RUBENS ALVES DA SILVA[1]
(orientador)
RESUMO: O consumidor é vulnerável? A pergunta parece supérflua, pois é lugar-comum afirmar a necessidade de proteger o consumidor, pessoa vulnerável ao fornecedor. Quando se pensa em vulnerabilidade no direito, existem pelo menos duas categorias de pessoas cuja vulnerabilidade não está em dúvida: os incapazes e os consumidores. No entanto, a dificuldade da pergunta não deve ser subestimada, porque a vulnerabilidade do consumidor se for verdadeiramente comprovada, não se confunde com a do incapaz. Certamente, os autores descreveram o consumidor como "semi-estúpido do incapaz em menor. A este respeito, deve-se reconhecer que a lei do consumo participa da infantilização dos indivíduos". Neste sentido este artigo tem por objetivo geral analisar a vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo, além de especificamente identificar as razões de vulnerabilidade do consumidor; verificar a relatividade da vulnerabilidade com consumidor; e estabelecer às condições de proteção a vulnerabilidade do consumidor. A metodologia usada foi de predominância geral teórica descritiva de caráter qualitativo, promovendo uma pesquisa bibliográfica de autores que relacionam com o assunto proposto, visando nortear a linha de pesquisa que foi desenvolvida. Conclui que a vulnerabilidade, que afeta o consumidor, exige a aplicação de um regime de deficiência. O consumidor não é tão vulnerável a ponto de ser incapaz. Mas toda a dificuldade não está tanto em definir a noção de vulnerabilidade quanto na de consumidor.
Palavras-Chave: Consumidor. Vulnerabilidade. Relações de Consumo.
ABSTRACT: Is the consumer vulnerable? The question seems superfluous, as it is commonplace to affirm the need to protect the consumer, who is vulnerable to the professional. When considering vulnerability in law, there are at least two categories of people whose vulnerability is not in doubt: the disabled and the consumers. However, the difficulty of the question should not be underestimated, because the vulnerability of the consumer, if truly proven, is not to be confused with that of the incapacitated. Certainly, the authors described the consumer as "semi-stupid of the incapable underage. In this respect, it must be recognized that the law of consumption participates in the infantilization of individuals". In this sense, this article has the general objective of analyzing the vulnerability of the consumer in consumer relations, in addition to specifically identifying the reasons for consumer vulnerability; verify the relativity of the vulnerability with consumers; and to establish conditions to protect consumers' vulnerability. The methodology used was of general theoretical descriptive predominance of a qualitative character, promoting a bibliographical research of authors that relate to the proposed subject, aiming to guide the line of research that was developed. It concludes that the vulnerability, which affects the consumer, requires the application of a disability regime. The consumer is not so vulnerable as to be incapable. But all the difficulty is not so much in defining the notion of vulnerability as in that of the consumer.
Keywords: Consumer. Vulnerability. Consumer Relations.
1 INTRODUÇÃO
Por vulnerável, se compreende da pessoa ou coisa que pode ser ferida. Em um primeiro sentido, a ferida (Vulnus) é sinônima de ferida, ou seja, lesão corporal. Mas rapidamente, incluindo em latim clássico, vulnerare assume um significado figurativo. É usado, por exemplo, para violação da ordem pública (ALMEIDA, 2013).
Portanto, o vulnerável é aquele que pode ser ferido, no sentido físico do termo, mas também no sentido pictórico, ou seja, aquele que pode ser vítima de um atentado ao seu património, à sua propriedade, aos seus interesses (MARQUES, 2008).
O consumidor parece estar vulnerável em ambos os sentidos. Na sua atividade de consumo, pode sofrer lesões corporais durante a utilização de um bem defeituoso. Ele também pode sofrer um dano material, que será o caso mais frequente (LOPES, 2016).
Em ambos os casos, o vulnerável não é tanto o ferido, mas aquele que pode ser por causa de sua fraqueza. A ideia de lesão potencial deve ser privilegiada aqui. Se o consumidor deve ser protegido pela lei, não é porque ele seja sistematicamente ferido, mas porque é provável que o seja pela simples razão de que se defende mal, que ele não o faz não está bem equipado para enfrentar seu parceiro-adversário que é o fornecedor (AMARANTE, 2017).
Ainda resta questionar essa afirmação que, embora constitua o postulado fundamental do direito do consumidor, não é tão óbvia quanto parece. As origens da noção de consumidor não sustentam a ideia de uma vulnerabilidade consubstancial. Quanto às origens etimológicas, o consumidor vem de uma raiz dupla: por um lado consummo (-are), que significa somar, completar, realizar e, por outro lado, consumo (antes), que significa empregar, exaurir, destruir (GRINOVER et al., 2018).
Ao contrário do que se possa pensar, o verbo consumir, deriva do latim consummare. É apenas através do uso do latim cristão que consumir (consummare) e consumir (consumere) que irá gradualmente se aproximando até que se fundam, tornando-se sinônimos (ARRUDA ALVIM, et al., 2011).
Esse desenvolvimento se explica pela contiguidade, na religião cristã, entre as ideias de cumprimento dos tempos e de destruição do mundo. No contexto da Parusia, as idéias de fim, conclusão e destruição estão intimamente ligadas. No fim de 1º século, o significado dominante do verbo consumir é "acabar com o uso”, Que dará então o prazo legal de consumível (GRINOVER et. al., 2018).
Ao longo dos séculos, a linguagem cotidiana foi gradualmente abandonando o significado de conclusão, de realização, para preferir um significado econômico: consumo, então, significa o uso que se faz de uma coisa para satisfazer suas necessidades. De uma destruição material do próprio bem, passa-se a uma destruição imaterial da necessidade pelo bem, para a satisfação de uma utilidade (BITTAR, 2011).
