EMANUELLE ARAUJO CORREIA[1]
VALDIRENE CASSIA DA SILVA[2]
(orientadoras)
RESUMO: O presente artigo trata da modalidade de adoção intuitu personae, o objetivo desse trabalho é revelar as implicações (in) legais acerca do tema em face do direito constitucional à convivência familiar. No decorrer dos anos, é perceptível o avanço da legislação no instituto da adoção, todavia o dilema de crianças e adolescentes que crescem institucionalizadas, ainda é uma realidade no nosso país, com fundamento no princípio do melhor interesse da criança e na valorização da afetividade já construída entre o adotante e adotado, busca a relativização do cadastro de adotante em casos de adoção direta, com a finalidade de amenizar as consequências que é crescer sem uma família. O método utilizado no presente trabalho foi o de coleta de dados bibliográficos integrativo.
Palavras Chaves: Adoção Intuitu Personae; Convivência familiar; Crianças institucionalizadas; Cadastro de adotantes; Afetividade.
ABSTRACT: This article deals with the type of adoption intuitu personae, the objective of this work is to reveal the (in) legal implications about the theme in view of the constitutional right to family life. Over the years, the advancement of legislation in the adoption institute is noticeable. However, the dilemma of children and adolescents who grow up institutionalized is still a reality in our country, based on the principle of the best interest of the child and on the appreciation of affection already. built between the adopter and the adopted, it seeks to relativize the registration of the adopter in cases of direct adoption, in order to mitigate the consequences that it is to grow up without a family. The method used in the present work was the collection of integrative bibliographic data.
Key words: Adoption intuitu personae; Family living; Institutionalized children; Registration of adopters; Affectivity.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 ADOÇÃO INTUITU PERSONAE: UTOPIA E REALIDADE. 2.1 Breve análise sobre a trajetória da adoção. 2.2 Contexto. 2.3 Vicissitudes e certezas. 2.4 O direito à convivência familiar. 2.5 Aplicação da adoção Intuitu Personae: Projeto de Lei n. 369/2016. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 4 REFERÊNCIAS
O instituto da adoção ao longo dos anos passou por modificações para se adequar ao que é melhor para o infante, o objetivo da adoção hoje é um só: permitir que filhos afastados da sua família de origem, tenham a possibilidade de ingressar em uma família substituta que os ame e exerça o mesmo papel dos parentes sanguíneos.
No site do Conselho Nacional de Justiça os dados mostram que o número de crianças disponíveis para adoção é inferior a quantidade de pretendentes que querem adotar, diante de tal disparidade surge a modalidade de adoção intuitu personae.
A adoção intuitu personae ou adoção dirigida, consiste na adoção de menores devido ao vínculo de afetividade que foi desenvolvido entre adotando e adotante ou ainda, quando a mãe biológica direciona a adoção a determinada pessoa. Veremos ao longo do artigo que essa prática busca a relativização do cadastro de adotantes diante de princípios basilares da adoção.
A proposta do artigo é abordar sobre essa modalidade, trazer o celeuma acerca da sua legalidade no ordenamento jurídico brasileiro, discorrer sobre a importância do direito constitucional à convivência familiar na vida das crianças e adolescentes, e propor formas de aplicação da adoção intuitu personae em face desse direito fundamental.
No primeiro capítulo aborda-se sobre a trajetória da adoção, sua evolução desde sociedades mais remotas até os dias de hoje, vê-se o progresso do objetivo da adoção que antigamente a coletividade entendia o instituto apenas como meio de prosperar a linhagem e na perpetuação da herança.
O segundo capítulo aborda-se sobre a modalidade intuitu personae, contextualizo-a e apresento entendimentos opostos quanto a sua legalidade. Seguindo o corpo do artigo discorro sobre as vicissitudes e certezas desse instituto. Logo em sequência, expõe-se a importância do direito constitucional à convivência familiar e como a falta desse direito afeta o desenvolvimento da criança.
Por último, aborda-se a aplicação do Projeto de Lei n. 369/2016, com o fito de que a adoção intuitu personae seja reconhecida como meio de adoção nos casos em que haja comprovação de vínculo socioafetivo, em busca de proporcionar efetivamente o direito à convivência familiar para crianças e adolescentes.
