INGO DIETER PIETZSCH[1]
(orientador)
RESUMO: A violência em razão do gênero ocorre a partir do fator dominante que o homem possui sobre a mulher, resultando em atos violentos e agressivos. Comumente é praticada contra a mulher, na forma de violência doméstica. Diante dos elevados índices de agressões, homicídios e violações dos direitos das mulheres, compreende-se que o Estado falhou na criação de políticas públicas que visasse o combate dessas práticas e objetivasse a mudança social para erradicação de toda e qualquer forma de violência contra a mulher. O presente artigo fala sobre a Lei 11.340/2006, denominada por Lei Maria da Penha e suas ineficácias, tendo como finalidade, corroborar que a violência doméstica praticada contra a mulher acontece todos os dias, o que é um problema social que precisa ser tratado, pois, o resultado da violência doméstica causa danos irreparáveis nas mulheres vítimas, ocasionando problemas de saúde para o resto da vida.
Palavras-chave: Violência Doméstica, políticas públicas, ineficácia da Lei Maria da Penha.
ABSTRACT: Gender-based violence occurs from the dominant factor that men have over women, resulting in violent and aggressive acts. It is commonly practiced against women in the form of domestic violence. Given the high rates of aggression, homicides and violations of women's rights, it is understood that the State failed to create public policies aimed at combating these practices and aimed at social change to eradicate all forms of violence against women. This article talks about Law 11.340 / 2006, called Maria da Penha Law and its inefficiencies, aiming to corroborate that domestic violence against women happens every day, which is a social problem that needs to be addressed, therefore, the result of domestic violence causes irreparable damage to women victims, causing health problems for the rest of their lives.
Keyword: Domestic Violence, public policies, ineffectiveness of Maria da Penha Law
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo expõe a realidade vivida por muitas mulheres brasileiras em seus lares familiares todos os anos, que é a violência doméstica e quão ineficaz a Lei Maria da Penha têm se tornado para combater esse crime, e que a medida protetiva não tem protegido a mulher que se tornar estatística no feminicidio. Se todas as pessoas tivessem a oportunidade mágica de regressar na história da sua família, como uma viagem através de uma máquina do tempo teriam a oportunidade de assistir diversas cenas de violência sofridas pelas mulheres. Bisavó, avó, mãe, tias, irmãs e até mesmo filhas, todas com algum registro evidente de maus tratos, dentro da própria casa, na rua, até mesmo no contexto do seu local de trabalho, e entre amigos.
A evolução da cultura nos trouxe diversos sufrágios, mas, além disso, nos trouxe a quebra de um tabu, trouxe-nos o acesso a informação, a desconsideração de um pensamento enraizado por anos, de que a mulher é o sexo frágil, é um objeto maleável nas mãos dos homens. Além disso, que o seu silêncio a frente de uma agressão que fere a sua integridade psicológica e física, é uma obrigação, por ser apenas mais uma no meio de tantas violentadas.
Portanto, a Lei Maria da Penha produziu instrumentos inovadores que se destacaram como fundamentais para prevenir a violência doméstica, e afastar os agressores, sendo elas: as medidas acautelatória de urgência, inseridas nos artigos 22 e seguintes, tendo finalidade livrar-se da violência doméstica e familiar contra a mulher, tendo como objetivo possuir mecanismos rápidos que possam deter a ação do agressor, no entanto, vários pontos devem ser questionados no que se refere a sua aplicabilidade, a ação penal competente e os objetivos a serem alcançados com a referida lei. Muitos fatores devem ser levados em consideração ao avaliar a eficácia e o êxito da referida Lei, a principal pergunta é se a Lei Maria da Penha, está chegando a finalidade principal a vítima que é devolver a paz social, a integridade moral e física da mulher e não destruir a família.
Grande expectativa se criou em torno da lei nº 11.340/06, conhecida popularmente por “Lei Maria da Penha”, em homenagem a Maria da Penha, vítima da violência doméstica praticada por seu ex-esposo, deixando sequelas irreparáveis por toda vida. O devido processo legal do caso de Maria durou, pelo menos, 15 anos. Entre lutas e pressões internacionais, a vítima conseguiu, através de ONGs, levar o caso para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Fato esse, totalmente inovador, pois era a primeira vez que acatavam um caso de violência doméstica. O dado processo rendeu ao acusado, 2 anos apenas, de prisão, enquanto, o Brasil foi condenado por negligência e omissão na violência doméstica. A partir daí o país se viu obrigado a criar uma legislação adequada a este tipo de violência, que zelasse pela saúde física e mental de milhares de mulheres brasileiras, vítimas de agressões, nos seus lares.
