Adriana almeida Lima
(orientadora)
RESUMO: O presente trabalho tem como escopo compreender e analisar os efeitos constitucionais do Pacote Anticrime, na aplicação eficiente da audiência de custódia. O advento desta Lei modificou e aperfeiçoou outras normas penais já existentes, como por exemplo a Legislação Penal e Processual Penal e trouxe também a normatização das audiências de custódia que necessitava de regulamentação, proporcionando uma maior tutela jurisdicional à pessoa presa, tendo em vista que existia apenas um mandamento do Conselho Nacional de Justiça, que tardiamente atentou para este mandamento Constitucional, o qual já existia através da legislação supralegal onde o Pacto de São José da Costa Rica, cujo o Brasil é signatário, já previa a Audiência de Custódia. Porém este mandamento do CNJ não era cumprido de forma uníssona pelos Tribunais do Brasil, então houve a necessidade de um alinhamento dos atos processuais que só foi possível através de uma legislação regulamentadora aliada aos mandamentos de otimização da Constituição Federal de 1988 que tem como um de seus princípios a presunção de não culpabilidade que influencia de forma positiva a audiência de custodia.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Constitucional. Direito Processual Penal. Pacote Anticrime. Audiência de Custódia.
ABSTRACT: The present work aims to understand and analyze the constitutional effects of Law No. 13.964 / 2019, better known as the Anti-Crime Package, in the efficient application of the custody hearing. The advent of this Law modified and perfected other existing criminal rules, such as the Criminal Law and Penal Procedural Law, and also brought the standardization of custody hearings that needed regulation, providing greater jurisdictional protection to the prisoner, given that there was only a commandment of the National Council of Justice, which belatedly paid attention to this Constitutional commandment, which already existed through supralegal legislation where the San José Pact of Costa Rica, to which Brazil is a signatory, already provided the Custody Hearing. However, this CNJ commandment was not unanimously fulfilled by the Brazilian Courts, so there was a need for an alignment of procedural acts that was only possible through regulatory legislation combined with the 1988 Federal Constitution's optimization commandments, which has as one of its principles the presumption of non-culpability that positively influences the custody hearing.
KEYWORDS: Constitutional Law. Criminal Procedure Law. Anticrime Package. Custody Hearing.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Uma análise histórica sobre a Audiência de Custódia. 2. Conceito, Procedimento e Finalidades da Audiência de Custódia. 3 Papel da Constituição da República Federativa do Brasil na Audiência de Custódia. 4. Previsão normativa da Audiência de Custódia: Tratados Internacionais que versam sobre Audiência de Custódia, Resolução Nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça e Pacote Anticrime. 5. Considerações Finais. 6. Referências.
INTRODUÇÃO
A Liberdade, depois da Vida, ganha destaque entre os Direitos Fundamentais, através dela o homem produz, reproduz, exprime seus desejos, seus anseios, suas angústias e principalmente exercem direitos e cumprem seus deveres. Contudo, quando o homem não vive em consonância com a legislação, esta liberdade pode ser cerceada, devendo é claro, obedecer mandamentos normativos e um rito processual para que esse cerceamento não seja eivado de vícios e arbítrios.
A Legislação Penal atua de forma para prevenir ou reprimir indivíduos que prejudiquem a segurança e a paz social. A prevenção é resultado do caráter pedagógico e a repressão é resultado do caráter punitivo desta legislação. Além de trazer a definição de crime, que é considerado um desvalor social, é a conduta ação ou omissão que visa ofender um bem jurídico tutelado.
Não é questionável que a não efetivação da audiência de custódia no Brasil, trouxe grandes prejuízos para a sociedade como um todo, a principal evidência do descaso no não cumprimento da legislação, é visível claramente quando se observa a superpopulação carcerária, onde uma parcela significativa de apenados se passassem pelo devido processo legal, ou seja, passado pelo crivo da audiência de custódia não estariam presos, fazendo com que os depósitos de pessoas chamadas Unidades Prisionais, não fossem tão lotadas. Tudo isso resultado do olhar tardio do legislador brasileiro, uma vez que o lapso temporal entre a assinatura dos Tratados Internacionais e sua real efetivação teve uma demora significativa, trazendo consigo consequências irreparáveis.
O tema é relevante por ter pontos fundamentais e relevantes que podem esclarecer a aplicação da Constituição Federal de 1988 e os Direitos Humanos nas questões interpretativas que levam a exploração efetiva do tema Audiência de Custódia, com objetivo de fazer um paralelo sobre a estrutura prática dessa ordem normativa.
