INGO DIETER PIETZSCH[1]
RESUMO: O ordenamento jurídico brasileiro nunca deu muita importância em regular as questões referentes ao Registro Civil de pessoas naturais. No inicio era uma atribuição da Igreja Católica, não sendo regulado nem pela Colônia e nem pelo I Império do Brasil. Somente no II Império do Brasil houve essa preocupação com o Decreto n.º 3 069 de 1863 que obrigava o Estado a reconhecer pessoas não católicas; em 1874, foi editado o Decreto n.º 5 604 que finalmente regulou a situação do Registro Civil de pessoas naturais no Brasil e isso perdurou por 110 anos, já que somente em 1973 foi editada uma lei que regulamentava a questão no Brasil (Lei n.º 6.015 de 31 de dezembro de 1973). Essa lei permanece até os dias de hoje e sofreu somente algumas modificações em 1974 (Lei n.º 6.216); em 2001 (Lei n.º 10.215) e, 2008 (Lei n.º 11.790), o que demonstra pouco caso do Estado Brasileiro com a questão. Desta forma este artigo se propôs a analisar o ordenamento jurídico brasileiro no que tange a retificação/suprimento ou restauração do Registro Civil-Certidão de Nascimento após prazo legal, além de especificamente identificar os procedimentos de ações judiciais para retificação/suprimento ou restauração do Registro Civil-Certidão de Nascimento após prazo legal; verificar a evolução natural das leis de Registro Civil de pessoas naturais; e, avaliar as lacunas da Lei com relação à retificação/suprimento ou restauração do Registro Civil-Certidão de Nascimento após prazo legal. O processamento dado as leis correspondentes do Registro Civil de pessoas naturais no Brasil é especialmente importante, pois precisamente este Registro tem o principal, embora não único, objetivo de verificar oficialmente os “atos” ou “fatos relativos ao status civil das pessoas”, embora outros fatos legais, que não são classificáveis como tais, também são registrados. A interdependência de ambos os conceitos significa que é aconselhável ter um tratamento combinado de ambos em relação a esse tema. A Lei n.º 6.015 de 31 de dezembro de 1973 sobre Registro Civil, acarretou uma mudança substancial de estrutura e gestão em relação a esses assuntos. Além disso, existem várias situações de fato que podem ter uma entrada em um novo sistema que faz com que o conceito de Registro Civil de pessoas naturais sema modernizado de acordo com as demandas atuais da sociedade.
Palavras-chave: Registro Civil de Pessoas Naturais; Retificação/Suprimento Restauração do Registro Civil de pessoas naturais; prazo legal.
ABSTRACT: The Brazilian legal system has never given much importance to regulating issues related to the Civil Registry of natural persons. In the beginning it was an assignment of the Catholic Church, being regulated neither by the Colony nor by the I Empire of Brazil. Only in the Second Empire of Brazil was this concern with Decree No. 3 069 of 1863, which obliged the State to recognize non-Catholic people; in 1874, Decree No. 5 604 was issued, which finally regulated the situation of the Civil Registry of natural persons in Brazil and this lasted for 110 years, since only in 1973 was a law that regulated the issue in Brazil (Law no. 6,015 of December 31, 1973). This law remains today and underwent only a few changes in 1974 (Law No. 6,216); in 2001 (Law no. 10,215) and, 2008 (Law no. 11,790), which shows little case of the Brazilian State with the issue. Thus, this article proposed to analyze the Brazilian legal system regarding the rectification / supply or restoration of the Civil Registry-Birth Certificate after legal deadline, in addition to specifically identifying the procedures for legal actions for rectification / supply or restoration of the Civil Registry - Birth certificate after legal deadline; verify the natural evolution of the Civil Registry laws of natural persons; and, evaluate the gaps in the Law regarding the rectification / supply or restoration of the Civil Registry-Birth Certificate after the legal deadline. The processing given the corresponding laws of the Civil Registry of natural persons in Brazil is especially important, since precisely this Registry has the main, although not the only, objective of officially verifying the “acts” or “facts related to the civil status of the people”, although other legal facts, which are not classifiable as such, are also recorded. The interdependence of both concepts means that it is advisable to have a combined treatment of both in relation to this topic. Law No. 6,015 of December 31, 1973 on Civil Registration brought about a substantial change in structure and management in relation to these matters. In addition, there are several de facto situations that may have an entry into a new system that makes the concept of Civil Registry of natural persons modernized according to the actual demands of society.
Keywords: Civil Registry of Natural Persons; Rectification / Supply Restoration of the Civil Registry of natural persons; legal term.
INTRODUÇÃO
O Brasil nasceu sob os auspícios das Ordenações Filipinas, um Código Normativo do direito espanhol que estava sendo aplicado em Portugal durante o ano de 1.500, ano quem Pedro Álvares Cabral, navegado português, que estava indo em direção as índias e por aqui aportou. O Código Normativo Filipino era um compêndio de regras de direito com profunda influência do direito canônico, que prevalecia há algum tempo, nos principais Estados católicos, sendo a Espanha e Portugal seguidores dos ditames da Igreja Católica (PEDRO,2009).
A Igreja católica era responsável pelo registro das pessoas já há algum tempo desde a desestruturação burocrática do Império Romano, em função, principalmente de uma estrutura hierarquizada e fundada na burocracia. Os Registros Civis do Império Romano tinha sido perdidos e os registros de batismo e casamento da Igreja católica preservados, o que levou o Império a adotar o que foi determinado pelo Concílio de Trento, mais especificamente o “Decretum de Refornatione Matrimonii”, Isso perdurou até que a Igreja no Brasil estabeleceu normas própria denominadas de Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. O problema dessa decisão, era que, pelo menos na Europa, metade da população não era mais católica e não podiam ser registrados (MESQUITA, s/d).
