ação penal, mas optar por não exercer o direito de ação mediante o oferecimento da denúncia (BADARÓ, 2015, p. 182).
Com base em tal interpretação (superficial, diga-se de passagem), o princípio da obrigatoriedade representa o entendimento de maior parte da doutrina[6] brasileira.
Para essa parte da doutrina, o princípio da obrigatoriedade consta, basicamente, do artigo 24 do Código de Processo Penal, o qual prevê que, “nos crimes de ação pública, esta será[7] promovida por denúncia do Ministério Público.”
Não obstante isto, seguindo o entendimento de (SUXBERGER, 2017, p. 39), constata-se que “a obrigatoriedade no exercício da ação penal, pois, figura-se mais como uma cultura processual penal no Direito brasileiro que um mandamento normativo inequívoco, impositivo e inafastável da legislação.”
E o declinado mestre fundamenta sua afirmação no fato de:
os dois principais diplomas legais pátrios sobre a persecução penal - Código Penal[8] e Código de Processo Penal[9] - trazem preceitos com textos que mais reafirmam a titularidade da ação penal do Ministério Público que exatamente preceituam a obrigatoriedade no exercício dessa atribuição (SUXBERGER, 2017, p. 39, grifo nosso).
Neste momento, por oportuno, faz-se mister pontuar que tal interpretação punitivista, onde se propõe denunciar e, por consequência, punir a todo e qualquer custo, remota à instituição do Código de Processo Penal pátrio, o qual fora, inegavelmente, inspirado no Código Processual Penal fascista italiano. (SANTOS, 2018, p. 39).
Assim, apesar de o Código de Rocco haver sido superado na Itália, o cotidiano forense brasileiro permanece com a sua visão punitivista, razão pela qual, ainda hoje, o Código de Processo Penal brasileiro “não se adequou à estrutura constitucional da redemocratização do fim da década de 1980.”[10] (SANTOS, 2018, p. 33).
No entanto, esse mito da obrigatoriedade da ação penal há muito se mostra impraticável (FREITAS, 2019). Nesse sentido, quanto aos delegados de polícia, assim leciona o ilustre ex-desembargador Vladimir Passos de Freitas (2019, p. 01):
Do ponto de vista da realidade judiciária, desde sempre delegados de Polícia não abrem inquérito policial para apurar crimes de origem desconhecida ou que, por qualquer razão, se revelem totalmente sem interesse. Por exemplo, o relato do furto de um celular esquecido na prateleira de um supermercado, sem que se tenha nenhum dado da autoria, não será objeto de inquérito. Neste caso, não se trata de prevaricação da autoridade policial, mas sim de evitar-se perda de tempo e gastos inúteis.
Caso semelhante, sustenta Freitas (2019, p. 01), ocorre no âmbito do Ministério Público, vejamos:
O MP, diante de casos de bagatela ou naqueles em que as partes se compuseram (p. ex., apropriação indébita), com frequência pede o arquivamento do inquérito, em razão da flagrante inutilidade de uma futura ação penal.
Desse modo, tais fatos, incontestavelmente, reforçam a tese de que o princípio da obrigatoriedade refere-se a um mito doutrinário, visto não haver embasamento legal e, ainda, não sê-lo observado no dia a dia de muitas delegacias[11] no Brasil, bem como pelo Ministério Público (estadual e federal). Demais disso, reconhecer a impossibilidade de se ofertar ação penal contra todos os crimes noticiados não é uma tarefa difícil, seja pela ausência de recursos materiais, seja em nome do interesse público, quais sejam: “[...] (inutilidade da sentença condenatória por inevitabilidade da prescrição retroativa, excesso de demanda dos serviços judiciários com a necessidade de eleição de prioridades na formulação das acusações etc.)” (CAMPOS, 2012, p. 17).
À vista disso, o presente artigo, seguindo o ensinamento de (SUXBERGER, 2017, p. 47-48 ), propõe que a melhor saída não é/será continuar fazendo vista grossa ao espaço decisório exercitado pelo titular da ação penal; antes, urge dar visibilidade a esse espaço decisório, objetivando avançar “[...] na construção e no aprimoramento de ferramentas e instrumentos de controle e de transparência dos critérios que orientam a oportunidade no exercício da ação penal.”
