RUBENS ALVES DA SILVA[1]
(orientador)
RESUMO: Até a edição e aprovação da Lei nº 13.718/2018, os crimes sexuais no Brasil eram tratados como contravenção penal com base no art. 61 da Lei das Contravenções Penais. A sexualidade humana sempre foi uma esfera de atenção intensificada dos governantes religiosos e seculares do pensamento, um campo de batalha de ideias sobre o que é permitido e o que não é permitido, "normal" e "desviante". Este artigo teve como objetivo geral, evidenciar os crimes sexuais, mais precisamente a importunação sexual, a partir da edição da Lei nº 13.718/2018, além de analisar a proteção da dignidade sexual; evidenciar a violência de gênero contra a mulher; e mostrar as mudanças e eficácia legislativa relacionadas à legitimidade para a propositura da ação penal. A relevância do tema da pesquisa se deve principalmente no fato de que o legislador brasileiro protegeu a dignidade sexual, preceito fundamental da Constituição Federal de 1988. Esta disposição da Lei encontra seu desenvolvimento adicional no ordenamento jurídico brasileiro, modificado os fundamentos do Código Penal e da Lei de Contravenções Penais caracterizado por ampla proteção dos direitos e interesses legítimos das pessoas, principalmente do gênero feminino.
Palavras-Chave: Importunação sexual; Contravenção penal; Violência de gênero.
SUMMARY: Until the enactment and approval of Law No. 13,718/2018, sexual crimes in Brazil were treated as a criminal offense based on art. 61 of the Criminal Misdemeanor Law. Human sexuality has always been a sphere of heightened attention by religious and secular rulers of thought, a battleground of ideas about what is allowed and what is not allowed, "normal" and "deviant". This article had as its general objective, to highlight sexual crimes, more precisely sexual harassment, from the edition of Law nº 13.718/2018, in addition to analyzing the protection of sexual dignity; evidence of gender-based violence against women; and show the changes and legislative effectiveness related to the legitimacy for bringing criminal action. The relevance of the research theme is mainly due to the fact that the Brazilian legislator protected sexual dignity, a fundamental precept of the Federal Constitution of 1988. This provision of the Law finds its further development in the Brazilian legal system, modified the foundations of the Penal Code and the Criminal Misdemeanor Law characterized by broad protection of the legitimate rights and interests of people, especially women.
Key words: Sexual harassment; Criminal misdemeanor; gender violence.
1. INTRODUÇÃO
Todos os anos, um grande número de mulheres e crianças são vítimas de crimes sexuais. Assim, não se deve surpreender ao ouvir vozes levantadas no sentido de denunciar as sentenças, consideradas muito brandas, impostas aos agressores sexuais no Brasil, principalmente antes do advento da Lei nº 13.718/2018 (importunação sexual), já que este tipo de crime sexual no Brasil era considerado apenas como uma contravenção penal.
Neste sentido, este artigo teve como objetivo geral, evidenciar os crimes sexuais, mais precisamente a importunação sexual, a partir da edição da Lei nº 13.718/2018, além de analisar a proteção da dignidade sexual; evidenciar a violência de gênero contra a mulher; e mostrar as mudanças e eficácia legislativa relacionadas à legitimidade para a propositura da ação penal.
A relevância do tema da pesquisa se deve principalmente ao fato de que o legislador brasileiro, na Lei 13.718/2018, protegeu a dignidade sexual, preceito fundamental da Constituição Federal de 1988.
Do ponto de vista jurídico, o ordenamento jurídico do Brasil contemplava, em seu Código Penal, diversas figuras penais referentes aos crimes sexuais que poderiam ser cometidos, legislação que foi significativamente aprimorada ao longo dos tempos, mas que ganhou versão final, até agora, com a promulgação da Lei nº 13.718/2018.
Do ponto de vista processual, a entrada em vigor desta lei a partir do ano 2018 significou um avanço substancial na modernização do sistema de justiça penal em geral e, em particular, no reconhecimento da vítima como sujeito processual interveniente, dando-lhe direitos e garantias que ela não tinha no antigo processo penal, outorgando ao Ministério Público e a Polícia de dirigir a investigação dos fatos constitutivos do crime, exercer a ação penal pública e conceder a devida proteção às vítimas e testemunhas do crime.
