RESUMO: A pandemia do Covid-19 impactou diversos contratos, entre eles, os contratos de obras celebrados pelas empresas estatais, provocando eventuais desequilíbrios que começam a ser objeto de pleitos apresentados pelas empresas contratadas. O presente artigo tem por objetivo analisar os institutos jurídicos do Direito Civil e da Lei nº 13.303/16 aplicáveis à situação ora vivenciada, considerando as peculiaridades destes contratos, bem como o entendimento do Tribunal de Contas da União acerca do assunto, além de propor sugestões para os contratos em vigor e para aqueles que serão celebrados no curso da pandemia.
Palavras-chave: Covid-19. Caso Fortuito e Força Maior. Desequilíbrio Contratual. Teoria da Imprevisão. Onerosidade Excessiva. Lei nº 13.303/16. Tribunal de Contas da União.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Da força obrigatória dos contratos e da cláusula rebus sic stantibus; 3. Do caso fortuito e força maior; 4. Das hipóteses de revisão do contrato para reestabelecimento de seu equilíbrio; 5. Dos requisitos para revisão do contrato em caso de desequilíbrio decorrente de álea econômica; 6. Do entendimento do tribunal de contas da união sobre desequilíbrio contratual; 7. Recomendações para os contratos em vigor e para os que serão celebrados; 8. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
Em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, na China, foram identificados os primeiros casos de contaminação pelo novo coronavírus (SARS-CoV2 ou Covid-19). Após uma crescente evolução de casos ao redor do mundo, em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial de Saúde reconheceu o surto como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII).
Antes mesmo dos primeiros casos serem identificados no Brasil, os contratos de fornecimento de equipamentos já sofriam os impactos deste evento sem precedentes na história recente, tendo em vista a restrição de insumos e atrasos na entrega de bens produzidos na China e em outros países atingidos.
Em meados de março de 2020, efeitos mais evidentes foram percebidos nos contratos de engenharia executados no Brasil, como a suspensão de atividades e/ou a redução de contingentes de mão de obra por determinação de autoridades competentes no âmbito dos governos estaduais e municipais.
Ainda assim, o setor da construção civil apresentou avanço nos períodos mais críticos da pandemia do Covid-19[1]no Brasil. Contribuíram para este cenário, o Decreto nº 10.344, de 11/05/2020, que definiu a atividade como essencial[2], bem como algumas características específicas deste serviço, como a execução das atividades em áreas abertas e a possibilidade de manutenção de um distanciamento mínimo entre os trabalhadores.
No entanto, para que as atividades continuassem, foi necessária a adoção de medidas mitigadoras adicionais, com o objetivo de evitar surtos de contaminação entre os trabalhadores.
No Município de Itaboraí, por exemplo, houve determinação para que as obras Polo GasLub da Petrobras, antigo Comperj, fossem interrompidas em 70% de suas atividades. A retomada só foi possível cerca de um mês depois, com a aprovação, pela Secretaria Municipal de Saúde, de um plano de ação de combate ao Covid-19. Em regra, os planos de retomada previam a disponibilização de equipamentos adicionais de EPI, como máscara de proteção e álcool 70% aos colaboradores, além de uma sistemática de exames e testes preventivos para os colaboradores.
Outras alterações na dinâmica dos contratos foram necessárias. Em diversos empreendimentos, a oferta de meio de transporte dos colaboradores também precisou ser alterada, uma vez que, para garantir o distanciamento mínimo, os veículos não puderam mais ser utilizados em sua capacidade plena de ocupação.
Os serviços prestados em unidades offshore, por sua vez, tiveram redução de quantitativo de pessoal a bordo, ampliação da escala, além da exigência de quarentena dos colaboradores antes do embarque e realização de testes para detecção de contaminados.
As empresas contratadas pela Administração Pública alegam que todas estas medidas preventivas têm acarretado improdutividades que impactam os custos e os prazos dos contratos.
No âmbito das empresas estatais, responsáveis por boa parte das obras de engenharia de grande porte no Brasil, a apresentação de pleitos de desequilíbrio contratual já começou a ocorrer e a negociação que precisará ser realizada demanda uma análise minuciosa dos institutos previstos no Direito Civil e na Lei nº 13.303/16[3], mais detidamente aqueles relacionados ao caso fortuito e à força maior, à teoria da imprevisão e também da onerosidade excessiva.
Considerando que estes contratos estão sujeitos à fiscalização de órgão de controle externo, é importante ainda conhecer o entendimento do Tribunal de Contas da União acerca dos requisitos para identificação do desequilíbrio e aplicação do instituto da revisão contratual, de modo a conferir aos gestores segurança jurídica no enfrentamento das consequências deste evento. Este é o objetivo deste trabalho.
2. DA FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS E DA CLÁUSULA REBUS SIC STANTIBUS
De acordo com as lições de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho, contrato é “um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades[4]”.
Os contratos, sem dúvidas, são a modalidade de negócio jurídico mais utilizada na sociedade e, do ponto de vista econômico-social, são relevantes instrumentos nas operações econômicas.
Para proteger essas relações tão caras à sociedade, a lei atribui ao contrato força obrigatória, devendo as partes observarem suas cláusulas como preceitos imperativos. Esta força vinculante é traduzida no brocardo jurídico “pacta sunt servanda” (os pactos devem ser observados), cuja origem é atribuída ao direito canônico medieval (séc. XV-XVI).
Esse princípio reinou com caráter absoluto até o século XIX, período no qual os ideais liberais e individualistas predominaram no âmbito da sociedade. Contudo, as acentuadas desigualdades sociais vivenciadas no século XX, levaram a uma relativização desse princípio, com o surgimento de diversas teorias que defendiam o retorno da cláusula rebus sic stantibus[5].
Segundo essas teorias, em contratos de trato sucessivo – entendidos como aqueles em que as obrigações das partes se protraem no tempo –, as prestações acordadas somente são exigíveis se as condições de sua execução são semelhantes às do tempo de sua contratação. Desta forma, se por fatores alheios ao controle das partes estas condições são alteradas, a obrigação poderia deixar de ser vinculante.
Estas teorias surgem com o objetivo de impedir que os contratos sejam instrumento de opressão de um contratante sobre o outro, adequando-os ao entendimento já vigente à época de que a autonomia das partes para contratar deve ser limitada por valores coletivos e difusos superiores, permitindo que os negócios jurídicos sejam instrumento para promoção de interesses relevantes para a sociedade[6].
O autor Anderson Schreiber[7] leciona que, com a edição do Código Civil de 2002, ganhou força na doutrina brasileira a alusão a três novos princípios contratuais atrelados a valores solidaristas consagrados na Constituição Federal: (i) a boa-fé objetiva; (ii) a função social dos contratos; e (iii) o equilíbrio contratual.
Este último, embora pouco desenvolvido na doutrina e na jurisprudência quando comparado aos demais, opera relevante função para que os contratos observem os valores constitucionais de igualdade substancial e solidariedade social, ao evitar que qualquer contratante sofra sacrifício econômico desproporcional em decorrência do cumprimento de obrigações que compõem o objeto de seu contrato[8].
No que tange aos contratos celebrados pela Administração Pública, a garantia de equilíbrio contratual encontra-se prevista na própria Constituição Federal, no art. 37, XXI, o qual estabelece que os contratos deverão conter cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta[9].
O Tribunal de Contas da União define o equilíbrio contratual como “a manutenção das condições de pagamento estabelecidas inicialmente no contrato, de maneira que se mantenha estável a relação entre as obrigações do contratado e a justa retribuição da Administração pelo fornecimento de bem, execução de obra ou prestação de serviço”[10].
Alterado este equilíbrio, o ordenamento jurídico prevê institutos que flexibilizam a regra da obrigatoriedade dos contratos, garantindo a ambas as partes que não sofrerão as consequências do inadimplemento contratual caso haja alteração substancial das condições que consideraram ao tempo da celebração do contrato.