2. ADOÇÃO INTUITU PERSONAE: UTOPIA E REALIDADE
2.1 Breve análise sobre a trajetória da adoção
Para falarmos de adoção intuitu personae, é preciso compreender a evolução e as transformações que ocorreram nesse instituto ao longo dos anos, uma vez que foi através desse avanço que se tornou possível falar dessa modalidade de adoção.
A adoção é uma prática antiga, nas sociedades mais remotas existia a preocupação em deixar herdeiros para cultuar os antepassados, dessa forma os casais que não conseguiam ter filhos era consentido a adoção como meio de perpetuar a família. Sendo assim, na Roma antiga era permitido um homem ter filhos de origem biológica ou de origem legal, por meio da adoção.
No período da Idade Média, com a ascensão do cristianismo e com a ideia de que a sucessão só acontecia de forma hereditária, esse instituto caiu em desuso. Depois de décadas, somente com a entrada do código civil de 1916, que foi permitido a adoção no Brasil, com o objetivo de regular o direito daqueles que não podiam gerar filhos biológicos.
Esse objetivo só foi alterado com a Lei n. 3.133/57, que passou a permitir a adoção à casais que já possuíam prole natural, deixando de encará-la como última alternativa à esterilidade ou à necessidade de transmissão de bens patrimoniais. Portanto, passou a ter como preocupação primordial as crianças e adolescentes afastados do convívio familiar.
Foi com o avanço dessa visão, que a Constituição Federal de 1988, determinou a igualdade entre os filhos, em sequência o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/90), passou a conduzir a adoção de crianças e adolescentes. Mais tarde, surgiu também a Lei n.12.010/2009 que alterou alguns artigos do ECA, com a finalidade de aperfeiçoar a sistemática prevista.
Extrai-se dessa breve análise que durante muito tempo, a visão da época era voltada à proteção do instituto da família e do patrimônio, não havendo preocupação com a situação jurídica da criança que estava fora de um seio familiar. Maria Berenice Dias, expõe uma comparação sobre as famílias:
Nem se sabe como começou, mas muitos foram os fatores que levaram à transformação da família patriarcal, de uma unidade de procriação e produção para a família dos dias de hoje: nuclear e linear. A nova família se estrutura nas relações de autenticidade, afeto, amor, diálogo e igualdade4. (DIAS, 2010, p.29)
Fica claro, a evolução social do instituto da adoção, na época atual a vontade de adotar só pode ser impulsionada por um único desejo: a vontade de ter um filho. Apesar da adoção atender a necessidade de ambos, da criança e do adolescente de terem pais e à de adultos de serem pais, não resta dúvidas que o principal interessado no processo de adoção é o adotando.
Mesmo com os avanços na legislação para resguardar os direitos desses menores, muitas crianças e adolescentes ainda são privadas do direito constitucional à convivência familiar, com o fito de resguardar esses direitos, assim como às outras modalidades de adoção, a intuitu personae emergi na sociedade brasileira.
2.2 Contexto
Entende-se por adoção intuitu personae, quando há um desejo dos pais biológicos ou do representante legal da criança ou adolescente, em entregar o filho a determinada pessoa, ou ainda quando certa pessoa deseja adotar criança específica, pois com ela detém de laços de afetividade. Essa modalidade de adoção, também pode ser chamada de adoção direta ou consentida.
Chama-se de adoção intuitu personae quando há o desejo da mãe de entregar o filho a determinada pessoa. Também é assim chamada a determinação de alguém em adotar uma certa criança. As circunstâncias são variadas. Há quem busque adotar o recém-nascido que encontrou no lixo. Também há esse desejo quando surge um vínculo afetivo entre quem trabalha ou desenvolve serviço voluntário com uma criança abrigada na instituição. Em muitos casos, a própria mãe entrega o filho ao pretenso adotante. Porém, a tendência é não reconhecer o direito de a mãe escolher os pais do seu filho5. (DIAS, 2010, P.90)
Segundo Washington de Barros Monteiro, foi Justiniano quem simplificou o instituto da adoção ao permitir que o pai biológico e o pai adotivo comparecessem perante o magistrado para que fosse efetivada a adoção de comum acordo. Pode-se dizer que aí está a origem da adoção intuitu personae, já que o genitor entregava seu filho em adoção a quem elegesse apto a recebê-lo como membro de sua família.
