DRA. LÍVIA HELENA TONELLA [1]
(Orientadora)
RESUMO: O presente trabalho irá verificar a viabilidade de incluir o abandono afetivo como hipótese de deserdação, haja vista que o referido instituto não possui previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, deslindou-se acerca da evolução histórica do direito de família, para compreender a inserção da afetividade como princípio norteador das relações familiares. Abordar-se-á, outrossim, acerca do direito sucessório e, conseguintemente, da indignidade e da deserdação. Ato contínuo, a corrente produção científica analisará o abandono afetivo de acordo com a jurisprudência pátria e, ulteriormente, verificará a possibilidade de deserdação em tais casos.
PALAVRAS-CHAVE: abandono afetivo; deserdação; danos morais; princípio da afetividade.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Direito de Família. 2. Do Princípio da Afetividade. 3. Da Sucessão; 3.1. Conceito; 3.2. Dos Herdeiros; 3.3. Da Herança; 3.4. Das Formas de Exclusão; 3.4.1. Da indignidade; 3.4.2 Da deserdação. 4. Da Deserdação.5. Da análise Jurisprudencial; 5.1. Do abandono afetivo como causa de danos morais; 5.2. Do abandono afetivo como causa de deserdação. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Com uma maior aproximação entre os entes familiares, deu-se o surgimento do Princípio da Afetividade, destinando uma nova releitura às relações afetivas. No entanto, o Princípio da Afetividade não está expresso na Constituição Federal, tampouco no Código Civil de 2002. O princípio da afetividade decorre da dignidade da pessoa humana, com previsão legal na Magna Carta, na qual visa garantir o bem-estar familiar, transcendendo os laços sanguíneos.
Dentro dessa temática, o direito sucessório regula a transmissão dos bens após a morte do de cujus aos seus herdeiros. A deserdação, por sua vez, é a privação de determinada pessoa a um direito sucessório. A sucessão testamentária consubstancia-se na materialização da autonomia de vontade privada. O testador dispõe, em ato unilateral, sobre a destinação de seus bens para depois da sua morte, observando as limitações legais.
Analisar-se-á, por conseguinte, a possibilidade de deserdar herdeiro necessário mediante testamento, por ausência de afetividade. As causas de deserdação, todavia, possuem rol taxativo, não englobando a referida ausência de afetividade. À vista disso, os magistrados utilizam analogias e baseiem-se em princípios constitucionais contemporâneos, bem como, nos juízos morais para se obter soluções justas e equânimes.
Dessa forma, o presente artigo tem por objetivo construir uma base sólida sobre deserdação no direito de família, sendo dividida em cinco tópicos: no primeiro estudar-se-á o conceito e contexto histórico do direito de família; no segundo, o princípio da afetividade; no terceiro a sucessão, no quarto, as causas de deserdação; no quinto e último, a possibilidade de indenização por danos morais através de uma análise jurisprudencial.
O método utilizado é o indutivo de abordagem, desenvolvido mediante pesquisa de caráter essencialmente bibliográfico, com abordagem qualitativa. A pesquisa é descritiva e exploratória.
1 DIREITO DE FAMÍLIA
Do latim, “família ae”, significa “conjunto de escravos e servidores que viviam sob a jurisdição do pater família” (NOGUEIRA, 2007, p. 1). A priori, a família era constituída pela presença do marido e mulher. Ulteriormente, surgiu-se a figura da prole, abrangendo-se com o tempo, os respectivos cônjuges e sua descendência, não rompendo o vínculo familiar com os seus genitores, quando do casamento.
Trata-se de uma sociedade formada por indivíduos unidos tanto por consanguinidade, como por afetividade (NOGUEIRA, 2007, p. 1). Decorre, por conseguinte, de “vínculo emocional significativo que puede ser el padre/madre biológico o una figura parental, de orden psico-afectivo” (VELÁSQUEZ, 2005, p. 6).
Nas legislações mais remotas, todavia, existia o entendimento que a família estava relacionada a dois pontos fundamentais: o casamento formal e a consanguinidade. Ao longo do tempo, com o advento dos novos paradigmas sociais, deu-se origem a uma nova concepção de família, sendo essa desvinculada de seus modelos primórdios, baseados em fundamentos religiosos tal como o casamento, sexo e procriação. A nova concepção tem se pautado em valores, como a afetividade, o amor e o carinho.