Durante 3,65 séculos perdurou no Brasil esse determinante já que somente em 1864 foi editada uma Lei – Decreto n.º 3 069 de 1863 que regulava a situação de Registros Civis, pelo menos de forma parcial. Essa Lei obrigava o Estado a reconhecer pessoas não católicas. Somente em 1874, já no II Império do Brasil, 11 anos depois, foi editado 1874 o Decreto nº 5 604, de autoria do deputado geral do Império do Brasil, João Alfredo Correia de Oliveira que finalmente regulamentou o Registro Civil de nascimentos, casamentos e óbitos no Brasil. Ressalta-se que desde 1850, já estava em vigor no Brasil, o Código Comercial que obrigava as empresas a se registrarem (matricularem-se) na Junta do Comércio e no Tribunal do seu domicilio (art. 7º). Mas no caso do Registro Civil de pessoas naturais a responsabilidade continuava da Igreja (PEDRO, 2009).
Durante toda a República Velha (1889-1930); o governo de Getúlio Vargas (1930-1945); o período democrático (1945-1964); e, durante boa parte do Governo Militar (1964-1986), a legislação brasileira sobre registros civis não mudou. Foram 110 anos do primeiro Decreto (Decreto n.º 3 069 de 1863); 99 anos do segundo Decreto (Decreto n.º 5 604 de 1874) para que o Brasil editasse uma lei que tratasse do assuntos de forma mais abrangente. Em 1973 foi editada uma lei que regulamentava a questão no Brasil (Lei n.º 6.015 de 31 de dezembro de 1973). Essa lei permanece até os dias de hoje e sofreu somente algumas modificações em 1974 (Lei n.º 6.216); em 2001 (Lei n.º 10.215) e, 2008 (Lei n.º 11.790), o que demonstra o descaso do legislativo brasileiro com relação ao registro de pessoas naturais (MESQUITA, s/d).
Enquanto alguns países discutem novos conceitos de Registro Civil de pessoas naturais como o conceito de status civil que vai sendo incorporado por exemplo ao direito espanhol, ainda temos uma lei que já vai completar 47 anos com adaptações pontuais. Esse projeto de pesquisa se propõe a discutir exatamente essas questões. È um tema muito pouco discutido no âmbito jurídico brasileiro; sendo sua discussão mais sobre questões puramente conceituais do que doutrinárias.
Com isso ele nasceu dos seguintes questionamentos: quais são as condições impostas pela Lei de Registro Civil de pessoas naturais no que tange retificação/suprimento ou restauração do Registro Civil-Certidão de Nascimento após prazo legal? Destes questionamentos surgiram os objetivos deste trabalho. Como objetivo geral tem-se: analisar o ordenamento jurídico brasileiro no que tange a retificação/suprimento ou restauração do Registro Civil-Certidão de Nascimento após prazo legal. Como objetivos específicos têm-se: identificar os procedimentos de ações judiciais para retificação/suprimento ou restauração do Registro Civil-Certidão de Nascimento após prazo legal; verificar a evolução natural das leis de Registro Civil de pessoas naturais; e, avaliar as lacunas da Lei com relação à retificação/suprimento ou restauração do Registro Civil-Certidão de Nascimento após prazo legal.
Assim este artigo encontra sua justificativa nos aspectos acadêmicos, científicos, sociais e pessoais. Sobre o aspecto acadêmico/científico, encontra sua justificativa no fato do tema não apresentar trabalhos substanciais de cunho acadêmico/científico, sendo um tema muito pouco discutido na academia. No aspecto social encontra sua justificativa no fato de que o direito de personalidade é um direito constitucional e que precisa ser mais discutido no âmbito da academia. No âmbito pessoal, o projeto de pesquisa se justifica pela inquietação pessoal que o tema produz para acadêmicos de direito, justamente por ser a universidade, especialmente os cursos de direito uma reunião tríplice da realidade do conhecimento, seres humanos e sociedade, e com responsabilidades nessas três áreas.
Sua metodologia seguiu o método de abordagem indutivo que parte de uma situação geral para uma situação particular, prevalecendo neste estudo o método qualitativo, que envolve uma abordagem interpretativa e naturalista de seu assunto em material unicamente bibliográfico em livros e artigos eletrônicos que tratam especificamente do tema, além de material jurídico disponíveis em sites jurídicos, com textos discursivos, decisões judicias, etc.
Os resultados apontam que a Lei deve evoluir e além de adaptar as questões legais do Registro Civil de pessoas naturais às prerrogativas da modernidade, deve também incorporar, em seu bojo, o conceito de status civil, já existente em muitos ordenamentos jurídicos da Europa, o que daria interdependência há ambos os conceitos (Registro Civil de pessoas naturais e status civil) que significa que é aconselhável combinar tratamento de ambos no que diz respeito a leis brasileiras.
1 HISTÓRIA DO REGISTRO CIVIL DE PESSOAS NATURAIS
Em seu artigo inspirador, "O Censo[2] como Cerimônia Nacional", Kruskal (1984) destaca que "o censo moderno tem raízes antigas que remontam aos velhos dias bíblicos e de maneiras positivas e negativas". Numa digressão, Kruskal (1984) também cita os dois relatos bíblicos do censo de Davi nos livros de Samuel e Crônicas, e interpreta os dois conjuntos de contagens como réplicas de um censo, em vez de dois relatórios separados dos resultados do mesmo censo. Outros censos são citados na Bíblia Sagrada nos textos de Êxodo (38:26) do velho Testamento aparece; no livro de Números (25:51) e no livro de Lucas (2:1-21) no Novo Testamento faz referência clara a um recenseamento ordenado por César Augusto, Imperador de Roma, na época do nascimento de Jesus Cristo.