3. DO CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR
O primeiro instituto que merece ser aqui analisado é o do caso fortuito ou força maior. Durante muito tempo, a doutrina discutiu a conceituação e diferenciação entre caso fortuito e força maior. Contudo, desde o advento do Código Civil de 2002, esta controvérsia não merece mais atenção, uma vez que é dado o mesmo tratamento jurídico aos dois institutos[11].
O autor Carlos Roberto Gonçalves[12] discorre sobre os elementos que devem estar presentes para configuração do caso fortuito e da força maior: a) o fato deve ser necessário, não determinado por culpa do devedor, pois, se há culpa, não há caso fortuito; b) o fato deve ser superveniente e inevitável; c) o fato deve ser irresistível, fora do alcance do poder humano.
Nota-se, portanto, que a caracterização de determinado evento como caso fortuito ou força maior demanda uma avaliação do caso concreto, de modo a verificar a presença dos requisitos acima elencados. Não obstante, cumpre destacar que a pandemia do Covid-19, em função de suas peculiaridades, tem sido reconhecida como evento de caso fortuito ou força maior por diversos doutrinadores, inclusive pela Advocacia Geral da União[13]. Quais são então as consequências deste enquadramento?
O artigo 393 do Código Civil, que dispõe sobre caso fortuito e força maior, está inserido no Título IV, que trata sobre inadimplemento das obrigações. Ao estabelecer que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior”, este dispositivo deve ser interpretado como uma exceção à regra de responsabilização do devedor pelo não cumprimento de suas obrigações[14].
Sendo assim, se uma obrigação não é prestada ou é adimplida de forma extemporânea em função da ocorrência de um evento caracterizado como caso fortuito ou força maior, o devedor não responde pelas perdas e danos relacionadas a este inadimplemento.
Os institutos estão, portanto, relacionados ao inadimplemento de obrigações, seja ele absoluto ou relativo, devendo suas consequências serem aplicadas às hipóteses em que as obrigações não puderam ser cumpridas, conforme leciona a autora Maria Helena Diniz:
“O caso fortuito e a força maior liberam o devedor da obrigação, por ocasionarem a impossibilidade de cumprir a prestação devida, visto serem acontecimentos inevitáveis, estranhos à vontade do devedor, que impedem a execução da obrigação, acarretando, conseqüentemente, a sua extinção, sem que caiba ao credor qualquer ressarcimento, salvo se as partes convencionaram o contrário.”[15]
No que tange aos contratos celebrados por empresas estatais, a Lei nº 13.303/16 não prevê expressamente, como faz a Lei nº 8.666/93[16], que o caso fortuito ou força maior dão ensejo à rescisão do contrato. Não obstante, a hipótese é tratada em alguns contratos celebrados pelas empresas estatais, a exemplo do previsto na minuta padrão contratos de prestação de serviços da Petrobras:
CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR
XX.1 – As partes não responderão por prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, nos termos do Artigo 393 do Código Civil.
XX.2 – Ocorrendo circunstâncias que justifiquem a invocação da existência de caso fortuito ou de força maior, a parte impossibilitada de cumprir a sua obrigação deverá dar conhecimento à outra, por escrito e imediatamente, da ocorrência e suas consequências.
É preciso destacar que o instituto do caso fortuito e da força maior se aplica apenas à parcela contratual que não pode ser adimplida, não liberando o devedor de toda sua obrigação, caso parte dela ainda seja possível de executar, conforme argumenta Caio Mario da Silva Pereira:
Se o acontecimento extraordinário não trouxer a impossibilidade total da prestação, eximir-se-á o devedor da parte atingida ou se forrará da mora, se apenas tiver como consequência o atraso na sua execução. Mas não poderá invocar o fortuito para exoneração absoluta, beneficiando-se fora das marcas[17].
Sendo assim, deve-se ter certa cautela na menção aos institutos do caso fortuito e força maior nesta pandemia, tendo em vista que a maioria dos contratos de engenharia, embora possam ter tido algum impacto no seu cronograma e/ou custos, não se tornaram inviáveis. A maioria destes contratos será retomada e concluída, ainda que com atrasos, o que não deverá ensejar multas contratuais, uma vez que a mora não decorreu da responsabilidade das contratadas.
Mas qual o tratamento a ser dado com relação aos custos adicionais já mencionados que decorreram da pandemia? Os institutos do caso fortuito e da força não fornecem solução para os impactos de custo verificados nos contratos que não tiveram sua execução impossibilitada em função da pandemia do Covid-19, nem define pagamentos adicionais ou ressarcimento de danos a qualquer das partes.
Para estes custos, é necessário se socorrer de outros institutos jurídicos e entender que a ocorrência de um fato necessário, cujos efeitos não eram possíveis evitar ou impedir, embora tenha os mesmos elementos do caso fortuito ou força maior, também pode dar ensejo à revisão dos termos do contrato.
Para que não restem dúvidas, repisa-se que fatos necessários, supervenientes e irresistíveis podem ocasionar a impossibilidade de continuidade dos contratos ou mora no seu cumprimento, situações em que o caso fortuito e a força maior afastarão a responsabilidade do devedor. Da mesma forma, estes eventos também podem impactar o equilíbrio contratual, demandando que suas bases sejam revisadas para que possa prosseguir.
Neste sentido, as lições de Maria Sylvia Di Pietro sobre a diferença, no âmbito dos contratos celebrados pela Administração Pública, dos institutos do caso fortuito e força maior e da teoria da imprevisão, que ainda será tratada no presente estudo:
Ainda com relação à álea econômica, que justifica a aplicação da teoria da imprevisão, cumpre distingui-la da força maior.
Nesta estão presentes os mesmos elementos: fato estranho à vontade das partes, inevitável, imprevisível; a diferença está em que, na teoria da imprevisão, ocorre apenas um desequilíbrio econômico, que não impede a execução do contrato; e na força maior, verifica-se a impossibilidade absoluta de dar prosseguimento ao contrato. As consequências são também diversas: no primeiro caso, a Administração pode aplicar a teoria da imprevisão, revendo as cláusulas financeiras do contrato, para permitir a sua continuidade, se esta for conveniente para o interesse público; no segundo caso, ambas as partes são liberadas, sem qualquer responsabilidade por inadimplemento, como consequência da norma do artigo 393 do Código Civil. Pela Lei no 8.666/93, a força maior constitui um dos fundamentos para a rescisão do contrato (art. 78, XVII), tendo esta efeito meramente declaratório de uma situação de fato impeditiva da execução[18].
4. DAS HIPÓTESES DE REVISÃO DO CONTRATO PARA REESTABELECIMENTO DE SEU EQUILÍBRIO
Os contratos de execução continuada ou de trato sucessivo são aqueles que tem seu cumprimento previsto de forma contínua ou periódica no tempo. Estes contratos, em função de suas características, estão sujeitos a desequilíbrios contratuais, seja pela perda do poder aquisitivo da moeda, em razão do decurso do tempo (inflação), seja pela ocorrência de fatos necessários, supervenientes e irresistíveis no curso de sua execução.
Para manutenção do equilíbrio destes contratos e preservação de sua funcionalidade, o ordenamento jurídico dispõe de alguns mecanismos. Para os casos de desequilíbrio oriundos do último grupo, o mecanismo adequado é a revisão, também conhecida como repactuação, recomposição ou realinhamento[19].
No Código Civil, a possibilidade dos contratos serem revistos é prevista nos artigos 317 e 478 e 479, os quais refletem, respectivamente, a teoria da imprevisão e a da onerosidade excessiva, ao assim dispor:
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.
A coexistência das duas teorias no Código Civil, uma de origem francesa (imprevisão) e a outra de origem italiana (onerosidade excessiva)[20] é motivo de divergências na doutrina. Há autores que entendem que o art. 317, em função de sua localização no Código Civil, se aplica às obrigações em geral, enquanto o art. 478 se restringe aos contratos propriamente ditos[21].
Outra corrente defende que o art. 478 refere-se a hipóteses de resolução do contrato e não à sua revisão[22], sendo esta possibilidade disciplinada exclusivamente pelo art. 317[23].