A observação dos Princípios Constitucionais que estão em perfeita relação com a audiência de custódia, bem como os demais mandamentos constitucionais que podem ser observados claramente em sua aplicação.
A importância desse estudo é para atentar que o não cumprimento efetivo das Audiências de Custódia, implica diretamente no aumento significativo de pessoas encarceradas indevidamente, pois sua não aplicação desde sua gênese causou problemas quase que irreparáveis ao longo do tempo, sem falar da grave supressão de direitos fundamentais e humanos.
Dessa forma, buscou-se trazer um breve histórico sobre a Audiência de Custódia, a primeira vez que ela foi positivada, onde e como surgiu e o contexto de sua criação, passando pela sua definição normativa, sua natureza jurídica e fazer um paralelo entre antes e depois do Pacote Anticrime apontando os benefícios e malefícios que essa norma trouxe de inovador para o ordenamento jurídico brasileiro.
Por fim, fazer uma reflexão sobre o preconceito que ainda paira entre os leigos sobre a audiência de custódia onde muitos afirmam ser um mecanismo de impunidade perante os crimes, forma totalmente errônea, uma vez que o real sentido de sua aplicação é o resguardo de Direitos Fundamentais.
1.UMA ANÁLISE HISTÓRICA SOBRE A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o então chamado Conselho da Europa criou uma Convenção com finalidade a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (CEDH), com sua data de fundação em 4 de novembro de 1950, na cidade de Roma, neste documento internacional, ouviu-se falar pela primeira vez sobre o que conhecemos hoje como “audiência de custódia”, nela continha o mandamento da apresentação sem demora de toda pessoa que se encontrasse detida ou presa, onde a mesma deveria ser levada perante a presença de um juiz ou outra autoridade habilitada por lei para o exercício de funções jurisdicionais. Como leciona o art. 5º, § 3º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais:
Direito à liberdade e à segurança
1. Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal:
a) Se for preso em consequência de condenação por tribunal competente;
b) Se for preso ou detido legalmente, por desobediência a uma decisão tomada, em conformidade com a lei, por um tribunal, ou para garantir o cumprimento de uma obrigação prescrita pela lei;
c) Se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infracção, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido;
d) Se se tratar da detenção legal de um menor, feita com o propósito de o educar sob vigilância, ou da sua detenção legal com o fim de o fazer comparecer perante a autoridade competente;
e) Se se tratar da detenção legal de uma pessoa susceptível de propagar uma doença contagiosa, de um alienado mental, de um alcoólico, de um toxicómano ou de um vagabundo;
f) Se se tratar de prisão ou detenção legal de uma pessoa para lhe impedir a entrada ilegal no território ou contra a qual está em curso um processo de expulsão ou de extradição.
2. Qualquer pessoa presa deve ser informada, no mais breve prazo e em língua que compreenda, das razões da sua prisão e de qualquer acusação formulada contra ela.
3. Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo. (CONVENÇÃO PARA A PROTEÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS, 1950)
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), trouxe um rol de direitos fundamentais, que naquele momentos pós-guerra, necessitava de uma tutela jurisdicional contundente e com o maior número de Estados participantes, para reafirmar o compromisso da Europa em combater o terror da guerra, que pairava nas relações internacionais.
Este então foi o embrião da “Audiência de Custódia”, quando o mundo ouviu falar pela primeira vez neste direito, que parece ser tão basilar, mas necessitava de normatização. E, automaticamente seus Estados-Membros assumiram a responsabilidade de aplicação imediata deste direito em suas respectivas soberanias, infelizmente na prática não foi bem assim que aconteceu, como veremos mais adiante no caso do Brasil.
2.CONCEITO, PROCEDIMENTO E FINALIDADES DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA.
A audiência de custódia, para alcançar sua total efetivação em nosso ordenamento, sofreu várias tentativas de ser barrada o andamento de sua implementação como no caso da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5240/SP), onde a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol/Brasil) questionava a realização das chamadas “Audiências de Custódia” tentativa esta que foi julgada improcedente pelo Plenário do STF:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO RITO DO ART. 12, DA LEI Nº 9.868/1999. MANIFESTAÇÃO DA AGU E DA PGR.