Paulo Lôbo entende que:
A família é socioafetiva, em princípio, por ser grupo social considerado base da sociedade e unido na convivência afetiva. A afetividade, como categoria jurídica, resulta da trans eficácia de parte dos fatos psicossociais que a converte em fato jurídico, gerador de efeitos jurídicos. Todavia, no sentido estrito, a socioafetividade tem sido empregada no Brasil para significar as relações de parentesco não biológico, de parentalidade e filiação, notadamente quando em colisão com os vínculos de origem biológica (LOBO, 2017, p. 25).
Importa salientar, outrossim, a despeito da resiliência familiar que consiste em vínculos emocionais, condutas éticas, suporte espiritual e um contexto ecológico. Os fatores resilientes da família são a coesão, a comunicação, a adaptação e a afetividade (VELÁSQUEZ, 2005, p. 6).
No Brasil, o modelo familiar sofreu influências tanto romana como grega. Adotava-se a sociedade patriarcal. Com intervenção também do Direito canônico, a dissolução do casamento era uma impossibilidade e, portanto, um sacramento.
Hodiernamente, o núcleo familiar tradicional, leia-se, heterossexual, não mais consiste no único modelo de estrutura familiar. Com espeque nos valores nupérrimos, na qual abrange também a relação homossexual.
Por esse ângulo:
As formas de convivência - incluindo o casamento e a procriação - se prendem à livre decisão individual ou do casal e não mais à religião e aos preceitos morais de outrora. A resistência ao reconhecimento da família homoafetiva, como entidade familiar com acesso à filiação, constitui questão mais complexa pelo fato de a ideia prevalente de que o Estado deve reservar a um tipo de sexualidade - a heterossexual - um lugar privilegiado. Tal ideia não encontra fundamentação jurídica consistente na literatura sobre o tema (VARGAS; et. al., 2010, p. 3/4).
A família é considerada a base de toda a sociedade, tendo especial proteção do Estado, conforme a exegese do art. 226, CF/88. Difícil conceituá-la, em decorrência das constantes mudanças na sociedade. Entrementes, a Magna Carta não engloba toda a diversidade familiar moderna, o que justifica a frequente alteração legislativa sobre o tema (MADALENO, 2013, p. 6).
Nesse sentido:
Nessa ordem de ideias, portanto, chegamos, até mesmo por honestidade intelectual, a uma primeira e importante conclusão: não é possível apresentar um conceito único e absoluto de Família, apto a aprioristicamente delimitar a complexa e multifária gama de relações socioafetivas que vinculam as pessoas, tipificando modelos e estabelecendo categorias (GAGLIANO; et. al, 2013, p. 39).
Conclui-se que, a entidade familiar não está relacionada, necessariamente, a uma ligação biológica, pois o que interessa é a estrutura familiar em si, identificada através do afeto, do respeito (DIAS, 2011, p 27), da comunhão de vida, do amor, da liberdade, da solidariedade e da responsabilidade recíproca (LÔBO, 2002, p. 128), afastando, por conseguinte, os paradigmas originários.
2 DO PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
O princípio da afetividade tem como efeito o reconhecimento de todos os tipos de uniões, desde que compartilhem afeto e, por consequência, amor, carinho, cumplicidade e respeito (FAUTH, 2009, p. 41).
O afeto caracteriza uma verdadeira rede de solidariedade, imprescindível, pois, para constituir a entidade familiar. Deriva da convivência doméstica. É também de responsabilidade do Estado garanti-lo aos cidadãos, através dos direitos individuais e sociais (DIAS, 2013, p. 72).
Desta forma:
Considerando que a afetividade é uma necessidade humana, todos têm, por força do princípio da confiança ou da boa-fé objetiva, o dever jurídico de atender a essa necessidade dentro do grupo familiar, em virtude das relações de interdependência afetiva. Em verdade, a não prestação de condutas adequadas ao desenvolvimento e à manutenção da estrutura psíquica das pessoas no ambiente familiar constitui ato ilícito, a merecer reparação jurídica por vários modos (SANTOS, 2011, p. 155).
O princípio da efetividade não possui previsão legal, contudo, a análise jurídica não pode restar alheia aos relacionamentos atuais. Trata-se de um dos princípios do direito de família brasileiro, implícito na legislação pátria (TARTUCE, 2012, p. 1).