Mas é importante ressaltar que em outras civilizações já havia a contagem de pessoas e profissões que eram responsáveis por isso; Batalha (1977) fala que a profissão de escriba era uma das mais importantes no Direito Egípcio, já que esse profissional era responsável por todos os registros públicos. Em Roma, o denominado scribanus, eram responsáveis, também pela escrita de documentos e caso essas documentos fossem públicos eles ganhavam uma nova denominação - tabularis (notário)m o que origina a profissão de tabelião e a atividade cartorial.
Mas onde se inicio realmente os Registros Civis de pessoas naturais? Llart (2001) diz que oficialmente, os Registros Civis se originaram de um procedimento romano que a cada 5 anos, durante a realização dos censos, obrigava que as pessoas fizessem uma declaração de patrimônio (material) e de sua origem genética (nome dos pais) sua idade e seu local de residência. Esse procedimento era chamado de “tabulae censos”.
Os objetivos romanos eram bem claros. Aumentar sua receita tributária para sustentar a expansão territorial de Roma, além de sustentar o próprio Estado Romano. Não tinham a intenção de criar um mecanismo de registro de pessoas, como legalidade jurídica, mas somente o objetivo arrecadatório e militar, no tempo de Sèrvio Túlio. Com Augusto, dadas às necessidades romanas de expansão dos seu poder, Roma se viu obrigada a aumentar sua população e isso se deu através do casamento (LLART, 2001).
Outro objetivo de Roma era o de conhecer as pessoas justamente para aumentar o seu efetivo militar e continuar sua política expansionista. Isso se transformou em dever para todo cidadão Romano, ou seja, era dever do cidadão romano procriar para aumentar a população e assim forma um grade contingente de pessoas que pudessem formar um estoque de soldados suficientes para suprir as necessidades dos exército romano. Ao mesmo tempo, Roma avançava suas fileiras geográficas o que trazia a Roma à necessidade de mudança da legislação (IGLESIAS, 2011).
Para que esse objetivo fosse cumprido, Otávio Augusto, Imperador Romano criou várias leis – “Lex Iulia de Maritandis Ordinibus; Lex Papia Poppaea; Lex Aelia Sentia”. Todas essas legislações tinha como fulcro criar regras para o casamento, para que Roma pudesse ter controle populacional. Mas nenhuma fazia referência ao Registro Civil das pessoas naturais, mas deu origem ao conceito de Registro Civil de forma definitiva, embora somente sobre o estado civil da pessoa natural (IGLESIAS, 2011).
Somente no período do Imperador Marco Aurélio, de 161 a 180 d. C. que finalmente, Roma regulamentou a questão do nascimentos da Pessoas. O monarca romano estabeleceu a obrigatoriedade dos pais em registrarem seu filhos, sendo legítimos ou ilegítimos (IGLESIAS, 2011).
Com a cheda de Constantino ao poder, exatamente no pior momento de Roma, que já via sob intensa ameaça estrangeira e o Imperador necessitava de uma unicidade de romanos. Liberou, então, a religião cristã para que pudessem realiza seus cultos livremente. Ele também se converteu ao cristianismo em 28 de outubro de 312 d.C, Justificou essa convenção a uma vitória sobre Magêncio, na Batalha da Ponte Mílvio, ocorrida nos arredores de Roma (PEDRO, 2009).
Em 313, ano do Édito de Milão[3], a Igreja Cristã afirma-se como a representante da religião do Império e coloca-se em posição – inclusive política – de nítido privilégio. Mas, para além dos sucessos políticos, o cristianismo permanece uma voz radicalmente revolucionária, pelos conteúdos, antropológicos e sociais, que se contrapõe às concepções próprias do mundo antigo; ele vem, assim, dar vida a um novo modelo de civilização conotado por uma idéia de cultura que coloca no centro o fator religioso, mas delineado como mensagem para todos, povos e indivíduos, e capaz de transformar comportamentos e estruturas sociais a partir da inversão de valores que a mensagem cristã anuncia com o rigor e que projeta como o caminho para uma mudança radical do mundo e um começo para a tarefa escatológica da história. Pincherle (2012, p. 147) diz com muita propriedade:
Nessa Revolução, sobre a qual insistiram desde as origens os Apologistas e os Padres da Igreja, depois os grandes intérpretes do cristianismo até a modernidade, de Erasmo e Pascal, chegando a Hegel e Engels, Nietzsche e Freud, delineou-se também uma mudança – igualmente radical – no campo educativo: transforma-se as agências educativas como a família), uma se torna mais central que as outras (Igreja), toda a sociedade enquanto religiosamente orientada torna-se educadora; mas mudam também os ideais formativos) à Paidéia clássica contrapõe-se a Paidéia christiana, centrada na figura do Cristo) e os próprios processos de teorização pedagógica, que se orientam e se regulam segundo os princípios religiosos e teológico. .
Assim, a revolução do cristianismo é também uma revolução educativa, que durante muito tempo irá marcar o Ocidente, constituindo uma das suas complexas, mas fundamentais matizes. Sua base organizacional estava fundada na hierarquia e na burocracia, já que a Igreja registrava os seus atos, principalmente os de casamento e de nascimento de pessoas (ERPEN, 2002).