DESPACHO: Cuida-se de Ação Direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, proposta pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil – ADEPOL – Brasil, objetivando a declaração de inconstitucionalidade da íntegra do Provimento Conjunto nº 03, de 22 de janeiro de 2015, da Presidência e da Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que estabeleceu regras de apresentação de pessoa detida em flagrante delito, até 24 horas após a sua prisão, para participar de audiência de custódia. Sustenta a requerente que “existe o nexo de pertinência temática e cabimento da ação, pois a norma impugnada – não detém caráter regulamentar – e dispõe sobre a audiência de custódia, determinando que o Delegado de Polícia providencie a apresentação da pessoa detida, até 24hrs após a sua prisão, ao juiz competente”.
A hipótese reveste-se de indiscutível relevância, pelo que entendo dever ser aplicado ao caso o rito veiculado pelo art. 12 da Lei 9.868/1999.
Colham-se informações das autoridades requeridas, no prazo, dê-se vista ao Advogado-Geral da União e ao Procurador-Geral da União sucessivamente, no prazo de 5 (cinco) dias cada, para que se manifestem na forma da legislação vigente
Publique-se.
Brasília, 25 de março de 2015. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL)
Nesta ocasião o Ministro Luiz Fux sugeriu uma nova nomenclatura para a audiência de custódia, conforme mostra seu voto na ADI 5240/SP:
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (RELATOR) – Senhor presidente, aqui como foi destacado, tem-se revelado extremamente eficiente a audiência de custódia, a respeito da qual, depois de uma longa conversa com nosso Decano, o Ministro Celso de Mello, entendi de sugerir que deva ser audiência de apresentação, porque audiência de custódia dá a ideia de que uma audiência é para custodiar e, ao contrário, não liberar eventualmente, diante das circunstâncias do caso concreto.
Essa audiência de custódia tem interferido diretamente na obstrução de prisões ilegais e, a fortiori, nesse abarrotamento do sistema prisional brasileiro. Por isso é que eu disse que havia uma certa imbricação entre esse tema e o tema do Ministro Gilmar Mendes, porque, na dúvida, numa apresentação imediata ao juiz, ele pode valorar a conduta do imputado.
Eu vou fazer a juntada do voto, e nele há apenas algumas passagens que entendo importantes em razão da natureza técnica. Evidentemente, não vamos aqui apenas nos limitar a evidenciar a eficiência da audiência de custódia. Há uma reclamação constitucional sobre uma invasão dos poderes da polícia ou, sobe outro enfoque, de que o Tribunal teria legislado processualmente, violando a competência privativa da União. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL)
Esta afirmação faz muito sentido quando se observa que quando o juiz recebe o auto de prisão em flagrante, também recebe a pessoa detida, onde o resultado dessa audiência pode não ser uma custódia.
Porém, mesmo com a sugestão do Ministro, a nomenclatura considerada mais adequada não foi a que ficou usualmente conhecida, e sim a audiência de custódia, que é usada atualmente na legislação vigente em nosso país.
Superada a questão da nomenclatura, passemos ao conceito propriamente dito da audiência de custódia. Podemos afirmar que é um ato público, também considerado um direito que o preso tem de ser levado até a presença de uma autoridade judicial logo após de ser efetuada sua prisão.
É considerado um instrumento pré-processual, pois nesta audiência não será analisado o crime, mas sim o momento pós-crime qual seja o momento de sua prisão, devendo sua apresentação ser feita sem demora.
O responsável pelo recebimento do auto de prisão em flagrante feito pela autoridade policial competente ou pelo mandado de prisão, num primeiro momento analisará a legalidade, num segundo momento a necessidade da prisão, nesta mesma ordem e num terceiro momento analisará a possível violação dos Direitos Fundamentais do preso, observando sempre o lapso temporal entre a detenção até a realização da audiência de custódia, pois neste período de tempo pode ocorrer uma violência policial, um linchamento pela população, o preso pode ter sofrido violência de outros presos enquanto permanecia na carceragem da delegacia ou outro lugar onde o preso se encontrava depois da prisão, pois é dever do Estado o resguardo da tutela física do preso e não ser responsável pela agressão.
Vale ressaltar mais uma vez que não será levado em consideração o mérito do crime, daí se justifica ser um ato pré-processual, e como já citado, também justifica o nome ser “audiência de apresentação”.