Como é cediço, os princípios decorrem de normas, costumes, entendimentos doutrinários, jurisprudenciais, aspectos políticos, econômicos e sociais (DINIZ, 2017). Ante exposto, mormente no que diz respeito a evolução história do direito de família, a afetividade está vigente no ordenamento jurídico brasileiro, gerando alterações expressivas nas decisões.
Cita-se com consequência deste princípio, o reconhecimento da união homoafetiva; a possibilidade de reparação por danos em decorrência do abandono afetivo (melhor estudado a seguir) e o reconhecimento da parentalidade socioafetiva, que transcende o fator biológico, como já mencionado. Nota-se, portanto, a importância do princípio da afetividade, norteador do direito de família.
3 DA SUCESSÃO
3.1 Conceito
Do latim, sucedere, etimologicamente sugere a substituição de uma pessoa. Em outras palavras, significa suceder, substituir o lugar de outro (DIAS, 2011, p. 30). Refere-se à transmissão de patrimônio, direitos e obrigações, tendo como finalidade dar continuidade às relações jurídicas da propriedade, com a transmissão dos bens do de cujus para os seus herdeiros.
Há, no entanto, dois tipos de sucessão, uma no sentido amplo e outra no sentido estrito. Aquela se consubstancia no ato de assumir o lugar de outra pessoa, ao passo que esta, decorre do falecimento de alguém, também conhecida como sucessão causa mortis (GONÇALVES. 2012, p. 19).
A sucessão é classificada em: (i) legítima (ordem vocacional instituída em lei, (ii) testamentária (decorre de uma declaração de vontade materializada através de um testamento. Constitui-se em ato unilateral, personalíssimo, gratuito, solene e revogável, produzindo efeitos após a morte do testador), (iii) universal (onde o sucessor recolhe a totalidade dos bens) e (iv) singular (recolhimento de fração da herança) (GONÇALVES, 2018).
A sucessão legítima e testamentária está estabelecida nos artigos 1.829 e 1857, respectivamente, ambos do Código Civil, in verbis:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.
§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.
§ 2o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.
A sucessão testamentária enseja sucessores universais e singulares. A legítima, entretanto, somente universais. Observa-se que uma não exclui a outra, havendo a possibilidade de ambas coexistirem. A sucessão legítima é subsidiária, utilizada quando não existir testamento válido ou este caducar ou for decretado nulo (SPERIDIÃO, 2013, p. 42).
3.2 Dos herdeiros
A nomenclatura “herdeiro” é aquela utilizada para se referir aos sucessores da pessoa falecida. Utiliza-se também, a terminologia “legatários”. Diferenciam-se, pois, o herdeiro pode ser tanto aquele designado por lei, como por testamento. O legatário, porém, apenas de testamento:
O herdeiro pode ser designado por lei ou por testamento. E o legatário pode sê-lo apenas por ato do testador. Assim, na sucessão legítima, encontraremos somente herdeiros, enquanto na sucessão testamentária poderemos nos deparar com herdeiros e legatários, inclusive em concorrência. (RIBEIRO, 2010, p. 520).
A condição de herdeiro garante a transmissão da totalidade dos bens do de cujos para o sucessor de imediato. Não se permite lapso temporal entre a morte e a transmissão, pelo princípio da saisine, pois desta forma, ficaria a herança sem titular (PEREIRA, 2015).
A doutrina os classificam em: (i) aparente (parece, mas não é); (ii) excluído (aquele que por indignidade ou deserdação é afastado); (iii) fideicomissário; (iv) fiduciário; (v) legítimo (aqueles previstos nos artigos 1641 e 1829 do CC); (vi) necessário (aquele que constitui a legítima); (vii) por representação (pessoa chamada para representar ascendente pré-morto, indigno ou ausente); (viii) por substituição; pré-morto (falecimento antes da abertura da herança); (ix) putativo; e (x) testamentário (PEREIRA, 2015).
3.3 Da herança
Terminologia também de origem latina, “hereditas”, significa ação de herdar. É o objeto principal do Direito das Sucessões, também denominada como espólio ou monte. Trata-se de um conjunto de bens e de direitos deixado por pessoa falecida. A herança engloba todo o patrimônio do de cujos, bem como, os ativos, as dívidas e os encargos (PEREIRA, 2015).