As origens etimológicas do termo consumo explicam em grande parte as origens econômicas dessa noção. O consumidor, ao atender suas necessidades por meio da compra de bens ou serviços, completa o ciclo econômico (GIDI, 2016).
Aqui se encontra o significado de consummare. O consumo é, portanto, uma função econômica, da mesma forma que a produção, a distribuição ou o financiamento. Participa do circuito econômico como fonte de desenvolvimento de riquezas, como Boisguillebert havia mostrado em 1697 (BONATTO e MORAES, 2009).
A função consumo é, portanto, um dos polos do circuito econômico, como Quesnay o imaginou em sua análise do quadro econômico no século XVII. Posteriormente, alguns economistas irão exacerbar o papel do consumo no funcionamento da economia. A função de consumo tem precedência sobre a produção (FILOMENO, 2017).
Sustentam que a expansão da produção está subordinada ao aumento anterior do consumo. É essa análise que John Maynard Keynes retomará, mais de um século depois, ao elaborar o conceito de demanda efetiva. A produção é função da demanda global efetiva, com os produtores apenas fabricando na medida em que têm certeza de que serão capazes de vender seu produto (CARVALHO, 2017).
Entre os neoclássicos, o consumidor não é de forma alguma esse ser fraco e facilmente influenciável, mas esse homo economicus, ser perfeitamente racional, bem informado, capaz de determinar por si mesmo a ofelimidade que determinado bem econômico apresenta para ele. Walras, em seu Elementos de economia pura (1874) conseguiu deduzir sua teoria do equilíbrio geral, a partir dos postulados da racionalidade das escolhas do consumidor e do produtor e da igualdade dos agentes econômicos. Nessa teoria, o consumidor sofre apenas de uma restrição: o orçamento à sua disposição, que não é infinitamente expansível. Mas ele não se enfeita com nenhuma ideia de vulnerabilidade ou inferioridade em relação ao produtor. Nem as fontes etimológicas, nem as fontes econômicas da noção de consumidor revelam a vulnerabilidade deste último (BONATTO e MORAES, 2009).
Este artigo tem por objetivo geral analisar a vulnerabilidade do consumidor nas relações de consumo, além de especificamente identificar as razões de vulnerabilidade do consumidor; verificar a relatividade da vulnerabilidade com consumidor; e estabelecer às condições de proteção a vulnerabilidade do consumidor.
A metodologia usada foi de predominância geral teórica descritiva de caráter qualitativo, promovendo uma pesquisa bibliográfica de autores que relacionam com o assunto proposto, visando nortear a linha de pesquisa que foi desenvolvida. Conclui que a vulnerabilidade, que afeta o consumidor, exige a aplicação de um regime de deficiência.
O consumidor não é tão vulnerável a ponto de ser incapaz. Mas toda a dificuldade não está tanto em definir a noção de vulnerabilidade quanto na de consumidor (CALDEIRA, 2011).
2 AS ORGAZIZAÇÕES DE CONSUMIDORES E A IDEIA DE VULNERABILIDADE
A ideia de vulnerabilidade do consumidor só vai nascer no século XX, quando os economistas modernos reverteram o padrão tradicional de Malthus ou Keynes argumentam que, devido à opacidade dos mercados e ao poder dos produtores, os consumidores são condicionados (MOREIRA, 2018).
Existe uma verdadeira criação de necessidades, ao qual o consumidor isolado e mal informado dificilmente resiste. Galbraith apud Lopes (2016) fala de "fluxo reverso" Essa inversão da análise na economia é amplamente explicada pelas convulsões sociais americanas (MOREIRA, 2018).
As primeiras ligas de consumo surgiram, na virada do século XIX para o século XX. Mas, o movimento consumista não eclodiu realmente até 1936 nos Estados Unidos, com a criação da União de Consumidores, especializado em informação, comparação e divulgação de resultados de análises de bens de consumo (OLIVEIRA, 2011).
O movimento do consumidor se tornará uma verdadeira luta pela defesa dos direitos do consumidor a partir da publicação da reportagem Inseguro em qualquer velocidade, por Ralph Nader. Este último vencerá a ação movida contra ele pela General Motors, sendo esta última obrigada a retirar do mercado um modelo de automóvel que não apresentasse garantias de segurança suficientes. O movimento ganha, então, uma escala considerável, de modo que uma nova noção de consumidor emerge: o consumidor torna-se esse ser vulnerável em relação aos fornecedores e assume a luta pela defesa de seus direitos (SANSONE, 2012).
É assim que certos autores acreditaram poder escrever que a modificação do sistema econômico, por meio da distribuição em massa, produziu uma nova forma de relações econômicas e o surgimento da noção de consumidor, como o capitalismo industrial do século XVIII criou a noção de proletário Esta opinião está errada (NUNES, 2020).
É claro que o consumidor não forma uma classe social, como o proletário na teoria de Karl Marx. Já em 1962, o presidente Kennedy observou que “consumidores, todos nós por definição, são o maior grupo econômico e estão interessados em quase todas as decisões econômicas públicas e privados” (OLIVEIRA, 2011).
A categoria de consumidor, portanto, não é uma classe intangível e imutável, dependente de infraestrutura, mas uma categoria flexível e fluida. Qualquer um pode se tornar um consumidor; melhor, todos na sociedade moderna se tornam necessariamente consumidores. Fica claro, portanto, que a aliança dos conceitos de consumidor e vulnerabilidade é muito moderna (SANSONE, 2012).