Todavia, para que fique mais claro, o presente artigo não pretende se filiar à oportunidade pura, segundo a qual o órgão acusador atua sem qualquer limite legal, ou seja, tem ampla discricionariedade para negociar (acerca de qualquer crime praticado) com o acusado, a exemplo do que vige, hoje, por meio do plea bargaining, nos Estados Unidos.
Em sentido diametralmente oposto, sim, este trabalho compreende que o Ministério Público deve seguir o sistema da oportunidade regrada, para a qual o mencionado órgão direciona-se por parâmetros/requisitos estipulados pela lei. (CAMPOS, 2012, p. 17).
6. GARANTISMO VERSUS EFICIENTISMO: A DIVERSIFICAÇÃO DE PROCEDIMENTO:
Ao falar-se em justiça consensual penal, grande é, no Brasil, o tensionamento entre a teoria garantista e o eficientismo. E isso decorre do fato de, aquela, estar atrelada aos direitos fundamentais do acusado, inarredavelmente; esta, em proporcionar celeridade na administração da justiça. Não obstante, o presente estudo busca equilibrar e, por consequência, fazer uso dos ensinamentos das duas teorias, tarefa difícil, mas não impossível.
E, saliente-se, isso há de acontecer o mais rápido possível. Afinal de contas, o direito penal brasileiro está em franca expansão, tipificando crimes violadores de direitos tanto individuais quanto coletivos. (SUXBERGER; FILHO, 2016).
Junto disto, crescente é, também, o encarceramento no Brasil. Ainda mais, a Máquina Judiciária está abarrotada de vários processos, processos esses que demoram anos para serem julgados. E isso, por consequência, têm trazido, à sociedade, o sentimento de impunidade e de descredito do poder judiciário.[12]
Tais fatos são reflexos da globalização e da pós-modernidade,[13] “elementos que reforçam na sociedade contemporânea a diversidade, a pluralidade e a rapidez na identificação de respostas para os desafios que se apresentam.” (LEITE, 2009, p. 03).
Além do mais, a evolução tecnológica e o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa geraram novos paradigmas e, ato contínuo, influenciam os indivíduos e os seus comportamentos, bem como o rumo das organizações sociais (LEITE, 2009, p. 03). Em meio a esse cenário, o direito fora atingido por problemas que o obriga a acompanhar a realidade posta, como não poderia ser diferente.
À vista disto, Suxberger e Filho (2016, p. 387) apregoam que “os procedimentos processuais, com a repetição de atos desnecessários, não se coadunam com a velocidade da comunicação da sociedade moderna.”
Neste contexto, o presente trabalho advoga que a diversificação de ritos procedimentais[14] penais (ou adequação do rito procedimental à gravidade do crime cometido), mostra-se salutar para se dar celeridade à resolução dos conflitos, posto que uma justiça funcional é imprescindível para fazer o delinquente refletir (visto saber que, ao cometer um crime, de fato, será punido), assim como por poder reacreditar a justiça criminal perante a sociedade. (CAMPOS, 2012, p. 13).
Assim sendo, o presente trabalho, também, defende que a justiça consensual penal, por meio de seus mecanismos de resolução conflitos, revela-se uma forte auxiliadora em meio a essa complexa sociedade e, também, a esse estado de coisas inconstitucional[15], bem como a essa crescente - (e inevitável) - expansão do direito penal e da criminalidade de massa. (SUXBERGER; FILHO, 2016).
Com base nisso, por conseguinte, conclui-se que “a ampliação dos espaços de consenso é uma tendência inexorável e necessária, diante do entulhamento da Justiça criminal em todas as suas dimensões.” (LOPES JR., 2019, p. 01). Ainda, é de fundamental importância distinguir “espaço de consenso” de “espaço de conflito”. Dessa forma, Costa (2014, p. 04):
Aquele resolve o conflito penal mediante conciliação, transação, acordo, mediação ou negociação. Este não admite qualquer forma de acordo, ou seja, exige o clássico devido processo penal (denúncia, processo, provas, ampla defesa, contraditório, sentença, duplo grau de jurisdição etc.).