A adoção consentida, não foi banida do nosso ordenamento jurídico, está prevista no art. 166 do Estatuto da Criança e Adolescente, no qual determina que o consentimento dos pais de forma expressa para colocação em família substituta poderá ser formulado diretamente em cartório.
Tal como, o art. 50, §13 da Lei 12.010, de 3 de agosto de 2009, a adoção sem cadastro prévio, para os pretendentes residentes no Brasil, será deferida quando: houver interesse do cônjuge em adotar enteado, ou for formulado pedido de parente que tem afinidade com a criança e no caso, de quem detém a guarda ou tutela do menor, que deve ter de três anos pra cima e não comprovado má-fé. (Brasil, 2009)
Dessa forma, com a adição do §13, surgem dois modos de encarar a adoção intuitu personae. Pelo primeiro entendimento, essa modalidade de adoção é ilegítima, visto que a dispensa ao Cadastro Nacional de Adoção, propicia o tráfico de menores, simulações de venda e obtenção de vantagem, também são comuns argumentos no sentido que não cabe a mãe biológica decidir o encaminhamento do filho.
O segundo entendimento, defende que a lei não pode acabar com a adoção intuitu personae, deve ser avaliado cada caso concreto, levar em conta suas peculiaridades, o melhor interesse da criança, os laços de afetividade e respeitar o direito constitucional à convivência familiar.
A dúvida, acerca da legalidade desse instituto, surge no momento em que a Lei da Adoção (Lei n° 12.010/2009), altera o artigo 50, acrescentando o §13. Diante desse fato, nasce dubiedades de entendimento, vamos ver mais adiante dois julgados, um que se posiciona a favor e outro contra.
Conclui-se que essas implicações in (legais) quanto à adoção intuitu personae em face do direito constitucional à convivência familiar, é perfeitamente cabível, até que ponto é legal ou ilegal consentir com essa modalidade de adoção e o que está disposto na lei é suficiente para que esse menor tenha garantido de forma eficaz seu direito constitucional à convivência familiar.
2.3 Vicissitudes e certezas
Em que pese a celeuma quanto às implicações (in) legais da adoção intuitu personae, vimos ao longo do texto que com a entrada da Lei da Adoção (Lei n° 12.010/2009), essa modalidade de adoção passou por modificações no nosso ordenamento jurídico, quanto a sua possibilidade de aplicabilidade.
Parte dos doutrinadores, acreditam que não tem o que falar em adoção intuitu personae, com a alteração feita no art. 50, §13, nem legal ela seria. São comuns argumentos, como: esse tipo de adoção dá ensejo ao tráfico de menores e desrespeita a ordem cadastral. Dessa forma, é possível encontrar julgados desfavoráveis, bem como o Agravo de Instrumento n° 70078752177:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ECA. GUARDA PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. ADOÇÃO INTUITU PERSONAE.1- Considerando que os agravantes não se encontram habilitados à adoção, a análise do pedido de guarda provisória não pode prescindir da apuração dos requisitos previstos no ECA à autorização excepcional de uma eventual adoção intuitu personae. 2- Ausentes os requisitos necessários constantes no §13 do art. 50 do ECA para eventual deferimento do pedido adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado na lista de habilitados à adoção, inviável o deferimento da guarda provisória. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO (RS, 2018).
A jurisprudência apresentada acima demonstra que foi mais relevante privilegiar o Cadastro de Adotantes, visto que foram ausentes os requisitos previstos no art. 50, §13. Acerca desse artigo, Digiácomo (2017), afirma que o único caminho legal a se seguir é o da habilitação, permitir a adoção consentida é dar espaço para aqueles que se utilizam de má-fé.
Para os que entendem dessa forma, a adoção direta sempre estará permeada pela violação dos direitos das crianças e pela prevalência dos interesses daqueles que desejam, a qualquer custo, ter um filho. O problema dessa posição radicalizada, é ignorar a realidade do Brasil, afinal de contas esse tipo de adoção é um comportamento antigo.