No entanto, é a ideia de que a vulnerabilidade necessariamente participa da noção de consumidor que, sem dúvida, prevaleceu no direito brasileiro. O movimento legislativo, iniciado com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e cujo alcance cresceu consideravelmente ao longo dos anos, baseia-se na oposição entre o consumidor e o fornecedor, um casal oposto que está na base do direito do consumidor. Desta movimento legislativo nasceu o Código de Defesa do Consumidor – CDC, apenas dois anos depois da promulgação da CF de 1988 - Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (PASQUALOTTO, 2011).
A função do CDC é proteger os fracos contra os fortes. Porém, se o fornecedor é normalmente titular de determinado poder econômico, o consumidor, por sua vez, é aquele que se encontra economicamente fragilizado, ou seja, vulnerável quanto à defesa de seus interesses pecuniários (MOREIRA, 2018).
Mas, ao afirmar essa vulnerabilidade do consumidor em suas relações com o fornecedor, todas as dificuldades até agora não foram resolvidas. Em primeiro lugar, surgiu a questão da definição de consumidor. Pesquisar por esta definição dá a oportunidade de descobrir a inconsistência fundamental sobre a qual o direito do consumidor foi construído. Se o consumidor é protegido por lei porque é vulnerável, por que outras pessoas vulneráveis também não são protegidas? (OLIVEIRA, 2011).
No entanto, a doutrina tem mostrado que o consumidor não detém o monopólio da vulnerabilidade, fragilidade econômica. Consequentemente, basear a noção de consumidor na sua suposta ou comprovada vulnerabilidade, incita certos fornecedores, que se encontra em situação de vulnerabilidade comparável ou ainda maior, a buscarem as normas do direito do consumidor para buscar proteção (SANSONE, 2012).
Daí uma tendência jurisprudencial de expandir o conceito de consumidor de forma a estender a proteção do consumidor a determinados fornecedores, retirando assim qualquer coerência do conceito de consumidor que se torna indetectável (PASQUALOTTO, 2011).
Por outro lado, se o consumidor não possui direitos exclusivos sobre a vulnerabilidade, vê-se que ele não é necessária e sempre vulnerável. Os autores notaram que existem consumidores abusivos beneficiando de superproteção legal. Mas esses fenômenos são amplamente ignorados pelo direito do consumidor, que favorece a proteção geral e abstrata (MOREIRA, 2018).
Portanto, se no direito positivo o consumidor é sistematicamente protegido é porque ele é apreendido como um ser invariavelmente vulnerável, não obstante os casos, reconhecidamente marginal, em que sua vulnerabilidade não se caracteriza (NUNES, 2020).
3 O CONSUMIDOR: UM SER VULNERÁVEL
O direito do consumidor é inervado por uma filosofia que “os consumidores estão naturalmente em uma posição fraca em relação aos fornecedores”. Eles são, portanto, apenas vulneráveis quando são confrontados com fornecedores. Essa vulnerabilidade é, em princípio, relativa a essa relatividade da vulnerabilidade decorrente diretamente dos motivos que explicam a relação entre o mais fraco e o mais forte (BERTONCELLO, 2015).
A vulnerabilidade do consumidor é explicada pela situação de inferioridade em que geralmente se encontra em relação ao fornecedor. Essa inferioridade está localizada em um duplo nível: no nível econômico e no nível cognitivo ou informacional. Em geral, o consumidor está em uma posição de inferioridade econômica ante o fornecedor (KHOURI, 2006).
Este último está à frente de uma empresa (acumulação e organização dos meios de produção humanos e materiais para desenvolver uma atividade económica capaz de agregar um poder econômico) conferindo-lhe uma superioridade indiscutível (KONDER, 2015).
O objetivo de uma empresa é obter lucro, garantir o seu desenvolvimento, o seu crescimento. Pelo contrário, consumidor é aquele que só contrata com o objetivo de satisfazer um interesse pessoal ou familiar. Conseqüentemente, a inferioridade econômica deste resulta da diferença de finalidade entre ele e o fornecedor. Aliás, não sem recordar a filosofia de Aristóteles que condenava a cremática pura, ou propriamente dita, mas admitia a crematística doméstica, isto é, aquela que tinha outra finalidade que não a acumulação de dinheiro (KONDER, 2015).
É essa diferença essencial de propósitos que explica os recursos financeiros e econômicos de que o fornecedor dispõe e que falta ao consumidor. O primeiro raciocinou em grande número, considerando uma pluralidade de atos idênticos, enquanto o segundo deu seu consentimento para um ato particular e isolado (LIMA, 2014).
A posição econômica ocupada pelo fornecedor permite assim que ele faça prevalecer suas previsões, sua antecipação. Além disso, os recursos financeiros liberados pela empresa permitem a utilização sistemática de seguros. O fornecedor é aquele que está segurado contra os riscos inerentes ao exercício da sua função. Os consumidores, por sua vez, muitas vezes não têm os meios para se segurar contra os riscos que correm (LOPES, et al., 2005).
Por fim, o comerciante pode afetar recursos significativos à organização jurídica da sua atividade, não tendo o consumidor outra escolha, se pretende celebrar um contrato, senão nele enquadrar-se. Porém, é óbvio que quem concebe tal organização sempre tende a privilegiar seus próprios interesses, para se proteger (MARQUES, et al., 2006).
O consumidor, ao contratar, não pode, em caso algum, negociar o conteúdo do contrato. Ele não tem outra escolha para aderir ou não à economia geral do contrato tal como foi desenvolvida pelo fornecedor. O contrato já não é a lei elaborada pelas partes, mas a lei ditada por uma das partes contratantes (o fornecedor) e à qual a outra (o consumidor) deve submeter-se se pretende estabelecer uma relação contratual (MARQUES e MIRAGEM, 2014).