Nesse passo, por seguir o marco da introdução do consenso na seara processual penal brasileira, o qual adveio por meio da Lei ° 9.099/95, que muito contribuíra com a diminuição de processos perante a justiça criminal brasileira, visto haver abarcado os crimes de pequena gravidade, legando à justiça comum, assim sendo, os de média e alta potencialidade ofensiva, o presente trabalho contempla com bons olhos a proposta trazida pelo Projeto de Lei nº 8.045/2010 (Novo Código de Processo Penal), posto que este sugestiona, em seu artigo 283, caput, a ampliação do espaço de consenso aos crimes de média gravidade[16], o qual, apesar de tratar-se de um amplo espaço de consenso (crimes cuja sanção não passe de 8 anos), adequa-se ao contexto da justiça criminal brasileira, haja vista observar aos ditames constitucionais, ao que, abaixo, passa-se a abordar. (CAMPOS, 2012; LOPES JR., 2019).
Entretanto, adianta-se que a menciona proposta carece de alguns ajustes, os quais, dentro das limitações do presente trabalho, serão abordados.
7. DO PROJETO DE LEI Nº 8.045/2010 E DAS PROPOSTAS DO PRESENTE TRABALHO:
Declinada a complexidade de nossa sociedade pós-moderna, em decorrência da qual adveio (apesar das críticas) a expansão do direito penal, razão pela qual a diversificação/simplificação de procedimento se mostra salutar, visto tornar mais eficiente a resolução das lides, motivo pelo qual o presente estudo propõe, também, a extensão do espaço de consenso a crimes de média gravidade, passa-se a demonstrar que a proposta a ser implantada pelo novo Código de Processo Penal (artigo 283, caput) adequa-se à extensão do consenso acima mencionada e, principalmente, às balizas da Constituição da República Federativa do Brasil. Portanto, atendendo aos fins garantistas e eficientistas.
Desse modo, com fins de atender a acima declinada demanda (constante do tópico anterior), assim como buscando adequar o Código de Processo Penal ao modelo acusatório adotado pela Constituição de 1988, em 2009, fora apresentado o Projeto de Lei n° 156/2009, o qual, hoje, encontra-se perante a Câmara dos Deputados Federais tramitando sob o número 8.045/2010 (novo Código de Processo Penal).
Especificamente no Capítulo III, artigo 283, caput, objeto de nosso estudo, o mencionado Projeto de Lei trata do “procedimento sumário”, do qual consta a possiblidade de haver consenso penal entre o órgão acusador e o acusado.
Para isso acontecer, cabe constar, há a necessidade de o acusado estar acompanhado de seu defensor. Dessa maneira, até o início da instrução e da audiência, o Ministério Público e o acusado poderão requerer a imediata aplicação da pena nos crimes cuja sanção máxima não ultrapasse 08 (oito) anos (artigo 283, caput).
Não obstante, o Projeto de Lei, para incidir o negócio penal, prevê o cumprimento dos seguintes requisitos: a) a confissão total ou parcial, em relação aos fatos imputados na peça acusatória (artigo 283, § 1º, I); b) o requerimento de que a pena privativa de liberdade seja aplicada no mínimo da cominação legal (artigo 283, § 1º, II); e c) a expressa manifestação das partes dispensando a produção das provas por elas indicadas (artigo 283, § 1º, III).
Demais, caso seja avençado o acordo, este terá de passar pelo crivo da homologação judicial, momento no qual o magistrado analisará a legalidade do acordo, podendo, em caso de ilegalidade, deixar de homologá-lo (artigo 283, § 7º).
Isto posto, tendo em vista que o supracitado procedimento sumário será estendido a crimes de médio potencial ofensivo (furto e roubo, por exemplo), bem como por garantir ao acusado o acompanhamento de um advogado, assim como por, no ato da homologação do acordo, o juiz poder analisar o respectivo, podendo negar a homologação (em caso de irregularidade ou ausência de voluntariedade do acusado), vê-se cabível e bem receptível a proposta criada pelo enfatizado Projeto de Lei, visto que ela poderá ajudar tanto economicamente quanto “logisticamente” a celeridade processual no Brasil, sem, crucialmente, deixar de atender aos caríssimos direitos e garantias fundamentais do acusado. (CAMPOS, 2012).