Em consonância com o que já foi apresentado, assevera Badaró que é imprescindível que as partes estejam presentes na audiência e se manifestem, bem como o Ministério Público, titular da ação penal, bem como o responsável pela defesa técnica do preso, só então o magistrado terá os elementos básicos para a tomada de decisão em relação ao destino da pessoa detida, se manterá ou não a prisão:
Na audiência de custódia serão ouvidas as manifestações do Ministério Público, do preso e de seu advogado ou da Defensoria Pública. Caberá ao juiz, então decidir sobre a legalidade ou ilegalidade da prisão. Se ilegal, será relaxada. Se legal, o juiz deverá analisar a necessidade e adequação de manter na prisão quem foi colhido em flagrante. A prisão, como medida cautelar, é a medida mais drástica e só deve ser mantida caso nenhuma medida cautelar alternativa à prisão seja suficiente. Portanto, o juiz poderá converter a prisão em medidas como recolhimento domiciliar noturno, proibição de contato com determinadas pessoas, proibição de frequentar determinados locais, monitoramento eletrônico, proibição de ausentar-se da comarca ou do país, entre outras. (BADARÓ, 2014, p. 115).
Vejamos agora o rito procedimental da audiência de custódia, que se divide em dois, o primeiro é o rito da prisão em flagrante delito. Após feito o auto de prisão em flagrante, o preso é encaminhado para fazer o exame de corpo de delito, em seguida o auto é remetido à autoridade judicial competente.
A contagem para a realização da audiência de custódia será a partir da entrega do auto de prisão em flagrante, que no caso se conta as 24 horas. Pode ocorrer do juiz não designar a audiência de custódia, neste caso deverá conceder a liberdade provisória ou relaxar a prisão do autuado. Em casos excepcionais o juiz irá até a presença do preso para a realização da audiência de custódia, casos em que o motivo se justifique, como por exemplo uma grave enfermidade do preso.
Antes da solenidade da audiência de custódia, será dada a oportunidade do preso ser entrevistado por seu advogado ou Defensor Público. Na audiência propriamente dita, o juiz deverá qualificar o preso ao passo que também dá ciência de seus direitos, como por exemplo o direito constitucional do silêncio, que não deverá implicar em prejuízo da defesa. Dada a palavra ao Ministério Público, este observará os antecedentes do preso e as circunstâncias da prisão, o promotor de justiça pode requerer a homologação do flagrante e sua conversão em preventiva ou uma aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
O seu defensor também terá a oportunidade de se manifestar, fazendo os questionamentos sobre a situação da prisão, vale lembrar que é vedada as perguntas referentes ao suposto crime, devendo o juiz indeferir todos os questionamentos dessa natureza.
Ao decidir, o juiz poderá homologar o flagrante e converter a prisão em preventiva, bem como não homologar e converter a prisão em preventiva a pedido do Ministério Público. Se for constatado qualquer violação de direitos fundamentais, o juiz deverá encaminhar cópias de expediente para o órgão competente para apurar o fato.
O segundo rito procedimental da audiência de custódia trata da prisão decorrente de mandado. Ela ocorrerá nos mesmos moldes da prisão em flagrante, a diferença é que já existe uma prisão decretada e esta não poderá ser revogada pelo juiz que preside a audiência de custódia.
Ressalta-se que ambos os ritos procedimentais da audiência de custódia, encontram-se em perfeita consonância com a Resolução 215/2015 do Conselho Nacional de Justiça.
Em relação às finalidades da audiência de custódia, podemos elucidar algumas que claramente fazem parte deste mandamento normativo, como:
1) A unificação e ajuste do processo penal brasileiro, aos tratados, convenções e pactos internacionais de direitos humanos, em consonância com o processo penal democrático visando a convencionalidade. Vale lembrar que até o advento da Lei nº 13.964/2019 não havia previsão legal em nosso ordenamento jurídico.
2) Houve a superação da barreira do papel, trazendo a pessoa ao encontro da autoridade judicial, deixando de lado a frieza do envio do auto de prisão em flagrante conforme aduz o art. 306 do CPP:
Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.
§ 1o Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.
§ 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – DECRETO-LEI Nº 3.689/1941)
3) Assegurou a rápida análise da situação jurídica da prisão, para evitar o ingresso prematuro de pessoas no sistema prisional, tendo em vista que muitas vezes não há a necessidade da prisão, pois existe a possibilidade da pessoa responder em liberdade.
