SILVIA HELENA ANTUNES DOS SANTOS[1]
(Orientadora)
RESUMO: O presente artigo em épigrafe de revisão bibliografica, tem em vista confrontar os aspectos jurisdicionais, doutrinários e principiológicos acerca da responsabilidade civil dos pais para com seus filhos, salientar a importância do exercício do Poder Familiar, avaliar as consequências deixadas pelo abandono, ponderar sobre a aplicação da responsabilidade civil na matéria e de como o judiciário tem se posicionado no que diz respeito ao que tange às ações que versam em relação ao abandono afetivo em desfavor dos genitores que fogem da sua obrigação legítima de cuidado e atenção para com os filhos, renegando a incubência de exercer o poder familiar. Por se tratar de um assunto que envolve o seio da sociedade, justifica-se a relevância do mesmo.
Palavras-chave: Responsabilidade civil; Abandono afetivo; Direito de familia; Princípio do melhor interesse da criança; obrigação dos pais.
ABSTRACT: The present article, in bibliographic review, aims to confront the jurisdictional, doctrinal and principiological aspects of the civil liability of parents towards their children, to emphasize the importance of the exercise of Family Power, to evaluate the consequences left by abandonment, to consider the application of civil liability in the matter and how the judiciary has positioned itself with regard to the actions that deal with affective abandonment to the detriment of parents who escape their legitimate obligation to care and care for their children, reneging the incubation to exercise family power. As it is a matter that involves the heart of society, its relevance is justified.
Keywords: Civil responsability; Affective abandonment; Family right; Principle of the best interest of the child; parental obligation.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. O Poder Familiar e o Dever Legal de Cuidado. 3. Abandono Afetivo e suas consequências. 4. Responsabilidade Civil. 5. A Aplicação da Responsabilidade Civil por Abando Afetivo. 6. Considerações Finais. 7. Referências.
Com o passar do tempo foi possível notar o abandono parental, principalmente quando ocorre a ruptura da sociedade conjugal. Atualmente, tal abandono, pode ser classificado em três modalidades: material, intelectual, e afetivo.
Das três modalidades discutidas, sabe-se que o abandono afetivo tem maior impacto, visto que, retrata a indiferença afetiva do genitor para com seu filho, interferindo diretamente nos aspectos psicológico e emocional dos indivíduos, uma vez que todos precisam de atenção e cuidado. Neste diapasão, é necessário definir até que ponto o poder judiciário tem autonomia para interferir na relação familiar dos pais para com seus filhos, de modo a amenizar ou compensar os filhos pelo abandono.
As discussões em relação ao abandono afetivo no mundo jurídico são relativamente recentes, principalmente quando buscamos decisões favoráveis ao tema.
Apesar das acertadas decisões proferidas pelos tribunais, em favor desta problemática, que assola a vida das crianças e adolescentes, foi somente em 2012 que o STJ passou a entender que o abandono afetivo é passível de indenização, por se tratar de um ato ilícito.
Diante do exposto, ainda que lide com assunto de tamanha relevância, é visível a insegurança jurídica existente, sendo de máxima urgência a necessidade de uma lei específica, que verse mais detalhadamente sobre as sanções aplicáveis aos genitores que abdicam do dever de cuidar dos seus filhos, a fim de desestimular que práticas como estas sejam recorrentes em meio à sociedade.
O poder familiar é a evolução do instituto do pátrio poder, que consistia anteriormente a respeito dos direitos dos pais sobre os filhos, onde não se prévia igualdade entre pai e mãe em relação aos filhos, nem tão pouco visava os filhos como pessoas de direito.
Com a evolução deste instituto, o poder familiar passou a reger o que chamamos de direitos e deveres dos pais, agora em igual responsabilidade para pais e mães, como detentores deste poder familiar e filhos como pessoas de direito. Nas palavras de Gonçalves (2011), "Poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores".
Acrescentam Tartuce e Simão (2010) que o “Poder familiar é conceituado como sendo o poder exercido pelos pais em relação aos filhos, dentro da idéia de família democrática, do regime de colaboração familiar e de relações baseadas, sobretudo, no afeto”.