Há ainda os que defendem que o art. 317 confere ao juiz apenas poderes para atualização monetária da prestação contratual, cabendo ao art. 478 a 480 as regras que autorizam a revisão ou resolução do contrato em função de motivos imprevisíveis e supervenientes[24].
Não se pretende aqui determinar qual entendimento é o adequado. O que se observa é que a doutrina e a jurisprudência admitem a revisão do contrato, seja com base no art. 317 seja com base no art. 478, nas hipóteses em que (i) se está diante de um contrato de execução sucessiva; (ii) se verifica onerosidade excessiva para uma das partes; (iii) e esta decorre de fato superveniente e imprevisível. Veja, por exemplo, o julgado abaixo:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. TEORIA DA IMPREVISÃO E TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA. HIPÓTESES DE CABIMENTO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DO DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO NO INSTRUMENTO CONTRATUAL. SÚMULA 7 DO STJ.
1. Esta Corte Superior sufragou o entendimento de que a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes nas circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) ou de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva) (...) (AgInt no REsp 1316595/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/03/2017, DJe 20/03/2017)
O autor Anderson Schreiber faz interessante paralelo acerca dos requisitos exigidos pelos artigos 317 e 478 do Código Civil, demonstrando certa similitude entre os institutos:
“Assim, aos ‘acontecimentos extraordinários e imprevisíveis’ do art. 478 associam-se os ‘motivos imprevisíveis’ do art. 317; à prestação que ‘se torna excessivamente onerosa’ do art. 478 associa-se a ‘desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução’ do art. 317; e mesmo para aos ‘contratos de execução continuada ou diferida’ do art. 478 pode-se encontrar paralelo no ‘sobrevier’ do art. 317, que alude explicitamente ao lapso temporal existente entre a assunção do débito prestacional e o ‘momento de sua execução’.”[25]-[26]
A revisão dos contratos celebrados pelas empresas estatais, como não poderia deixar de ser, também é admitida na Lei nº 13.303/16 com redação idêntica ao do art. 65, II, d da Lei nº 8.666/93[27]:
Art. 81. Os contratos celebrados nos regimes previstos nos incisos I a V do art. 43 contarão com cláusula que estabeleça a possibilidade de alteração, por acordo entre as partes, nos seguintes casos:
VI - para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
Como se observa, a Lei nº 13.303/16 admite que o contrato seja alterado (i) quando verificada alteração da relação entre os encargos do contratado e a retribuição da administração, o que pode ser tido como desequilíbrio contratual; (ii) em função de fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis; (iii) ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
O referido dispositivo merece algumas críticas no que tange a técnica utilizada. Conforme já abordado no presente estudo, o caso fortuito e a força maior são institutos relacionados à resolução e não à revisão do contrato, motivo pelo qual não deveriam estar previstos como fundamento para repactuação[28].
Outro ponto que merece reparo, é a menção ao fato do príncipe como álea econômica. Para melhor entendimento, é necessária uma análise das áleas a que um contrato celebrado com a Administração Pública está submetido.
A doutrina administrativista diferencia as áleas, ou seja, os riscos contratuais, em ordinárias e extraordinárias. A primeira delas refere-se ao risco inerente a qualquer tipo de negócio, próprio de uma economia de mercado. Quando da sua ocorrência, o particular não faz jus a qualquer revisão do contrato.
As áleas extraordinárias, por sua vez, se subdividem em áleas administrativas e econômicas[29]. A álea administrativa é aquela imputável à Administração Pública, comportando três espécies: a) alteração unilateral do contrato, com os limites e condições previstos no art. 65, I, da Lei 8666/93; b) fato do príncipe, assim entendidas as medidas de ordem geral, com repercussão no contrato, impostas pela Administração, mas não enquanto parte contratante[30]; e c) fato da Administração, que são os atos praticados pela Administração como parte contratual, porém sem importar alteração de cláusulas do contrato[31]-[32]. Em todas estas situações, caberá revisão do contrato para restabelecimento do equilíbrio contratual, caso este seja rompido.
Por fim, a álea econômica é aquela relacionada à teoria da imprevisão, verificada quando da ocorrência de acontecimento externo ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível e inevitável, que causa um grande desequilíbrio, tornando a execução do contrato excessivamente onerosa para o contratado[33].
Observa-se, portanto, que, embora a ocorrência do fato do príncipe possa dar ensejo à revisão do contrato, este não configura hipótese de álea econômica, mas sim administrativa, em dissonância com o previsto no art. 65, II, “d” da Lei nº 8.666/93 e no art. 81, VI, da Lei nº 13.303/16.
Não obstante as críticas realizadas, o que se extrai do art. 81, VI, da Lei nº 13.303/16, bem como do art. 65, II, “d”, da Lei nº 8.666/93, é que, nos contratos celebrados pela Administração Pública, sua revisão poderá decorrer tanto de álea administrativas quanto de áleas econômicas.
A doutrina diverge sobre a abrangência da revisão contratual em uma e outra hipótese. Isto porque, no direito francês, a teoria da imprevisão (álea econômica) e o fato do príncipe (álea administrativa) são tratados de forma distinta. Naquele ordenamento, apenas as revisões decorrentes do fato do príncipe ensejam compensação integral pela Administração Pública. Nas hipóteses em que se aplica a teoria da imprevisão, ou seja, quando o desequilíbrio decorre de fatos imprevisíveis, externo à responsabilidade de ambas as partes, esta compensação é parcial[34].
Ocorre que o art. 65, II, “d”, da Lei nº 8.666/93, reproduzido no art. 81, VI, da Lei nº 13.303/16 parece não ter se preocupado em realizar esta distinção, o que leva respeitável parte da doutrina, como Maria Sylvia de Pietro, Marçal Justen Filho e outros, a defenderem que os encargos da recomposição do equilíbrio contratual recairão exclusivamente sobre a Administração Pública, mesmo nas hipóteses de desequilíbrio decorrente de álea econômica[35].
Também se alinha a esta corrente o Tribunal de Contas da União (TCU), conforme se depreende do estudo divulgado por meio do Acórdão 2622/2013:
“101. Os riscos associados à álea extraordinária ou extracontratual (fato do príncipe, força maior ou caso fortuito) referem-se a eventos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis. São eventos alheios à vontade das partes contratantes ou estranhos à atividade de implantação do empreendimento. São exemplos: terremoto, inundação imprevisível ou qualquer outro fenômeno natural extraordinário que impossibilite ou retarde a execução do contrato, choque externo de mercado com a elevação extraordinária dos preços, alterações da carga tributária incidente sobre o faturamento, revolta popular incontrolável etc.
102. A ocorrência desses eventos também provoca um desequilíbrio da equação econômico-financeira ou dificulta a execução do contrato nas condições originalmente estipuladas, o que permite a repactuação dos preços por meio de aditivos contratuais, nos termos do art. 57, §1º, inciso II, e art. 65, inciso II, alínea d, da Lei 8.666/1993.”
Depreende-se, portanto, que os contratos celebrados pelas empresas estatais, assim como pela Administração Pública, poderão ser revisados quando da ocorrência de álea extraordinária, seja ela administrativa ou econômica.
Não obstante, nos casos em que se pretenda revisar o contrato em decorrência de álea econômica, hipótese na qual o evento da pandemia do Covid-19 se enquadra, é necessária ainda a observância de outros requisitos.
5. DOS REQUISITOS PARA REVISÃO DO CONTRATO EM CASO DE DESEQUILÍBRIO DECORRENTE DE ÁLEA ECONÔMICA
Considerando-se tudo o quanto exposto até aqui, é possível condensar os requisitos para a revisão dos contratos em cinco: é necessário que (i) os contratos sejam de execução continuada ou de trato sucessivo; (ii) que se verifique a ocorrência de fato superveniente; (iii) que este fato seja imprevisível, ou previsível, porém de consequências incalculáveis; (iv) que não esteja previsto na matriz de risco do contrato como ônus da contratada; e (v) que gere onerosidade excessiva para uma das partes.