Inicia-se com a abertura da sucessão e vai até a partilha. Os herdeiros são considerados condôminos. A responsabilidade do herdeiro é limitada, não respondendo por encargos superiores à herança. Pode ser abdicada, por meio da renúncia.
De acordo com a doutrina, existem os seguintes tipos de herança: i) jacente (quando da não localização de herdeiros); ii) legal/legítima (obedece a ordem vocacional prescrita em lei); iii) líquida; iv) negativa; v) testamentária; vi) vacante (após ser considerada jacente e cumpridas as formalidades legais, serão expedidos editais. Decorrido um ano da primeira publicação, sem que haja herdeiro habilitado ou penda habilitação, a herança será declarada vacante) (PEREIRA, 2015).
3.4 Das formas de exclusão
O ordenamento jurídico brasileiro prevê duas formas de exclusão sucessória: por indignidade ou por deserdação, conforme se deslinda abaixo.
3.4.1 Da indignidade
A exclusão por indignidade é possível para todas as espécies de herdeiros. Trata-se de uma pena civil que priva do direito à herança tanto o herdeiro como o legatário que cometeu atos criminosos, ofensivos ou reprováveis.
O ato delituoso contra a vida, a honra e a liberdade do de cujus ou de seus familiares pode ser praticado antes ou depois da morte do autor, devendo a declaração, todavia, ocorrer após a sua morte.
O artigo 1.814 do Código Civil disciplina acerca dos comportamentos indignos. Veja-se:
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.
O instituto em comento visa proteger e punir violações à dignidade do autor da herança. Portanto, o herdeiro ou o legatário que cometer atos inequívocos de desapreço, menosprezo, reprováveis ou delituosos, torna-se indigno.
Tal instituto é decretado mediante sentença judicial e possui prazo decadencial de quatro anos, a contar da abertura da sucessão. Observa-se, outrossim, que a pena tem caráter punitivo, não podendo ultrapassar da pessoa do delinquente. Considera-se o indigno, para todos os efeitos, como se morto estivesse:
A disposição tem por fundamento o princípio de que a pena não pode passar da pessoa do delinquente. A exclusão, tendo natureza punitiva, não pode assim prejudicar os descendentes daquele que foi excluído pela sentença de indignidade, e o sucedem, por representação, como se o indigno morto fosse (GONÇALVES, 2011, P. 128).
Embora o efeito da sentença seja ex tunc, devem-se resguardar os terceiros de boa-fé, em congruência com o artigo 1.827, parágrafo único, do Código Civil.
Há previsão legal acerca da possibilidade de perdão (art. 1.818 do Referido Diploma Legal), podendo ser concedido expressamente, mediante testamento ou escritura pública, ou tacitamente, mediante testamento contemplando a herança:
O perdão é um ato jurídico, uma declaração de vontade do autor da herança, unilateral, direcionada a evitar a exclusão do herdeiro ou legatário do processo sucessório. A este ato do perdão, a doutrina chama de reabilitação, e produz seus efeitos a partir da emanação do ato, independentemente da vontade dos outros herdeiros. Por ser um ato unilateral, não precisa da concorrência de mais ninguém. O Castigo que a indignidade supõe para o indigno pode levantar o ofendido, cuja possibilidade lhe dá a lei, como visto no art. 1.818 do CCB/2002.
A reabilitação é a discricionariedade do ofendido, posto que, somente ele possa avaliar o quanto foi afetado. Se houver o perdão, não pode os demais herdeiros contestar, salvo se o ato for nulo.
3.4.2 Da deserdação
A deserdação é outra forma de exclusão do herdeiro da herança, porém, por se tratar do enfoque deste artigo científico será tratado em capítulo próprio, consoante se confirmar a seguir.
4.DA DESERDAÇÃO
A deserdação é um ato de manifestação de vontade do de cujus que ocorrerá expressamente através de testamento. Consubstancia-se na exclusão de herdeiro necessário de sua legítima e sua previsão legal encontra-se inserta nos artigos 1.961 a 1965 do Código Civil (OLIVEIRA, 2020, p. 17).
Nessa conjectura:
A deserdação é, quanto à sua natureza jurídica, uma pena civil severíssima, a ser inferida, inicialmente, pelo hereditando através de testamento, e confirmada por sentença judicial, tendo como efeito, posto já mencionado, privar-se o herdeiro necessário de sua quota legitimaria (também denominada de quota legítima), sendo afastado, assim, o importante princípio da intangibilidade da legítima, a alcançar com exclusividade tais herdeiros, que, no desenho do art. 1.845 do Código Civil atual, são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge (CARVALHO, 2019, p. 858).