A Constituição Federal, em seus artigos de 226, 227, §7 e 229, afirma que a família é a base da sociedade, sendo fundada no princípio da dignidade humana e da paternidade responsável positivando o dever de cuidado no âmbito familiar, sendo este dever a égide do Direito de Família.
Vejamos o que preceitua o artigo 227, caput da Constituição Federal em relação as obrigações dos pais e do Estado em favor das crianças e adolescente, in verbis:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e á convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda à forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Além disso, Pereira (2016) esclarece que:
O princípio jurídico da paternidade responsável não se resume à assistência material. O amor – não apenas um sentimento, mas sim uma conduta, cuidado – é alimento imprescindível para o corpo e a alma. Embora o direito não trate dos sentimentos, trata dos efeitos decorrentes destes sentimentos. Afeiçoar, segundo o Dicionário Aurélio, significa também instruir, educar, formar, dar feição, forma ou figura.
Ainda, neste mesmo diapasão o Código Civil em seu artigo 1634, disciplina os deveres e responsabilidades dos pais em relação aos seus filhos, in verbis:
Art. 1.634. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I- Dirigir-lhes a criação e educação;
II- Tê-los em sua companhia e guarda;
III- Conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;
IV- Nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobrevive, ou sobreveio não puder exercer o poder familiar;
V- Representa-los, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil e assistí-los, após essa idade nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI- Reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;
VII- Exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.
No Código Civil, em seu artigo 1632, incio IV, ressalta que nem mesmo em casos de separação judicial, divórcio e dissolução da união estável, altera o vínculo entre pais e filhos, uma vez que esta relação esta além das uniões matrimoniais.
Apesar de alguns doutrinadores entenderem que o legislador no Estatuto da Criança e do Adolescente quando fala em educação, refere-se apenas a atitude de matricular o filho na escola por exemplo, a lei Federal 9.394/96 em seu artigo 1º estabelece expressamente que a educação:
[...] abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
Desse modo, fica evidente que o poder familiar não trata-se somente do dever/direito dos pais para com os filhos, mais precipuamente, o poder familiar dispõe acerca dos direitos e garantias da criança e adolescente como pessoas de direito, que estão em constante formação e que necessitam de norte para que possam prosseguir em sua vida adulta de maneira eficaz e satisfatória.
Assim como corroborado pelo entendimento de Diniz:
O poder familiar consiste num conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção dos filhos.
Quando falamos de abandono afetivo, que também pode ser intitulada como teoria do desamor, conforme se refere a Drª Giselda Maria Fernandes Moraes Hironaka. Alguns doutrinadores e juristas aquiescem que não há como mensurar o amor de forma palpável, sendo impossível sua aplicação no direito de indenizar. Não obstante, o enfoque não é sobre o dever de amar ou de impor o afeto a outrem, visto que, não é possível obrigar nenhum indivíduo a realizar tal feito, caso não seja realmente sua vontade.
Essa matéria, por sua vez, possui prisma central no dever legal de cuidado, a responsabilidade com a prole, e o não cumprimento das obrigações do poder familiar. Visto que, as obrigações dos genitores vão muito além do dever moral e legal de prover o sustento financeiro e patrimonial dos incapazes, sobretudo das crianças. Firmando seu alicerce no principio da paternidade responsável, bem como no interesse tutelado e sequêlas psicológicas oriundas da rejeição sofrida pela prole e prejuizo extrapatrimonial (ORTEGA, 2017).
O afeto, mesmo que não citado, pode ser constituído como um direito fundamental. Para Tartuce e Simão (2010) : “Mesmo não constando à expressão afeto do Texto Maior como sendo um direito fundamental, pode-se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade humana”.
Não podendo ser confundido com o amor, ao contrário desse, o afeto pode ser manifestado de forma jurídica, Tartuce, citado por Calderón (2013) afirma que:
afetividade não se confunde com o amor, visto que esse último escapa ao Direito; já a afetividade decorre de uma atividade concreta exteriorizada de uma manifestação de afeto. Ao ser reconhecida pelo direito, assume o perfil de afetividade jurídica a partir das balizas que lhes são impostas. Para um melhor tratamento jurídico da afetividade deve ser destacada tal distinção.