4) Prevenir e combater a prática de tortura. Coibir atos de tortura, maus tratos, tratamento cruel e degradante que tenham como destinatário o preso no momento de sua detenção até a chegada na audiência de custódia, pois é um direito do preso que tenha resguardada sua integridade física, tendo apenas o direito à liberdade cerceado pelos agentes do Estado, pois a pena não é uma vingança do Estado contra o indivíduo. Nesse sentido, alerta Guilherme Nucci:
O cerceamento da liberdade de um indivíduo, seja ele quem for, independente de seu poder aquisitivo, é uma violência. O Estado, ao utilizar a prisão cautelar (antes da condenação) ou a prisão-pena (depois da condenação) não tem por finalidade vingar-se do autor de um crime. Pensar assim seria diminuir o caráter do Direito Penal a um mero desejo vulgar, que se poderia encontrar num cidadão comum.
Os operadores do direito, que devem manter-se firmes no propósito de sustentar um Estado Democrático de Direito, precisam abster-se do sentimento de vingança, adotando, com efetividade, o sentimento de justiça. A diferença básica entre vingança e justiça é o grau de sofrimento ao acusado desejado pelo órgão que impõe a pena. Quem deseja vingança não se importa se o indiciado ou réu sofrer tortura para confessar, por exemplo… Afinal, ele mereceu. Quem deseja justiça, acima de tudo, pretende aplicar a pena sem mais sofrimento do que ela representa. (NUCCI, 2016)
Vale lembrar que é vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia, conforme ensina o art. 4º, parágrafo único da Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça:
Art. 4o A audiência de custódia será realizada na presença do Ministério Público e da Defensoria Pública, caso a pessoa detida não possua defensor constituído no momento da lavratura do flagrante.
Parágrafo único. É vedada a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão ou pela investigação durante a audiência de custódia. (RESOLUÇÃO 213/2015 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA)
5) Ela permite que a autoridade judicial conheça as características pessoais do preso, a grosso modo, ela permite que a autoridade veja a pessoa presa, com isso ela ganha características perante a autoridade, um rosto, uma voz, ou seja, torna um contexto real e palpável.
O indivíduo também terá a oportunidade de ter a ciência, bem como a compreensão de suas obrigações, que no caso seriam as medidas cautelares diversas da prisão, que a pessoa terá de cumprir caso a autoridade judicial decida pela sua soltura, sendo orientado que o não cumprimento dessas medidas implicará em sanções, conforme aduz o art. 312, parágrafo primeiro do CPP:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
§ 1º A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares.
§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada. (CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – DECRETO-LEI Nº 3.689/1941)
Então, podemos observar os benefícios trazidos pelas finalidades da audiência de custódia, que resguardaram direitos fundamentais do preso, bem como atendem aos mandamentos constitucionais como veremos a seguir.
3. PAPEL DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL NA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA.
Podemos afirmar a importância da Constituição está na base que orienta (norteia) o instituto audiência de custódia, esse sustento jurídico é dado através de Princípios Constitucionais dos quais sem eles tornaria impossível o alinhamento da implementação dessas audiências no nosso ordenamento jurídico pátrio, dentre os quais podemos citar: Princípio do Devido Processo Legal, Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, Princípio da Presunção de Inocência e Não Culpabilidade, Princípio da Celeridade e Duração Razoável do Processual e por fim o Princípio do Contraditório e Ampla Defesa. Para um entendimento mais completo e amplo sobre a questão dos princípios, José Afonso da Silva aduz sobre sua definição:
Princípio, etimologicamente, significa causa primária, momento em que algo tem origem, elemento predominante na constituição de um corpo orgânico, preceito, regra, fonte de uma ação. Em Direito, princípio jurídico quer dizer uma ordenação que se irradia e imanta os sistemas de normas. (SILVA, 2009, p. 85)
Os direitos e garantias fundamentais emanados da nossa Carta Magna, não são absolutos, no sentido de que muitos cometem as transgressões dessas normas, ou seja, eles não impedem que crimes aconteçam, por exemplo quando uma pessoa subtrai coisa alheia móvel de outra pessoa, mediante o emprego de força, esta cometeu o crime roubo (art. 157 do CPB), essa mesma pessoa responderá pelo crime cometido, podendo sofrer cerceamento de sua liberdade, para isso será necessário, para que ela não sofra os arbítrios do estado, ser submetida à um Devido Processo Legal, que encontra-se positivado no art. 5º, LIV, da CF/88, que diz: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Percebe-se que a intenção do legislador foi colocar mais um limitador ao Estado, no que se refere ao poder punitivo na esfera individual. Esse Princípio é o mandamento de apresentação do preso perante ao juízo competente para avaliar a necessidade da prisão, isso ocorre na audiência de Custódia.