As hipóteses de exclusão, além daquelas mencionadas no tópico “da indignidade”, abrange também as seguintes situações descritas nos artigos 1962 e 1963 do Código Civil, senão, vejamos:
Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;
IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.
Concernente a ofensa física, refere-se a qualquer forma de agressão à vítima. A injúria, no entanto, tem caráter subjetivo e deve ser analisada de acordo com o caso concreto. Ambas as prognoses, prescindem de condenação criminal (VENOSA, 2018, P. 357).
Nota-se que, no inciso IV de ambos os artigos o legislador condicionou o abandono aquelas pessoas portadoras de alguma deficiência mental ou grave enfermidade, não abrangendo aqueles que não possuem tais limitações.
Além do mais, importa salientar acerca dos pressupostos para a deserdação, são eles: (i) existência de herdeiros necessários; (ii) testamento válido e eficaz; (iii) expressa declaração do motivo, observando o rol taxativo previsto em lei, sob pena de nulidade; e (iv) propositura de ação de deserdação, com julgamento procedente, cujo prazo decadencial é de quatro anos da abertura do testamento, instruída com prova da veracidade do alegado pelo testador, inteligência dos artigos 1.964 e. 1.965 do CC (CARVALHO, 2019, p. 862).
Quanto aos seus efeitos, assemelham-se aos da indignidade, devendo ser pessoais, não ultrapassando a pessoa que se portou de forma reprovável, sendo visto, neste caso, como se pré-morto fosse (GONÇALVES, 2018, p. 442).
As hipóteses de deserdação são taxativas e não abrangem o abandono afetivo. Os casos de desamparo emocional são recorrentes, motivo pelo qual questiona-se se do não cumprimento do dever constitucional de amparo, seria possível deserdar o indivíduo? Para tanto, imprescindível, pois, fazer uma análise jurisprudencial a fim de obter resposta, vide tópico ulterior, in fine.
5.DA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL
5.1 Do Abandono Afetivo como cauda de indenização por danos morais
Hodiernamente, entende-se que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios” (RE 898.060/SC, Tema 622 da Repercussão Geral).
Dessa forma, entende-se que o STF a partir do aludido julgado reconheceu três situações distintas: o instituto da paternidade socioafetiva; uma paternidade biológica e não de segunda categoria e; criação da “multiparentalidade” (SCHEREIBER, 2016).
A “multiparentalidade” refere-se à possibilidade jurídica conferida ao genitor biológico e/ou do genitor afetivo de invocarem os princípios da dignidade humana e da afetividade objetivando a manutenção ou o estabelecimento de vínculos parentais (ABREU, apud ALMEIDA, 2014, p. 1).
Discute-se na jurisprudência e na doutrina, no entanto, acerca da admissibilidade de indenização em situações de abandono afetivo. A Quarta Turma do STJ entende pela impossibilidade, fundamentando-se na inexistência de ato ilícito, pois, em tese, os pais não têm o dever jurídico de cuidar afetuosamente, mas tão somente de sustentar, guardar e educar a prole ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situação de vulnerabilidade (RE 1.579.021/RS).
O posicionamento supra contraria a literalidade do artigo 229 da Constituição Federal, que dispõe o seguinte:
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Coaduna-se com o artigo supramencionado o entendimento da Terceira Turma do STJ, posicionando-se pela possibilidade de indenização, entendimento este majoritário, vejamos (RE 1.159.242):
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido (STJ – Resp: 1159242 SP 2009/0193701-9, Relator: Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 24/04/2012, T3 – Terceira Turma, Data de publicação: DJe 10/05/2012 RDDP vol. 112 p. 137 RDTJRJ vol. 100, p. 167 RSTJ vol. 226 p. 435) (Grifou-se).
