MÁRCIO SOUSA PRIMO[1]
(coautor)
MARCELO CARMELENGO BARBOZA[2].
(Orientador)
Resumo: O presente artigo objetiva analisar a possibilidade ou impossibilidade legal da interrupção do fornecimento de energia elétrica, uma vez que essa é tida como serviço público essencial, em face de sua extrema necessidade por parte dos consumidores brasileiros, vislumbrando-se a ótica dos regramentos federais, da doutrina, da jurisprudência bem como da Constituição Federal. A Lei Federal nº 8.078/90, reconhece a vulnerabilidade do consumidor diante das ações do Estado, em face dos abusos cometidos pelos detentores do poder econômico. Sob esta celeuma, surgem os conflitos doutrinários e jurisprudenciais tendo em vista a existência de correntes que defendem a legalidade ou a ilegalidade da interrupção da prestação dos serviços públicos essenciais, ante o Princípio da Continuidade. Em suma, a supressão do fornecimento de energia elétrica muito embora possa ser cabível, somente deve ser utilizada como último recurso pelo fornecedor, não devendo ser utilizada como meio de coagir os consumidores à adimplência, sob pena de ferir princípios e garantias constitucionais. Para tal análise utilizou-se o estudo bibliográfico e documental, que numa abordagem qualitativa nos levam a reflexão acerca do tema em voga.
Palavras-chave: Serviço Essencial Público. Fornecimento de Energia Elétrica. Interrupção. Princípio da Continuidade.
Abstract: This article aims to analyze the legal possibility or impossibility of interrupting the supply of electricity, since it is considered an essential public service, in view of its extreme need on the part of Brazilian consumers, considering the perspective of federal regulations, doctrine, jurisprudence as well as the Federal Constitution. Federal Law 8,078/90 recognizes the vulnerability of the consumer to the actions of the State, in view of the abuses committed by the holders of economic power. Under this stir, doctrinal and jurisprudential conflicts arise in view of the existence of currents that defend the legality or illegality of the interruption of the provision of essential public services, before the Continuity Principle. In short, the suppression of the electric power supply, although it may be appropriate, should only be used as a last resort by the supplier, and should not be used as a means of coercing consumers to default, under penalty of injuring constitutional principles and guarantees. For this analysis, we used the bibliographic and documentary study, which in a qualitative approach lead us to reflect on the current topic.
Keywords: Essential Public Service. Electricity Supply. Interruption. Principle of Continuity.
Sumário: Introdução. 1. Do conceito de consumidor. 2. Do conceito de fornecedor. 3. Do conceito de produto e serviço. 4. Do conceito de serviços públicos. 5. Do conceito de serviços públicos essenciais. 6. O princípio da continuidade nos serviços públicos essenciais. 7. Das disposições existentes no código de defesa do consumidor relacionadas ao consumo de serviços públicos. 8. A suspensão do fornecimento de energia elétrica na hipótese de inadimplência à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. 9. Do posicionamento dos tribunais superiores em relação ao conflito existente entre a interrupção ou não do fornecimento de energia elétrica. Conclusão. Referências.
Introdução
A necessidade de estudo do escopo desse trabalho se dá pela sua ocorrência no cotidiano dos consumidores brasileiros, que, por muitas vezes, sofrem prejuízos morais e principalmente materiais, pela suspensão dos mais variados serviços essenciais, dentre eles, encontra-se o fornecimento de energia elétrica, tido como serviço público essencial.
A falta de regulação dessa prerrogativa social, pode agravar ainda mais o estado do problema, uma vez que sem uma efetiva decretação legal, os prestadores de serviço público, isto é, os órgãos responsáveis, cada vez mais satisfarão seus interesses próprios alheios ao bem-estar da coletividade, (finalidade social para a qual foram criados), o que pode implicar na infringência de princípios basilares do ordenamento jurídico brasileiro.