Por outro lado, alguns doutrinadores defendem a aplicabilidade da adoção intuitu personae, com base nos entendimentos de que: a mãe biológica detém do direito de escolha em querer o melhor para o seu filho e no critério de afetividade que o menor possui com o adotante. Diante disso, trago a Apelação Cível n° 70080481773, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO CÍVEL. ECA. AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR E ADOÇÃO INTUITU PERSONAE. ABANDONO E NEGLIGÊNCIA DA GENITORA. AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES DO EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR. MENOR JÁ ADAPTADA COM OS GUARDIÕES. CABIMENTO DA ADOÇÃO. Cabível a destituição do poder familiar, imposta à genitora que não cumpria com os deveres insculpidos no art. 1634 do cc e nos arts. 227 e 229 da CF, porquanto não apresenta condições de cuidar da filha menor de idade e zelar pelas necessidades materiais e emocionais da infante. Ademais, a menor já está adaptada com os guardiões, reconhecendo-os como pais, o que justifica a adoção6.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, assentou o entendimento nesse julgado que quando surgem relações de afeto entre os adotantes e a criança, não tem porque não consentir a adoção intuitu personae, ou seja, o Cadastro de Adotantes não pode ser visto como regra, diante da singularidade que envolve o afeto já sacralizado entre os maiores envolvidos.
Não restam dúvidas de que o Cadastro de Adotantes garante, na maioria das situações, a legalidade, a lisura e a imparcialidade do processo de adoção; porém, não é absoluto e, cada caso tem que analisado de acordo com suas peculiaridades. Isso porque a listagem não pode ser mais importante que a adoção em si.
Mesmo que para alguns doutrinadores, a adoção consentida dá ensejo para tráfico de menores, favorecimento de pretendentes e oportunidade de extorquir mães biológicas. Segundo Bordallo (2010), não podemos ser precipitados ao afirmar que todas as situações são precedidas de má-fé, mesmo que esses atos ilícitos sejam abomináveis, como a venda de menores. Os auxiliares do direito com suas ferramentas são responsáveis por investigar qualquer ato proibitivo e caso ele ocorra, deve ser tomada as medidas cabíveis.
Quanto ao favorecimento de pretendentes, Dias (2013) afirma que é mais importante que a criança seja adotada por quem já às ame, do que privilegiar uma ordem de cadastros, ainda que haja determinação que essas listas sejam elaboradas. É injustificável negar a adoção, se for o melhor para o adotando, por conta de uma prévia inscrição de interessados.
Alegam ainda, em desfavor da adoção intuitu personae, que os pais biológicos não possuem qualificação adequada para escolherem uma família adotiva para o seu filho. Em relação à isso, Dias (2013) argumenta que a lei prevê o direito dos pais em nomear tutor aos seus filhos, se é possível escolher a quem dar tutela, porque não escolher a melhor família para o adotando, além do mais a criança só é dirigida a adoção com o consentimento dos pais.
Posto isto, é entendível que do feitio legal, a lei não permite, expressamente, a adoção consentida, mas a partir da evolução do conceito de família, a valorização do afeto e da afetividade, e diante do princípio do melhor interesse da criança, que está acima de qualquer norma positivada, é possível a manutenção de qualquer situação, mesmo que não expressa na lei, a fim de permitir que esse menor tenha seu direito à convivência familiar resguardado.
O princípio da convivência familiar, que tem como base o direito de crianças e adolescentes de conviver com uma família, está regularizado no Estatuto da Criança e Adolescente, nos artigos 19 ao 24 e na Constituição Federal no art. 227, vejamos o que diz esse último dispositivo legal:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão7.(CF, 1998, art.227)
Sua natureza jurídica é de direito fundamental especial, tendo em vista os sujeitos envolvidos. Corresponde ao direito da criança e do jovem à integração social no meio em que vive, frequentando a escola, a casa de amigos, a igreja, etc., bem como se refere ao direito de ser criado em uma comunidade familiar natural ou substituta.
O direito à convivência familiar é de fundamental importância para crianças e adolescentes, uma vez que a família é o principal influenciador desses menores, seja na sua transformação como sujeito, no seu desenvolvimento afetivo, físico, psicológico e até na sua condição de saúde. Ela tem o papel de ajudar esses menores na socialização com a sociedade e na busca do seu “eu” (PNCFC, 2006).