Os contratos de execução continuada ou de trato sucessivo não oferecem maiores dificuldades de compreensão, sendo aqueles que tem seu cumprimento previsto de forma contínua ou periódica no tempo. Apenas estes, nos quais as obrigações não são cumpridas imediatamente após a celebração, se sujeitam ao decurso do tempo que pode trazer consigo eventos aptos a alterarem as condições consideradas pelas partes quando da celebração da avença e, consequentemente, o desequilíbrio contratual.
A superveniência do fato deve ser entendida como aquela verificada após a apresentação da proposta comercial por parte da empresa contratada, quando em um processo licitatório, ou da assinatura do contrato, quando se está diante de uma hipótese de contratação direta. Isto porque, até estes momentos, é permitido ao particular alterar sua oferta, de modo a refletir em seu preço qualquer fator que exerça influência na precificação da prestação do serviço ou do fornecimento do bem[36].
As dificuldades maiores se iniciam, portanto, quando da identificação de fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis. Neste ponto, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald[37] alertam que a lei exige fato imprevisível, e não imprevisto. Enquanto o primeiro qualifica o fato, o segundo descreve o estado de espírito do agente. A imprevisibilidade é objetiva, somente se verifica em situações anômalas, extraordinárias, sendo prescindível analisar se as partes previram ou não que determinado evento ocorreria.
De fato, não parece razoável, principalmente em contratos originados de procedimentos licitatórios, que sejam alteradas as bases acordadas em função de omissão ou falta de conhecimento do contratado acerca dos riscos inerentes a um contrato[38].
A lei tutela os riscos anormais a que um contrato pode estar sujeito, aqueles que nenhum cálculo racional econômico permitiria considerar, mas deixa ao encargo dos contratantes os riscos tipicamente conexos com a natureza do contrato celebrado, que se inserem no andamento natural daquele dado mercado, independente de terem ou não sido previstos.
A revisão também pode ser admitida quando as consequências de eventos tido como previsíveis (como guerras, catástrofes ou mesmo altas inflacionárias) são de intensidade tão drástica que fogem de qualquer possibilidade prévia de mensuração. Neste sentido, o Enunciado nº 175 da III Jornada de Direito Civil – CEJ/CJF, o qual proclama que “a menção à imprevisibilidade e à extraordinariedade, insertas no art. 478 do Código Civil, deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às consequências que ele produz”.
Para que o particular faça jus à revisão do contrato, também é necessário que o evento não esteja previsto na matriz de risco contratual como um ônus seu, conforme preceitua o § 8º do art. 81 da Lei nº 13.303/16:
Art. 81. Os contratos celebrados nos regimes previstos nos incisos I a V do art. 43 contarão com cláusula que estabeleça a possibilidade de alteração, por acordo entre as partes, nos seguintes casos:
§ 8º É vedada a celebração de aditivos decorrentes de eventos supervenientes alocados, na matriz de riscos, como de responsabilidade da contratada.
A matriz de risco é uma cláusula essencial dos contratos regidos pela Lei nº 13.303/16[39]. O art. 42, X, da Lei nº 13.303/16 fornece o conceito de matriz de risco como “cláusula contratual definidora de riscos e responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação”.
Entre as informações que devem estar previstas nesta cláusula, consta a listagem de possíveis eventos supervenientes à assinatura do contrato, impactantes do equilíbrio econômico-financeiro da avença, e previsão de eventual necessidade de celebração de termo aditivo quando de sua ocorrência (art. 42, X, alínea “a”).
O referido dispositivo rompe com a lógica de que a ocorrência de eventos supervenientes aptos a alterar o equilíbrio contratual necessariamente dará ensejo à revisão do contrato[40]. A Lei n.º 13.303/16 admite que a Administração Pública atribua ao particular o ônus da ocorrência de alguns eventos que, em regra, seriam por ela suportados, o que deverá ser considerado em caso de eventual alegação de desequilíbrio contratual, conforme observa o autor Marçal Justen Filho:
“Dessa forma deve ser observada a parte final do art. 42, X. O mencionado dispositivo estabelece ser a distribuição de riscos e responsabilidades definida no contrato “a caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiros decorrentes de eventos supervenientes”. É preciso que fique claro, então, que a matriz de risco deverá ser incorporada pela proposta aceita pela empresa contratada – esta, sim, caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
A proposta é o documento que materializará as condições que manterão o contrato equilibrado, estabelecendo os parâmetros a serem observados em casos de alterações por eventos supervenientes que abalem a sua estrutura. A matriz de risco será o guia referencial dos contratantes sobre os impactos de fatos supervenientes que serão absorvidos durante a execução contratual (seja com a necessidade de tomada de ações preventivas, contratação de seguros, pagamento de indenizações e reparação de danos, etc.), tornando a noção de equilíbrio contratual mais dinâmica” [41].
Outro requisito que oferece grandes desafios aos interpretes no âmbito da revisão dos contratos é aquele relacionado ao rompimento da relação entre os encargos do contratado e a retribuição da administração, que pode ser entendido como análogo à onerosidade excessiva do art. 478 do CC ou à “desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução” do art. 317 do Código Civil, ou seja, diz respeito ao desequilíbrio contratual propriamente dito.
Isto porque, salvo raras exceções[42], o ordenamento jurídico não indica objetivamente o que caracterizaria o desequilíbrio ou a onerosidade excessiva em um contrato. Na doutrina, embora os autores busquem definir este requisito essencial para revisão dos contratos, o que se observa são visões diversas acerca do assunto, sem que se alcance qualquer consenso.
Na brilhante obra “Equilíbrio contratual e dever de renegociar”, o autor Anderson Schreiber faz minuciosa análise dos requisitos do art. 478 do Código Civil, destacando alguns entendimentos sobre o que de fato seria a onerosidade excessiva:
“Para parte da doutrina, trata-se de um agravamento notável no ‘custo’ da própria prestação, entre o momento da conclusão do contrato e o momento do cumprimento. Outros autores não aludem ao custo, mas ao ‘valor’ da prestação. Para uma terceira parcela da doutrina, a excessiva onerosidade diz respeito à ‘perda’ ou ‘destruição’ da relação de equivalência entre as prestações do contrato – compara-se, portanto, não o custo ou valor da prestação ao longo do tempo, mas sim a relação existente entre as prestações no momento e ao tempo de execução. Há, ainda, autores que vinculam a excessiva onerosidade à impossibilidade de realização do fim contratual ou ‘finalidade legitimamente esperada da relação obrigacional’.”[43]
Independente da corrente que se filie, permanece o questionamento com relação ao quantum necessário para caracterização do desequilíbrio econômico. Qualquer aumento no custo ou no valor da prestação, ou, noutro giro, qualquer alteração na relação existente entre as prestações é apta a ensejar a revisão do contrato?
O autor Marçal Justen Filho defende que o particular que contrata com a Administração Pública tem direito de exigir o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato se seus encargos forem ampliados quantitativamente ou tornados mais onerosos qualitativamente[44].
Maria Sylvia Di Pietro, no entanto, destaca que para que os contratos sejam revisados é necessário, entre outros fatores, que se verifique um “desequilíbrio muito grande no contrato”[45].
O Tribunal de Contas da União parece compartilhar do entendimento de Maria Sylvia Di Pietro, ao mencionar em seus julgados que a revisão do contrato somente é cabível diante da “inviabilidade de execução do contrato”[46] ou de “desequilíbrio insustentável”[47].
De acordo com o autor Anderson Schreiber[48], a não previsão de uma medida fixa para avaliação da excessiva onerosidade foi uma opção legislativa, que se repete em outras codificações estrangeiras, como a italiana, argentina, peruana e portuguesa. Esta alternativa, embora permita uma análise considerando o caso concreto, muitas vezes provoca hesitações e inseguranças para aplicação do instituto da revisão contratual, principalmente nos contratos sujeitos a controle externo, como aqueles regidos pela Lei nº 13.303/16.