Do ponto de vista psicossocial, a literatura especializada sobre o assunto não faz distinção explícita entre abuso sexual e crime sexual, definindo, em termos gerais, o abuso sexual igualmente como violência sexual que se transforma em crime de natureza sexual. Desta forma, fala-se de abuso sexual quando se usa sedução, chantagem, ameaças e/ou manipulação psicológica para envolver uma pessoa (seja adulta, criança e/ou adolescente) em atividades sexuais de qualquer natureza (avanços, carícias, exibicionismo, voyeurismo, masturbação, sexo oral, penetração oral ou vaginal, entre outros).
Alguns aspectos importantes estão relacionados à reação imediata do meio social da vítima, à resposta institucional e às possibilidades de reparação dos danos associados à experiência abusiva.
Para alcançar os objetivos foi desenvolvida uma pesquisa por revisão integrativa que tem por finalidade verificar a força das evidências científicas; identificar lacunas na pesquisa atual; e identificar a necessidade de pesquisas futuras, fazendo a ponte entre áreas de trabalho relacionadas, identificando questões centrais no tema da pesquisa.
Os resultados apontam para o fato de uma intervenção da Lei nº 13.718/2018 no ordenamento jurídico brasileiro para modificar o tratamento dos crimes sexuais de simples contravenção penal para crime contra a pessoa. Conclui que a lei teve o objetivo de provocar mudanças profundas no tratamento penal de um crime que era considerado uma simples contravenção.
2. IMPORTUNAÇÃO SEXUAL
Com a supramencionada Lei, veio uma nova tipificação penal ao ordenamento jurídico em seu Art. 215-A “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro [...]” (BRASIL, 2018)
Com a promulgação da Lei, houve também a criminalização da divulgação de cenas de sexo, nudez, estupro ou pornografia, sem o consentimento da vítima, através de qualquer meio, válido tanto quem produz o material divulgado, como qualquer pessoa que compartilhar o conteúdo, até mesmo em redes sociais, pode responder pelo crime. A pena estabelecida é de um a cinco anos de reclusão, podendo ser agravada se o agressor tiver relação afetiva com a vítima.
Embora já tenha se passado muito tempo que a doutrina e jurisprudência brasileira tenha reconhecido que as mulheres que vivenciam o assédio sexual na sua vida cotidiana como vítimas de discriminação sexual, os criminologistas ainda não davam atenção explícita ao crime de importunação sexual como uma atividade ilegal. No Brasil, até 2018, esse tipo de atitude nem criminalizada era, sendo tratada no ordenamento penal brasileiro apenas como uma contravenção.
De fato, a pesquisa sobre importunação sexual continuou relativamente isolada do trabalho criminológico sobre eventos ilegais e vitimização para especificar uma explicação teórica do contexto deste tipo de crime, principalmente no local de no local de trabalho. Convém salientar que a importunação sexual difere do assédio sexual, que até então está baseada na relação hierárquica e subordinada entre a vítima e o agressor.
A perspectiva das atividades de rotina em criminologia sugere que a rotina, as atividades diárias de vítimas potenciais, podem ser usadas para explicar a vitimização de indivíduos e/ou as taxas de vitimização de grupos.
Recentemente, é necessário focar especificamente na vitimização feminina, levando em consideração as características de tal vitimização que a distinguem da vitimização masculina. A principal característica distintiva observada por aqueles que se concentram na vitimização feminina é o diferencial de poder estrutural entre as mulheres vítimas e seus prováveis agressores, os homens.
Para a importunação sexual, o contexto mais relevante e o que ocasionou a eclosão em torno do assunto, são os transportes coletivos, eventos públicos e locais públicos que são locais bastante aprazíveis para tal intento. O assunto esteve em alta pelo fato da pressão midiática em casos amplamente divulgados, como do homem que ejaculou em uma mulher dentro do ônibus, e o mesmo tem várias passagens pela polícia pelos mesmos motivos. Algumas mulheres, que já passaram por situações parecidas, acabam ficando envergonhadas e com receio de reclamar, uma vez que não havia uma punição correta para o ato libidinoso.
No Brasil, antes da entrada em vigor da Lei nº 13.718/2018, não havia uma definição legal de importunação sexual. Com a Lei, muitos desses conceitos da jurisprudência e da doutrina se aplicaram. A Lei de autoria da ex-senadora pelo Estado do Amazonas Vanessa Grazziotin tinha sob sua justificativa a igualdade entre mulheres e homens, afirmando que a importunação sexual pode assumir diferentes formas: ditados sexistas, sugestivos e observações constrangedoras, mostrando ou usando material pornográfico, atos abusivos em que homens praticavam contra as mulheres, agressão sexual e em casos extremos até estupro ou violência física.