Princípios estes que visam tutelar propósitos diferentes, nesse sentido, elucida-se o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, elencado no artigo 3° da CF/88, que tutela o indivíduo como unidade e como parte individual integrante da sociedade jurídica, bem como o Princípio da Continuidade, que é o alvo deste trabalho, pois visa garantir a prestação contínua de um direito.
A figura do consumidor é descrita pela Lei Federal nº 8.078/90, a qual estabeleceu o Código de Defesa do Consumidor, que dispõe em seu artigo 2º: “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.
A interpretação do conceito de “consumidor” não é livre, uma vez que o legislador se preocupou em defini-la no artigo 2º do CDC. Não cabe, portanto, entendimento diverso do disposto acima, essencialmente no que tange ao termo “destinatário final”, uma vez que sua ampliação acarretaria na fragilização dos mecanismos protetivos do texto legal.
A doutrina entende que este termo “destinatário final” está intimamente ligado ao conceito subjetivo de consumidor, pois versa sobre a condição de quem pode assumir o papel de consumidor, seja pessoa física, ou jurídica, e o objetivo, que é o de adquirir ou utilizar produtos e serviços, bem como sua finalidade.
Desse modo, percebe-se a presença de três requisitos mínimos para a definição da figura do consumidor direto; a saber, a subjetividade, que diz respeito à correlação de suas características legais em face do enquadramento no texto legal; de igual modo, o objetivo, que é o produto ou serviço que se adquire; e a finalidade, que é a motivação final da aquisição.
Cabe ressaltar ainda, que a pessoa jurídica também pode figurar como consumidor e destinatário final, conforme predispõe a letra do Código de Defesa do Consumidor. Devendo ser provada sua vulnerabilidade em face do fornecedor, bem como o elemento teleológico no que tange a destinação final pretendida pela aquisição do produto ou serviço.
Neste aspecto, a figuração da pessoa jurídica como “consumidor” numa relação consumerista, não exige essencialmente que haja entre as partes, um polo formado por pessoa física e outro por pessoa jurídica, logo, admite-se a aplicação do CDC em favor de pessoa jurídica que preenche os requisitos da “vulnerabilidade” e de “destinatário final”.
Isto se dá porque a política consumerista, fundada no artigo 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, é baseada no princípio do reconhecimento da vulnerabilidade, oriunda do art. 5º CF, inciso, XXXIII, em face do fornecedor de produtos e serviços, podendo esta vulnerabilidade ser técnica, fática, jurídica, informacional ou econômica.
Por fim, vale ressaltar o disposto no parágrafo único do artigo 2º do CDC, que assim versa: “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”, de modo que a tutela evidenciada no tipo legal será interpretada concomitantemente com o artigo 81 do CDC, uma vez que a norma traz a interpretação de consumidor por equiparação.
2. Do conceito de fornecedor
O conceito legal de fornecedor encontra-se definido na Lei Federal nº 8.078/90, em seu artigo 3º preleciona que: “É toda pessoa física ou jurídica, nacional ou estrangeira, pública ou privada, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, criação, montagem, importação, transformação, exportação, distribuição, construção ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.
Em análise do dispositivo legal é valido elucidar que o Código de Defesa do Consumidor é genérico quanto à conceituação da figura do fornecedor, uma vez que o objetivo deste é abranger o máximo de possibilidades para a figuração do polo na relação consumerista.
A figura do fornecedor, comumente é demarcada pela presença da habitualidade em suas atividades comerciais, e geralmente têm por escopo o desenvolvimento e finalidade econômica pelas práticas mercantis ou civis, que oferece no mercado de consumo.
Portanto, tem-se a distinção realizada pelo CDC, no sentido de que fornecedor é gênero, sendo tipificado por um rol exemplificativo de condutas que caracterizam o fornecedor, podendo enquadrar-se nas modalidades de fornecedor direto, indireto, pessoa física, ou jurídica, ente despersonalizado, e entidade filantrópica.