Colaciona-se, também, entendimento correlato ao anterior, proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, recentíssimo, como se verifica a seguir:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. DANO IN RE IPSA. (...) 2. A omissão não significa a mera conduta negativa, a inatividade, a inércia, o simples não-fazer, mas, sim, o não fazer o que a lei determina. 3. "Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família." (Precedente do STJ: REsp. 1159242/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi). 4. "A indenização do dano moral por abandono afetivo não é o preço do amor, não se trata de novação, mas de uma transformação em que a condenação para pagar quantia certa em dinheiro confirma a obrigação natural (moral) e a transforma em obrigação civil, mitigando a falta do que poderia ter sido melhor: faute de pouvoir faire mieux, fundamento da doutrina francesa sobre o dano moral. Não tendo tido o filho o melhor, que o dinheiro lhe sirva, como puder, para alguma melhoria." (Kelle Lobato Moreira. Indenização moral por abandono afetivo dos pais para com os filhos: estudo de Direito Comparado. Dissertação de Mestrado. Consórcio Erasmus Mundus: Universidade Católica Portuguesa/Université de Rouen, França/Leibniz Universität Hannover. Orientadora: Profa. Dra. Maria da Graça Trigo. Co-orientador: Prof. Dr. Vasco Pereira da Silva. Lisboa, 2010). (...) 6. Não se pode exigir, judicialmente, desde os primeiros sinais do abandono, o cumprimento da "obrigação natural" do amor. Por tratar-se de uma obrigação natural, um Juiz não pode obrigar um pai a amar uma filha. Mas não é só de amor que se trata quando o tema é a dignidade humana dos filhos e a paternidade responsável. Há, entre o abandono e o amor, o dever de cuidado. Amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil. 7. "A obrigação diz-se natural, quando se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível, mas corresponde a um dever de justiça." (Código Civil português - Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de novembro de 1966, em vigor desde o dia 1 de junho de 1967, artigo 402º). 8. A obrigação dos progenitores cuidarem (lato senso) dos filhos é dever de mera conduta, independente de prova ou do resultado causal da ação ou da omissão. 9. "O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88."(Precedente do STJ: REsp. 1159242/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi). (...) 11. A mesma lógica jurídica dos pais mortos pela morte deve ser adotada para os órfãos de pais vivos, abandonados, voluntariamente, por eles, os pais. Esses filhos não têm pai para ser visto. No simbolismo psicanalítico, há um ambicídio. Esse pai suicida-se moralmente como via para sepultar as obrigações da paternidade, ferindo de morte o filho e a determinação constitucional da paternidade responsável. 12. "O dano moral, com efeito, tem seu pressuposto maior na angústia, no sofrimento, na dor, assim como os demais fatores de ordem física ou psíquica que se concretizam em algo que traduza, de maneira efetiva, um sentimento de desilusão ou de desesperança." (Wilson Melo da Silva. Idem,p. 116). 13.O dano moral (patema d'animo) por abandono afetivo é in re ipsa 14. O valor indenizatório, no caso de abandono afetivo, não pode ter por referência percentual adotado para fixação de pensão alimentícia, nem valor do salário mínimo ou índices econômicos. A indenização por dano moral não tem um parâmetro econômico absoluto, uma tabela ou um baremo, mas representa uma estimativa feita pelo Juiz sobre o que seria razoável, levandose em conta, inclusive, a condição econômica das partes, sem enriquecer, ilicitamente, o credor, e sem arruinar o devedor. (...) 16. A indenização fixada na sentença não é absurda, nem desarrazoada, nem desproporcional. Tampouco é indevida, ilícita ou injusta. R$ 50.000,00 equivalem, no caso, a R$ 3,23 por dia e a R$ 3,23 por noite. Foram cerca de 7.749 dias e noites. Sim, quando o abandono é afetivo, a solidão dos dias não compreende a nostalgia das noites. Mesmo que nelas se possa sonhar, as noites podem ser piores do que os dias. Nelas, também há pesadelos. 17. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-DF 20160610153899 DF 0015096-12.2016.8.07.0006, Relator: Nídia Corrêa Lima, Data de Julgamento: 28/03/2019, 8ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE: 04/04/2019. Pág.: 404/405) (Grifou-se).
Depreende-se, portanto, que no ordenamento jurídico brasileiro o dever de criação, educação e companhia - cuidado – é sim um bem juridicamente tutelado. Dessa forma, uma vez que haja a sua ocorrência, poderá o agente violador ser condenado em danos morais por abandono psicológico.