No período que vai da morte de Jesus Cristo à época do Édito de Milão a Igreja vai organizando suas próprias práticas sociais e sua própria teorização pedagógica com base nos princípios da solidariedade, caridade e fraternidade (principalmente), sob o influxo, sobretudo, da cultura helenística, mas também da evolução das comunidades cristãs e, como força protetiva, cria um sistema próprio de registros. Breher (2011, p. 42) falando da Igreja Católica:
De fato são os primeiros grupos cristãos que fixam os ritos da oração em comum, da revocação da paixão de Cristo e da última ceia, do culto dos mortos, relacionados com os símbolos do cordeiro (ligado à paz), do asno (ligado à humildade) e do peixe, desenvolvido através de uma leitura da mensagem de Cristo (nos Evangelhos, que foram muitos e muito diferentes entre si, entre os quais a Igreja aceitou apenas os quatro autores chamados canônicos: São Mateus, São Marcos, São Lucas e São João, considerados mais antigos, mais fiéis e uniformes entre si, mesmo se orientados de maneira diversa). Entrementes, fixam-se também algumas práticas de formação humana ligadas à práxis comunitária, e aqui os registros da Igreja são fundamentais por que demonstra desde o início uma organicidade profunda que mais na frente vai se transformar em controle de vários aspectos sociais, inclusive o trabalho de sistema primitivo de cartório.
A Igreja, por exemplo, desenvolve igualmente uma ação educativa sobre toda a comunidade, como a conscientização da necessidade do batismo das crianças para dar início a uma vida cristã. Esse ritual de batismo era registrado e guardados em livros, formando um inventário fundamental de informações relevantes sobre a pessoas que logo seriam incorporados pelo Estado Romano (MESQUITA, s/d).
Com isso, o Registro Civil de pessoas naturais passou a ser uma responsabilidade da igreja, enquanto unidade única do cristianismo conforme preceituo o Imperador Justiniano, o que foi oficializado no Quarto Concílio de Latrão, de 1215. Só que adveio a reforma protestante e a Igreja se dividiu. No campo organizacional, passou a realizar e registrar somente os casamentos de pessoas que compunham os seus quadros, ou seja, pessoas católicas. Só que metade da Europa, não era mais católica e eles não tinham o direito de registrar os seus eventos civis, como casamento, óbito e nascimentos o que obrigou os Estados Europeus a criarem sistemas de Registros Civis seguindo cada um a sua peculiaridade, tirando da Igreja essa prerrogativa única (LOZANA, 2009).
2 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA REGISTRO CIVIL – DO BRASIL COLÔNIA AOS DIAS DE HOJE
O Brasil foi descoberto em 1500, por Pedro Álvares Cabral, um navegador português, ainda no Reinado de Dom Manoel I. Mas para se estabelecer e realmente tomar posse da terra, somente em 1530, Portugal resolveu criar um sistema de Governo Geral. Mandou para cá Martin Afonso de Souza par consolidar a Colônia do Brasil que durou de 1530 a 1815. Mas, desde 1720, os governadores-gerais do Brasil ostentavam o título de "vice-rei", embora a denominação oficial do Brasil, que continuou a ser "Estado do Brasil-Colônia”. Somente foi elevado a categoria de vice-reino no de 1763, No ano de 1915, foi elevado à categoria de Reino Brasil, constituindo, assim O Reino Unido com os Reinos de Portugal e de Algarves (LIMA, 2009).
No campo jurídico, o Brasil se regia pelas Ordenações Filipinas, um conjunto normativo fundado no direito canônico. No campo do Registro Civil de pessoas naturais, as Ordenações Filipinas aplicavam as regras do Quarto Concílio de Latrão, de 1215, mas especificamente o “Decretum de Refornatione Matrimonii”, ou seja, aqui no Brasil, o Registro Civil das pessoas ficaram, desde o início, ficou sob a responsabilidade da Igreja, já que essa era um braço muito forte do Estado português (MESQUITA, s/d).
Isso perdurou até 1863, quando o Decreto n.º 3 069 foi editado e obrigava o Estado brasileiro a reconhecer os registros de pessoas que não eram católicas, que era realizado por suas próprias congregações religiosas, mesmo não tendo o reconhecimento oficial. Em 25 de abril de 187, outro decreto foi editado, por iniciativa do deputado geral do Império do Brasil, João Alfredo Correia de Oliveira. Decreto nº 5 604 de 1874, implantou o Registro Civil no Brasil, seguindo os ditames de outras nações (LOZANA, 2009).
Como era uma inciativa do Estado brasileiro, através do poder legislativo, cabia aos poderes executivo e judiciário procederam à implantação dos cartórios de registro civil. Vale ressaltar que desde o descobrimento, o Reino de Portugal dava muito valor aos atos notariais e registrais, mas sem uma estruturação própria. Isso só ocorreu a partir de 1875, quando as províncias, atuais Estados e os municípios começaram a implantação dos cartórios, fundamentalmente o de Registro Civil de pessoas naturais (LOZANA, 2009).
Alguns autores, como Mesquita (s/d) falam de diversas normas que faziam referência ao Registro Civil de pessoas naturais, mas ressaltam que não se tratavam de leis próprias, como foi Decreto de n.º 5.604 de 1874. O primeiro deles, citado por Mesquita (s/d) é o Primeiro Regulamento de Registro Civil, editado pelo Decreto n.º 798 de 18 de janeiro de 1852, que dava legitimidade e legalidade ao Registro soba a responsabilidade da Igreja. Mas era apenas uma regulamentação e não uma lei especifica. Mas Mesquita (s/d) também faz referência a um documento de 1928 (Decreto n.º 18.542, de 24 de dezembro, que é anterior ao Decreto n.º 4.857, de 09 de novembro de 1939). Nestes documentos citados pelo autor, o artigo 17 da Lei n.º 586 de 06 de setembro de 1850, que faz referência ao Registro Civil de pessoas naturais (LOZANA, 2009).