Apesar da complexidade de definir de quem é a razão, é possível caracterizar que a responsabilidade paternal vai muito além da assistência financeira, mas envereda-se pela moral, a sáude, ao respeito, a educação e tantos outros aspectos que são passíveis de dano, muitas vezes devastadores e irreparáveis. Lôbo (2010) afirma que:
São casos difíceis com ponderáveis razões em cada lado. Entendemos que o princípio da paternidade responsável estabelecido no art. 226 da Constituição não se resume ao cumprimento do dever de assistência material. Abrange também a assistência moral, que é dever jurídico cujo descumprimento pode levar à pretensão indenizatória. O art. 227 da Constituição confere à criança e ao adolescente os direitos com absoluta prioridade, oponíveis à família – inclusive ao pai separado -, à vida, à saúde, à educação, ao lazer, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar, que são direitos de conteúdo moral, integrantes da personalidade, cuja rejeição provoca dano moral.
Segundo BICCA, Charles (2015) pesquisas realizadas por Ronald Rohner da Universidade de Connecticut (EUA), no campo da psicologia e neurociência afirmam que “nenhum outro tipo de experiência gera um efeito tão devastador e consistente sobre a personalidade e seu desenvolvimento como a experiência da rejeição, especialmente pelos pais, na infância”.
Ainda, de acordo com os esclarecimentos da psicóloga Giselle Câmara Groeninga e o jurista Rodrigo da Cunha Pereira:
é durante a infância, dentro da família, mas também no decorrer da vida, com a ajuda das instituições, que a distinção entre fantasia e realidade, entre culpa e responsabilidade é estabelecida, desenvolvida e fomentada. Inicialmente, dentro da família, e no anseio das instituições, aprendemos os afetos, a realidade e a lei.Também dentro da família nós aprendemos a balizar a agressividade e desenvolvemos formas de dar e receber amor, as quais vão se transformar em solidariedade, um capital essencial para o exercício da cidadania.
Isto posto, é evidente que o exercicio do poder familiar e da paternidade responsável, evitam consequentemente os altos índices de problemas psíquicos e emocionais desencadeados pelas situações descritas, bem como gravidez na adolescência, criminalidade, o nascimento de filhos sem planejamento entre outros.
A responsabilidade civil é um instituto do Direito Civil que visa determinar meios que atribuam a uma pessoa o dever de reparação do dano causado a outrem, de forma justa. Os danos passíveis de reparação civil podem ser tanto da esfera física, como patrimonial e até mesmo moral, desde que seja possível determinar o dano causado.
Neste sentido, Gagliano e Filho (2013) conceituam responsabilidade como:
Responsabilidade, para o Direito, nada mais é, portanto, que uma obrigação derivada – um dever jurídico sucessivo – de assumir as consequências jurídicas de um fato, consequências essas que podem variar (reparação dos danos e/ou punição pessoal do agente lesionante) de acordo com os interesses lesados.
Corrobara Bittar (1994, p. 561) este entendimento quando diz:
O lesionamento a elementos integrantes da esfera jurídica alheia acarreta ao agente a necessidade de reparação dos danos provocados. É a responsabilidade civil, ou obrigação de indenizar, que compele o causador a arcar com as consequências advindas da ação violadora, ressarcindo os prejuízos de ordem moral ou patrimonial, decorrente de fato ilícito próprio, ou de outrem a ele relacionado.
O que caracteriza a responsabilidade civil e o dever de reparação é quando o agente comete ato ilícito, por isso, o Código Civil estabelece no art. 186. que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” Afirmando ainda no artigo seguinte que, é possivel cometer ato ilícito exercendo determinado direito, quando se ultrapassa os limites impostos a ele.
Ainda, Diniz (2003) nos ensina que responsabilidade civil é o meio pelo qual é possível impor medidas que obriguem o agente a reparar o dano moral ou patrimonial causado a outrem, em razão de atitude impropria, ou de pessoa, fato ou coisa sob sua responsabilidade ou simples imposição legal.
Por fim, contribui Bittar (1993) para o entendimento acerca da responsabilidade civil:
Havendo dano, produzido injustamente na esfera alheia, surge a necessidade de reparação, como imposição natural da vida em sociedade e, exatamente, para a sua própria existência e o desenvolvimento normal das potencialidades de cada ente personalizado. É que investidas ilícitas ou antijurídicas no circuito de bens ou de valores alheios perturbam o fluxo tranqüilo das relações sociais, exigindo, em contraponto, as reações que o Direito engendra e formula para a restauração do equilíbrio rompido.