Destarte, apesar de se compreender um amplo espaço de consenso (crimes cuja sanção não passe de 8 anos), a mencionada proposta do Projeto de Lei, reitera-se, mostra-se compatível com a nossa realidade. No sentido exposto, Lopes Jr. (2019, p. 05):
Diante disso, a proposta substitutiva é retomar o PL 8.045 (Projeto do CPP) com alguns ajustes, para que a negociação seja possível para os crimes cuja sanção máxima cominada não ultrapasse 8 anos. Esse é um espaço negocial bastante amplo, mas adequado à nossa realidade. Tal proposta foi objeto de amplo debate com toda a comunidade jurídica e está amadurecida no espaço democrático [...] (Grifo nosso).
Não obstante, o presente trabalho, para fins de aperfeiçoamento do retrodito Projeto de Lei, pugna pelo acrescimento da previsão de se obrigar ao membro do Ministério Público aos autos colacionar provas não só contrárias ao acusado ou barganhante - (neste caso, antes de este dar início ao consenso penal) - mas, também, as provas favoráveis a este, no sentido do que dispõe o Estatuto de Roma, em seu artigo 54[17], “a”, o qual fora incorporado, desde 2002, ao sistema jurídico pátrio.
No sentido evidenciado, Streck (2019, p. 02, grifo constante do original)[18]: “basta que se obrigue ao MP trazer à baila, (aos autos, ao inquérito, ao processo) também TODOS os elementos favoráveis à defesa, como, aliás, exigem o Estatuto de Roma, incorporado desde 2002 ao direito brasileiro.” A acertada atitude possibilitará ao indiciado ou acusado saber se a aceitação do acordo lhe será a melhor (ou não) estratégia de defesa.
Lado outro, em não cumprindo com a determinação acima declinada, que o membro do Ministério Público venha a sofrer a devida responsabilização. (Streck, 2019, p. 02).
Acredita-se, com veemência, que tais ajustes poderão colaborar para o asseguramento dos direitos e garantias fundamentais do acusado no ato do avençamento (ou não) do acordo com o membro do Ministério Público.
Por oportuno, ademais, cabe afastar o argumento de que a proposta do aludido Projeto de Lei trata-se de uma importação do plea bargaining estadunidense.[19] E essa errônea afirmação decorre, de início, da extremada diferença existente entre o Ministério Público americano e o Ministério Público brasileiro.
Nos Estados Unidos, como abordado em tópico específico, o membro do órgão acusador conta com uma ampla discricionariedade, podendo negociar não somente sobre crimes de pequena e média gravidade, mas, sim, até mesmo sobre crimes de alto potencial ofensivo. (CAMPOS, 2012). Em essência, os promotores estadunidenses não estão sujeitos a freios.[20]
Em contrapartida, no Brasil, o órgão acusador não possui demasiada discricionariedade, dispondo, sim, de liberdade regrada, nos estritos termos da lei. (CAMPOS, 2012).
Nessa toada, continuando a refutação da importação, integral, do instituto americano, o próprio texto da proposta do Projeto de Lei cumpre esse objetivo, haja vista que este limita a atuação do Ministério Público a crimes cuja sanção máxima não ultrapasse 08 (oito) anos, ou seja, o espaço de consenso concedido ao órgão acusador (ou limite de atuação deste) consta da própria lei processual penal, de maneira oposta ao plea bargaining estadunidense, evitando-se, com isso, possíveis arbitrariedades por parte daquele.
Ainda, não há falar em aplicação de pena privativa de liberdade sem a formulação de culpa, como afirmam Vasconcellos e Lippel (2016), “[...] pois esta será confessada pelo próprio acusado, em um ambiente – espera-se – propício a que ele compreenda as consequências de sua decisão, o que, aliás, aumenta a importância, nesse iter dialogal, da figura do advogado.” (CAMPOS, 2012, p. 21).
Dessa forma, realizados os mencionados ajustes, verifica-se receptível e adequada a proposta de expansão do consenso penal a crimes de médio potencial ofensivo constante do Projeto de Lei nº 8.045/2010.
Principalmente, da análise do enfatizado Projeto de Lei, constata-se haver uma conciliação entre o garantismo e o eficientismo, visto que tal instituto trará simplicidade à resolução de lides na seara criminal; não abrindo mão dos direitos e garantias fundamentais do acusado, visto que o acusado realizará o consenso penal acompanhado de seu advogado e, ainda, o acordo passará pela análise do magistrado, o qual poderá não homologá-lo (em caso de irregularidade ou ausência de voluntariedade do acusado).