A ruptura no processo de formação de vínculos de afeto, formados a partir de cuidados e convivência, podem levar a criança a desenvolver distúrbios de personalidade, crises na formação de sua identidade e em alguns casos afetar o desenvolvimento físico desse menor. Portanto, a criança necessita de estabilidade e continuidade em sua convivência familiar para que possa ter pleno desenvolvimento.
As oscilações na continuidade afetiva, necessária ao desenvolvimento infantil, podem desencadear problemas psicológicos, a criança que passa por isso, no mínimo vai se tornar um adulto inseguro de si. Essa situação é a realidade da maioria das crianças e adolescentes crescidas em uma instituição de acolhimento.
Como diz Moreira (2016), a fase de desenvolvimento é rápida, contudo marcante. Menores condenados à institucionalização, tem pressa em ter respeitado o direito à convivência familiar.
Quando acontece à institucionalização, o sofrimento da criança em se ver separada de quem ela reconhece como família, pode ser amenizado com a família substituta, que satisfazendo suas necessidades emocionais, poderá dar a chance para que esse adotando que teve seu processo de desenvolvimento interrompido, continue a se desenvolver (Spitz, 2000).
O direito à convivência familiar está ligado a três conceitos introduzidos no ECA pela Lei n. 12.010/2009, quais sejam: família natural, família extensa e família substituta. De acordo com o estatuto, a família natural é aquela com quem a criança tem laços sanguíneos, genéticos.
Essa modalidade de família é a preferida pelo legislador, a reinserção na família natural será preferida em relação a qualquer outra medida. Para Diniz (2016), a insistência para que a criança permaneça na família natural é um engano, quando alguém entrega seu filho para adoção, é porque não tem como permanecer com ele e quando essa é retirada da convivência com os pais, significa que a própria família não fez nada para protegê-la.
A família extensa, é aquela que vai além da unidade formada por pais e filhos, alcançando parentes próximos com quem a criança convive, mantendo laços de afinidade e afetividade, como por exemplo: tios e avós. Essa modalidade é preferida em relação à família substituta, pois entende-se que os vínculos já estabelecidos facilitariam a adaptação da criança.
De acordo com Diniz (2016), é insustentável que crianças e adolescentes sejam institucionalizadas às vezes por anos, na tentativa de que os pais ou algum familiar se responsabilize por elas, dessa forma essas acabam crescendo em abrigos, subtraindo as chances de serem adotadas.
As definições acima, permitem entender que a criança só poderá ser colocada junto a estranhos quando não existir família natural, não existir família extensa ou quando estas não atenderem ao melhor interesse da criança, caso em que se dará a perda ou a suspensão do poder familiar.
Somente neste contexto surgirá a família substituta, que pode se dar de três formas: por meio da guarda, tutela ou da adoção. Essa modalidade corresponde à comunidade de existência voltada à proteção e ao acolhimento de crianças e adolescentes em situação de risco.
Então, o pressuposto para colocação de uma criança em família substituta é a ausência de medidas alternativas para sua manutenção junto a sua família natural ou extensa, ou ainda que as medidas existentes sejam insuficientes para solucionar a situação da criança.
Segundo Diniz (2016), juízes e promotores devem ter coragem para agir segundo o preceito constitucional que assegura à convivência familiar, diante da falta de vontade política em criar mecanismos eficientes para agilizar o processo de adoção. É preciso que os abrigos sejam casas de passagem e não depósitos permanentes.
2.5 Aplicação da adoção Intuitu Personae: Projeto de Lei n. 369/2016
O projeto de Lei n. 369/2016, de autoria do senador Aécio Neves, tem como objetivo a alteração da Lei n° 8.609 (Estatuto da Criança e do Adolescente), no seu artigo 50, §13. Acrescenta o inciso IV, altera a redação do §14 e inclui o §15 na mencionada legislação.
O artigo 50, §13, alterado pela Lei n. 12. 010/2009, traz a seguinte redação:
Parágrafo 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:
I. Se tratar de pedido de adoção unilateral;
II. For formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;
III. Oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei8.
Com a alteração proposta, passaria a ter a seguinte redação:
Artigo 13.
IV. Se tratar de adoção na modalidade intuitu personae, mediante a comprovação de prévio conhecimento, convívio ou amizade entre adotantes e a família natural, bem como, para criança maior de dois anos, do vínculo afetivo entre adotantes e adotando.