No entanto, é de extrema importância que o instituto seja adequadamente aplicado, de modo a evitar inseguranças jurídicas e contingências indevidas, conforme alerta Marçal Justen Filho:
“A tutela ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos destina-se a beneficiar à própria Administração. Se os particulares tivessem de arcar com as consequências de todos os eventos danosos possíveis, teriam de formular propostas mais onerosas. A administração arcaria com custos correspondentes a eventos meramente possíveis – mesmo quando inocorressem, o particular seria remunerado por seus efeitos meramente potenciais. É muito mais vantajoso convidar os interessados a formular a menor proposta possível: aquela que poderá ser executada se não se verificar qualquer evento prejudicial ou oneroso posterior. Concomitantemente, assegura-se ao particular que, se vier a ocorrer o infortúnio, o acréscimo de encargos será arcado pela Administração. Em vez de arcar sempre com o custo de eventos meramente potenciais, a Administração apenas responderá por eles se e quando efetivamente ocorrerem. Trata-se, então, de reduzir os custos de transação atinentes à contratação com a Administração Pública. [49]”
Considerando que este estudo se debruça sobre desequilíbrios contratuais no âmbito de contratos regidos pela Lei nº 13.303/16, sujeitos, portanto, à fiscalização do Tribunal de Contas da União, é salutar conhecer o entendimento da referida Corte de Contas sobre os requisitos que devem estar presentes para configuração do desequilíbrio e, consequentemente, para a revisão contratual.
6. DO ENTENDIMENTO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO SOBRE DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL
Para subsidiar o presente trabalho, foram analisados vinte e cinco Acórdãos proferidos pelo Tribunal de Contas da União, entre os anos de 2000 e 2017, versando de alguma forma sobre revisão de contratos em função de desequilíbrios contratuais. O que se observa é uma evolução de entendimento da referida Corte de Contas, com relação a eventos que podem ou não dar ensejo à revisão contratual, bem como uma metodologia que deve ser seguida para análise de eventual pleito de desequilíbrio contratual.
Na maioria dos casos, o que se notou foi que a revisão contratual foi tida por irregular em função da não observância dos requisitos relacionados à teoria da imprevisão ou a não adoção de algumas cautelas entendidas pelo Tribunal como imprescindíveis à apuração do desequilíbrio contratual.
Tal fato demonstra que não é o quantum relacionado à onerosidade excessiva o maior desafio à aplicação do instituto da revisão contratual, mas sim a falta de observância de todos os requisitos exigidos para demonstração de efetivo desequilíbrio[50].
As decisões do Tribunal de Contas da União exigem, por óbvio, que todos os requisitos relacionados à teoria da imprevisão estejam presentes. Sendo assim, somente desequilíbrios verificados em contratos de execução continuada ou diferida, decorrentes de eventos supervenientes, alheios à álea contratual ordinária, não previsto na matriz de risco contratual como ônus da contratada e que causem onerosidade excessiva a uma das partes, a qual deverá ser objetivamente demonstrada e justificada, podem dar ensejo à repactuação do contrato.
Além desses requisitos, outras medidas são exigidas para configuração de hipótese de revisão contratual, as quais serão abordadas a seguir.
A primeira medida exigida em boa parte das decisões do TCU foi a demonstração cabal do desequilíbrio alegado, competindo a contratada o ônus desta comprovação. A referida Corte de Contas entende que meras alegações de incrementos nos custos sem a demonstração objetiva do impacto nos contrato são insuficientes:
“A alegação genérica da crise como motivo para o reequilíbrio de contratos administrativos não se sustenta, sendo imprescindível a comprovação do reflexo desses fatos nos custos específicos de cada obra.
A contratada instruiu o pedido de recomposição com notícias de jornais especializados e notas fiscais de aquisição de insumos, sem que a documentação demonstre o aumento repentino ou a álea extraordinária.” (Acórdão 12.460/2016 - 2ª Câmara)
Para esta demonstração, podem ser consideradas as notas fiscais de aquisição dos insumos para prestação do serviço ou fornecimento dos bens, uma vez que estes documentos permitem verificar se a contratada de fato adquiriu os insumos nos períodos em que estes apresentavam valor majorado:
“Assim, o construtor seria beneficiado, pois teria sua remuneração majorada por índices que foram afetados ao menos parcialmente pelo câmbio, mas não incorreria em custos adicionais, haja vista que adquiriu os bens importados antes da depreciação do Real. Em outra circunstância, na qual o contratado ainda não tivesse incorrido nos gastos atrelados ao câmbio, certamente uma variação anômala da moeda poderia justificar o reequilíbrio. Portanto, pleitos do gênero não podem se basear exclusivamente nos preços contratuais ou na variação de valores extraídos de sistemas referenciais de custos, sendo indispensável que se apresentem outros elementos adicionais do impacto cambial, tais como a comprovação dos custos efetivamente incorridos no contrato, demonstrados mediante notas fiscais.” (Acórdão 1.085/2015 – Plenário)
A verificação da majoração dos custos se dará por meio de comparação entre o custo atual e aquele previsto na proposta do particular. Para tanto, é necessário que a proposta possua um adequado demonstrativo de formação de preço (DFP) que permita conhecer os quantitativos, bem como índices de produtividade, considerados pela empresa formação do seu preço:
“Em sede de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, repita-se à exaustão, devem ser comprovados os custos inicialmente considerados (estes por meio das cotações obtidas à época da proposta ou por meio de DFP apresentado com a proposta) e os custos efetivamente incorridos (estes por meio de contratos assinados e/ou notas fiscais) (Acórdão 3.495/2012 – Plenário)
Indispensável que a revisão de preços encontrasse amparo na teoria da imprevisão dos contratos administrativos. Somente se admite a repactuação, quando decorre de fato: a) superveniente; b) imprevisível, ou previsível, mas de consequências incalculáveis; c) alheio à vontade das partes; e d) que provoque grande desequilíbrio ao contrato. A elevação anormal do preço de serviço, decorrente de variação inesperada dos seus custos, pode motivar a revisão dos preços contratados, desde que observados todos os pressupostos legais. Tal situação deve ser objetiva e exaustivamente demonstrada. A comprovação da necessidade de reajustamento do preço, resultante da suposta elevação anormal de custos, exige a apresentação das planilhas de composição dos preços contratados, com todos os seus insumos, e dos critérios de apropriação dos custos indiretos da contratada.” (Acórdão 2.408/2009-TCU-Plenário)
O Tribunal de Contas da União exige, ainda, que a avaliação dos impactos no contrato seja ampla, não se restringindo apenas aos custos alegados como majorados. Isto porque, embora alguns itens possam ter seu custo majorados em função de um fato imprevisível e extraordinário, eventualmente, outros podem ter sido reduzidos, ocorrendo uma compensação entre eles. Sendo assim, apenas uma avaliação ampla pode permitir que se avalie verdadeiramente se o contrato se encontra ou não desequilibrado.
Esta avaliação ampla, no entanto, não significa que seja necessário revisitar o valor de todos os insumos. Da mesma forma que o que se avalia no desequilíbrio são as majorações relevantes, compatível com a teoria da imprevisão, somente as reduções também verificadas nestas proporções devem ser consideradas:
“Importa destacar que eventual desequilíbrio econômico-financeiro não pode ser constatado a partir da variação de preços de apenas um serviço ou insumo. A avaliação da equidade do contrato deve ser resultado de um exame global da avença, haja vista que outros itens podem ter passado por diminuições de preço. (Acórdão 1466/2013 – Plenário do TCU. Relator: Min. Ana Arraes, 12/06/2013)
Cabe ao gestor, agindo com a desejável prudência e segurança, aplicar o reequilíbrio fazendo constar, dos autos do processo, análise que demonstre, inequivocamente, os seus pressupostos, de acordo com a teoria da imprevisão, juntamente com análise global dos custos da avença, incluindo todos os insumos relevantes e não somente aqueles sobre os quais tenha havido a incidência da elevação da moeda estrangeira, de forma que reste comprovado que as alterações nos custos estejam acarretando o retardamento ou a inexecução do ajustado na avença.” (1431/2017 – plenário)
“Em outras palavras, a análise para demonstração de desequilíbrio econômico-financeiro em contrato administrativo não requer que se considerem, como procedimento geral, todas as variações ordinárias nos preços dos insumos contratados – cobertos naturalmente pelos índices de reajustamento da avença –, mas apenas alterações de preços significativas e imprevisíveis (ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis), capazes de justificar a aplicação da teoria da imprevisão.