São atos sexuais aos quais a pessoa em questão é exposta contra sua vontade. O Artigo 1º define os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, observando que:
Torna pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável, estabelece causas de aumento de pena para esses crimes e define como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo (BRASIL, 2018, ART. 1º).
Já o Artigo 2º modificou o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), conceituado a importunação sexual como “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro” (BRASIL, 2018, ART. 2º).
Assim, fica evidente que com o advento da Lei supramencionada, foi criminalizada definitivamente qualquer comportamento de assédio de natureza sexual ou qualquer outro comportamento baseado no gênero que prejudique a dignidade de mulheres e homens. Isso inclui, em particular, ameaças, promessas de vantagens e o uso de coerção o esforço de pressão para obter uma acomodação de natureza sexual, conforme a jurisprudência e a doutrina já vinham aplicado há algum tempo no Brasil.
A jurisprudência sobre a importunação sexual nos últimos anos tornou esta definição ainda mais precisa. Em particular, as expressões "natureza sexual ou outro comportamento com base no gênero" e "comportamento de assédio" deram origem a diferentes interpretações judiciais. Mas as divergências específicas, entre jurisprudência e doutrina, embora no geral eles concordem são evidentes. Se há um aspecto sexual que deve ser julgado a partir do contexto do caso concreto.
3. PROTEÇÃO DA DIGNIDADE SEXUAL
Até o ano de 2018, não havia previsão legal específica para as condutas praticadas contra a dignidade sexual das vítimas, sendo que, na maioria das vezes, os casos eram praticados contra as mulheres.
Em virtude da inserção do tipo penal importunação sexual, a Lei 13.718/18 revoga a contravenção penal do art. 61 do Decreto-lei 3.688/41 (importunação ofensiva ao pudor). No entanto, não há o que se falar em abolitio criminis relativa à contravenção, pois estamos à frente do princípio da continuidade normativo-típica. O tipo do Art. 61 da Lei de Contravenção Penal é formalmente revogado, porém o conteúdo do tipo migra para outra figura para que a importunação seja punida adequadamente.
Já há alguns anos em que tem sido comum algumas situações em que as pessoas são surpreendidas, de forma negativa, com divulgações de imagens da intimidade na rede mundial de internet, seja pelo fato da pessoa, em sua inocência, se deixar fotografar/filmar por alguém em quem confia, ou ainda enviando imagens íntimas a alguém próximo de sua confiança. Nessas situações, acaba acarretando na surpresa no que tange a deslealdade, seja por violação da intimidade sem o conhecimento do interessado, como por exemplo o caso da atriz Carolina Dieckmann. Há ainda os casos de estupros registrados pelos próprios autores e depois divulgados. Obviamente, o que se depreende dessas diversas situações, é o agravamento da ofensa à dignidade sexual da vítima.
Concernente aos crimes que ferem a dignidade sexual, anteriormente não havia nada que pudesse indicar uma conduta típica. Por exemplo: quando alguém passava a mão em uma mulher/homem dentro no transporte coletivo, não havia solução jurídica capaz de responder de forma proporcional à gravidade do fato.
No caso exemplificado acima, ou era solucionado como uma conduta como estupro, ou então era considerada uma conduta como contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor. Na questão do estupro, era uma forma equivocada juridicamente de se solucionar, dada a ausência de violência ou grave ameaça, e é um crime considerado hediondo. Já na importunação ofensiva ao pudor, pode ser considerada a tipificação mais técnica à época, mas que não fornecia nenhum subsídio penal à altura da gravidade do fato, já que havia previsão somente de pena de multa, era uma contravenção penal.
Já com o novo tipo penal, há uma punidade mais eficaz, que é a pena de reclusão, de 01 (um) a 05 (cinco) anos para quem praticar o crime da importunação sexual, englobando, assim várias condutas que se encontravam num limbo protetivo.