§ 14º. Nas hipóteses previstas no § 13º deste artigo, o candidato deverá comprovar, no curso do procedimento, que preenche os requisitos necessários à adoção, conforme previsto nesta Lei, inclusive submetendo-se ao procedimento de habilitação de pretendentes à adoção.
§ 15º Não se aplica a hipótese do inciso IV do § 13º deste artigo em favor de candidato a adoção internacional9.”
A justificativa apresentada pelo senador para a alteração legislativa é a inexistência de previsão legal para essa modalidade de adoção, existindo grande controvérsia e insegurança jurídica ao seu respeito, bem como inúmeros casos de adoção intuitu personae que acontecem no dia-a-dia.
Esse projeto tem relação direta com possibilidade da adoção consentida, pois a introduz na lei como forma oficial de colocação de crianças e adolescentes em família substituta.
A relatora, senadora Rose de Freitas compartilha do entendimento que a aprovação do projeto permitirá a pacificação do entendimento de que a adoção intuitu personae, é finalmente legal e permitida pelo direito brasileiro, a mesma demonstra receio no fato da relativização do cadastro poder dar ensejo à venda de menores, mas concorda que para esse tipo de conduta já há tipificação legal.
Dessa forma, Rose de Freitas vota pela aprovação do projeto. E afirma que, o consentimento deste instituto só trará benefícios aos pequenos brasileiros. No que concerne ao mérito, a medida é considerada louvável e inovadora, pois está muito bem ajustada ao espírito do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
O projeto de Lei encontra-se em trâmite, devolvido pela Senadora Rose de Freitas por não pertencer mais aos quadros dessa Comissão, a matéria foi redistribuída e aguarda designação de relator.
Diante de todo abordado no estudo, as conclusões advindas da pesquisa permitem afirmar que a adoção intuitu personae, não possui existência de previsão legal no nosso ordenamento jurídico, e apesar de haver dualidade entre os doutrinadores, a aplicação dessa modalidade caminha para sua aceitação.
O direito constitucional à convivência familiar, ainda não é verificado na prática, pois crianças e adolescentes permanecem crescendo dentro de instituições de acolhimento. Diante dessa situação, não se pode restringir a efetivação da modalidade de adoção intuitu personae, uma vez que, a depender do caso concreto, considerando o melhor interesse da criança, a afetividade e afinidade seria mais vantajoso para a mesma.
Vê-se que o Cadastro de Adotantes tem sua importância, mas deve ser relativizado em alguns casos, pois nada pode ser absoluto quando estiver em pauta a vida de uma criança.
A adoção intuitu personae, sem dúvidas, é meio legítimo para garantir o direito à convivência familiar e alternativa fundamental às crianças e adolescentes institucionalizadas que não tem chance de ingressar em uma família substituta pelo Cadastro de Adotantes, que analisa o perfil do adotando, mas é incapaz de considerar o vínculo afetivo existente.
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[1] Possui graduação em Direito pela Faculdade UNIRG-TO; Especialização "lato-sensu" em Direito Processual Civil e Penal (2006) e em Direito Público (2007), pela Faculdade FESURV-GO; Mestrado em Direito pela Universidade de Marília-SP (2010), Doutorado em Direito Privado pela Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Atua como advogada no Estado do Tocantins e como Professora no curso de Direito da Católica do Tocantins. Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Civil e Direito Processual Civil
[2] Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Comunicação, Estratégias e linguagens. Graduada em Comunicação Social, habilitação em Relações Públicas. Atualmente é professora titular da Universidade Luterana de Palmas - Ceulp/Ulbra e Faculdade Católica do Tocantins - FACTO. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em tecnologias da informação e da comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: comunicação, mídia e cultura. Membro do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências e Saúde, da Universidade Federal do Tocantins-Brasil.
Bacharelanda do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEONOR, Ana. As implicações (in) legais quanto à adoção intuitu personae em face do Direito Constitucional à convivência familiar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 nov 2020, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55452/as-implicaes-in-legais-quanto-adoo-intuitu-personae-em-face-do-direito-constitucional-convivncia-familiar. Acesso em: 23 dez 2024.
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