(...)
Mais uma vez, importante deixar claro que o instituto da revisão (ou recomposição) aplica-se diante de quadro de imprevisibilidade (ou de previsibilidade, porém diante de consequências incalculáveis) e de grande impacto na relação contratual, sendo desarrazoado exigir-se, como regra geral, o cômputo de todas as possíveis variações de preços sofridas pelos insumos, as quais se inserem, via de regra, em álea ordinária afeta ao risco do contratado.
Essa possibilidade jurídica não implica dizer que a Administração está autorizada a omitir-se em investigar outras modificações contratuais de ordem extraordinária que possam modificar a equação econômico-financeira. Essa análise ampliativa é necessária e faz todo sentido como mecanismo de identificação de mudanças ou comportamentos imprevisíveis e atípicos (teoria da imprevisão, por exemplo) em outros itens do contrato. Uma vez identificados, a próxima etapa consistirá no cálculo final dessas variações extraordinárias para efeito de se restabelecer o reequilíbrio econômico-financeiro.” (Acórdão 1604/2015 – plenário)
Importante também destacar o entendimento do TCU no sentido de que majorações de custos que não sejam compensadas em sua integralidade pelo reajuste contratual, não importam necessariamente desequilíbrio contratual. A Corte de Contas reconhece que as fórmulas de reajuste nem sempre acompanham o mercado pari passu e que, portanto, uma majoração de custos acima dos índices contratuais não caracteriza a ocorrência de fato extraordinário e imprevisível.
Não obstante, nos casos em que a majoração de custos de fato decorra de evento extraordinário e superveniente, atraindo a possibilidade de revisão do contrato, a proximidade da data de incidência do reajuste contratual deve ser considerada, uma vez que sua aplicação poderá, senão reequilibrar o contrato, ao menos mitigar o impacto alegado. Sendo assim, o gestor deve considerar este fato na sua análise, evitando que o reajuste se sobreponha à revisão do contrato e concedendo vantagem indevida à contratada:
“A oscilação normal dos preços presentes em economias estabilizadas não constitui fato capaz de justificar repactuação contratual com amparo na teoria da imprevisão, como quiseram os defendentes. Tal teoria socorre os contratantes nas hipóteses de ocorrência de fato do príncipe, fato da administração ou ainda em decorrência de caso fortuito ou força maior, o que não se confunde com mera oscilação de preços, típica da acomodação do mercado.” (Acórdão 7249/2016 - 2ª câmara)
“A mera variação de preços de mercado não é suficiente para determinar a realização de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, sendo essencial a presença de uma das hipóteses previstas no art. 65, inciso II, alínea 'd', da Lei 8.666/93. Diferenças entre os preços contratuais reajustados e os de mercado é situação previsível, já que dificilmente os índices contratuais refletem perfeitamente a evolução do mercado.” (12.460/2016-TCU-2ª Câmara)
“A IS-DG 2/2015 estabelece critérios para a recomposição de preços dos insumos (...) não considera situações que podem não resultar em impacto acentuado na relação contratual, seja por que o seu estágio avançado de execução denota saldo pequeno de serviços contendo insumos betuminosos – e, por consequência, reflexo financeiro aparentemente suportável no período de incidência da norma –, com maior razão quando essa constatação é reforçada pelo confronto com o total de medições (em termos financeiros), realizadas e previstas, no período de validade do normativo (entre janeiro/2015 e o próximo reajuste anual); seja por que a data de reajuste anual (data de “aniversário”) leva à presunção de reequilíbrio ordinário em função da recomposição devida à incidência dos índices contratuais.” (1604/2015 – plenário)
“O reequilíbrio contratual decorrente da recomposição deve levar em conta os fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, que não se confundem com os critérios de reajuste previstos contratualmente. Portanto, a recomposição concedida após o reajuste deverá recuperar o equilíbrio econômico-financeiro apenas aos fatos a ela relacionados. Na hipótese de ser possível um futuro reajuste após concedida eventual recomposição, a Administração deverá estabelecer que esta recomposição vigorará até a data de concessão do novo reajuste, quando então deverá ser recalculada, de modo a expurgar da recomposição a parcela já contemplada no reajuste e, assim, evitar a sobreposição de parcelas concedidas, o que causaria o desequilíbrio em prejuízo da contratante.” (Acórdão 1431/2017 – Plenário. Relator: VITAL DO RÊGO 21 de junho de 2017).
Por fim, é consenso na doutrina que as partes devem adotar medidas aptas a afastar ou mitigar os impactos que podem advir principalmente de eventos supervenientes e previsíveis, porém de consequências incalculáveis. Nesse sentido, o autor Marçal Justen Filho leciona que se uma das partes tomar conhecimento da iminência da concretização de um fato relevante e permanecer omissa, será responsável pelos prejuízos que uma atuação diligente poderia ter evitado[51].
O TCU adota entendimento semelhante nos casos de desequilíbrio contratual, entendendo que impactos que poderiam ser evitados pela adoção de medidas mitigadoras não são aptos a justificar a revisão do contrato:
“De fato, nem o edital nem o contrato exigiam tal proteção, ela deveria ser do interesse da contratada, a quem competia gerenciar seus próprios riscos de modo a garantir a execução do contrato. Ora, a não-proteção pode ter representado uma economia que tornou a empresa mais competitiva no procedimento licitatório. Quando a empresa solicita um reajuste de preços que poderia ter sido evitado, caso tivesse se protegido através de instrumentos financeiros, como é usual no caso de empresas que comercializam produtos muito sensíveis a variações cambiais, ela tenta se eximir de risco do qual se beneficiou para ganhar o certame. Ao optar por não contratar instrumentos de proteção, a empresa pode ganhar competitividade e, consequentemente, pode vir a vencer o certame, motivo pelo qual deve de fato assumir esse risco, e não tentar repassá-lo à Administração.” (2.837/2010 –Plenário)
7. RECOMENDAÇÕES PARA OS CONTRATOS EM VIGOR E PARA OS QUE SERÃO CELEBRADOS
Após a análise de todos os requisitos previsto no art. 81, VI, da Lei nº 13.303/16, é possível afirmar que os impactos da pandemia de Covid-19 nos custos e prazos de execução dos contratos de engenharia celebrados pelas empresas estatais podem dar ensejo à revisão do contrato, uma vez que resultam de evento superveniente e imprevisível.
Para que o contrato seja revisado, no entanto, será necessário avaliar o impacto que estes custos adicionais tiveram no contrato, de modo a demonstrar a onerosidade excessiva no caso concreto. Ademais, será necessário avaliar se algum custo reivindicado decorre de risco atribuído à própria contratada na matriz de risco contratual.
A análise da matriz de risco contratual deve ser feita com certa parcimônia, uma vez que, em regra, se prevê como risco da contratada alguns eventos relacionados ao atraso na conclusão dos serviços. Contudo, deve-se ter em mente que esta previsão se refere às situações comuns em que a contratada está no controle do gerenciamento da prestação do serviço.
Quando os atrasos decorrem de uma pandemia e se verificam independente da adoção de medidas mitigadoras pela contratada, não é possível imputar-lhe a responsabilidade e custos decorrentes desta situação, sob pena de desvirtuar o direito ao equilíbrio contratual garantido pela Constituição Federal.
Desde o início da pandemia, diversos eventos acadêmicos se predispuseram a debater as consequências da pandemia nos contratos e as medidas que poderiam ser adotadas para a resolução dos problemas. A doutrina parece uníssona no entendimento de que a melhor estratégia é a tentativa de negociação entre as partes, evitando litígios que implicam mais custos adicionais e, por muitas vezes, também decisões que não atendem aos anseios de nenhuma das partes.