E finalmente, em setembro de 2006, a Lei N 11.340/2006, entrou em vigor. Foi considerada pela ONU como uma das 3 melhores legislações da violência de gênero. A Lei Maria da Penha não criou novos crimes ou modificou aqueles previstos no Código Penal, mas apenas auxilia o aplicador da lei no que diz respeito à definição do que seja violência doméstica e familiar contra a mulher. Deixando de ser julgada como um crime de menor potencial ofensivo, devendo seus crimes ser da competência dos Juizados Especializados de Violência Doméstica Contra a Mulher, não mais pelos Juizados Especiais Criminais. Sendo julgados, apenas nas Varas Criminais, nas cidades onde ainda não existirem os juizados especializados.
2 - A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A LEI MARIA DA PENHA
A Lei Maria da Penha surgiu através do esforço coletivo dos movimentos feministas de muitas mulheres no enfrentamento à violência doméstica e ao feminicidio no Brasil. A Lei nº 11.340/2006, chamada de “Lei Maria da Penha”, surgiu para tipificar e punir os atos de violência contra a mulher, tem como objetivo conter e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
“As origens da violência contra a mulher no Brasil se confundem com as próprias origens da nação e estão diretamente relacionadas à antiga família patriarcal, que tinha a mulher como cidadã de segunda classe” (TRINDADE, 2016).
Nessa esteira, podemos informar que o estilo patriarcal acabou por introduzir a ideia de que a mulher deveria se esconder no lugar imposto a ela pela sociedade e se calar diante de toda ou qualquer violência praticada a ela.
Portanto, não é difícil encontrar na história brasileira e da humanidade um momento em que a mulher não tenha sido inferiorizada ou subjugada. Sendo assim, podemos afirmar que uma das maiores conquistas para a mulher foi a tipificação da violência doméstica como crime, tanto ela física, sexual, patrimonial, psicológica e moral.
De acordo, com a autora Teles opina sobre a violência da seguinte forma:
Violência em seu significado mais frequente, quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano. (Teles e Melo 2003, p. 15)
A violência doméstica geralmente é cometida no âmbito familiar, ou seja, dentro da residência da mulher, mas vale ressaltar que não é só o marido que pratica a violência doméstica, ela pode ser praticada por qualquer parente, é aquela violência originada no seio familiar. “Essa violência pode ser explicita ou velada, incluindo diversas práticas, desde o abuso sexual até os maus tratos.” (CAVALCANTI, 2008)
A violência, segundo a autora Cavalcanti (2008), “é entendido como a força material ativa que causa prejuízos físicos, no qual uma pessoa, geralmente do sexo masculino, impõe seu poder sobre outra pessoa através da violência. ” A autora ainda acrescenta o seguinte:
“Autora acrescenta que a violência é um exercício humano de poder, expresso por meio da força, coma finalidade de manter, destruir ou construir uma dada ordem de direitos e apropriações, colocando limites ou negado a integridade e direitos de outros, sendo acentuada pelas desigualdades sociais. Portanto, a violência deve também ser entendida como um processo, e não simplesmente como a provocação de males físicos ou psicológicos, causada pela materialização da força. (Cavalcanti, 2008)
Nesse contexto, surge a Lei n° 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, em homenagem a Maria da Penha Fernandes, farmacêutica e professora universitária, que por reiteradas vezes denunciou as agressões que sofreu de seu ex-marido, não obtendo uma resposta da Justiça.
No ano de 2006 surgiu a Lei n° 11.340, considerada como um marco na história da mulher brasileira, pois trouxe consigo mecanismos capazes de punir os agressores, bem como, proteger e resguardar os direitos da mulher que sofre violência doméstica e familiar, em sentindo amplo, ou seja, abarca em seus artigos a proteção da mulher no âmbito não só físico, mas psicológico e patrimonial também. Com o aparecimento dos tratados e convenções internacionais com intuito de proteção dos direitos das mulheres, fortaleceu os movimentos feministas que pleiteavam resposta mais efetiva do governo brasileiro para o combate à violência doméstica contra a mulher.