Considerado a base dos Direitos Humanos, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana encontra-se no art. 1º, III da CF/88, onde afirma que um de seus fundamentos é a dignidade da pessoa humana. Vislumbra-se a importância deste Princípio quando notamos a presença do mesmo em vários Tratados de Direitos Humanos do qual o Brasil é signatário. Trazendo para o cenário penal, este Princípio é o mandamento de que todos os direitos fundamentais devem ser respeitados antes, durante e depois da audiência de custódia, pois o preso em hipótese alguma deverá passar por uma situação vexatória como alguma humilhação ou situação degradante, sem falar da tortura.
Capitulado no art. 5º, LVII, da CF/88 que diz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. O Princípio da Presunção de Inocência e Não Culpabilidade até pouco tempo foi alvo de grande discussão no cenário nacional, sobre a questão da prisão em segunda instância, que atualmente está pacificada pelo Supremo Tribunal Federal que por 6 (seis) votos a 5 (cinco), os Ministros decidiram que a execução provisória da pena após a segunda instância, fere o Princípio da Presunção de Inocência e Não Culpabilidade. Este princípio também encontra amparo nos Tratados Internacionais que versam sobre Direitos Humanos, vedando o cerceamento do acusado sem antes comprovada a sua culpa.
O dispositivo do art. 5º LXXXVIII, da CF/88 que diz: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. O Princípio da Celeridade e Duração Razoável do Processo está ligada intrinsicamente com o lapso temporal do começo ao fim do processo, devendo sempre buscar o equilíbrio, pois sua rapidez em demasia pode suprimir diretos e garantias. Este mandamento constitucional tem como destinatário tanto o juiz como o legislador e o principal beneficiado é o jurisdicionado, principalmente aquele que em detrimento de uma prisão em flagrante, terá o direito de passar pelo crivo de uma audiência de custódia, uma vez que um de seus ritos é a apresentação do preso sem demora perante uma autoridade judicial.
O Princípio do Contraditório e Ampla Defesa, está previsto no art. 5º, LV da CF/88 que ensina: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O contraditório deve ser entendido como garantia do exercício da ampla defesa no processo. A fase persecutória extrajudicial, também conhecida como inquérito policial não é permitido ao acusado se defender, é justamente nessa seara que a audiência de custódia entra. É o momento único e oportuno nessa fase em que o acusado pode se defender, pois o mesmo será em outras palavras, entrevistado pelo juiz competente sobre a situação da prisão, podendo assim, exercer esse importante princípio que compõe o devido processo legal.
Percebe-se que os princípios supracitados, caminham em consonância com o instituto audiência de Custódia, uma vez que esses mandamentos constitucionais dão amparo para a correta aplicação da mesma, garantindo sua completa efetividade em nosso ordenamento jurídico.
4. PREVISÃO NORMATIVA DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA: TRATADOS INTERNACIONAIS QUE VERSAM SOBRE AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA, RESOLUÇÃO Nº 213 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E PACOTE ANTICRIME.
Supracitada a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), onde trouxe o primeiro esboço do que se tem hoje como audiência de custódia, passemos agora ao estudo da natureza jurídica desse instituto segundo os Tratados Internacionais que versam sobre audiência de custódia, que foram ratificados pelo Brasil, bem como a importante Resolução Nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e por fim, a Lei. Nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime) que trouxe mudanças na legislação extravagante como também no Código Penal Brasileiro e Código de Processo Penal Brasileiro.
Somente nos tempos atuais que se vem ouvindo falar de audiência de custódia, essa terminologia ganhou força ultimamente como veremos mais a frente, mas a exigência da apresentação sem demora do prezo perante uma autoridade competente não é de agora, esse mandamento já é incorporado pelo Brasil através do Decreto Nº 678, de 6 de novembro de 1992, quando o Brasil se tornou signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), que ficou conhecida pelo nome da cidade em que foi assinada, Pacto de São José da Costa Rica, onde aduz o artigo 7.5:
Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. (PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA, 1992)
É nítido neste artigo do CADH, que estão presentes vários princípios constitucionais, mostrando mais uma vez a consonância dos Tratados Internacionais com nosso ordenamento jurídico, por sua vez aplicáveis à audiência de custódia.