O prazo para negociação também é relevante. Quanto antes eventual desequilíbrio for solucionado, mais rápido o ritmo de execução do contrato é retomado. O fato de o contrato ainda estar sofrendo impactos da pandemia não impede o início da negociação. É possível que as partes acordem uma linha de corte, estabelecendo que os impactos serão analisados até determinado momento. Posteriormente, nova análise pode ser feita avaliando o período remanescente.
Para os contratos que serão celebrados no curso da pandemia, é importante que se preveja antecipadamente a quem caberá arcar com os custos relacionados às medidas de prevenção, uma vez que atualmente não se trata mais de evento superveniente e imprevisível, mas sim de custos inerentes à execução do objeto contratual.
Por outro lado, é possível que estes custos não permaneçam os mesmos ou não sejam incorridos pela contratada até o final do contrato, em função do comportamento irregular da doença ou da possibilidade de disponibilização de uma vacina. Sendo assim, é recomendável que estes custos sejam remunerados por meio de mecanismos flexíveis ou que já se preveja que o contrato será revisto em caso de mudança do cenário contratual.
Por fim, embora ainda não se tenha ciência de alternativa que possa mitigar de forma relevante os impactos verificados nos contratos de engenharia, é importante permanecer atento ao que o mercado de seguro pode passar a oferecer após a ocorrência desta pandemia e diante das chances de novos eventos similares.
8. CONCLUSÃO
Em razão da importante função que os contratos exercem na nossa sociedade, a lei atribui a estes negócios jurídicos uma força cogente, devendo as partes cumprir com as obrigações assumidas, sob pena de responderem por perdas e danos decorrentes do seu inadimplemento.
Não obstante, há situações em que se admite certa flexibilização desta vinculação obrigatória dos contratos, para que os contratantes não sejam submetidos a sacrifícios excessivos para cumprimento de suas obrigações. Ou seja, havendo alterações substanciais das condições existentes ao tempo da celebração da avença, os contratantes poderão ser liberados de seus encargos.
Isto se verifica nas hipóteses de ocorrência de caso fortuito ou força maior, nas quais, em função de ocorrência de fato necessário, superveniente e irresistível, a prestação se torna impossível de ser prestada, sendo o devedor liberado de sua obrigação sem que, no entanto, responda pelas perdas e danos decorrentes deste inadimplemento.
Por outro lado, caso a prestação contratual não se torne impossível, porém haja alteração significativa no equilíbrio do contrato, em função de evento superveniente, imprevisível ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, sob os quais o contratante não se responsabilizou, as bases contratuais devem ser revistas, de modo a recompor o equilíbrio contratual.
A pandemia do Covid-19, no âmbito dos contratos de engenharia, se insere neste contexto, uma vez que, embora sejam raros os casos em que o evento tenha impossibilitado a continuidade dos contratos, certamente causou atrasos e impactos que vem sendo pleiteados pelas empresas contratadas.
Nos contratos celebrados pelas empresas estatais e pela Administração Pública, a falta de critérios objetivos para aferição deste alegado desequilíbrio contratual aliado ao controle exercido pelos órgãos de controle, com possibilidade de responsabilização dos gestores, traz insegurança para aplicação do relevante instituto da revisão contratual.
Com objetivo de conferir aos gestores maiores subsídios para identificação dos casos em que a revisão contratual deve ser realizada, este estudo buscou esclarecer quais são os requisitos legais que devem estar presentes para que o contrato seja repactuado.
Ademais, foi analisada a jurisprudência do TCU acerca da aplicação do instituto, buscando uma diretriz sobre a forma adequada de aferição do desequilíbrio contratual. O que se observou é que, na maioria dos casos, a revisão contratual foi entendida como irregular não em razão do quantum alterado na relação entre os encargos do contratado e a retribuição da administração, mas sim por não se ter observado os requisitos previstos na própria legislação para aplicação do instituto ou não adoção das cautelas apontadas pelo TCU como imprescindível na análise de eventual desequilíbrio contratual.
O estudo, portanto, destaca a importância do conhecimento dos requisitos legais para aplicação do instituto da revisão contratual, bem como do entendimento do Tribunal de Contas da União sobre a metodologia de análise de pleitos relacionados a desequilíbrio contratual, recomenda medidas para recomposição dos contratos e sugere medidas a serem observadas nos contratos que estão sendo celebrados no curso desta pandemia.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Fernando Dias Menezes. Contratos administrativos in Jabur, Gilberto Haddad & Pereira Junior, Antonio Jorge (coord.). Direito dos Contratos II – São Paulo: Quartier Latin, 2008.
BRASIL. Código Civil. Brasília: Senado Federal, 2001. Disponível em http://www.senadofederal.gov.br Acesso em set. de 2020
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em http://www.senadofederal.gov.br Acesso em set. de 2020.
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Brasília: Senado Federal, 1993. Disponível em http://www.senadofederal.gov.br Acesso em set. de 2020.
BRASIL. Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016. Brasília: Senado Federal, 2016. Disponível em http://www.senadofederal.gov.br Acesso em set. de 2020.
Brasil. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília : TCU, Secretaria-Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 2- volume: teoria geral das obrigações - 22. ed. rev. e atual, de acordo com a Reforma do CPC — São Paulo: Saraiva, 2007.
FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: contratos - 7. ed. rev e atual. - Salvador; Ed. JusPodivm, 2017.
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, v. 4, tomo I: contratos, teoria geral – 13.ed. – São Paulo: Saraiva, 2017.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações – 14. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos - Ed. 2019: Revista dos Tribunais.
Estatuto jurídico das empresas estatais [livro eletrônico]: Lei 13.303/2016 – “Lei das Estatais” –1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
LOTUFO, Renan. Código civil comentado: obrigações - parte geral (arts. 233 a 420), volume 2 – São Paulo: Saraiva, 2003.
MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo – 26 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – V. II / Atual. Guilherme Calmon Nogueira da Gama. – 29. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo – 31. ed. rev. atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.
SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único – 8. ed. rev, atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.
[1] No mês de abril e maio, o setor apresentou crescimento de 0,25% e 0,17%, respectivamente. Dados extraídos do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil – SINAPI. Disponível em https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/precos-e-custos/9270-sistema-nacional-de-pesquisa-de-custos-e-indices-da-construcao-civil.html?=&t=o-que-e
[2] Não obstante, a decisão de continuidade das atividades ficou a cargo das autoridades estaduais ou municipais, tendo em vista a decisão do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 6341 que assegurou aos estados e municípios a competência comum para legislar sobre saúde pública (artigo 23, inciso II, da Constituição Federal).
[3] O art. 68 da Lei nº 13.303/16 estabelece que os contratos das empresas estatais são regidos por aquela Lei, suas cláusulas e pelos preceitos de direito privado. Sendo assim, o estudo das disposições do Código Civil acerca da revisão dos contratos é imprescindível para uma compreensão adequada do instituto também nos contratos celebrados pelas empresas estatais.
[4] GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, v. 4, tomo I: contratos, teoria geral – 13.ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. pp. 63.
[5] A Lei 48 do Código de Hammurabi, grafado em pedra 2.700 anos antes de nossa era, já trazia latente esta teoria, ao estabelecer que “se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o campo ou destrói a colheita, ou por falta de água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano”.
[6] Neste sentido o art. 422 do CC, o qual dispõe que “a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato”.
[7] SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
[8] Ibidem pp. 58.
[9] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
[10] Brasil. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília : TCU, Secretaria-Geral da Presidência : Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010. pp. 811.
[11] Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.
[12] Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações – 14. ed. – São Paulo: Saraiva, 2017. pp.185.
[13] Parecer nº 261/2020/CONJUR-MINFRA/CGU/AGU.
[14] Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
[15] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 2- volume: teoria geral das obrigações - 22. ed. rev. e atual, de acordo com a Reforma do CPC — São Paulo: Saraiva, 2007. pp. 368.
[16] Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:
XVII - a ocorrência de caso fortuito ou de força maior, regularmente comprovada, impeditiva da execução do contrato.