De acordo com Santos, alude que1:
O recurso das feministas a instâncias supra-nacionais de proteção dos direitos humanos, como a OEA e a ONU, também foi um fator importante, (...) sobretudo por mostrar, internacionalmente, que o governo brasileiro não estava cumprindo as suas obrigações de defesa dos direitos humanos. (SANTOS, 2008, p. 23)
Com a chegada do novo dispositivo em 2006, trouxe uma visão mais ampla, que estabelece um mecanismo para que possa ser coibido a violência doméstica e familiar. Nesse aspecto, a Lei Maria da Penha 11.340/06, traz em seu art. 226, o seguinte texto:
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1 Bruno, Cecilia Roxo. Lei Maria da Penha: um estudo sobre os mecanismos de proteção à mulher em situação de violência. Disponível em: Jusbrasil.
“cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.” (CAMPOS, 2008, p. 49)
Assim, a Lei Maria da Penha cria, portanto, mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da Constituição Federal e de tratados internacionais assinados pelo Brasil.
2.1. Violência de gênero
A violência de gênero contra as mulheres, é uma violência de grave ameaça aos direitos humanos, como também um sério problema de saúde pública mundial que gera graves consequências.
No final dos anos 80 ocorre uma mudança significativa nos movimentos e estudos feministas no país, sob influência norte-americana, que realizava debates sobre a construção social do sexo e gênero, movimentos feministas no Brasil começaram a substituir a categoria “mulher” pela categoria “gênero”.
No final dos anos 80 ocorre uma mudança teórica significativa nos estudos feministas no Brasil. Sob a influência dos debates norte-americanos e franceses sobre a construção social do sexo e do gênero, as acadêmicas feministas no Brasil começam a substituir a categoria “mulher” pela categoria “gênero”.
A Lei 11.340/06, tem efeitos taxativos, e em seu art. 5º, configura violência doméstica e familiar contra mulher somente a conduta baseada no gênero. Vale mencionar que a Lei maria da penha não abrange toda violência doméstica contra a mulher porque exige que a conduta seja baseada no gênero. “Para qualificar a conduta ou simplesmente atribuir ao termo gênero o mesmo significado de mulher, violaria o princípio constitucional da igualdade de sexos, pois o simples fato de a pessoa ser mulher não pode torná-la passível de proteção penal especial. ” (NUCCI, 2007)
Isto é, a violência de gênero é determinada como uma relação socialmente estabelecida entre homens e mulheres, assentando como categoria de analise para a construção social do feminino e masculino.
A palavra gênero, portanto, é usada para seguinte definição:
[...] demonstrar e sistematizar as desigualdades socioculturais existentes entre mulheres e homens, que repercutem na esfera da vida pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles papéis sociais diferenciados que foram construídos historicamente, e criaram pólos de dominação e submissão. Impõe-se o poder masculino em detrimento dos direitos das mulheres, subordinando-as às necessidades pessoais e políticas dos homens, tornando-as dependentes. (MELO, 2003, p. 16)
Portanto, a violência doméstica contra a mulher é uma conduta baseada no gênero, visto que a sociedade foi doutrinada com uma cultura machista e opressora. Quando ocorre a violência de gênero, o homem se comporta como estivesse no seu direito e a mulher, como culpada. Mas o que seria a violência?
A palavra violência, de acordo Minayo (2006) “vem do latim vis, que quer dizer força. Que são às noções de constrangimento e uso da superioridade física sobre o outro, luta por poder, vontade de domínio, de posse e aniquilamento do outro ou de seus bens.”
De acordo com pesquisa nacional sobre as circunstâncias do atendimento nas delegacias da mulher, pesquisa realizada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, foi averiguado que:
[...] a prática da violência doméstica e sexual emerge nas situações em que uma ou ambas as partes envolvidas em um relacionamento não cumprem os papéis e funções de gênero imaginadas como naturais pelo parceiro. Não se comportam, portanto, de acordo com as expectativas e investimentos do parceiro, ou qualquer outro ator envolvido na relação. (MELO, 2003, p. 19)
O autor esclarece que essa é a motivação para que o agressor venha praticar a violência doméstica contra a mulher, caracterizando assim, a violência de gênero. Como exemplo: o marida bate na esposa, apenas para impor medo a ela, e a mesma venha obedecer e respeita-lo; quando o agressor pratica danos ao patrimônio (ameaça e quebra de objetos) para mostrar quem manda; ou pior, mata a esposa por não aceitar o fim do casamento.