Em 1963, o Decreto n.º 3.069, de 17 de abril de 1863, tornava obrigatório o aceite pelo Estado dos atos de casamento, nascimento e óbito de pessoas não católicas. Esse decreto foi um passo decisivo para a formatação de uma legislação própria que viria 11 anos depois pela iniciativa do deputado geral do Império do Brasil, João Alfredo Correia de Oliveira. Foi editado o Decreto nº 5 604 de 1874, criando definitivamente uma norma para o Registro Civil no Brasil. Em 07 de março de 1888, o Decreto n.º 9.886, autorizou do serviço de Registro Civil de pessoas naturais para o dia 1º de janeiro de 1889. O Decreto n.º 10.044 de 22 de setembro de 1888 definiu o que deve constar no registro (nome da pessoa, nome dos pais, nome dos avós, data de nascimento e outras informações pertinentes ao registro, como número do livro, o nome do tabelião responsável, etc.) (LOZANA, 2009).
Em 15 de novembro de 1889, foi proclamada a República do Brasil e na Constituição da República de 1891, o Estado brasileiro rompe com suas ligações com a Igreja Católica no campo formal. Em 1890 foi criada figura do Casamento Civil com a edição do Decreto nº 181 de 1890. Mas na realidade o Decreto 5.504 de 1874 é a primeira norma verdadeiramente que trata somente do Registro Civil no Brasil e essa norma só foi mudada, durante o Governo Militar em 31 de dezembro de 1973, 99 anos depois da promulgação da Lei de 1874 (CENEVIVA. 2002).
Foi a Lei Federal 6.015 de 31 de dezembro de 1973, com alterações determinadas pelas Leis 6.140 de 28 de novembro de 1974 e 6.216, de 30 de junho de 1975 que criou um sistema normativo no Brasil República para os registros civis. Em 1977, a Lei sofreu uma nova mudança provocada pela Emenda Constitucional no. 09, de 28 de junho de 1977, que admitiu o Divórcio no Direito Brasileiro. Em 25 de setembro de 1977, o divórcio foi regulamentado pela Lei n.º 6.515 (MESQUITA, s/d).
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 muitas normas do ordenamento jurídico brasileiro necessitavam de reformulações e dentre elas o Código de Menores de 1979 (Lei n.º 6.667, de 10 de outubro de 1979), reformulado pela adoção do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990); O Código Civil de 1916, reformulado pelo Código Civil de 2002. Algumas legislações precisavam de adaptações aos termos constitucionais e entre elas está a Lei n.º 6.015 de 31 de dezembro de 1973 reformuladas em 2001 (Lei n.º 10.215) em 2008 (Lei n.º 11.790), mas apenas em alguns aspectos (SANTOS, s/d).
3 AS AÇÕES
3.1 Ação de Registro Tardio
A Lei Federal n.º 11.790, de 02 de outubro de 2008 produziu uma série de inovações na questão do Registro Civil no Brasil, fundamentalmente no que se refere ao registros tardios de nascimento. A Lei criou determinantes extrajudiciais, que devem se iniciar pela procura do cartório de Registro Civil de pessoas naturais, sem a obrigação de fazê-lo via judicial como anteriormente (BRASIL. 2008).
A referida lei segue os ditames da Lei Federal n.º 11.441/2007, no qual tanto o divórcio como a separação se realizado na forma de consenso entre as partes dispensa a formalidade judicial com o procedimento extrajudicial, sendo o determinante com a lavratura de escritura pública (HILL, 2017).
Assim, como a situação do divórcio e da separação, se consensual, passou a dispensar o procedimento judicial, justamente para dar celeridade ao fato, também o registro tardio passou a dispensar essa formalidade antes admitida. O fulcro da questão dada pelo legislador foi à celeridade e menos formal com a adoção dos procedimentos extrajudiciais fazendo com que o cidadão se motive a proceder ao registro, mesmo que tardio de nascimento. Outra justificativa dada pelo legislador foi aliviar o judiciário brasileiro afogado por processos, mas garantido a necessária segurança jurídica necessária (D’URSO, 2016).
Assim conceitualmente o Registro Tardio constante da Lei n.º 6.015/1973 é todo registro realizado fora do prazo legal para o registro de nascimento, previsto no art. 505 que diz que o registro de nascimento tem que ser realizado em até 15 dias a partir da data de nascimento da criança como regra geral. A Lei prevê duas excepcionalidades: a primeira diz respeito a um decurso de prazo para 90 dias (3 meses), caso o cartório de registro esteja a mais de 30 km da residência dos país. Outra excepcionalidade da lei é de que se o responsável pelo registro for à mãe. Os documentos necessários são: Declaração de Nascido Vivo (DNV); documento de identidade (HILL, 2017).
A Lei de 1973 previa que o registro fora do prazo de maiores de 12 anos de idade só poderia ser realizado via judicial, até o advento da Lei n.º 11.790/08. A preocupação do legislador da Lei de 1973 era de evitar a duplicidade do registro, já que só o juiz poderia sentenciar a inexistência de registro anterior de nascimento, com a autorização do respetivo registro (HILL, 2017).