[17] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil – V. II / Atual. Guilherme Calmon Nogueira da Gama. – 29. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2017. pp. 340.
[18] Pietro, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo – 31. ed. rev. atual e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. pp. 370.
[19] Para os casos de desequilíbrio decorrente de perda do poder aquisitivo da moeda, em função do decurso do tempo, os mecanismos são o reajuste, a atualização monetária e a correção monetária.
[20] Para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, o art. 478 adere à teoria da imprevisão, enquanto o art. 317 aproxima-se da teoria da excessiva onerosidade.
[21] LOTUFO, Renan. Código civil comentado: obrigações - parte geral (arts. 233 a 420), volume 2 – São Paulo: Saraiva, 2003.
[22] Em sentido contrário o Enunciado 367 do Conselho da Justiça Federal prevê que, “em observância ao princípio da conservação do contrato, nas ações que tenham por objeto a resolução do pacto por excessiva onerosidade, pode o juiz modifica-lo equitativamente, desde que ouvida a parte autora, respeitada a sua vontade e observado o contraditório.
[23] Neste sentido, TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único – 8. ed. rev, atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.
[24] Filiam-se a esta corrente Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Novo curso de direito civil, v. 4, tomo I: contratos, teoria geral, cit.
[25] SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 182.
[26] O único elemento do art. 478 que não encontra paralelo no art. 317 é a extrema vantagem para outra parte. A jurisprudência, tanto das cortes judiciais como a do Tribunal de Contas da União, pouco trata deste elemento, muitas vezes presumindo sua existência quando verificada a excessiva onerosidade da outra parte, motivo pelo qual deixa-se de abordar este requisito no presente estudo. Para aprofundamento do assunto, sugere-se a leitura da obra “Equilíbrio contratual e dever de renegociar”, de Anderson Schreiber, na qual o autor realiza profunda análise e sugere uma proposta interpretativa para este elemento.
[27] Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:
II - por acordo das partes:
d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
[28] Poderia se argumentar que a intenção do legislador, ao incluir estes institutos no art. 65, II, d da Lei nº 8.666/93 e no art. 81, VI da Lei nº 13.303/16, era admitir que desequilíbrios contratuais decorrentes de situação imprevisíveis, quando não impossibilitarem o cumprimento da obrigação, poderão dar ensejo à revisão do contrato. Contudo, esta hipótese já está expressamente prevista no dispositivo, que faz menção à “fatos imprevisíveis”.
[29] MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo – 26 ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores. pp.733.
[30] Um exemplo de fato do príncipe é a situação de aumento da alíquota do imposto de importação pela União que onera a execução de contrato com ela celebrado, dado que a matéria-prima importada sofre aumento do valor.
[31] Um exemplo de fato da Administração é a não liberação, pela Administração, de área, local ou objeto para execução de obra ou serviço.
[32] ALMEIDA, Fernando Dias Menezes. Contratos administrativos in Jabur, Gilberto Haddad & Pereira Junior, Antonio Jorge (coord.). Direito dos Contratos II – São Paulo: Quartier Latin, 2008.
[33] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, cit., p. 367.
[34] MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo, cit. pp. 734
[35] Com entendimento oposto, Fernando Dias Menezes de Almeida, o qual defende que desequilíbrios provocados por áleas econômicas garantem recomposição parcial, com mecanismo de repartição dos ônus adicionais entre as partes, tendo em vista não se tratar de causa imputável à Administração Pública (Contratos administrativos in Jabur, Gilberto Haddad & Pereira Junior, Antonio Jorge (coord.). Direito dos Contratos II – São Paulo: Quartier Latin, 2008).
[36] Neste sentido, Acórdão 2408/2009 Plenário do Tribunal de Contas da União, o qual entendeu “descabida a alegação de desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, no próprio mês de apresentação da proposta, porque fatos contemporâneos a sua elaboração não atendem aos critérios de superveniência e imprevisibilidade”.
[37] FARIAS, Cristiano Chaves de e ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil: contratos - 7. ed. rev e atual. - Salvador; Ed. JusPodivm, 2017. p. 614 – 615.
[38] Neste sentido o Enunciado nº 439 do Conselho de Justiça Federal dispõe que "é possível a revisão ou resolução por excessiva onerosidade contratos aleatórios, desde que o evento superveniente, extraordinário e imprevisível não se relacione com a álea assumida no contrato".
[39] Art. 69. São cláusulas necessárias nos contratos disciplinados por esta Lei:
X - matriz de riscos.
[40] Trata-se de um instrumento que, quando bem utilizado, pode trazer economicidade ao contrato, uma vez que confere transparência sobre quais riscos o particular de fato está sujeito e quais as contingências devem ser consideradas na sua proposta. Conhecendo adequadamente o contrato, é possível atribuir à parte que detém melhor condições de mitigar ou lidar com as consequências de determinado evento, o ônus da sua ocorrência.
O Professor Marçal Justen Filho, no entanto, alerta que deve ser evitado a previsão de termos residuais e genéricos na matriz de risco, que determinem, por exemplo, que todos os fatos supervenientes, que não esteja, discriminados na listagem são atribuídos ao particular, uma vez que esta medida cria uma obrigação impossível, já que não será possível ao particular contingenciar e precificar todos os riscos sobre os quais estará sujeito, desvirtuando assim o objetivo da matriz de risco.
[41] JUSTEN FILHO, Marçal. Estatuto jurídico das empresas estatais [Lei 13.303/2016 – “Lei das Estatais”] – Revista dos Tribunais. Disponível em https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/115834883/v1/document/117238713/anchor/a-117238713. Acesso setembro/2020.
[42] O art. 620 do Código Civil prevê que “se ocorrer diminuição no preço do material ou da mão-de-obra superior a um décimo do preço global convencionado, poderá este ser revisto, a pedido do dono da obra, para que se lhe assegure a diferença apurada”. Embora o referido dispositivo se aplique a contratos de empreitada, que apresentam certa similaridade aos contratos de engenharia celebrados pela empresas estatais, o Tribunal de Contas da União não utiliza este dispositivo como parâmetro para determinação de desequilíbrio contratual.
[43] SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 177.
[44] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos - Ed. 2019: Revista dos Tribunais. Art. 65. Disponível em https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/codigos/98527100/v18/page/RL-1.14
[45] Pietro, Maria Sylvia Zanella Di. Direito administrativo, cit,. pp 369.
[46] Acórdão 3495/2012 – Plenário e Acórdão 12460/2016 - Segunda Câmara.
[47] Acórdão 300/2013 – Plenário.
[48] SCHREIBER, Anderson. Equilíbrio contratual e dever de renegociar, cit., p. 222.
[49] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. Op. cit. Art. 65.
[50] Embora o Acórdão 2.365/2010-TCU-Plenário não tenha considerado a revisão contratual realizada pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) irregular em função, exclusivamente, do percentual de incremento dos custos, mas sim da não demonstração de que o desequilíbrio contratual decorreu das hipóteses previstas na lei, o referido Acórdão faz interessante menção a este ponto, que merece ser aqui registrada:
“Como dizer que uma variação de preços da ordem de 0,771% (após reajustes e na celebração do 6º termo aditivo) ou de 2,9% (após 7º termo aditivo) se enquadraria com fato previsível de conseqüências incalculáveis? A simples demonstração dessa pequena variação de preços (em termos percentuais) não demonstra que conseqüências incalculáveis adviriam do não realinhamento dos preços do contrato em questão”.
[51] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. Op. cit. Art. 78.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ; Pós Graduada em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas; Advogada da Petróleo Brasileiro S.A - PETROBRAS
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, KELEN DE SOUZA. A Pandemia do Covid-19 e os contratos de obras celebrados por empresas estatais: uma análise de desequilíbrio contratual na Lei nº 13.303/16 e do entendimento do Tribunal de Contas da União Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2020, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55471/a-pandemia-do-covid-19-e-os-contratos-de-obras-celebrados-por-empresas-estatais-uma-anlise-de-desequilbrio-contratual-na-lei-n-13-303-16-e-do-entendimento-do-tribunal-de-contas-da-unio. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.