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
Em meio a essa complexa sociedade pós-moderna, a qual reflete na contínua expansão do direito penal que, por decorrência, desagua em abarrotamento de processos perante a justiça criminal, mostra-se salutar o equilíbrio entre o garantismo e o eficientismo.
Diante do caso concreto, ao contrário do advogado pelos “garantistas”, há, sim, a possiblidade de o indiciado ou acusado abrir mão de alguns direitos e garantias fundamentais, com fins de buscar uma melhor resposta penal.
Ainda, urge desvencilhar-se deste mito da obrigatoriedade do oferecimento da ação penal, visto a impossibilidade de se ofertar ação penal em face de todo o desvio de conduta legalmente tipificado, seja pela ausência de recursos matérias, seja em decorrência do interesse público.
Além do mais, diversificação de procedimento (ou adequação de rito procedimental à natureza do crime cometido) em muito pode colaborar com a justiça criminal, visto dar mais celeridade à resolução dos conflitos penais, do mesmo modo que poderá reacreditar aquela perante a sociedade brasileira.
No mesmo prumo seguem os meios alternativos de resolução de conflitos, como os advindos da justiça consensual penal. Nessa esteira, improtelável é a expansão do consenso aos crimes de média gravidade.
Nesse passo, necessário se faz a aprovação do Novo Código de Processo Penal, especificamente o Capítulo III do mencionado código, haja vista propor, em seu artigo 283, caput, a extensão do consenso aos crimes cuja pena máxima, em abstrato, não ultrapasse 08 (oito) anos.
Dessa forma, tendo em vista que a proposta trazida pelo novo CPP garantirá ao indiciado ou acusado negociar com o Ministério Público somente acompanhado de seu defensor, da mesma forma que, em sendo avençado o acordo, este terá de passar pela análise do magistrado, o qual poderá negar fazê-lo (em caso de irregularidade ou ausência de voluntariedade do acusado), constata-se que tal extensão do consenso é compatível com a ordem constitucional, observando, assim, aos fins garantistas e eficientistas.
No entanto, a declinada proposta precisa de ajustes, tais como: a) a previsão de obrigar ao membro do Ministério Público aos autos juntar provas tanto contrárias quanto favoráveis ao acusado, objetivando lhe dar a oportunidade de saber qual será a sua melhor alternativa: acordar ou continuar o processo penal clássico; e b), em não assim agindo o membro do órgão acusador, passível de punição será.
Por último, não há falar em integral introdução do plea bargaining estadunidense, seja em decorrência da ampla discricionariedade concedida ao membro do órgão acusador americano, seja pelo fato de o Ministério Público americano poder acordar sobre crimes de toda a natureza. No Brasil, diferentemente, o procedimento sumário não dará tamanha e desregrada discricionariedade ao órgão acusador, visto que este limitar-se-á a propor acordo sobre crimes cuja pena máxima não passe de 08 (oito) anos. Ou seja, trata-se, no Brasil, de discricionariedade regrada, obedecendo aos ditames da lei.
9. REFERÊNCIAS:
ARAS, Vladimir. O Sistema Acusatório de Processo Penal. Blog do Vlad. Disponível em: https://vladimiraras.blog/2016/07/04/o-sistema-acusatorio-de-processo-penal/. Acesso em: 31 de jul. de 2020.
BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. – 3ª ed. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
BRANDALISE, Rodrigues da Silva. Justiça Penal Negociada: Negociação de Sentença Criminal e Princípios Processuais relevantes. Curitiba, Juruá, 2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, 1988. In: Vade mecum JusPodivm: OAB. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940. In: Vade mecum JusPodivm: OAB. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.
BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1940. Código de Processo Penal. In: Vade Mecum JusPodivm: OAB. Salvador: Editora JusPodivm, 2018.
CAMPOS, Gabriel Silveira de Queirós. Plea bargaining e justiça criminal consensual: entre os ideais de funcionalidade e garantismo. Custos Legis, Revista eletrônica do Ministério Público Federal, 2012. Disponível em: http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista/2012_Penal_Processo_Penal_Campos_Plea_Bargaining.pdf. Acesso em: 12 de fev. de 2020.