Com a nova Lei de 2008, o controle e avaliação passaram a ser do Oficial Registrador, não sendo levando em consideração a questão da faixa etária do registrando. Portanto, independente da idade será necessário, tão somente, o comparecimento junto ao Oficial Registrador, abrir o procedimento, sendo, dispensado a intervenção judicial. Caso a pessoa seja maior de 18 anos, ela mesmo pode instaurar o procedimento. Mas se for menor, deve procurar o Ministério Público e esse dar inicio ao procedimento judicial. Não há necessidade de presença de advogado (D”URSO, 2016).
Sem dúvida que a Lei Federal n.º A Lei Federal no 11.790/2008 representou um significativo avanço no ordenamento jurídico brasileiro e um desafogo para a justiça por se tratar de um procedimento comum, já que as pessoas às vezes não sabem os prazos que tem para registrar os seus filhos; outros com baixa escolaridade, não dão importância para o registro dos seus filhos que só com a formação da consciência se dão conta da importância do registro e, outras situações que um país com profunda desigualdade social causa nas pessoas (HILL, 2017).
3.2 Ação de Suprimento/Restauração e/ou Ação de Retificação de Registro Civil de pessoas naturais
A questão do suprimento/restauração ou retificação do Registro Civil de pessoas naturais no Brasil dos arts. 109 a 113 da Lei n.º 6.105/1073. O artigo 109 faz uma apanhado geral dos requisitos fundamentais que envolve essas três possibilidades (suprimento, restauração e a retificação do Registro Civil de pessoas naturais) e diz que a pretensão precisa ser judicial, com documentos comprobatórios da pretensão e/ou testemunhas, desde que seja ouvidos o Ministério Público - MP e os interessados (BRASIL, 1973).
O objetivo do juiz de observar os documentos, ouvir o interessado e as testemunhas é levantar o maior número de informações pertinentes para usar como prova. É um trabalho de levantamento de informações contundentes justamente por ser percebida que a informação é a matéria-prima mais valiosa. Quem detém a informação, de certa forma detém o poder. A informação é fator-chave do trabalho de oitiva do juiz principalmente dos tempos atuais, denominados de “Era da Informação”, que acabam por ser imprescindíveis para que o trabalho judicial flua de forma eficaz (DALLARI, 2004).
O importante é dispor de informações seguras que embasem o processo de levantamento de informações. Então o trabalho do juiz, neste casos específicos de suprimento/ restauração e/ou retificação de Registro Civil de pessoas naturais se torna um elemento balizador do levantamento de informações, fornecendo uma visão cristalina das pretensão do interessado em função das informações possibilitarem a formação de um retrato fiel da situação (DALLARI, 2004).
Já ó fato de ouvir o MP se infere pelo fato desta instituição ter em seus fundamentos características e atribuições gerais estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Assim, a CF/1988, em seu artigo 127 estabelece que o MP é a instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. É também assegurada a autonomia funcional e administrativa, bem como a iniciativa de encaminhamento de sua proposta orçamentária à casa legislativa pertinente (MOARES, 2015).
É uma instituição constitucional autônoma. Seus membros são formados em Direito e passam a fazer parte de seus quadros após concurso público. Existem diversos ramos do MP. Divide-se em Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, e em cada Estado da federação haverá um Ministério Público Estadual (MORAES, 2014).
Ao MP cabem as funções estabelecidas no artigo 129 da Constituição Federal, como a promoção das ações penais contra as pessoas que cometem crimes e instauração de inquérito civil e a propositura de ações civis públicas em defesa de direitos coletivos, difusos ou individuais homogêneos como aqueles em defesa dos idosos, portadores de deficiência, do meio ambiente, da saúde e da educação e no caso específico da Lei n.º 6.105/1973emitir opinião favorável ou contrária a pretensão do interessado. Neste sentido, se constitui de suma importância a oitiva do MP com atribuição de provas por esta importante instituição da República em um Estado Democrático de Direito (CRUZ e TUCCI, 2010).
O parágrafo 1º do art. 109 a impugnação ou parte de algum interessado ou ainda do Ministério Público e determina ao juiz a produção de provas que deverá ocorrer no prazo de 10 dias, desde que em 3 dias, tanto o MP como os interessados. A produção de provas. O importante é dispor de informações seguras que embasem o processo decisório. Então para o trabalho do juiz, a informação se torna um elemento balizador do processo decisório, pois ela traduz o conhecimento sobre a situação, fornece uma visão cristalina do problema, em função da mesma passar por ela e esta possibilita a formação de um retrato fiel da situação. E essa provas são de três: proa testemunhal que se refere a oitiva de pessoas que conhecem a situação em todo o seu contexto; prova documental que envolve a apresentação de documentos comprobatórios sobre a situação ensejada; e, a prova pericial que é o exame da verificada da documentação apresentada (PACHECO, 2011).
Com isso o juiz tem os elementos fundamentais para que possa tomar um decisão que será baseado nos seguintes procedimentos: como, segundo Pacheco (2011, p. 112-113):
a) Conhecimento: está baseado na informação e no tratamento da mesma para que se transforme em conhecimento;
b) Sensibilidade: capacidade de sentir o valor da informação e como ela deve ser processada;
c) Percepção: é o efeito de uso da informação mais propícia para a decisão por intermédio da sensibilidade de perceber o melhor caminho ou a melhor alternativa.
Desta forma, a tomada de decisão é um processo complexo que deve seguir tanto a racionalidade por intermédio do acúmulo de informações disponibilizadas como, também da intuição que pode ser empírica com base unicamente na capacidade de sentir o problema do juiz, ou com base, também em informações que se transforme em conhecimento, produza sensibilidade e promova uma percepção clara do que deve ser decidido (MORAES, 2015).