Com o intuito de assegurar direitos e garantias fundamentais, os Estados, como o Brasil, que ratificaram o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, através do Decreto Nº 592, de 6 de julho de 1992, firmaram compromisso da proteção de seus jurisdicionados sem distinção de qualquer natureza, protegendo-os dos arbítrios do Estado, bem como de outros cidadãos. Nesse sentido dispõe o item 3 do artigo 9º da Convenção Internacional de Direitos Civis e Políticos (CIDCP):
Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz, ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou ser posta em liberdade. (CONVENÇÃO INTERNACIONAL DE DIREITOS CIVIS E POLÍTICOS, 1992)
Mesmo o Brasil sendo signatário dos supracitados Tratados Internacionais, não houve interesse por parte do legislador de tornar providências para efetivar a apresentação do indivíduo preso ao juiz. Essa inobservância de normas internacionais acarretou prejuízos incalculáveis ao sistema prisional brasileiro, dando causa à enorme comunidade carcerária percebida nos dias atuais.
Ainda paira uma corrente que a culpa desse encarceramento em massa, seja do aplicador da Lei, e não do legislador, conforme ensina Nucci:
Insiste-se, no Brasil, na ideia de que há superlotação dos estabelecimentos penais, tanto para presos provisórios quanto para condenados em regime fechado. Diante disso, os mesmos que assim sustentam tendem a responsabilizar o Poder Judiciário pela situação, afirmando que os magistrados em geral prendem demais e soltam de menos. Porém, não nos parece seja culpa da Justiça o estado calamitoso de presídios no país. (NUCCI, 2018)
Dados do Conselho Nacional de Justiça, informam que no Brasil, encontram-se mais de 800 mil presos em unidades prisionais e em delegacias espalhadas em todo o país, colocando o Brasil na indesejada terceira colocação dos países que mais encarceram pessoas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos (com 2 milhões e 100 mil pessoas encarceradas) e China (com 1 milhão e 600 mil pessoas encarceradas). Infelizmente esses dados só aumentaram com o passar dos anos, essa colocação se deve em parte da cultura de encarceramento que imperou no Brasil por muito tempo e que só agora o legislador voltou os olhos para essa situação prisional caótica em que nosso país vive.
Perante a inércia do Legislador em dar regulamentação ao procedimento que visa a efetivação da audiência de custódia, o Conselho Nacional de Justiça, durante sua 223ª Sessão Ordinária, aprovou, por unanimidade, a Resolução nº 213, de 15/12/2015, que norteia procedimentos acerca da audiência de custódia. Essa regulamentação vem para alinhar os procedimentos em todos os Tribunais do Brasil, visto que havia uma celeuma jurídica sobre assunto, pois expressamente ainda não havia em nosso ordenamento jurídico o instituto audiência de custódia.
Em janeiro de 2016, essa resolução foi alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida pela Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES), sob o argumento da incompetência do CNJ para editar normas, felizmente nem chegou a ser apreciado por falta de legitimidade da associação, conforme a ementa da ADI 5448:
EMENTA: Agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade. Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas. Norma que repercute sobre toda a magistratura nacional. Associação Nacional de Magistrados Estaduais (ANAMAGES). Entidade representativa dos interesses dos magistrados que integram a Justiça dos estados da Federação e do Distrito Federal e Territórios. Parcela da categoria profissional. Ilegitimidade ativa. Agravo que se nega provimento.
1 A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orientou-se no sentido de que não detém legitimidade ativa ad causam para o controle concentrado de constitucionalidade a associação profissional sobre a qual repercute o ato normativo impugnado. Precedentes.
2 A Associação Nacional dos Magistrados Estaduais (ANAMAGES), entidade representativa dos interesses dos magistrados que integram a Justiça dos Estados da Federação e do Distrito Federal e Territórios (art. 2º, a, do Estatuto), não tem legitimidade para impugnar Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas, a qual contém dispositivos que repercutem sobre toda magistratura nacional.
3 Agravo regimental a que se nega provimento. (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL)
O rito da audiência de custódia encontra-se positivado no art. 8º da Resolução 213/2015 do CNJ, nele contém basicamente a entrevista que é feita pela autoridade judicial com destinatário o preso, será feita sua devida qualificação, como também a verificação de alguns direitos, como o do silêncio, conforme ensina nossa Carta Magna. O uso da algema atenderá ao mandamento da SÚMULA VINCULANTE 11 DO STF, que versa sobre o correto emprego da algema, ou seja, usada somente em casos excepcionais, a regra é não estar algemado durante a entrevista. É direito do preso ter a oportunidade de comunicar seus familiares sobre sua situação, bem como ser disponibilizado atendimento médico para o mesmo. É importante observar que a autoridade judicial irá indaga-lo sobre o tratamento que recebeu entre o momento da prisão até a audiência de custódia, fazendo a pergunta direta se o mesmo sofreu tortura ou maus tratos, daí a importância de não estarem presentes na audiência os policiais que efetuaram sua detenção, pois isso implicaria de forma nítida de intimidação, comprometendo a resposta do preso. Colhida as respostas, a autoridade judicial terá os elementos básicos para decidir acerca da permanência ou não da prisão, bem como a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão.