É nítido que todas essas condutas citadas como exemplo, fica evidenciado que o homem age por puro machismo e por achar que tem direitos sobre a mulher. Esse é o dado de fato que caracteriza a conduta baseada no gênero para os efeitos da Lei 11.340/06.
O intuito da Lei Maria da Penha veio para não somente abranger toda ou qualquer violência doméstica ou familiar contra a mulher, mas também aquela que pode ser caracterizada como violência de gênero, visto que, os atos de agressão são produzidos não somente especificamente pessoais, no entanto, expressando atitudes de dominação do homem e submissão da mulher.
2.2. Dos direitos fundamentais e proteção da mulher
“Inicialmente os direitos fundamentais procuram garantir a liberdade do indivíduo, a partir da estipulação da esfera do inelidível. Assentadas dessa forma, a estrutura e função dos direitos fundamentais asseguram tantos direitos subjetivos, como também os princípios objetivos da ordem constitucional democrática.” (SOUZA, 2008)
No que tange aos direitos fundamentais, estes se distinguem em “direitos fundamentais na condição de defesa (direito de proteção) e direitos fundamentais como direitos a prestações (de natureza fática e jurídica; bem como assistência social, educação, saúde, cultura, trabalho).” (SARLET, 2001) Ainda nesse norte, os direitos de proteção podem ser brevemente conceituados, segundo SARLET (2001, pg. 171), como sendo: “posições jurídicas fundamentais que outorgam ao indivíduo o direito de exigir do Estado que este o proteja contra ingerências de terceiros em determinados bens pessoais”.
Em tal contexto, incumbe ao Estado zelar, inclusive preventivamente, pela proteção dos indivíduos, não somente contra ingerências indevidas de parte dos poderes públicos, mas também contra agressões provenientes de particulares. “Os modos de realização dessa proteção são variados, podendo ser por meio de normas penais, de normas procedimentais, de atos administrativos e até mesmo por uma atuação concreta dos poderes públicos.” (SARLET, 2001, pg. 185)
Por outro lado, quanto ao direito de prestação, segundo BONAVIDES (2000, pg. 32-33):
[...] os direitos fundamentais da segunda geração são os direitos sociais, culturais, e econômicos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social. Isto posto, os direitos da referida segunda geração estão ligados intimamente a direitos prestacionais sociais do Estado perante o indivíduo, bem como assistência social, educação, saúde, cultura, trabalho. Pressuposto isto, passam estes direitos a exercer uma liberdade social.
Os fundamentos dos direitos humanos estão no direito natural e em certas liberdades essenciais à personalidade e a dignidade da pessoa humana. “Os direitos humanos estão amparados na Constituição da República Federativa do Brasil, a qual proclama que a sociedade e o Estado existem para o bem-estar da pessoa humana.” (PEREZ LUNO, 2010)
A Carta Magna é precisa quando explana sobre os direitos humanos, vejamos o artigo 5º diz:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
É com base nos direitos fundamentais de igualdade que os casos de violência contra a mulher no ambiente doméstico e familiar devem ser analisados, e que a lei que pretende coibi-la deve ser interpretada.
A Lei n° 11.340/06 é o tipo normativo que reconhece a violência doméstica e familiar contra a mulher como impeditivo ao exercício efetivo, dentre outros, dos direitos à vida, à segurança, ao acesso à justiça, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. A partir deste reconhecimento, prevê a criação de medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar, assim como a instalação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, como já mencionado anteriormente.
Constituição e estabelecem o Norte para todo o sistema jurídico brasileiro. Quanto ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, caracteriza-se o individualismo pelo entendimento de que cada homem, cuidando dos seus interesses, protege e realiza, indiretamente, os interesses coletivos. Seu ponto de partida é, portanto, o indivíduo.
Previsto no artigo 1º, inciso III da Constituição, o princípio em tema engloba todas as relações, sendo ele o que diz respeito a todos os outros princípios, bem como valores constantes na Carta Magna.
De acordo com Dias (2007, p. 32): “O princípio da dignidade despatrimonializa e despersonaliza institutos coisificados de direito civil, humanizando as relações jurídicas de direito privado.”