Evidentemente, a não criminalização de certas condutas sexuais que ofendiam a dignidade sexual das mulheres, faziam com que, de certa forma, as mulheres que passavam por essas situações delicadas, deixassem de denunciar os assédios vivenciados. Muitas das vezes, não o faziam por sentir uma certa vergonha e até mesmo por medo de que os assediadores não seriam punidos de forma mais rigorosa. A falta de denúncias influenciava grandemente no aumento das condutas contra a dignidade sexual das mulheres, e causava uma certa privação de liberdade de ir e vir nos meios de transportes coletivos, espaços públicos e outros.
Com o advento da Lei, a proteção da dignidade sexual ficou mais eficaz, pois após sua promulgação, houveram vários casos amplamente denunciados de importunação sexual, e acarretou na “liberdade” feminina para chamar atenção aos casos.
4. VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Embora a violência sexual não resguarde exclusividade de gênero, ela atinge 98,00% de pessoas do sexo feminino no Brasil e, apenas 2,00% de pessoas do sexo masculino. No caso do sexo masculino, esses atingidos são 100,00% de pessoas abaixo de 18 anos de idade. Nas discussões sobre a relação entre as representações de violência de gênero e os comportamentos agressivos no cotidiano, os aspectos específicos de gênero estão aumentando.
Vários opostos e dinâmicas socioeconômicas tensas moldam os processos de transformação no Brasil, pós-ditadura militar (1964-1985); isso se aplica acima de tudo à proporção de gênero. Eles formam um núcleo de cristalização dos debates sobre a estrutura da sociedade desde a mudança política em meados dos anos de 1980.
Os padrões de masculinidade violentos encontrados atualmente são derivados historicamente e estratégias para superá-los são analisadas. Um arco é traçado entre a política nacional de gênero e as abordagens dos direitos das mulheres e organizações de gênero.
Assim, a partir de 1995, com a chegada de Fernando Henrique Cardoso (FHC), a Presidência da República do Brasil, sob forte pressão de organizações de direitos das mulheres, aprovou reformas legais exemplares e leis de proteção contra a violência, mas as instituições estatais as implementaram lentamente, mesmo a despeito de FHC ser um progressista e casado como uma militante dos direitos da mulher – dona Ruth Cardoso. Em 2003 chega ao poder Luiz Inácio Lula da Silva, com fortes ligações com movimentos sociais, dentre eles movimentos de mulheres.
As declarações de importantes representantes do governo sobre questões de gênero também foram sendo submetidas a uma revisão crítica, especialmente porque contribuíam para a banalização da violência específica de gênero. Tornou-se claro que a vontade política para mudanças estruturais fundamentais e que o Estado brasileiro não devia mais tolerar e confirmar a violência como um instrumento de poder com conotação masculina.
Portanto, as formas de violência específicas de gênero prejudicam drasticamente as oportunidades de desenvolvimento e a liberdade de ação de mulheres e meninas na vida pública e privada. Além disso, a violência galopante é diametralmente oposta à implementação de reformas legais. A superação de padrões de masculinidade historicamente moldados e orientados para a violência continua a exigir contra estratégias abrangentes do Estado e da sociedade civil.
O Brasil tem Constituição desde 1988, que se baseia em um cânone diferenciado de direitos humanos e ancora a igualdade de gênero, o direito à saúde e a proteção contra a violência. Ao mesmo tempo, crimes violentos motivados especificamente por sexo são os crimes mais frequentes, ao lado de assassinato, roubo e tráfico de drogas.
Os atos de violência específicos de gênero cometidos por homens de diferentes origens solidificam uma ordem de gênero vacilante. Homens inseguros sobre si mesmos veem as reformas legais iniciadas em 1988 pelo Estado Brasileiro como provocações e insistem na restauração dos ideais tradicionais de masculinidade, que interpretam como criadores de identidade e estabilizadores da sociedade. Embora ainda de forma discreta, esse tipo de pensamento vai avançando na sociedade brasileira lentamente.
Isso se aplica particularmente - mas de forma alguma exclusivamente - aos seus relacionamentos íntimos. Consequentemente, a violência física e sexualizada contra os próprios parceiros, contra outras mulheres e meninas ou contra homens, bem como os construtos de masculinidade e feminilidade em que esses padrões de violência se baseiam, são influenciados pelas condições do quadro econômico e político, estruturas sociais e suas mudanças.
Embora, de forma discreta, os governos progressistas do Brasil se concentraram nos direitos humanos, justiça, igualdade de gênero, superação da pobreza e igualdade social - acima de tudo sob a gesto de Lula e Dilma, foram criadas instituições ministeriais como o Ministério dos Direitos da Mulher e o Ministério da Igualdade Racial, não levando em consideração as diferenças entre as mulheres com base em raça e classe.