O parágrafo 2º do art, 109, fala que o juiz tem 5 dias de prazo para decidir caso nenhuma prova seja mais necessária ou ainda caso não aconteça nenhuma impugnação. O parágrafo 3º do art. 109 trata da apelação da decisão do juiz, uma prerrogativa constitucional. O parágrafo 4º se refere ao formalização do pedido de suprimento/restauração e/ou retificação. O parágrafo 5º se refere ao fato da decisão do juiz ser cumprida em outra jurisdição inferido que o juiz deve infomar a decisão via ofício. Finalmente o parágrafo 5º dos procedimentos que serão tomados no registro (BRASIL, 1973).
O art. 110 trata de questões referentes ao suprimento/restauração e/ou retificação do registro que fará um requerimento ou petição específica de argumentações com base: I – erros que não necessitem de correção; II – erros na transposição constantes em mandados judicias; III – inexatidão da ordem cronológica; IV- não citação do munícipio de nascimento; V – mudança da relação administrativa do local de nascimento (exemplo, distrito para município);; o parágrafo 5º se refere ao fato de o erro ser do oficial e a dispensabilidade de expensas de taxas ao interessado (BRASIL, 1973).
O art. 111 se refere ao fato de que nenhum justificação será entregue ao interessado. O arr. 112 não exige espaço temporal para que os procedimentos sejam solicitados; e finalmente o art. 113 diz que em casos de filiação legítima ou ilegítima esta deverá ser resolvida em processo contencioso específico para reforma do assento ou anulação do respetivo Registro Civil de pessoas naturais (BRASIL, 1973).
Embora a lei 6.105/1973 tenha tratado da questão do Registro Civil de pessoas naturais de forma bem detalhada, ela demonstra uma preocupação profundamente formal e legalista com a situação. Que a questão deve serem regulamentada não se tem dúvida alguma. O problema é o excesso de formalismo em procedimentos eu poderiam ser realizados pelo próprio cartório, como ocorreu com a questão do Registro Tardio cuja Lei Federal n.º 11.790, de 02 de outubro de 2008, deixou o formalismo para trás criando procedimentos extrajudiciais que deram celeridade a questão facilitando a vida das pessoas (TEIXEIRA, 2011),
Suprir, restaurar ou retificar é um procedimento simples que pode muito bem ser realizado pelos cartórios, claro que regulamentados por uma lei especifica como foi feito com a introdução da Lei n.º 11.790/2008 que modernizou os procedimentos de Registro Tardio de pessoas naturais. Mas aos outros procedimentos, inda lhes restam toda a necessidade de se procura o sistema jurisdicional para proceder um ato simples, de controle e conferência (TEIXEIRA, 2011),.
A Lei n.º 6.105/1973 foi um importante passo para regulamentar a questão no Brasil, justamente por que o tema ainda era regido por uma lei dos tempos do II Império do Brasil; mas, nãos e pode esquecer que a mesma foi produzida em um sistema político ditatorial, profundamente controlador e, sem debates no Congresso Nacional, que servia apenas de carimbador das pretensões do executivo (CARRION , 2017),
Assim deve-se entender que tanto o Direito Constitucional bem como o Direito Civil são formas de realização dos valores neles contidos, ou seja, como o conjunto de normas que dão a possibilidade de exercício amplo e efetivo da cidadania (CARRION, 2017). .
Que a Lei n.º 6.105/1973 foi um importante passo na questão da legitimação e legalização dos procedimentos em relação ao Registro Civil de Pessoas Naturais, não se tem dúvida. A eficácia de um norma jurídica é considerada sinônimo da aplicabilidade. Conceitua ambas como sendo a qualidade de produzir em maior ou menor grau, efeitos jurídicos, ao regular desde logo, em maior ou menor escala, as situações, relações e comportamentos de que cogita. Mas nos dias de hoje, cuja demanda de processos no judiciário é muito grande e a infraestrutura do poder judiciário não permite que processos sejam céleres, a Lei 6.105/1973, perde a eficácia por sua aplicabilidade de espaço temporal ser incompatível com a infraestrutura do poder judiciário, necessitando, pois de modernização e transformação de procedimentos formais judiciais em procedimentos formais, só que na esfera extrajudicial, cabendo a intervenção judicial só em litígios mais graves (TEIXEIRA, 2011).
3.3 O Conceito de status civil
No ordenamento jurídico brasileiro não existe o escopo e significado do status civi, devido às razões já explicadas, ou seja, a legislação de registro civil no Brasil é muito antiga. Por um lado, o status civil como categoria não afeta mais a capacidade de agir, embora existam casos em que essa capacidade é afetada por alguns dos status civis, como o status de menor ou deficiente, não é afetada por outros, como casamento.
Como esse denominador comum não existe, reunir situações tão diversas como nacionalidade, status familiar, idade ou deficiência na mesma categoria leva inevitavelmente a um conceito vago e impreciso, cuja unidade reside unicamente, , em seu valor para definir a situação judicial básica da pessoa na sociedade. É por isso que alguns autores doutrinadores do direito comparado não tratam do conceito.
Essas dúvidas são evidentes pelo fato da legislação brasileira: a) não levar em consideração um regime específico para as ações de status, mas para determinados processos que afetam situações tradicionalmente enquadradas no status civil; e, b) quando se fala da impossibilidade de submeter os processos judiciais a esses assuntos à transação, nem menciona o termo status civil.
É verdade que mantém o termo quando leva em consideração duas especialidades específicas relacionadas ao escopo da res iudicata[4] e à execução de sentenças. No entanto, também vê-se que o que é relativo ao escopo da res iudicata não é claro, lembrando o que é relativo ao regime confuso de status civil no direito comparado. Confuso no aspecto de que cada ordenamento jurídico tem um visão diferente.