O princípio em questão, no âmbito da violência doméstica e familiar, vem disposto na Lei n° 11.340/06 no art. 3º: “Serão asseguradas às mulheres condições para o exercício efetivo dos direitos [...] à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.
A dignidade da mulher é o amparo da legislação protetiva que abriga todos os outros princípios constitucionais. Desta forma, a dignidade é o ponto de apoio para os instrumentos criados para coibir e erradicar a violência conta a mulher, visto que a mulher somente alcançará sua dignidade quando estiver livre de qualquer ato de violência, seja ela física, moral, psicológica, sexual ou patrimonial.
Há de se falar também no Princípio da Igualdade; o referido princípio encontra-se enunciado no artigo 5º, I, da Constituição Federal – CF, a qual prevê que “Homens e mulheres são iguais em direito e obrigações”. Uma vez que a igualdade também se estende à sociedade conjugal, o dispositivo comunica-se com o § 5º do artigo 226 da CF “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e mulher”. Porém, vale ressaltar que o referido princípio, assim como os demais, é relativo, haja vista a possibilidade, em algumas situações, de direito próprio, concedido ao homem ou à mulher.
Este princípio opõe-se à existência de vantagens para determinadas pessoas ou grupos, porém é necessário identificar e assim diferenciar os iguais e os desiguais, haja vista que dar ao maior igual tratamento concedido ao menor poderia caracterizar injustiça. Por conseguinte, o princípio da igualdade dá segurança às pessoas de posições iguais, objetivando sempre a harmonia entre todos e não consentindo distinções.
3 - MEDIDAS PROTETIVAS
No capítulo 3 serão apresentadas as medidas protetivas previstas na Lei nº 11.340/06. “Além de criar mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica, e dispor sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, as medidas protetivas estabelecem mecanismos de assistência e proteção às mulheres em situações de violência doméstica e familiar.” (BRASIL, 2006)
A máxima do surgimento da Lei Maria da Penha foi às medidas protetivas de urgência, pois com elas buscou-se a celeridade, garantia dos direitos da mulher e solução dos conflitos, com mais segurança para vítima que pode valer-se deste mecanismo para coibir a continuidade da violência.
No capítulo II da Lei Maria da Penha, nº 11.340/06 traz as medidas que buscam garantir a manutenção da integridade física e moral, psicológica e patrimonial da mulher vítima de violência doméstica e familiar, garantindo-lhe, a proteção jurisdicional.
“As medidas protetivas são aquelas que visam assegurar a mulher o direito de agir livremente ao buscar proteção jurisdicional da Lei Maria da Penha, contra seu agressor.” (SOUZA, 2009). “Mas para que haja o benefício das medidas protetivas, é necessário que as condutas sejam caracterizadas como violência contra a mulher, desenvolvidas no âmbito das relações domesticas ou familiares.” (SOUZA, 2009)
Nos termos a que determina o artigo 19, que dispõe:
§ 1o-As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
§ 2o-As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.
§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
Art. 19.-As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
Estas medidas conforme já mencionado servem para proteção da vítima e de sua família, podendo aplicar às agressoras proibições, conforme preceitua o artigo 22:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I. Suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003.
II. Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
Em relação à proibição de determinadas condutas dispõe o inciso II:
I. Proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) Aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) Contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) Frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
II. Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
[...]
Sobre o parágrafo único, Mello (2009, p. 117-118) destaca que:
“o legislador se preocupa e proíbe uma prática muito comum e consistente em aproveitar o comparecimento da vítima na delegacia ou fórum, para remeter, por meio dela, a intimação ao suposto agressor para qualquer ato processual. Pretendeu, portanto, evitar que a utilização da vítima para a prática dos atos de comunicação processual desse ensejo a novas agressões, como, de fato ocorreu em algumas oportunidades.”
4 - A (IN) EFICÁCIA DA LEI MARIA DA PENHA
O advento da Lei n° 11.340/06 foi um marco para a mulher e também tem sido motivo de grandes posicionamentos positivos em relação a sua aplicabilidade principalmente no que concernem as medidas protetivas.
É sabido que a celebridade no processo judicial brasileiro é algo apenas constante na legislação, pois muitos são os casos em que as pessoas levam anos para conseguir efetivar seus direitos ou ver seu algoz atrás das grades, isso quando os processos não prescrevem ou a vítima morre. A lei 11.340/06 tem o objetivo de erradicar a violência doméstica e familiar e nos faz acreditar nisso, expõe que os “verbos coibir, prevenir, punir, erradicar, nos levam a acreditar que se pode impedir evitar, castigar, e por fim acabar com toda forma de violência contra a mulher”, porém, acreditar não é sinônimo de realizar concretizar o que a lei traz.