3. Do conceito de produto e serviço
Para o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 3º, §1º, “Produto é qualquer bem, móvel, ou imóvel, material ou imaterial”. Logo, é cabível ressaltar que o produto é a coisa propriamente dita, resultante do interesse que firmou a relação consumerista.
Em relação ao serviço, encontra sua tipificação no §2º do artigo 3º, que nesse sentido preleciona: “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
Desse modo, resta verificado que a natureza de tais atividades pode ser material, intelectual, financeira, direta, indireta, prestada por entidades públicas ou privadas, desde que não se enquadrem como atividades laborais, e que sejam destinadas ao mercado de consumo.
4. Do conceito de serviços públicos
À luz da doutrina, expressa o ilustre Hely Lopes Meirelles (2016, p.418), o conceito de serviço público:
Serviço público é todo aquele prestado pela administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado.
São atividades intrínsecas do Estado os serviços públicos, estes são executados pelos seus entes ou adjudicados órgãos integrantes da Administração Pública, os quais atuarão sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, conforme determina o artigo 175 da Constituição Federal:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
O serviço público possui como principal objetivo guarnecer a satisfação da coletividade, podendo este ser prestado diretamente ou indiretamente, através dos órgãos delegados.
5. Do conceito de serviços públicos essenciais
A atividade estatal no fornecimento de serviços públicos em diversos setores, é imprescindível, em face da necessidade social diária da população pela garantia de tais serviços, podendo afirmar que tais prestações encontram ligação íntima com direitos e garantias fundamentais do indivíduo.
É fato que, a manutenção dos serviços públicos tidos como essenciais, é requisito de garantia para diversas atividades, materiais, imateriais, privadas ou não, ligadas ao âmbito patrimonial e moral dos indivíduos.
Assim, a Lei de Greve, Lei nº 7.783/89, em seu artigo 10, inciso I, prevê o rol de serviços considerados essenciais, dentre eles, se pode citar, o fornecimento de água, distribuição e produção de energia elétrica, assistência médica e hospitalar, compensação bancária, entre outros. Que por constarem no rol do tipo legal acima, não podem ser interrompidos.
É necessário enfatizar que o serviço público essencial, é aquele que se encontra ao alcance do consumidor, uma vez que é necessária que haja a figuração do consumidor no polo da demanda, a fim de proporcionar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor.
6. O princípio da continuidade nos serviços públicos essenciais
Os princípios são enunciados fundamentais que regem nosso ordenamento jurídico, e os mais relevantes a serem ponderados em relação aos serviços essenciais são os esculpidos no artigo 6º, § 1º da Lei 8.987/95, (Lei de Concessões e Permissões):
Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
Outrossim, o que mais se destaca no tema, é o princípio da continuidade, pois este se tornou basilar frente ao fornecimento dos serviços públicos, impondo a prestação ininterrupta do fornecimento do serviço público, tendo em vista o dever do Estado de satisfazer e promover direitos fundamentais.
Isto posto, os serviços essenciais não podem ser interrompidos, sob pena de se infringir a qualidade de vida do usuário, submetendo-o a situações degradantes, atingindo sua dignidade.
Caso não seja observado algum dos princípios que guiem a administração pública, como o Princípio da Continuidade, pode-se afirmar que é irregular. Como elucida o mestre Celso Antônio Bandeira Mello (2015, p. 695):
Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público - portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais
-, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.
Tem-se como serviços públicos essenciais, aqueles aos quais se atribui todo desenvolvimento da sociedade e a riqueza do país, uma vez que, a ausência ou suspensão irregular desses serviços, podem gerar um desequilíbrio social acarretando desestabilização e caos.