Por isso, caso o parlamento brasileiro resolvesse modernizar a Lei n.º 6;105/1973 em todo o seu escopo normativo deveria incorporar o conceito de status civil e, por isso, não poderia prescindir disso, embora deva reconhecer a “elasticidade do conceito” e seu “conteúdo historicamente variável” ou sua natureza instrumental. Assim a lei nova deveria dissociar status civil e registro civil. Hoje seria o momento o momento apropriado para isso, considerando a proximidade conceitual do status civil e do Registro Civil. No direito espanhol, segundo Berdejo (2010, p. 33) o Conselho Geral de Poder Judiciário entendeu que isso é verdade no relatório do Projeto de Lei, para esta lei: “Talvez o legislador deva se esforçar nesse sentido e se atreva a definir o conceito jurídico de status civil de uma vez por todas ou dispensar completamente com o uso desse termo”.
No entanto, o legislador espanhol decidiu conservar a referência expressa ao status civil, mas deve-se reconhecer que a amplitude da menção “outras condições da pessoa poderia dar a sensação - pelo menos do ponto de vista positiva lei - que é praticamente desnecessário continuar usando esse conceito”. Nesta lei, os conceitos de Registro Civil e status civil são dissociados, talvez ainda mais fortemente.
Assim aqui no Brasil , caso o parlamento tomasse a iniciativa de modernizar a Lei n.º 6.106/1973, deveria manter a função do registro como de confirmação oficial, com efeitos apropriados e finalidades dos fatos e atos que referem-se ao status civil das pessoas em cada caso, mas também àquelas outros determinados pela lei.
Essa dissociação do status civil e do Registro Civil deveria começar anteriormente - embora seja verdade que, até um breve tempo atrás, a Lei continue falando de “Registro de pessoas naturais, desde que, por algum tempo, este Registro tenha admitido muitos dados e muitas circunstâncias pessoais independentes do conceito de Estado civil. Se as duas últimas reformas de 2011 e 2008 de aspectos específicos da Lei n.º 6.105/1973 não é e nem foi apenas um registro de status civil, como o Código Civil brasileiro deveria dizer, mas admitiu outros fatos, razão pela qual é chamado simplesmente de Registro civil.
O que se refere à deficiência é uma prova disso; assim, o Civil Registro desejava admitir a entrada em conceitos ou instituições que função à parte da deficiência e, portanto, uma possível mudança no status civil. O desenho do novo Registro Civil estipularia uma área de aplicação ainda maior que a área estipulada pela Lei n.º 6.105/1973 com relação a fatos e atos que podem ser registrados. Esta circunstância o distancia dos limites estritos das leis civis tradicionais.
CONCLUSÃO
A Lei Federal n.º 6.105/1973 que entrou em vigor no dia 31 de dezembro dispõe sobre a questão de Registro Civil de pessoas naturais através de procedimento extrajudicial e judicial, processado diretamente perante o Oficial Registrador Titular do cartório de Registro Civil de pessoas naturais. É uma lei muito antiga que consta do ordenamento jurídico brasileiro e veio para atualizar outra lei muito antiga, ainda do tempo do II Império do Brasil – o Decreto n.º 5 604 de 1874.
A Lei n.º 6.105/1973 sofreu poucas modificações durante a sua existência e isso saem dúvida torna sua aplicabilidade e eficiência bastante prejudicada, até por que em alguns ordenamentos jurídicos internacionais, como o da Espanha, o da Itália e de Portugal discussão vai além do simples Registro. Esses ordenamentos estão em um fase de discussão do conceito de status civil que no Brasil, o parlamento nem começou a pensar no assunto.
A Lei Federal n.º 6.105/1973 representou significativo avanço no ordenamento jurídico brasileiro, naquele momento. Mas não se pode esquecer que a sociedade evoluiu e conceitos do direito civil também. Essa lei estabeleceu os procedimentos naturais para o Registro Civil e resguardou as necessárias situações que fogem a naturalidade. Dentre elas a questão do suprimento/restauração e/ou retificação do Registro Civil, além do registro tardio.
O legislador brasileiro bem sendo omisso para adaptar a lei de forma geral aos novos tempos, inclusive de incorporar a questão do status civil. Assim, a lei além da necessidade de ser modificada em relação ao suprimento/restauração e/ou retificação de Registro Civil de pessoas naturais, como foi feito em 2008 com relação ao registro tardio, deveria também incorporar elementos subjacentes ao denominado status civil.
Assim teríamos uma lei moderna e dentro do que se aplica no direito internacional para essas situações de fato, embora seja verdade que o papel essencial da verificação oficial não seja cumprido, mas apenas um papel informativo que, para os fins que vimos a esse respeito, reafirma a separação do Registro Civil e do status civil.
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[1] Mestre em Direito do Trabalho Faculdade de Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas em 2013 e professor do curso de Direito do CEULM/ULBRA, Manaus-AM, E-mail: [email protected]
[2] Contagem de uma população.
[3] Documento que transformou o Cristianismo na Religião Oficial do Império Romano.
[4] Coisa julgada
Acadêmica do Curso de Graduação em Direito do CEULM/ULBRA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DUARTE, Vanessa Reis. Retificação/suprimento ou restauração do registro civil-certidão de nascimento após prazo legal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2020, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55526/retificao-suprimento-ou-restaurao-do-registro-civil-certido-de-nascimento-aps-prazo-legal. Acesso em: 23 dez 2024.
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