Mas ainda é enfrentado uma grande taxa de feminicidio no país, embora haja proteção às vítimas de violência doméstica, estas situações não podem somente ficar a cargo do Direito Penal, devendo o Estado implantar programas para que os agressores sejam submetidos a tratamentos. Para que isso ocorra é que o Código Penal Brasileiro listou algumas penas restritivas de direito, que servem para os agressores que praticam a violência doméstica e familiar contra a mulher.2
Uma delas é a limitação de fim de semana (CP, art. 43, VI). Seu cumprimento consiste na obrigação do réu permanecer, aos sábados e domingos, por 5 horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado (CP, art. 48). Durante esse período faculta a lei que sejam ministrados cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas. (CP, art. 48, parágrafo único; LEP, art. 152) (DIAS, 2008)
Logo que é aplicado essa medida para determinar a limitação dos finais de semana, A lei 11.340/06 autoriza que o juiz conceda ao réu o comparecimento em programas de recuperação e reeducação, sendo o de reeducação obrigatório. O juiz também poderá designar aplicação de outras medidas ao agressor, sendo elas: “prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, além da interdição temporária de direitos e perda de bens e valores (CP, art. 43, II, IV, V e VI)” (Idem, Ibid., p. 106)
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2BRUNO, Tamires Negrelli, Lei Maria da Penha X Ineficácia das medidas protetivas. Disponível: monografias.brasilescola.uol.com.br. Acesso em: 11/08/2020.
Desta forma, essas medidas são determinadas para que o agressor seja reeducado ao não praticar novamente os atos de violência, visto que as mulheres não são suas propriedades, almejando assim um basta no crime de violência doméstica.
Acontece, que o Estado em diversos aspectos é falho em combater esse tipo de crime, pois as penas estão descritas no Código Penal para serem aplicadas, porém, não existe profissionais o suficiente nas áreas psicossociais para combater as sequelas deixadas. Cabe então ao Estado adotar ações diretas com os agressores, e com as vítimas, “e garantir a capacitação permanente dos profissionais que lidam com a atenção da vítima e aos agressores” (TELES, 2002)
A Lei 11.340/06, denominada de “Lei Maria da Penha” teve o objetivo de criar mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, assim como determina algumas medidas de assistência e proteção às mulheres. Ocorre que esses verbos coibir, prevenir, punir, erradicar, levam a crer que se pode impedir evitar, castigar, e por fim acabar com toda forma de violência contra a mulher.
Logo, as medidas protetivas são exclusivamente para proteger a vítima, contendo o agressor. Mas no dia a dia, essa não é a realidade, uma vez que a mulher mesmo tendo denunciado fica à mercê do seu companheiro, que não se amedronta com a denúncia e muito menos com a medida protetiva, e passa a perseguir a vítima com mais violência, visto que quando a vítima denuncia o agressor, ele é tomado por sede de vingança, e acaba assassinando a mulher.
A Lei Maria da Penha foi criada para proteger a vítima do seu agressor. Se por um lado é aplicada com eficiência, por outro, há falhas dos órgãos competentes para executá-la mediante a falta de estrutura dos órgãos governamentais.
Todos os dias vemos nos noticiários, mulheres que por 3,4,5 ou mais vezes denunciaram os seus ex-companheiros por violência doméstica, e mesmo, assim os agressores insistem com as ameaças e abusos, levando ao homicídio da vítima. Ocorre que há uma falha no Estado ao proteger as vítimas, que mesmo procurando amparo policial, acabam virando estatística do feminicidio.
A Lei Maria da Penha é eficaz e competente, porém, há falhas na sua aplicabilidade e isso se dá no Poder Executivo, Judiciário e no Ministério Público gerando impunidade na apuração do fato em si, conforme afirma o jurista Miguel Reale Júnior em entrevista realizada ao Jornal Recomeço, com a Tribuna do Direito.3
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3BRUNO, Tamires Negrelli, Lei Maria da Penha X Ineficácia das medidas protetivas. Disponível: monografias.brasilescola.uol.com.br. Acesso em: 11/08/2020.