7. Das disposições existentes no código de defesa do consumidor relacionadas ao consumo de serviços públicos
Os fornecedores de serviços públicos precisam seguir vários princípios amparados pelo Código de Defesa do Consumidor, estes que devem sempre estar sob a fiscalização da Administração Pública, devendo oferecer serviços contínuos, ou seja, sem nenhuma interrupção por parte do fornecedor. Em relação a isso, o artigo 22 caput do CDC descreve:
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
No CDC, o princípio da continuidade do serviço público abrangeu, como um direito básico, a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral, visando garantir aos usuários, um maior poder de controle dos serviços públicos, exigindo sua adequada prestação, denunciando eventuais irregularidades ou abusos que ocorram. Assim garante o artigo 6º, inciso X, do CDC: “Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) X - A adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral.”
Ou seja, qualquer serviço público deve ser prestado de maneira adequada, eficiente e segura. Isto posto, deve-se ter a consciência de que a continuidade dos serviços essenciais é prestada para suprir o interesse da coletividade. O Poder Público encarrega-se com o compromisso de dar continuidade uniforme ao consumidor, a saber, no fornecimento de energia elétrica, colocando tal serviço à disposição de quem dele necessite, resguardando o princípio da boa-fé.
8. A suspensão do fornecimento de energia elétrica na hipótese de inadimplência à luz do princípio da dignidade da pessoa humana
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, concebe uma das bases do sistema democrático brasileiro. Vez em que, garante ao indivíduo comum, o mínimo de direitos que a sociedade, e o Poder Público devem respeitar, já que seus efeitos possuem o objetivo de promover a valorização do ser humano.
Sob esta ótica, a pesquisa alvo desse trabalho permite averiguar que, de forma rotineira, os fornecedores de produto ou serviço utilizam de suas prerrogativas particulares para interromper a continuidade do fornecimento de energia elétrica, de modo a coagir seus consumidores ao pagamento de suas contraprestações.
Isto se dá nas hipóteses da suspensão de forma irregular desse serviço público essencial, a saber, aquelas proibidas por Lei Especial, ou Regimento Local. Tais situações, são por si sós, gravosas, e deveras, vexatórias à pessoa do consumidor, vez em que, ferem a integridade moral, e social deste diante da sociedade.
Sob à luz da Lei Federal 8.975/1995, a suspensão da prestação do serviço essencial por parte do fornecedor, por si só, não justifica sua condenação. Uma vez que a adoção desse entendimento inviabilizaria a satisfação do crédito no tocante a parcela obrigacional dos consumidores na relação de consumo. Logo, tal situação ensejaria em uma supressão do direito de interrupção da prestação do serviço por parte da empresa concessionária, gerando um desequilíbrio na relação de consumo.
Então, para a garantia da saúde da relação entre consumidor e o fornecedor de serviço, é necessário que sejam observadas condutas de cunhos éticos, para ambas as partes, sendo o consumidor parte legalmente hipossuficiente na relação, deve cumprir com o pagamento, e o fornecedor, deve agir eticamente, com intuito único e exclusivo de satisfação do crédito.
Portanto, primeiramente, antes que a suspensão do serviço seja realizada, deve-se considerar a situação de cada caso concreto, tais como: os valores devidos; o prazo de inadimplência; a devida notificação prévia do usuário; e a primazia da equidade.
Nesse diapasão, Stolze e Pamplona Filho (2019, p. 49) explicitam que:
(...) ao se exigir o cumprimento forçado de uma prestação inadimplida, o credor não pode pretender lançar mão de mecanismos atentatórios a dignidade da pessoa humana, senão quando a própria Constituição expressamente admitir o sacrifício de um valor individual tendo em vista fins superiores.
Destarte, é de imprescindível relevância que a empresa/órgão fornecedor(a) exerça seu papel com observância no princípio da boa-fé, pois deve manter conduta que viabilize a adimplência do consumidor, devendo recorrer a supressão do fornecimento de energia elétrica apenas como último recurso.