Este fenómeno é tanto mais formidável para o consumidor quanto o fornecedor pode dedicar tempo e dinheiro à reflexão jurídica que rege a organização da sua atividade e à redação das cláusulas contratuais. Esta competência legal, somada à competência técnica do fornecedor, induz uma inferioridade cognitiva do consumidor (BERTONCELLO, 2015).
Assim a inferioridade cognitiva se consubstancia quando fornecedor é aquele que sabe que é tecnicamente competente. Por outro lado, o consumidor é o leigo, o não especialista. É um truísmo lembrar que na sociedade moderna, a informação é uma verdadeira riqueza. Hoje se fala sobre a economia da informação, a economia virtual ou a nova economia (KHOURI, 2006).
Ao contrário do que os neoclássicos acreditavam o mercado não é transparente, mas opaco; a informação não é gratuita, mas tem um custo. Ampliando as teorias de Robinson e Chamberlin, François Perroux apud Lopes (2016) mostrou que a informação é um valor econômico real e que, na economia moderna, o poder econômico usa dois meios típicos: informação e restrição.
Ainda na área de economia, Burnham e Galbraith apud Lops (2016) estavam interessados no poder da tecnoestrutura, isto é, daqueles que trazem conhecimento especializado, talento ou experiência para grupos de tomada de decisão.
Daí nasce a ideia de que o poder econômico não é mais simplesmente consequência da acumulação de capital, mas também, e talvez acima de tudo, do domínio de informações úteis e procuradas. No entanto, o desenvolvimento do poder de informação é feito em detrimento dos consumidores. O consumidor é inferior porque é leigo, ou seja, fora do conhecimento, domínio da informação (do latim profanus significando fora do templo) (BERTONCELLO, 2015).
Dessa qualidade de leigo, atribuída ao consumidor, talvez surja à ideia de compará-lo a um incompetente. Mas essa comparação é irrelevante. A deficiência é um status de proteção justificado por uma vulnerabilidade da situação. Ao contrário, o consumidor só é vulnerável na medida em que se depara com um fornecedor. A inferioridade cognitiva, como a inferioridade econômica, reflete a natureza relativa da vulnerabilidade do consumidor (KONDER, 2015).
3.1 A relatividade da vulnerabilidade
O consumidor só é vulnerável em sua relação com o fornecedor. A aplicação do direito do consumidor a um contrato celebrado entre dois consumidores não está prevista. A vulnerabilidade do consumidor é, portanto, essencialmente uma vulnerabilidade de relacionamento. No entanto, há casos em que a vulnerabilidade do relacionamento dobra como vulnerabilidade situacional (BERTONCELLO, 2015).
A vulnerabilidade de relacionamento surge com a relação entre o consumidor e o fornecedor que é caracterizada por um desequilíbrio, estando o consumidor, vis-à-vis o fornecedor, numa relação de inferioridade. Vulnerabilidade é, portanto, no direito do consumidor, um conceito relativo (LIMA, 2014).
O consumidor não é em si mesmo um ser vulnerável. Ele só é vulnerável em relação ao fornecedor; sendo este último uma pessoa suscetível de prejudicar os seus interesses. Mas, se a vulnerabilidade do consumidor em suas relações com o fornecedor é frequente, provável, não se deve acreditar que seja constante, invariável (BERTONCELLO, 2015).
Já a vulnerabilidade provável só acontece, apesar de uma elaboração caótica e pouco pensada quando o legislador concebeu o direito de consumo respeitando o sábio princípio esbanjado por Teofrasto e relatado por Pomponius apud Lopes (2016, p. 133): “deve-se legislar sobre os casos que ocorrem com frequência e não sobre os que ocorrem muito raramente”. Que paradoxo para um legislador tão medíocre e pouco respeito pelos cânones clássicos. É razoável proteger geralmente o consumidor com base na probabilidade.
Qualquer legislação que proteja os fracos só é justa se o estado de fraqueza for comprovado ou altamente provável. Caso contrário, será visto como um favor excessivo, um privilégio suspeito de corporativismo (LOPES, et al., 2005).
Este risco parece, à primeira vista, excluído no que diz respeito ao direito do consumidor. A proteção legal dos consumidores é necessária pela frequência de seu estado de vulnerabilidade quando confrontado com um fornecedor. Esta observação, que resulta de um simples exame da realidade, não é contestável (BERTONCELLO, 2015).
É legítimo afirmar que, na grande maioria dos casos, o comerciante goza de uma posição dominante que pode degenerar em abuso em detrimento do consumidor. Recorde-se que a proteção do consumidor apenas se justifica pelo seu estado de vulnerabilidade, ou seja, da potencial vítima, sem que a prática de um abuso efetivo seja, em princípio, exigida a título preliminar (MARQUES et al., 2006).
O direito do consumidor, portanto, gira em torno de uma probabilidade dupla: por um lado o perigo, no direito do consumidor, é obliterar a natureza probabilística desse duplo raciocínio para ceder à tentação do espírito de um sistema (BERTONCELLO, 2015).
Ficará claro, durante o estudo dos meios de defesa do consumidor, que infelizmente o legislador brasileiro não evitou essa armadilha, preferindo a facilidade do simplismo demagógico ao exigente rigor de uma análise que leve em conta o complexidade da realidade. No entanto, embora a vulnerabilidade do consumidor seja provável, ela não é invariável. A vulnerabilidade variável ocorre quando o consumidor nem sempre é aquele indivíduo fraco, ignorante e isolado que o direito do consumidor retrata (MARQUES e MIRAGEM, 2014).