Muitas organizações temem que, com uma política reduzida e seletiva de promoção das mulheres que estipula os papéis das mulheres conservadoras, as instituições de gênero já enfraquecidas se tornem completamente sem sentido. As possibilidades de influência das organizações de direitos das mulheres e das recém-fundadas organizações masculinas que atuam na prevenção da violência também são limitadas. Teme-se, portanto, em um possível retrocesso no que tange a proteção da dignidade sexual, uma vez que o movimento conservador está em voga atualmente.
5. A EFETIVIDADE DA LEI Nº 13.718/2018
Ainda é muito cedo para se medir a efetividade da Lei nº 13.718/2018 por ser uma lei muito recente. Mas a lei que, sendo aprovada com muitas mudanças no parlamento brasileiro, não era nem de longe o produzido pela ex-senadora Vanessa Grazziotin do Partido Comunista do Brasil – PC do B, do Estado do Amazonas.
A pena originalmente apresentada no Projeto de Lei foi reduzida. Isso tudo por que, o projeto foi juntado ao Projeto de Lei da Câmara nº 6, de 2016, por se tratar de matéria correlata.
A Lei nº 13.718/2018 realça a realidade do país e especialmente a vivida pelas pessoas em vulnerabilidade social e se tornou urgente à necessidade de estabelecer sanções para os casos de importunação sexual e outros tidos como contravenção penal. Isto, somado ao desenvolvimento e experiência que existiu sobre o assunto em nível internacional e sua regulamentação por organismos internacionais, constitui o prelúdio do projeto que deu origem à referida Lei.
Entre os antecedentes diretos emanados de organismos internacionais que influenciou as regulamentações nacionais, duas recomendações feitas por organizações do Sistema Internacional de Proteção dos Direitos Humanos devem ser mencionadas: em primeiro lugar, as Observações Finais do Comitê de Direitos Humanos da ONU, no qual se observou preocupação com "o alto número de casos de importunação sexual e estupro coletivo, recomendando que o Brasil promulgue uma lei que definisse o crime de assédio sexual; importunação sexual e estupro coletivo.
Em segundo lugar, o Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher da ONU que o Brasil em seu próximo relatório do ano de 2004 incluiria informações sobre a condição da mulher e a evolução de suas condições de vida, e sobre o problema da violência sexual.
A Lei então definiu os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro e reafirmou a ideia de respeitar a dignidade das pessoas, e indicou ainda que a importunação sexual é contrária ao tratamento de acordo com a dignidade humana e fornece um conceito de assédio sexual (ponto divergente entre a jurisprudência e a doutrina).
A jurisprudência se consubstancia na lei que diz que a dignidade humana está dentro dos preceitos constitucionais e qualquer atentado a ela tem que criminalizado. A doutrina trabalha pelo fato de que a dignidade humana deve pautar-se por um tratamento compatível com a dignidade da pessoa. O problema é o conceito de tratamento compatível.
Assim é contrário a ela, entre outras condutas, a importunação sexual, entendendo-se como tal que a pessoa realiza indevidamente, por qualquer meio, exigências de natureza sexual, não consentidas por quem às recebe e que ameacem ou prejudiquem a sua dignidade humana.
A divergência entre a jurisprudência e a doutrina se dá no campo do que seja tratamento compatível e nasce a divergência sobre importunação sexual. Considerando as duas formas de pensamento, a definição de importunação sexual deve conter 3 elementos, a saber: a) é sobre comportamento sexual ou conotação sexual; b) que é indesejável pelo sujeito afetado; e, c) ocorre em qualquer situação.
Analisando a definição jurídica à luz destes três elementos, se vê que ela contém o primeiro elemento, quando a noção de requisitos de natureza sexual. Os referidos requisitos não se limitam ao contato físico ou abordagem, mas incluem qualquer ação do assediador sobre a vítima, estabelecendo na forma jurídica que podem ser por qualquer meio.
Assim a jurisprudência e a doutrina divergem nos requisitos de natureza sexual que estão incluídos na definição legal e não outras condutas ou comportamentos de natureza sexual.