Quando se fala em aplicação da responsabilidade civil nos casos que versam sobre o abandono afetivo, nota-se o recentemente pronunciamento do poder judiciário em decisões favoráveis a esse tipo de demanda. Isto porque para a maioria dos doutrinadores e juristas não havia dispositivo legal que embasasse tais decisões. Porém, alguns doutrinadores já abordavam este tema de forma a explanar o fato de que era imprescindicvel a aplicação de responsabilidade civil no instituto de direito de familia.
Em 2004, por exemplo o Tribunal de Alçada de Minas Gerais, decidiu em favor da aplicação da responsabilidade civil de um pai que renegou seu filho afetivamente, mesmo após o filho ter lhe procurado incessantemente durante toda a sua infância até a fase adulta. Vejamos:
INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS – RELAÇÃO PATERNO-FILIAL – PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE O dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (TAMG, AC n° 408550-5, 7ª CC, Rel. Unias Silva. J. 1/4/04)
Neste mesmo periodo o doutrinador Azevedo (2004, p.14) pontou que:
O descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa atuação do Poder judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma da rejeição e da indiferença.
Em meados de 2012 o STJ surpreendeu a seara jurídica e inovou o entendimento sobre o tema em épigrafe quando julgou procedente REsp. 1.159.242/SP, DJe 10/05/2012. Declarou a ministra Nancy Andrighi reconhecer a cerca do pagamento de indenização a filha abandonada de forma afetiva pelo pai embasando seu voto em “Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos”
Com base neste julgamento o mundo juridico passou a observar de outra pespectiva os casos em que é passivel a aplicação da responsabilidade civil, pois o que precisa ser observado aqui, é sob o ângulo da vitima e os danos causados a ela. Conforme afirma Diniz (2012, p. 33):
A conduta de um genitor ausente, que não cumpre as responsabilidades intrínsecas ao poder familiar, enquadra-se perfeitamente entre os atos ilícitos, tendo ele descumprido seus deveres parentais perante o filho, inerentes ao poder familiar, esculpidos nos artigos 22 do Estatuto da criança e do adolescente – ECA.
Corroborado por Carvalho (2015, p. 127):
Não se pretende reparação pelo fim do amor ou pela corrosão de uma união, mas a reparação do bem jurídico violado, pois por ser sujeito de desejos, o ser humano muitas vezes age por impulso e libido, praticando ações nem sempre harmonizadas com aqueles que lhes são próximos, não podendo as relações familiares isentar de responsabilidades o membro de uma família que lesiona o outro, por ação ou omissão. O Direito de Família não pode se tornar inatingível pelos princípios da responsabilidade civil.
É claro que não se pode permitir que usem dessa inovação no mundo juridico para deliberadamente ocorrer enchurradas de ações e pedidos de indenizações sem fundamento, como Miranda (2012) esclarece:
Para auferir a aplicação da responsabilidade civil aos casos de abandono afetivo dos pais em relação aos filhos é necessário o enquadramento desta situação a todos os elementos da responsabilidade civil. Quanto à conduta, convém analisar se há ilicitude no ato de privar o filho de afeto na orientação e formação de sua personalidade, quer dizer, se a conduta está revestida de ilicitude. É certo que a responsabilidade no caso é extracontratual, consagrada no art. 186 do novel Código Civil, haja alhures transcrito, haja vista que os pais não se obrigam por contrato ou outro ato negocial a oferecerem afeto aos seus filhos, essa obrigação decorre diretamente de normas presente no ordenamento jurídico brasileiro.
Ante o exposto, entende-se que é impossivel determinar e impor o dever de amar dos pais para com os filhos, todavia, é obrigação legal que aqueles, que se dispõem a se tornarem pais, seja de forma voluntária ou involuntária, não possam abdicar de suas obrigações, isto porque conforme Dias cita Maria Isabel Pereira da Costa (2007):
A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano veio a encarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio de pessoas em formação. Não mais se podendo ignorar essa realidade, passou-se a falar em paternidade responsável. Assim, a convivência dos filhos com os pais não é direito do pai, mas direito do filho. Com isso, quem não detém a guarda, tem o dever de conviver com ele. Não é direito de visita-lo, é obrigado a visita-lo. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e reflexos no seu sadio desenvolvimento.