O consumidor não é necessária e sempre vulnerável, mesmo no trato com um fornecedor. É o que acontece, nomeadamente, quando uma pessoa atua fora do âmbito da sua atividade de fornecedor, para concretizar um ato de consumo que se enquadra na sua área de competência. Deve ser protegido? Lopes (2016) deu o exemplo de um mecânico que adquire um automóvel para as necessidades de sua família ou de um tabelião que compra um apartamento para as mesmas necessidades (BERTONCELLO, 2015).
Estes dois tipos de exemplos podem ser multiplicados ad infinitum: aqui está um banqueiro que pede um empréstimo ao consumidor, um cientista da computação que compra um computador ou software de jogo para seus filhos. É óbvio que, nesses exemplos, o consumidor não precisa, pelo menos em termos de informação, de uma proteção tão forte quanto a essencial para proteger um consumidor verdadeiramente leigo. Existem, portanto, consumidores, no sentido técnico do termo, que não são leigos no assunto em que estão contratando (KHOURI, 2006).
Claro, esses casos são excepcionais, se não marginais. Não têm importância nem frequência suficientes para inverter a regra de princípio segundo a qual o consumidor se insere numa relação de inferioridade em relação ao fornecedor (KONDER, 2015).
No entanto, a inegável existência desses casos deve levar a qualificar e moderar a proteção do consumidor para levá-los em consideração. Vulnerabilidade variável, proteção variável. Essa variabilidade também pode ser observada na vulnerabilidade da situação (KHOURI, 2006).
Por vezes, a vulnerabilidade do relacionamento está associada à vulnerabilidade situacional, de modo que a situação precária reforça a vulnerabilidade advinda da relação entre consumidores e profissionais. Essa situação de vulnerabilidade pode vir tanto da economia, quanto da geografia (LIMA, 2014).
A vulnerabilidade do consumidor pode ser aumentada devido a uma situação econômica desfavorável. Obviamente, estar-se pensando em endividamento excessivo. Mas aqui o consumidor passa, na realidade, de uma situação de vulnerabilidade, ou seja, de potencial dano aos seus interesses, para uma situação de dificuldades comprovadas. É o caso quando se caracteriza a situação de superendividamento de pessoas físicas. Pela manifesta impossibilidade do devedor de boa fé saldar todas as suas dívidas não profissionais vencidas e vincendas. Para fazer frente a essa situação de superendividamento, medidas específicas de ajuste, pulverização e redução das dívidas devem ser tomadas a favor do consumidor (KHOURI, 2006).
É claro que a situação economicamente difícil, resultante da insolvência de pessoas físicas, não é exclusiva do consumidor. O Estado brasileiro desde o governo de Fernando Henrique Cardoso estabeleceu um regime de proteção para o tratamento de empresas em dificuldade. No entanto, a situação dos consumidores apresenta algumas peculiaridades (LOPES, et al., 2005).
Hoje, já não ter meios financeiros para consumir é sentido, com ou sem razão, como uma espécie de morte civil, de exclusão social. É verdade que, numa chamada sociedade de consumo, a forma mais natural de fazer valer a própria existência é consumir! Mas, em termos de superendividamento, parece que se ultrapassou o estágio de vulnerabilidade (KHOURI, 2006).
Já não se trata apenas de proteger o consumidor, mas de lidar com a dificuldade com medidas mais ou menos radicais. Além disso, é possível perguntar se a situação de vulnerabilidade não foi revertida. Com efeito, entre o consumidor superendividado, cuja situação será resolvida com o auxílio de disposições legislativas que permitam a repartição, ou mesmo o apagamento, das dívidas e os seus credores, entre eles os credores profissionais que são instituições de crédito. São estes que, paradoxalmente, parecem vulneráveis, salvo para recordar que muitas vezes estão na origem da situação de sobreendividamento do seu devedor (MARQUES et al., 2006).
Assim, antes mesmo de contrair dívidas excessivas, o consumidor se encontra em um duplo estado de vulnerabilidade: uma vulnerabilidade situacional devido à sua posição no ciclo econômico, que o incentiva a se endividar para consumir mais e uma vulnerabilidade da relação, pois o fornecedor é quem vai despertar o desejo de consumir e, portanto, a necessidade de se endividar (KHOURI, 2006).
Aqui, no entanto, a vulnerabilidade de relacionamento é de maior importância do que a vulnerabilidade situacional, o que pode não ser o caso com a localização geográfica (MARQUES e MIRAGEM, 2014).
Curiosamente, a situação geográfica às vezes acentua a vulnerabilidade do consumidor ao fornecedor. Essa situação surge em duas hipóteses: quando o fornecedor está presente no consumidor ou quando há distância entre o fornecedor e o consumidor (KHOURI, 2006).
A relação de vulnerabilidade que existe entre o consumidor e o fornecedor é reforçada quando este chega ao domicílio ou residência do primeiro. Entrando inesperadamente na privacidade do lar, o vendedor direto pode, tendo elaborado seus argumentos de venda, muito mais facilmente convencer o consumidor da necessidade ou da utilidade de adquirir um bem ou serviço (KONDER, 2015).
O consumidor, surpreendido em um lugar normalmente reservado para sua vida privada, corre o risco de ser convencido mais facilmente do que o normal pelo discurso de vendas. É por isso que esta prática comercial, que alguns qualificaram de agressiva, deve ser regulamentada de forma a ter em conta esta situação particular de vulnerabilidade (LIMA, 2014).