COSTA, Carlos Eduardo de Mira. Processo Penal Consensual: linhas gerais. Conteudo Juridico, Brasilia-DF. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38249/processo-penal-consensual-linhas-gerais. Acesso em: 29 jul. 2020.
FERNANDES, Fernando Andrade. O processo penal como instrumento de política criminal. Coimbra: Almedina, 2001.
FREITAS, Passos de. O princípio da obrigatoriedade da ação e os acordos na esfera penal. Consultor Jurídico. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-mai-19/principio-obrigatoriedade-acao-acordos-esfera-penal. Acesso em: 20 jul. 2020.
JARDIM, Afrânio Silva. Ação penal pública: princípio da obrigatoriedade. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
JUNIOR, Almir Santos Reis; SANDOVAL, Thales de São José. Análise do plea bargain na justiça penal negocial brasileira sob a ótica dos Projetos de Leis no 882/19 e 8.045/2010. Revista de Direito Público Contemporâneo. Disponível em: http://rdpc.com.br/index.php/rdpc/article/view/101. Acesso em: 23 jul. 2020.
JUNIOR, Almir Santos Reis; SANDOVAL, Thales de São José. Análise do Plea Bargain na justiça penal negocial brasileira sob a ótica dos Projetos de Leis no 882/19 e 8.045/2010. Revista de Direito Público Contemporâneo. Disponível em: http://rdpc.com.br/index.php/rdpc/article/view/101. Acesso em: 23 de jul. de 2020.
LANGER, Máximo. Dos transplantes jurídicos às traduções jurídicas: a globalização do plea bargaining e a tese da americanização do processo Penal. DELICTAE: Revista de Estudos Interdisciplinares sobre o Delito, v. 2, n. 3, p. 19–19, 2017.
LEITE, Rosimeire Ventura. Justiça consensual como instrumento de efetividade do processo penal no ordenamento jurídico brasileiro. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: < http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2137/tde-17112011-110813/pt-br.php>. Acesso em: 06 de maio de 2020.
LOPES JR. Aury. Adoção do plea bargaining no Projeto "anticrime": Remédio ou Veneno?. Conjur, publicado aos 22 de fev. de 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-fev-22/limite-penal-adocao-plea-bargaining-projeto-anticrimeremedio-ou-veneno. Acesso em: 06 de jun. de 2020.
MA, Yue. A discricionariedade do promotor de justiça e a transação penal nos Estados Unidos, França, Alemanha e Itália: uma perspectiva comparada. Revista do CNMP, Brasília, n. 1, p. 198-199, 2011. Disponível em: https://ojs.cnmp.mp.br/index.php/revista/article/view/16/11. Acesso em: 18 de abr. de 2020.
MELO, André Luís Alves de. A Inconstitucionalidade da obrigatoriedade da ação penal pública: Releitura dos artigos 24 e 28 do Código de Processo Penal e art. 100, §1º, do Código Penal em Face da Não Recepção pela Constituição de 1988. Tese (Doutorado em Direito Constitucional) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2015.
MELO, André Luis Alves de. Brasil precisa flexibilizar o mito da obrigatoriedade da ação penal. Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-set-04/mp-debate-brasil-flexibilizar-mito-obrigatoriedade-acao-penal2. Acesso em: 18 jul. 2020.
SANTOS, Norton Makarthu Majela dos. O princípio da obrigatoriedade da ação penal pública: Constitucionalidade, Viabilidade e Crítica. 2018. Monografia - Curso de Direito, Universidade de Rio Grande do Norte. Disponível em: https://monografias.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/8520/1/Princ%C3%ADpio%20da%2obrigatoriedade_Santos_2018.pdf. Acesso em: 18 de jul. de 2020.
SOUSA, Marllon. Plea bargaining no Brasil. – 2ª ed., revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.
STRECK, Lenio Luiz. Uma proposta séria para fazer a plea bargain a sério! Conjur, publicado aos 21 de fev. de 2019. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-fev-21/senso-incomum-proposta-seria-plea-bargain-serio. Acesso em: 06 de jun. de 2020.