O segundo elemento que uma definição de importunação sexual deve conter é que os comportamentos que a constituem são indesejados pela pessoa afetada. Este elemento está contido na legislação a partir do advento da Lei nº 13.718/2018, quando se afirma que estas não devem ser consentidas pelo destinatário. Doutrina e jurisprudência divergem pelos mesmos motivos do primeiro elemento.
Por fim, o terceiro elemento implica na necessidade de indicar que a conduta que constitui importunação sexual deve ser realizada em qualquer ambiente, tomando como exemplo o transporte coletivo.
Esse projeto de lei definia a importunação sexual como uma exigência unilateral, por qualquer meio, de natureza sexual, indesejada pela pessoa e que causa dano ou ameaça às suas oportunidades de emprego, utilizado para tal qualquer meio físico ou virtual em sua situação.
A diferença óbvia entre os dois conceitos é que no projeto original estava expressamente estabelecido que as condutas ilícitas constituíssem importunação sexual se houvesse dano ou ameaça situação que configuraria a importunação sexual horizontal. Por outro lado, o conceito finalmente inserido na lei não contém esta última consequência, referindo-se apenas à ameaça ou prejuízo.
Ao criminalizar as condutas antes considerada contravenção penal, a referida Lei pode ser considerada efetiva, por que finalmente o ordenamento jurídico brasileiro possui uma lei de proteção à dignidade humana no campo da liberdade sexual.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ordenamento jurídico nacional, em virtude da consagração do princípio da dignidade da pessoa, consagrou o efeito de irradiação dos direitos fundamentais a todas as esferas normativas, o que implicou no reconhecimento da validade dos direitos fundamentais contra o Estado e indivíduos.
Esta revolução copernicana na forma de entender a vigência dos direitos fundamentais, tem se destacado especialmente no direito penal no Brasil. A consagração de princípios orientadores como a proteção da dignidade humana, a interdição de atos discriminatórios e a criação de vias processuais idôneas para a proteção dos direitos fundamentais, confirmam este processo.
Neste sentido, o reconhecimento da validade dos direitos fundamentais nas relações humanas, sociais e particulares, têm permitido não só fortalecer os direitos clássicos de natureza jurídica, mas também estendido o rol de direitos àqueles que protegem o exercício da liberdade sexual consagrados na Carta Fundamental que gozam de plena aplicação.
Com relação aos crimes sexuais, o ordenamento jurídico brasileiro ainda é cheio de imperfeições. Além dessas imperfeições, o legislador nacional estabeleceu diversos mecanismos de proteção judicial que permitem enfrentar a importunação sexual de forma bem tímida ao longo da história. A Lei nº 13.718/2018 estabeleceu um mecanismo para promover tanto a apuração da importunação sexual quanto o estabelecimento de uma nova visão penal sobre esse crime, além do estupro coletivo e outros.
Os significados da importunação sexual encontram, como principal modelo paradigmático, suas condições causais e intervenientes. A Lei nº 13.718/2018 resgatou o conteúdo que eles contêm tanto verbal quanto expressivamente, aludindo ao conjunto de crenças relacionadas ao gênero, hábitos de comportamento, as características desses ambientes e as posições que os indivíduos assumem em relação à interação baseada em todos estes elementos.
Quanto ao seu contexto ou características constitutivas, encontram-se os seguintes: os sentimentos mais comuns que a importunação sexual provoca nas pessoas que o recebem são: medo, vergonha, raiva e indignação, entre outros.
As consequências psicológicas mais importantes que gera nessas pessoas são: a sensação de perda de controle, a diminuição da autoestima, distorções na avaliação cognitiva das próprias experiências de bullying, e um aumento da própria insegurança e também da desconfiança em relação homens desconhecidos em geral. Ao criminalizar essas condutas, a Lei nº 13.781/2018, pode ser considerada efetiva, por que finalmente o ordenamento jurídico brasileiro possui uma lei de proteção à dignidade humana no campo da liberdade sexual.
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[1] O orientador é Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas em 2013 e professor do curso de Direito do CEULM/ULBRA, Manaus-AM, e-mail: [email protected]
Acadêmica finalista do curso de Bacharel em Direito na Universidade Luterana do Brasil - Campus Manaus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REZENDE, Alice Nogueira. Crimes Sexuais e suas Alterações a partir da Lei Nº 13.718/18: a Importunação Sexual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2020, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55599/crimes-sexuais-e-suas-alteraes-a-partir-da-lei-n-13-718-18-a-importunao-sexual. Acesso em: 23 dez 2024.
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