No Brasil não há lei que rege especificamente as vendas porta a porta para proteger os consumidores que se encontram nessa situação vulnerável. O legislador brasileiro deveria fornecedor uma solução legal a um tipo de venda que existe em todo território nacional, principalmente em cidades pequenas do interior do Brasil e nas áreas periféricas das grandes cidades para se aplicar não só ao domicílio ou residência do consumidor, mas também a todos os locais não destinados à comercialização (KONDER, 2015).
O objetivo desta da lei seria de proteger o consumidor, não só no seu domicílio ou residência, mas também em todos os locais onde não espera ser solicitado por um fornecedor para contratar. Esta extensão geográfica do campo de proteção apresenta algumas dificuldades formidáveis. Teoricamente, é óbvio que a vulnerabilidade da situação do consumidor também é intensa em local público, mesmo que não se destine à comercialização de bens e serviços (via pública ou mercado), além da sua residência (LOPES, et al., 2005).
Na prática, alguns métodos de vendas inofensivos correm o risco de ser prejudicados pelo complicado formalismo de proteção estabelecido por lei. Também assim entendeu a jurisprudência, que se recusa a aplicar estas disposições à propaganda organizada em feiras e exposições (KONDER, 2015).
Outro problema está na venda por correspondência, ou venda online. A venda por correspondência já existe há muito tempo, mas os avanços técnicos na comunicação ampliaram seu uso. O que costumava ser chamado de venda por correspondência tornou-se venda à distância por qualquer meio: telefone, fax, televisão, internet, etc. (LOPES, et al., 2005).
Assim como a venda porta a porta, a venda à distância oferece ao consumidor a comodidade da conveniência: ele não precisa se deslocar. Também tem uma vantagem adicional em relação às vendas porta a porta: o consumidor tem tempo para pensar cuidadosamente sobre sua decisão de contratar; ele não está sob pressão de um vendedor (KONDER, 2015).
Porém, sérias desvantagens afetam essa prática comercial. O consumidor não tem diante dos olhos o bem que deseja adquirir. Portanto, é difícil para ele avaliar exatamente se esse bem corresponde às suas necessidades (MARQUES et al., 2006).
Além disso, em caso de defeito nos produtos vendidos, o consumidor pode ter dificuldades em fazer valer os seus direitos contra um vendedor geograficamente distante de sua residência. Finalmente, após o pagamento, o consumidor pode nunca receber os produtos encomendados (KONDER, 2015).
O legislador brasileiro, portanto, ainda não interveio para regular esta prática comercial, a fim de proteger especialmente o consumidor que se encontra em situação de vulnerabilidade susceptível de acentuar a inferioridade que já resulta da mera existência de um relacionamento com o fornecedor. O direito positivo, portanto, não ignora a vulnerabilidade do consumidor, seja a vulnerabilidade de uma relação ou, mais especificamente, de uma situação, apesar de não existir lei especifica. Se o consumidor é um ser inegavelmente vulnerável, ele também é um ser legalmente protegido. Além disso, é porque ele é vulnerável que deve ser protegido (MARQUES e MIRAGEM, 2014).
4 O CONSUMIDOR: UM SER PROTEGIDO
Constatada a necessidade de proteger juridicamente o consumidor, coloca-se a questão de saber que meios o legislador deve assegurar essa proteção. A forma mais eficaz é adaptar a proteção ao tipo de vulnerabilidade. Mas, em certos casos, ainda que marginais, a proteção desenvolvida pelo legislador é injustificada por ser desproporcional em relação à vulnerabilidade real do consumidor (KONDER, 2015).
A proteção ao consumidor é eficaz e justa quando é adaptada à vulnerabilidade deste. Essa adaptação nem sempre é fácil. A legislação consumista às vezes erra seu alvo ao estabelecer um sistema inadequado e ineficaz. Mas, como um todo, o CDC contém um arsenal de regras passíveis de levar em conta a maioria dos casos de vulnerabilidade do consumidor. Isso é levado em consideração sancionando o abuso ou evitando-o (LIMA, 2014).
O abuso não é sistemático na relação entre fornecedor e consumidor. Não é porque essa relação é marcada por uma inferioridade de um em relação ao outro, que esse desequilíbrio necessariamente vira em prejuízo dos mais fracos. Além disso, o mito da igualdade entre as partes contratantes não é mais crível hoje, se é que o foi no passado (LOPES, et al., 2005).
De fato, todo contrato opera necessariamente como um instrumento de dominação social de um contratante fraco por um contratante forte; Ao contrário do que a doutrina consumista às vezes afirma o direito do consumidor não revelou o fenômeno do desequilíbrio de poder econômico entre as partes contratantes. Lopes (2016, p. 134) já havia notado que o credor regularmente adquiriu poder sobre o devedor. E pode, portanto, "fazer sentir sua força"
A desigualdade é, portanto, uma ideia que o advogado usa com mais frequência do que se pensa. Assim, se é pela sua vulnerabilidade que o consumidor deve ser protegido, esta proteção deve tomar como medida o abuso de que é vítima. Nos meios de sancionar esse abuso, ainda é necessário distinguir entre os meios individuais ou clássicos e os meios coletivos ou modernos (LIMA, 2014).
A legislação sobre cláusulas abusivas impostas por um fornecedor a um consumidor é o exemplo atual da sanção individual do abuso. Este regime foi instituído pela lei nº 7.823 de 10 de janeiro de 1978 na França. Mas no Brasil quem regula essa relação é o CDC. Em sua redação original, esta lei considerava não escritas as cláusulas impostas ao consumidor por abuso de poder econômico por parte do fornecedor, situação absorvida pelo CDC no Brasil que enfatizou a importância do abuso no assunto (MARQUES et al., 2006).