“O Estado é negligente quando não são tomadas as providências em coibir e prevenir atos violentos contra a mulher, já que, a lei 11.340/06 é eficiente na sua aplicação, pois determina punição a quem comete violência doméstica e proteção a parte violentada.” (TEODORO, 2010) é dever do poder público agir com responsabilidade e possibilitar ações corretas na criação de projetos, que deem segurança as mulheres que são agredidas por seus companheiros, assim como criar meios efetivos de proteção à mulher, e punição mais severa aos agressores.
Em entrevista ao site O Globo, segundo o Ministro Gilmar Mendes discorre que:
“O juiz tem que entender esse lado e evitar que a mulher seja assassinada. Uma mulher, quando chega à delegacia, é vítima de violência há muito tempo e já chegou ao limite. A falha não é da lei, é na estrutura, disse, ao se lembrar que muitos municípios brasileiros não têm delegacias especializadas, centros de referência ou mesmo casas de abrigo.” (O GLOBO, 2010)
Portanto, é dever do Estado em sua administração pública criar meio para proteger as vítimas de violência doméstica, para que as mesmas se sintam seguras ao denunciar seus agressores, quando é criado uma lei, ela tem que garantir direitos para as vítimas, o papel do governo é promover condições favoráveis na proteção da vítima, construindo abrigos dignos com profissionais competentes para ressocialização do ser humano que sofreu traumas psicológico, físico e moral.
Isto posto, há uma ineficácia na Lei Maria da Penha, e na eficácia das medidas protetivas, visto que, mesmo sendo aplicadas a todos os agressores, não é respeitada por eles, pois, muitas mulheres denunciando por diversas vezes seus companheiros, o Estado se cala e permite que algo mais grave aconteça, uma vez que não aplica com severidade a Lei.
Existe também falhas na execução da lei, pois o Estado não dá suporte necessário, montando uma estrutura, como: preparar o agente policial, equipar viaturas, construir abrigos dignos com profissionais competentes na área de psicologia, assistência social, etc... que possa amparar as vítimas, assegurando a elas uma vida livre de violência.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A violência doméstica e familiar, uma das formas de violência mais inaceitáveis quando se fala dos direitos das mulheres, pois, afronta o exercício do direito à vida, à liberdade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
A cada ano o número de mulheres agredidas por seus companheiros é surreal, pois independente da modernidade e da luta por direitos iguais, o machismo ainda existe, e com eles homens violentos e misóginos. Visto que muitos homens ainda veem as mulheres como objeto, também sexual; banalizando a relação, que consequentemente fica desgastada, causando a perda do respeito mútuo no seio da família. Mas apesar dessa taxa grande ainda de violência doméstica, o número de denúncias felizmente também aumentou, as mulheres já se sentem corajosas para denunciar anos de abusos morais, físicos e sexuais.
Portanto, é perceptível que parte das mulheres venceram o medo, e começaram a agir com maior frequência nas delegacias apropriadas, buscando ajuda, porém as medidas de proteção não estão sendo aplicadas como determina a Lei. Uma vez que muitas vítimas ao denunciarem seus agressores, acabam sendo mortas por eles, tornando ineficaz esse meio de proteção.
Sendo assim, é preciso que o poder público crie mecanismos mais eficazes para proteger a vítima de violência doméstica, assim como zelar pela vida da mulher, e afastar definitivamente o agressor da vítima. Desta forma, cabe aos órgãos competentes executar adequadamente a Lei que ampara a mulher, vítima da violência doméstica.
REFERÊNCIAS
BANDEIRA, Lourdes Maria. ALMEIDA, Tânia Maria Campos de. Vinte Anos da Convenção de Belém e a Lei Maria da Penha. Florianópolis: Copyright, 2015.
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O GLOBO. Para aplicar Lei Maria da Penha, Justiça tem que 'calçar sandálias da humildade', diz Gilmar.
[1] Professor e orientador no presente artigo e Curso de Direito na Universidade Luterana de Manaus (ULBRA) – Advogado. E-mail: E-mail: [email protected]
Graduanda em Bacharel em Direito na Universidade Luterana de Manaus (ULBRA)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Juliana Moreno de. Da violência doméstica e a ineficácia das medidas protetivas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 nov 2020, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55601/da-violncia-domstica-e-a-ineficcia-das-medidas-protetivas. Acesso em: 23 dez 2024.
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