SUXBERGER, Antonio Henrique Graciano. A superação do dogma da obrigatoriedade da ação penal: a oportunidade como consequência estrutural e funcional do sistema de justiça criminal. Revista do Ministério Público/Ministério Público do Estado de Goiás, número 34, p. 35-50, jul./dez., 2017. Disponível em: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_boletim/bibli_bol_2006/Rev-MP-GO_n.34.pdf. Acesso em 18 de jul. de 2020.
SUXBERGER, Antonio Henrique Graciano; FILHO, Dermeval Farias Gomes. Funcionalização e expansão do direito penal: o direito penal negocial. Revista de Direito Internacional / Centro Universitário de Brasília, Programa de Mestrado e Doutorado em Direito. Volume 13, número 1, p. 376-392, jan.-jun., 2016. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/rdi/article/view/4183/pdf. Acesso em 17 de abr. de 2020.
VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de; LIPPEL, Mayara Cristiana Navarro. Críticas à barganha no processo penal: inconsistências do modelo proposto no projeto de código de processo penal (PLS 156/2009). Disponível em: https://www.e-ublicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/20135/17956. Acesso em: 05 de jun. de 2020.
[1] graduando em Direito pela Faculdade de Ensino Superior da Amazônia Reunida – FESAR
[2] Membro do Ministério Público do Estado do Pará. Especialista em Processo Civil. Mestrando em Ciências Criminais pela Universidade Autônoma de Lisboa/PT.
[3] Para um aprofundamento quanto à influência do direto processual penal americano sobre os demais ordenamentos jurídicos, cf. LANGER, Máximo. Dos transplantes jurídicos às traduções jurídicas: a globalização do plea bargaining e a tese da americanização do processo penal. DELICTAE: Revista de Estudos Interdisciplinares sobre o Delito, v. 2, n. 3, p. 19–19, 2017.
[4] No Brasil, por exemplo, Aury Lopes Junior segue essa visão doutrinária.
[5] Leite (2009, p. 71) afirma “que a justiça consensual penal mantém vínculos com objetivos criminológicos e de política criminal que têm sido incentivados nas últimas décadas e que estimulam a intervenção mínima do direito penal, a descriminalização, a despenalização, a descarcerização e a criação de respostas menos repressivas ao delito.”
[6] Cf. JARDIM, Afrânio Silva. Ação penal pública: princípio da obrigatoriedade. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
[7] Em compreensão contrária, Santos (2018, p. 23) assevera que “O fundamento gramatical para se vincular o membro do Ministério Público à denúncia, sem discricionariedade, estaria, segundo o entendimento equivocadamente cimentado, no verbo alocado no futuro do presente: “será”.” Todavia, continua Santos (2018, p. 23), “[...] tal raciocínio não convence a partir do momento em que a mesma locução verbal “será promovida” abre margem a diversas interpretações. Poderíamos dizer: será promovida quando presentes os requisitos legais; será promovida quando preencher as condições necessárias; será promovida pelo Ministério Público, pois ele é o órgão que possui atribuição previamente estabelecida etc.” SANTOS, Norton Makarthu Majela dos. O princípio da obrigatoriedade da ação penal pública: Constitucionalidade, Viabilidade e Crítica. 2018. Monografia - TCC - Curso de Direito, Universidade de Rio Grande do Norte. Disponível em https://monografias.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/8520/1/Princ%C3%ADpio%20da%20obrigatoriedade_Santos_2018.pdf. Acesso em 18 de jul. de 2020.
[8] Art. 100, “§ 1º - A ação pública é promovida pelo Ministério Público, dependendo, quando a lei o exige, de representação do ofendido ou de requisição do Ministro da Justiça. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)”
[9] “Art. 24. Nos crimes de ação pública, esta será promovida por denúncia do Ministério Público, mas dependerá, quando a lei o exigir, de requisição do Ministro da Justiça, ou de representação do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.”
[10] Assim também ensina Aras (2016, p. 03, grifo constante do original): “Um observador atento verá que, 27 anos depois da promulgação da nossa Constituição, ainda não nos livramos de procedimentos, das formas ou do ideário inquisitivo, fundado no sigilo, no autoritarismo e no cartorialismo, esta última uma característica que impregna a atividade bacharelesca-policial e atravanca a fluidez do processo judicial perante juízos e tribunais e no Ministério Público.” ARAS, Vladimir. O Sistema Acusatório de Processo Penal. Blog do Vlad. Disponível em: https://vladimiraras.blog/2016/07/04/o-sistema-acusatorio-de-processo-penal/. Acesso em: 31 de jul. de 2020.