Uma cláusula não é abusiva pela simples inclusão num contrato celebrado entre um fornecedor e um consumidor. Só é abusivo se o comerciante abusa do seu poder económico para criar um desequilíbrio a seu favor entre os direitos e obrigações recíprocos das partes (LIMA, 2014).
O CDC transpondo para o direito brasileiro a diretiva sobre cláusulas abusivas em contratos celebrados com consumidores, onde as cláusulas que tenham por objeto ou por efeito criar, em prejuízo do não fornecedor ou do consumidor, um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes do contrato (MARQUES e MIRAGEM, 2014).
Mas esta formulação não altera a regra básica. A lei não usa mais os termos de abuso de poder econômico, mas essa noção ainda está presente na expressão “desequilíbrio significativo". Com efeito, este desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes no contrato só é criado pelo abuso que o fornecedor faz do seu poder económico em detrimento do consumidor (LIMA, 2014).
Originalmente, esta legislação é particularmente inadequada porque o legislador julgou oportuno reduzir ao mínimo o papel do juiz para reservar ao regulador a possibilidade de qualificar tal ou tal cláusula abusiva. Desde então, pode-se considerar que o sistema de defesa do consumidor contra as cláusulas abusivas está perfeitamente adaptado à vulnerabilidade deste (LOPES, et al., 2005).
Outro exemplo de sanção individual por abuso pode ser considerado na área das práticas de publicidade. O CDC proíbe a publicidade enganosa, isto é, publicidade que contenha afirmações, indicações ou apresentações falsas ou que possam induzir em erro. Nesse caso, apenas o abuso, ou seja, a publicidade que possa induzir em erro, é proibida (MARQUES et al., 2006).
Mera hipérbole na descrição dos méritos de um produto não leva à condenação. Aqui, novamente, a proteção é proporcional à vulnerabilidade do consumidor. Era preciso ir além da sanção civil da fraude, já que o consumidor é constantemente assediado pela propaganda na mídia. Somente a repressão penal permite o estabelecimento da disciplina coletiva e geral. Mas, a lei não protege os tolos (LOPES, et al., 2005).
O consumidor deve estar vigilante e cuidadoso para não se deixar enganar por uma paródia ou mensagem enfática. Assim, constatou-se que o slogan “A bateria Wonder apenas se desgasta se você usá-la". Embora impreciso, tem um aspecto caricaturado que não deve induzir em erro o consumidor médio (MARQUES e MIRAGEM, 2014).
Por último, como último exemplo, é tida em consideração a situação particular vulnerável de certos consumidores para punir o abuso de fraqueza. Assim, os CDC pune os abusos de fraqueza cometidos por fornecedor em prejuízo de consumidor por ocasião de circunstâncias particulares suscetíveis de criar vulnerabilidade da situação além da vulnerabilidade. O CDC enumera de forma restritiva as circunstâncias, as situações suscetíveis de dar origem ao abuso de fraqueza sancionado penalmente (LOPES, et al., 2005).
Os órgãos de Defesa do Consumidor (PROCOMS) detém a ambição de generalizar o crime removendo qualquer referência a circunstâncias específicas. No entanto, tal generalidade não seria aconselhável. Na verdade, a proteção do consumidor só é justa se for adaptada à sua vulnerabilidade (MARQUES et al., 2006).
Nas relações com os fornecedores, o consumidor beneficia de um regime mínimo de proteção. É normal penalizar mais severamente o fornecedor que abusa, não apenas de sua relação de superioridade, mas também da posição particular de fraqueza de sua parte co-contratante C.
É também necessário que a situação de fragilidade seja caracterizada de forma particular, comparada com a do commom Law, em função das circunstâncias, dos meios utilizados e das capacidades intelectuais do consumidor (MARQUES et al., 2006).
A jurisprudência considera, com razão, que a técnica de venda que consiste em selecionar potenciais compradores de acordo com as suas capacidades financeiras e fazer com que paguem um preço elevado por meio de uma encenação não permite caracterizar o estado de fraqueza das pessoas solicitadas. Apesar da eficácia dos meios de sanção individual, é claro que o consumidor muitas vezes se encontra em uma situação de isolamento e impotência perante o fornecedor. O direito do consumidor, então, fornece meios coletivos de sanção (MARQUES e MIRAGEM, 2014).
O consumo moderno é um fenômeno de massa. A defesa do consumidor deve, portanto, seguir um caminho coletivo para ser eficaz. Assim, existe a Procuradoria de Proteção e Orientação ao Consumidor – PROCON encarregado de apurar se os modelos de contratos habitualmente oferecidos pelos fornecedores ao seu consumidor contêm cláusulas que possam ser abusivas (MARQUES e MIRAGEM, 2014).
Este órgão tem o poder de recomendar a eliminação ou modificação de cláusulas de natureza abusiva. È certo que as recomendações do PROCON não constituem regras obrigatórias, suscetíveis de abrir um meio de cassação. No entanto, a seriedade do trabalho é de molde a conferir às suas opiniões de autoridades suficiente para influenciar o juiz (KONDER, 2015).
O recorrente não está isento do ónus da prova do carácter abusivo da cláusula inserida no seu contrato e constante da lista em anexo. No entanto, a publicação de tal lista ajuda a harmonizar as práticas e incentiva os fornecedores mais sérios a retirarem espontaneamente certas cláusulas inseridas no seu contrato. Paralelamente a este dispositivo, existe a possibilidade de certas associações de consumidores agirem para eliminar cláusulas abusivas (KONDER, 2015).