Trata-se de uma obrigação natural e moral, que ao ser violada, transforma-se em uma obrigação civil. A condenação não supre a ausência de amor, mas mitiga a sua falta. Cabe ressaltar que o amor é uma possibilidade, ao passo que o cuidado, uma obrigação. Exige-se o cumprimento desta, pela ausência daquela.
Translada-se os seguintes dispositivos e lei que reforçam o dever de cuidado, todos da Constituição Federal de 1988:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
Portanto, a partir do momento que os deveres supra relacionados forem negligenciados, há o abandono afetivo e que, segundo entendimento jurisprudencial, é passível de indenização por danos morais.
5.2 Do abandono afetivo como causa de deserdação
Concernente a possibilidade de deserdar herdeiro por abandono afetivo, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais julgou desfavoravelmente o pedido, conforme inteiro teor da Apelação Cível n. 1.0358.16.002170--7/001. Fundamentou-se na taxatividade do dispositivo legal, bem como, na inexistência de disposição testamentária nesse sentido.
Segue a ementa:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE EXCLUSÃO DE HERDEIRO POR INDIGNIDADE - SUPOSTO ABANDONO MATERIAL OU AFETIVO - HIPÓTESE NÃO CONTEMPLADA PELO ROL TAXATIVO PREVISTO NO ART. 1.814 DO CÓDIGO CIVIL - DESERDAÇÃO - AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO TESTAMENTÁRIA DE ÚLTIMA VONTADE AVIADA PELO AUTOR DA HERANÇA, COM INDICAÇÃO DE CAUSA EXPRESSA - IMPROCEDÊNCIA. - A exclusão de herdeiro da sucessão deve decorrer da deserdação ou da indignidade, que são penas aplicadas aos sucessores, em razão da prática de certos fatos típicos taxativamente previstos em lei contra o autor da herança. - A deserdação constitui uma cláusula testamentária, através da qual o testador afasta de sua sucessão herdeiros necessários, mediante a expressa descrição da causa autorizada pela lei. Encontra-se disciplinada no art. 1.961 e seguintes do Código Civil. - O instituto da indignidade está relacionado à sucessão legítima (herdeiros e legatários), sendo que a lei estabelece os fatos típicos que autorizam a sua declaração de forma taxativa, não permitindo interpretação extensiva. Essas causas estão elencadas no art. 1.814, do Código Civil. - Na hipótese dos autos, não há como acolher a tese de deserdação sustentada pela parte autora, porquanto inexiste disposição testamentária de última vontade aviada pelo autor da herança, com indicação de causa expressa, tal como previsto no art. 1.964 c/c 1.965 do Código Civil. - Também não merece prosperar a tese de indignidade, porquanto o alegado abandono (material e/ou afetivo) da requerida pelo seu filho, além de não ter sido comprovado cabalmente nos autos, não se enquadra em nenhum dos casos legalmente previstos pelo art. 1.814 do Código Civil para a configuração da exclusão por indignidade do sucessor (TJ-MG – AC: 10358160021707001 MG, Relator: Ângela de Lourdes Rodrigues, Data de Julgamento: 04/12/2019, Data de Publicação: 13/12/2019).
Extrai-se do inteiro teor da Apelação nº 0000954-91.2010.8.26.0100, que mesmo que a ausência de afeto tenha causado sofrimento e tristeza, não é uma das hipóteses previstas em lei e, dessa forma, não permite interpretação extensiva.
Nos dizeres de Tartuce, citado por Lôbo, ele explica que:
As hipóteses legais constituem numerus clausus, ou seja, encerram em tipicidade fechada, não podendo outras condutas, por mais graves que sejam, fundamentar a exclusão do herdeiro. Assim é porque em nosso direito as restrições de direito são apenas as que a lei explicita, sendo vedada a interpretação extensiva (TARTUCE, apud Lôbo, 2018).
Todavia, segundo Speridião e Aguiar[LH1] , a ausência de afeto seria motivo para a exclusão sucessória, porém, esta não ocorreria por aplicação dos dispositivos 1962 e 1963 do CC, mas sim, em decorrência da aplicação dos princípios constitucionais da afetividade, solidariedade familiar e dignidade da pessoa humana.
Nesta perspectiva:
Ação Ordinária de Deserdação. Tendo a falecida exarado em testamento a firme disposição de deserdar a filha e as netas, por ofensa moral, injúria e desamparo na velhice e, havendo comprovação destes fatos, há que ser mantida a última vontade da testadora. Apelação desprovida (TJRS, Apelação Cível 70002568863, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, j. 31/05/2001, 8º Câmara Cível).