[11] Melo (2017, p. 02) alega que a polícia, ao Ministério Público, remete menos de 10% das ocorrências policiais. Dessa maneira, “arquiva-se 90% dos casos nas delegacias e sem transparências ou controle externo efetivo.” MELO, André Luis Alves de. Brasil precisa flexibilizar o mito da obrigatoriedade da ação penal. Consultor Jurídico. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2017-set-04/mp-debate-brasil-flexibilizar-mito-obrigatoriedade-acao-penal2. Acesso em: 18 jul. 2020.
[12] Cf. SOUSA, Marllon. Plea Bargaining no Brasil. – 2ª ed., revista atualizada e ampliada. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.
[13] Acerca da pós-modernidade e da globalização, Leite (2009, p. 20, grifo constante do original): “Com a pós-modernidade, portanto, incertezas e inconstâncias são elementos bastante presentes na vida social, dada a rapidez e a complexidade das transformações. É elucidativa, assim, a expressão “modernidade líquida”, utilizada por Zygmunt Bauman para indicar a fluidez e a flexibilidade dos novos tempos. Nem tudo, certamente, pode ser atribuído à globalização econômica e à pós-modernidade. Entretanto, os reflexos de tais eventos configuram-se como um permanente desafio à capacidade de adaptação tanto de indivíduos quanto de instituições, gerando, não raro, perplexidades sobre em que direção mudar, o que deve ser mantido ou descartado.”
[14] Cf. FERNANDES, Fernando Andrade. O processo penal como instrumento de política criminal. Coimbra: Almedina, 2001.
[15] Cf. ADPF 347, a qual fora julgada aos 08 de setembro de 2015.
[16] Melo (2016, p. 30) advoga que, “No Brasil, a lei permite os acordos penais nos delitos de baixo (transação penal) e alto potencial ofensivo (colaboração premiada). Mas nada fala sobre os de médio potencial, ou seja, há uma lacuna legislativa.” (Grifei). MELO, André Luís Alves de. A Inconstitucionalidade da obrigatoriedade da ação penal pública: Releitura dos artigos 24 e 28 do Código de Processo Penal e art. 100, §1º, do Código Penal em Face da Não Recepção pela Constituição de 1988. Tese (Doutorado em Direito Constitucional) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2015.
[17] Artigo 54, “a”, do retrodito Estatuto: “A fim de estabelecer a verdade dos fatos, alargar o inquérito a todos os fatos e provas pertinentes para a determinação da responsabilidade criminal, em conformidade com o presente Estatuto e, para esse efeito, investigar, de igual modo, as circunstâncias que interessam quer à acusação, quer à defesa.”
[18] Apesar de não referir-se especificamente ao supradito Projeto de Lei, a proposta levantada por Streck (2019, p. 02) harmoniza-se ao fim ora almejado.
[19] Cf. VASCONCELLOS, Vinicius Gomes de; LIPPEL, Mayara Cristiana Navarro. Críticas à Barganha no Processo Penal: Inconsistências do modelo proposto no Projeto de Código de Processo Penal (PLS 156/2009). Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/quaestioiuris/article/view/20135/17956. Acesso em: 05 de jun. de 2020.
[20] Nesse sentido, cf. MA, Yue. A discricionariedade do promotor de justiça e a transação penal nos Estados Unidos, França, Alemanha e Itália: uma perspectiva comparada. Revista do CNMP, Brasília, n. 1, p.198-199, 2011. Disponível em: https://ojs.cnmp.mp.br/index.php/revista/article/view/16/11. Acesso em: 18 de abr. de 2020.
Advogado. Graduado em Direito pela Faculdade de Ensino Superior da Amazônia Reunida - FESAR. Redenção/PA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, João Paulo Taveira da. Justiça, crime, pena e barganha: uma composição possível e necessária no estado democrático de direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 nov 2020, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55443/justia-crime-pena-e-barganha-uma-composio-possvel-e-necessria-no-estado-democrtico-de-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.