Passemos agora ao estudo da Lei. Nº 13.964/2019, conhecida como Pacote Anticrime, que veio para tornar expressa em nosso ordenamento jurídico a audiência de custódia, vale lembrar que o advento dessa Lei, não tornou inócua a Resolução 213/2015 do CNJ, muito pelo contrário, a Resolução ainda vigora e complementa o novo mandamento Processual Penal.
O caminho percorrido de vários anos até a sua normatização expressa no Código de Processo Penal Brasileiro foi longo, e junto com eles vieram os prejuízos já mencionados. Atualmente a audiência de custódia ganhou força e um alinhamento definitivo.
De acordo com o art. 310 do CPP, o juiz deve promover audiência de custódia no prazo de 24 horas da prisão, obrigatoriamente com a presença do advogado do réu, o próprio réu, bem como do membro do Ministério Público, analisando tão somente o momento da prisão, ficando de fora a motivação (suposto crime), que ampare a prisão do indivíduo, como ensina Nucci:
Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: (…)” (art. 310, caput CPP, grifamos). A continuidade permaneceu inalterada: relaxar a prisão ilegal; converter o flagrante em preventiva se presentes os requisitos do art. 312 do CPP e não for adequada outra medida cautelar; conceder liberdade provisória. (NUCCI, 2020)
Outra inovação trazida pelo supracitado artigo, é: “editou-se a lei 13.964/19, com algumas alterações no Código de Processo Penal, dentre as quais a vedação de o juiz decretar a prisão preventiva, de ofício, também durante a fase de instrução criminal” (NUCCI, 2020).
Essa foi a odisseia percorrida pela audiência de custódia, até sua positivação em nosso ordenamento jurídico, agora resta o esforço dos Tribunais para seguir corretamente na aplicação deste mandamento normativo tão importante.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, é salutar a importância da efetivação da Audiência de Custódia em nosso ordenamento jurídico. Desde o pós-guerra (Segunda Guerra Mundial), até os dias atuais, ela passou por várias modificações e até sua consolidação como medida de assegurar Direitos Fundamentais, sofreu tentativas de sua não aplicação, tentativas frustradas, graças a tendência das Nações na busca da consolidação dos Direitos Humanos.
A cultura do encarceramento está ligada diretamente à efetivação tardia da audiência de custódia, o legislador pecou em seu silêncio de morte por um lapso temporal considerável entre os Pactos Internacionais firmados pelo Brasil, até sua primeira positivação expressa no Código de Processo Penal Brasileiro, pois havia apenas uma Resolução do Conselho Nacional de Justiça, onde trazia o mandamento da apresentação do preso sem demora perante à presença de uma autoridade judicial competente para avaliar a condição em que o mesmo foi preso.
A consequência tardia da implementação da audiência de custódia foi o encarceramento em massa de pessoas, que em tese, se passassem pela referida audiência, estariam respondendo ao processo em liberdade e/ou cumprindo sua pena com medidas cautelares diversas da prisão. Outra consequência negativa foi o estigma trazido com a Audiência de Custódia, ela ainda é vista por muitos como uma “audiência para soltar bandido” e não como um mecanismo processual para resguardar Direitos Fundamentais. Por outro lado, temos as consequências positivas da mesma, podemos falar da redução significativa de presos provisórios nas cadeias públicas do país, contribuindo para a diminuição da superpopulação carcerária existente no Brasil, porém, isso ainda não afasta o destaque que o Brasil tem no âmbito internacional como um dos países que mais encarceram pessoas no mundo.
Portanto, fazendo a ponderação entre antes e depois da audiência de custódia, nota-se que a efetiva aplicação dos Princípios Constitucionais, bem como o resguardo dos direitos fundamentais aplicáveis aos Direitos Humanos, teve como consequência a otimização do processo penal.
6. REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, JARBAS RODRIGUES DE. A eficiência constitucional da legislação que trata do pacote anticrime aplicável à audiência de custódia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2020, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55573/a-eficincia-constitucional-da-legislao-que-trata-do-pacote-anticrime-aplicvel-audincia-de-custdia. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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