EMENTA: CIVIL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CAUSAS DE DESERDAÇÃO - CAUSAS APONTADAS NO TESTAMENTO E COMPROVADAS PELA PROVA TESTEMUNHAL – PEDIDO IMPROCEDENTE - SENTENÇA REFORMADA. EXCLUSÃO DOS HERDEIROS DOS DESERDADOS DO TESTAMENTO – IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO. 1- Tendo o falecido exarado em testamento a firme disposição de deserdar os filhos, apontando as causas da deserdação, e havendo comprovação desses fatos, deve ser mantida a disposição de última vontade do testador. 2- É incabível a discussão afeta à exclusão dos filhos dos deserdados do testamento, porque ausente legitimação dos autores para tal pleito, nos termos do art. 6º do CPC (TJMG, Apelação Cível 1.0707.01.033170-0/001, Rel. Des. Maurício Barros, j. 5/09/2006, 6ª Câmara Cível).
Conforme Venosa:
O desamparo é eminentemente econômico, na medida do que podia o descendente amparar. Todavia, não se descarta o desamparo moral e intelectual da dicção legal. O caso concreto e o prudente exame das circunstâncias pelo juiz ditarão a procedência da causa de deserdação. O testador deve descrever a enfermidade e a forma do desamparo, ainda que sucintamente (VENOSA, 2010, p. 326).
Nota-se que os tribunais não são uníssonos em seus julgamentos. Observa-se, no entanto, que os primeiros julgados colacionados são mais recentes, enquanto que estes últimos, favoráveis à deserdação, foram publicados em 2001 e 2006, respectivamente.
Isso não significa, entretanto, que tal posicionamento desfavorável não mereça reanálise, haja vista que se encontra em total discordância com os princípios constitucionais já mencionados.
CONCLUSÃO
Conclui-se com a corrente produção científica que a afetividade é um dos princípios constitucionais norteadores do Direito de Família e com ele deve ser empregado, do mesmo modo, o da solidariedade familiar e o da dignidade da pessoa humana.
Como se observou, o atual Código Civil brasileiro que regula sobre a privação hereditária (indignação e deserdação), encontra-se defasado e repleto de lacuna. Dessa forma, a matéria carece de revisão, mormente, para dar efetivação civil aos direitos fundamentais consagrados na Magna Carta.
O abandono evidencia, de maneira cristalina, a falta moral e ética do agente, não podendo, obviamente, locupletar-se patrimonialmente de quem desprezou. Através de uma análise jurisprudencial, depreendeu-se que com relação a possibilidade de deserdação por abandono afetivo, há entendimentos tanto favoráveis como desfavoráveis.
Os julgados favoráveis fundamentam-se nos princípios preconizados no primeiro parágrafo; os desfavoráveis, por sua vez, na taxatividade dos dispositivos legais e na impossibilidade de interpretação extensiva. Porém, discute-se a possibilidade de mitigação desse rol, para uma maior adequação fática. Cita-se como exemplo o RE 898.060/SC que reconheceu a multiparentalidade.
Frisa-se que, independente de qual seja o posicionamento do juiz, o abandono afetivo carece de prova inequívoca de sua existência. Na sentença, o fundamento do juiz não pode ocorrer de maneira discricionária e subjetiva.
Por fim, concatenou-se, também, no sentido de que a indenização por danos morais é uma possibilidade no ordenamento jurídico brasileiro. Esclarece que não se trata de uma obrigação de “amar”, mas sim, de reparar.
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___________________. Direito civil: direito das sucessões. Rio de Janeiro: Atlas, 2018. v. 6. p. 357.
NOTA:
[1] Doutoranda em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Bacharel em Direito e biologia pela Universidade. Estadual de Maringá. Diretora da Fundação do Meio Ambiente de Palmas-TO e professora da Faculdade Serra do Carmo - FASEC. E-mail [email protected]
[LH1]Aqui tem que colocar o ano do artigo ou livro citado, pois trata-se de uma citação direta
Graduanda do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo – FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, MILENA CORREA MILHOMEM MARCHENTA. Abandono efetivo como causa de deserdação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2020, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55552/abandono-efetivo-como-causa-de-deserdao. Acesso em: 23 dez 2024.
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