9. Do posicionamento dos tribunais superiores em relação ao conflito existente entre a interrupção ou não do fornecimento de energia elétrica
É cediço que a interrupção do fornecimento do serviço público essencial na hipótese de inadimplência é tema controverso na doutrina e na jurisprudência. Desse modo, há os que sustentam que o fornecimento pode ser descontinuado, e os que defendem a continuidade do fornecimento como via de regra.
Nesse diapasão, é possível citar algumas decisões jurisprudenciais acerca do tema apresentado até agora. A decisão a seguir descreve a posição adotada pelo ministro LUIZ FUX, que até então, compunha a primeira turma do STJ:
A despeito da jurisprudência majoritária desta Corte, tem ressalvado o entendimento de que o corte do fornecimento de serviços essenciais - água e energia elétrica – como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos, posto essenciais para a sua vida. O interesse da coletividade abrangeria não apenas o interesse público em sentido amplo (necessidades coletivas), como também o de uma pessoa que não possui módica quantia para pagar sua conta: em primeiro lugar, há que se distinguir entre o inadimplemento de uma pessoa jurídica portentosa e o de uma pessoa física que está vivendo no limite da sobrevivência biológica. (STJ, 2006, on-line)
Malgrado, defende o DES. WALTER CARLOS LEMES, com bastante relevância para o estudo do tema, a respeito da interrupção do fornecimento de energia elétrica:
É lícita a interrupção no fornecimento de energia elétrica em caso de inadimplemento, desde que atendidos os requisitos da lei, quais sejam, que o débito seja recente e o corte antecedido de notificação, pois a finalidade de resguardar o interesse da coletividade na continuidade do serviço, a qual restaria ameaçada porque sucessivos débitos onerariam a sociedade como um todo. (TJ-GO, 2016, on-line)
Semelhantemente, em decisão também proferida pelo Ministro LUIZ FUX, demonstra-se as ressalvas do Ilustre Ministro:
a. A 1ª Seção, no julgamento do RESP nº 363.943/MG, assentou o entendimento de que é lícito à concessionária interromper o fornecimento de energia elétrica, se, após aviso prévio, o consumidor de energia elétrica permanecer inadimplente no pagamento da respectiva conta (Lei 8.987/95, art. 6º, § 3º, II).
b. Não obstante, ressalvo o entendimento de que o corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza dos serviços públicos posto essenciais para a sua vida, curvo- me ao posicionamento majoritário da Seção.
c. Em primeiro lugar, entendo que, hoje, não se pode fazer uma aplicação da legislação infraconstitucional sem passar pelos princípios constitucionais, dentre os quais sobressai o da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República e um dos primeiros que vem prestigiado na Constituição Federal.
d. [...]. Penso que tínhamos, em primeiro lugar, que distinguir entre o inadimplemento de uma pessoa jurídica portentosa e o de uma pessoa física que está vivendo no limite da sobrevivência biológica. É mister fazer tal distinção, data maxima venia.
e. Em segundo lugar, a Lei de Concessões estabelece que é possível o corte considerado o interesse da coletividade, que significa não fazer
o corte de energia de um hospital ou de uma universidade, não o de uma pessoa que não possui 40 reais para pagar sua conta de luz, quando a empresa tem os meios jurídicos legais da ação de cobrança. A responsabilidade patrimonial no direito brasileiro incide sobre patrimônio devedor e, neste caso, está incidindo sobre a própria pessoa!
[...]
8. Com tais fundamentos, e também outros que seriam desnecessários alinhar, sou radicalmente contra o corte de energia de pessoa física em situação de miserabilidade e absolutamente favorável ao corte de pessoa jurídica portentosa, que pode pagar e protela a prestação da sua obrigação, aproveitando-se dos meios judiciais cabíveis. (STJ, 2004, on-line)
Portanto, restam nítidas as hipóteses em que a interrupção de serviço essencial público é admitida. Ora, sob a ótica da jurisprudência, vê-se lastro de legalidade na supressão, desde que seja realizada como último recurso e mediante aviso prévio.