5 A SANÇÃO DA EXPLORAÇÃO DE VULNERABILIDADE
As sanções pela exploração da vulnerabilidade são principalmente da competência dos PROCONS, sendo que apenas o CDC, que visa mais especificamente os consumidores vulneráveis, estabelece regras harmonizadas. No que diz respeito aos procedimentos, o CDC deixa ao PROCONS a possibilidade de preverem o tipo de procedimento que considerem mais adequados, judiciais ou administrativos (LOPES, 2016).
Cabe em todos os PROCON decidir qual destes procedimentos será utilizado e se é adequado que os tribunais ou as autoridades administrativas possam exigir o recurso prévio a outros meios estabelecidos de resolução de queixas. Os consumidores devem ter acesso a estes meios, quer estejam estabelecidos no território do mesmo PROCON que o comerciante, quer no de outro PROCON. O recurso dos consumidores pode ser exercido individual ou coletivamente. Na presença de litígios interestaduais, os consumidores podem beneficiar de medidas gerais de facilitar a resolução destes litígios: isto se refere às disposições específicas para pequenos litígios, resolução online de litígios de consumo e resolução extrajudicial de litígios de consumo para recursos individuais e as disposições sobre injunções para recursos coletivos (KONDER, 2015).
No que diz respeito às sanções, o CDC estabelece que as sanções devem ser eficazes, proporcionais e dissuasivas. Essencialmente, portanto, os PROCONS permanecem no controle das sanções e dos procedimentos. No entanto, a falta de harmonização não leva necessariamente os PROCONS a usarem sua margem de manobra para proteger efetivamente os consumidores vulneráveis (LOPES, 2016).
Se anexar ao exemplo brasileiro, as sanções parecem bastante inadequadas. Do lado dos consumidores vítimas da prática, a sanção civil consiste na nulidade do contrato perante a prática agressiva. Para práticas enganosas, nenhuma sanção específica é fornecida e a lei comum de contratos se aplica (KONDER, 2015).
Assim, a nulidade não é aplicada automaticamente e, além disso, parece difícil de obter. Pressupõe uma ação judicial individual para o consumidor vulnerável que foi forçado a contratar por assédio, coação ou influência injustificada do fornecedor. A omissão de levar em conta a vulnerabilidade no direito processual do consumidor é tal que torna tal ação muito hipotética (KONDER, 2015).
Lopes (2016, p. 137) conclui que “basicamente, no que diz respeito à vítima inicial da prática comercial desleal, as sanções retidas não diferem das aplicadas na common law. No entanto, precisamente tais sanções não aparecem necessariamente adaptados à definição de práticas comerciais desleais.
A sua vocação corretiva ancorada no presente contrasta com o único efeito potencial das práticas. As sanções penais estão previstas no CDC, mas a doutrina indica que é de recear que a arma seja mais teórica do que prática em um período de restrição drástica dos meios concedidos às administrações de controle (KONDER, 2015).
Na realidade, são os concorrentes, vítimas indiretas6, que intentam ações judiciais para denunciar práticas comerciais desleais que perturbam o jogo normal da concorrência. A sua ação permite a cessação efetiva da prática mas a reparação do prejuízo do concorrente, com fundamento na concorrência desleal, desvia a regra do seu objetivo inicial, a proteção dos consumidores. Quando se observa o contencioso brasileiro, as ações mais comuns eficazes são aqueles iniciados por associações de consumidores. A defesa do interesse coletivo dos consumidores permite, de facto, às associações autorizadas requererem a cessação de uma prática ilegal e obterem a reparação do dano coletivo sofrido pelos consumidores (KONDER, 2015).
6 CONCLUSÃO
Se a noção de consumidor vulnerável abarca realidades diversas, as suas manifestações multiplicam-se e evidenciam os mecanismos legais implementados face à fragilidade particular do consumidor. O consumo às vezes é insuficiente, ele é remediado tornando certos bens ou serviços acessíveis para os excluídos dos benefícios esperados do mercado.
De forma mais geral, a vulnerabilidade dos consumidores é levada em consideração ao julgar a natureza injusta de uma prática comercial ou a natureza perigosa de certos produtos.
Porém, as restrições ao marketing ou a limitação da liberdade de expressão comercial não podem ser suficientes para proteger efetivamente o consumidor vulnerável. Ainda seria necessário aprimorar a educação dos consumidores para permitir um real entendimento das informações transmitidas.
Os vieses cognitivos identificados pelos proponentes da economia comportamental estão particularmente presentes em pessoas vulneráveis e os mecanismos de informação não podem ser suficientes para reduzir a divisão existente.
Proteger o consumidor vulnerável, portanto, requer empoderamento das pessoas envolvidas, ajustando as regras de proteção às capacidades reais do consumidor.
O consumidor fica assim protegido por seu "componente de humanidade e fraqueza", além de seu papel de agente econômico. Nesse sentido, o surgimento da figura do consumidor vulnerável que constrói a ideia de justiça em torno da capacidade, ou seja, da possibilidade efetiva de que um indivíduo tem de escolher vários combinações de operações. Esta igualdade de poder das pessoas, “capacidade”, constitui a pedra angular da proteção do consumidor vulnerável.
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[1] Mestre em Direito do Trabalho Faculdade de Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas em 2013 e professor do curso de Direito do CEULM/ULBRA, Manaus-AM, [email protected].
é aluno finalista do curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil, Campus Manaus
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COHEN, yago lobo. Vulnerabilidade e Direito do Consumidor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2020, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55522/vulnerabilidade-e-direito-do-consumidor. Acesso em: 23 dez 2024.
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