Contudo, sabe-se que os recursos financeiros individualmente nunca serão capazes de reparar as consequências causadas pelo abandono de fato, mas por sua vez, as ações nesse sentido tem o intuito de punir o genitor, de forma que o mesmo seja capaz de não mais ter o comportamento ilícito. Como alude Gagliano e Filho (2011):
Logicamente, dinheiro nenhum efetivamente compensará a ausência, a frieza, o desprezo de um pai ou de uma mãe por seu filho, ao longo da vida. Mas é preciso se compreender que a fixação dessa indenização tem um acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou a mãe responsável por esse grave comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente, a perda do poder familiar, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sanção repercutiria como um verdadeiro favor.
É possível observar que o abandono afetivo é um assunto complexo e delicado, embora seja possível apreciar que as decisões dos tribunais em favor da aplicação da responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo dos pais em relação aos seus filhos estejam sendo cada vez mais recorrentes, é notório que ainda paira no meio jurídico enorme instabilidade em relação a esta temática, sendo necessário a elaboração de leis que tratem especificamente sobre esta abordagem, com o intuito de evitar altos índices de responsáveis legais que reneguem o seu dever legal de cuidado, desestimulando o assim, que práticas como estas sejam recorrentes.
Tal abordagem vai muito além da obrigação dos pais para com os filhos, trata-se precipuamente do direito da criança e do adolescente em poder não só receber a assistência material de alimentos por exemplo, como também receber ao longo do seu desenvolvimento todo o apoio moral, dedicação e afeto que uma relação saudável entre pais e filhos se faz necessária.
A nossa Carta Magna diz em seu artigo 226, que a familia é a base da sociedade, com isso não restam dúvidas que o que acontece entre pais e filhos e em seu seio familiar, possui reflexos diretamente na sociedade, porque como já citado anteriormente, uma criança ou adolescente sem a assistência moral e afetiva dos pais, esta mais propícia a desenvolver problemas psiquicos e se envolver com a criminalidade, drogas, gravidez na adolescência e atividades que prejudicam não só a ela mesma como todos ao seu redor.
É por isso que a Constituição Federal além de estabelecer que a familia é a base da sociedade, no mesmo artigo 226 o texto é finalizado com a frase “(..) tem especial proteção da sociedade. ”. Que nos mostra explicitamente que é dever do Estado interferir nas relações familiares não só quando se tratar de pagamento de alimentos, mais principalmente nas relações de convívio e afeto entre pais e filhos.
Esta é uma discussão longa, uma vez que sabe-se que talvez seja impossível mensurar o valor do afeto em uma relação entre pais e filhos. Porém, apesar de ardua, tais decisões judiciais em favor de indenização por responsabilidade civil nos casos de abandono afetivo são necesárias para coibir que mais genitores coloquem crianças no mundo e não deem a assistência necessária. O poder judiciário não pode agir de forma omissa e permitir que crianças e adolescentes sejam prejudicados pelo resto de suas vidas por genitores inresponsáveis.
Ante o exposto, deixo as palavras de Sarmento (2008) acerca desta celeuma jurídica tão importante nos dias atuais:
“As relações familiares devem ser entendidas e vistas como possibilidade de crecimento do ser humano. E o desenvolvimento emocional dos filhos é dever constitucional dos pais, a ausência de afeto, que resulta quase sempre no abandono moral, enseja ação de responsabilidade civil e reparação de danos morais. Os pais devem ter a exata consciência de seu papel como provedores e educadores dos cidadãos futuros, além de terem ciência de que os atos danosos por eles praticados poderão gerar sérios prejuizos aos seus filhos.”
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[1] Professora do curso de Direito do CEULM/ULBRA e Mestra em Direito Ambiental, Universidade Estadual do Amazonas – UEA
bacharelanda do curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil, campus Manaus
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, beatriz cristina vidéo de. Responsabilidade civil por abandono afetivo dos pais para com os filhos. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2020, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55482/responsabilidade-civil-por-abandono-afetivo-dos-pais-para-com-os-filhos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: isabella maria rabelo gontijo
Por: Sandra Karla Silva de Castro
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