Logo, percebe-se que não se deve realizar a aplicação de legislação infraconstitucional, sem que se passe pelos princípios constitucionais. De modo que, tal interrupção deverá ocorrer sob a hipótese da permanência do inadimplemento após prévia notificação.
Desse modo, é possível perceber que tanto a doutrina quanto a jurisprudência, discutem o cabimento da suspensão do fornecimento de energia elétrica, uma vez que se trata de serviço essencial à vida, sendo mister, realizar a distinção da inadimplência presente no caso concreto em que figurem como partes a pessoa jurídica portentosa e pessoa física hipossuficiente.
Destarte, com tais fundamentos, e também outros que se fazem necessários elucidar, finda-se a compreensão da suma importância da ponderação dos motivos que ensejaram a inexecução do pagamento, bem como, da interrupção do serviço essencial, sob pena de ferir princípios e garantias constitucionais da pessoa humana.
Conclusão
Em suma, a necessidade indagada por este trabalho se dá pelos prejuízos causados por entes privados, ou entes públicos, aos consumidores de forma geral, vez em que aqueles, detentores do poder de prestar um serviço de caráter inadiável, dito essencial, põe em risco a primazia da dignidade da pessoa humana.
Diante desta celeuma, vê-se o posicionamento aderente dos tribunais superiores no que tange à interrupção da prestação do fornecimento de energia elétrica. Todavia, tal entendimento defensor, se dá exclusivamente na hipótese da inadimplência recente acompanhada de prévia notificação do consumidor, qual seja aquela, a ausência da satisfação da contraprestação.
Nessa seara, nota-se que, na prática, há a ausência de um ponderamento no julgamento dos litígios consumeristas, à luz das perspectivas legais das leis federais 8.987/1995 e 8.078/1990, necessitando de consenso jurisprudencial quanto à sua aplicabilidade, sendo imprescindível analisar o interesse da coletividade, bem como, o respeito à dignidade humana.
Destarte, resta cabível que a interrupção de tal fornecimento tem seu aproveitamento. Todavia, deve, em regra, ser o último recurso adotado pelo ente público/privado, que oferece este serviço no mercado de consumo. Não obstante, jamais podendo ser utilizado como ferramenta de coação dos consumidores à adimplência, sob pena de ferir princípios e garantias constitucionais do indivíduo.
Referências
NUNES, Rizzatto. Curso de direito do consumidor.12. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 42°. Ed. São Paulo: Malheiros, 2016.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
BRASIL. Concessão e Permissão da Prestação De Serviços Públicos. Lei Nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995. Brasília, DF.1995.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 32ª edição. São Paulo: Malheiros, 2015.
BRASIL. Lei nº. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. 1990.
GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos. 2° ed. Unificada. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. nº REsp 721119 RS 2005/0012159-0. Relator: Ministro LUIZ FUX. Brasília, DF, 11 de abril de 2006. Brasília.
BRASIL. Câmara Cível. Agravo de Instrumento nº AI 0146173- 11.2016.8.09.0000. Relator: Desembargador Walter Carlos lemes. Goiânia, GO, 06 de setembro de 2016.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº AgRg no REsp 543020 SP 2003/0070708-0. Relator: Ministro LUIZ FUX. Brasília, DF, 18 de março de 2004.
Acadêmico de Direito na Faculdade de Ensino Superior da Amazônia Reunida - FESAR, Redenção - PA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Mateus Augusto Lima. Análise constitucional da possibilidade ou impossibilidade legal de interrupção do fornecimento de energia elétrica à luz do Código de Defesa do Consumidor brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2020, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55481/anlise-constitucional-da-possibilidade-ou-impossibilidade-legal-de-interrupo-do-fornecimento-de-energia-eltrica-luz-do-cdigo-de-defesa-do-consumidor-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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