ERIKA BARBOSA MELQUÍADES
(coautora)
Resumo: O presente trabalho busca explicar através de olhar histórico a importância da utilização dos direitos fundamentais. Em primeiro momento é importante diferenciar os direitos fundamentais dos direitos humanos e suas aéreas de atuação. Demonstrar que a função dos direitos fundamentais, em princípio, era garantir a proteção dos cidadãos frente ao Estado. Porém, ao longo do tempo ficou comprovado que não só o Estado teria capacidade de oprimir os indivíduos do necessário para manter uma vida digna. Portanto, a sociedade não teve outra saída sem ser a ampliação da oponibilidade dos direitos fundamentais, o que leva a aplicação dos direitos fundamentais perante a relação entre particulares. Para tanto, o artigo tece um paralelo entre a transição da aplicabilidade dos direitos fundamentais perante os particulares no mundo e na sociedade brasileira, e os aspectos históricos que levam diferentes internalizações para diferentes realidades. Além da aplicabilidade pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-chave: direitos fundamentais; particulares; aplicação horizontal.
SUMARIO: 1. Considerações Iniciais; 2. Os Direitos Fundamentais e Direitos Humanos: Necessária Justaposição Entre as Noções; 3 Eficácia Dos Direitos Fundamentais Nas Relações Entre Entes Privados; 4 Eficácia Horizontal dos Direitos Fundamentais e Realidade Brasileira; 5. Conclusão; 6. Referência Bibliográfica
1.CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Para adentrar no tema tratado pelo trabalho é necessário estabelecer os conceitos dos termos que o norteiam. Portanto, trata-se de suma importância definir o conceito de Direitos fundamentais, que são aqueles direitos que são garantidos aos indivíduos participantes do Estado. Trata-se do mínimo necessário para exercer a vida digna, garantindo que o Estado não exerça seu poder de forma tirana.
Tais normas surgem com o Estado Liberal, para impedir que o Estado, que é extremamente mais poderoso que o particular, possa ferir a existência do particular. Os direitos fundamentais trazem uma nova realidade ao mundo jurídico, cria o mínimo de segurança jurídica, limitando o poder do Estado a possibilidade do mínimo de intervenção Estado poderá fazer.
Nesta nova realidade o Estado deve zelar pelo o interesse coletivo, sem intervir na vida dos particulares, garantindo a igualdade material entre as pessoas, e, hoje em dia é um dos direitos mais básicos que um Estados deve garantir ao seu cidadão, e demonstra a forma de autuação política da nação. Aos poucos ficou determinado nos ordenamentos jurídicos a necessidade de separação entre os ramos do Direito, ficou claramente dividido direito público e o direito privado.
O direito civil é atrelado ao ramo de direito privado, se difere do direito público por não ter disparidade entre as partes. Este envolve uma relação entre um ente poderoso, o Estado possuidor de todo o aparato estatal, e um particular, pessoa física ou jurídica, limitada. Portanto, sempre haverá regras para diminuir estas disparidades entre os particulares e o Estado.
Em regra, os direitos fundamentais serão aplicados de forma vertical. Ou seja, do Estado, localizado hierarquicamente superior aos demais, limita sua atuação através dos direitos fundamentais, respeitando a dignidade dos seus cidadãos. Por outro lado, as relações de direito privado envolvem dois indivíduos particulares, iguais formalmente. Logo, a princípio não há a necessidade da intervenção para igualar as partes e, garantir a livre manifestação entre as partes, já que a princípio são iguais formalmente.
Porém, há disparidade entre os particulares, existem momentos em que o posicionamento de uma das partes da relação privada sobrepões sobre o outro. E, por se tratar de uma relação entre particulares deverá ter peso maior da autonomia da vontade.
Por isto, o atual artigo vem estudar como é feita análise da nova aplicação dos direitos fundamentais, há o reconhecimento da necessidade da eficácia horizontal, que trata se de uma aplicação dos direitos fundamentais em relação entre pares, ou seja, em relações regidas pelo direito civil.
O que a princípio contraponha-se com a origem histórica da separação dos ramos do direito. Em regra, o direito público apresenta regras para conter os poderes do Estado, que até antes desse freio era absoluto e, alterava realidade conforme bem intendia sem gerar segurança jurídica aos seus súditos. Portanto, ao criar a distinção o Estado não poderia mais intervir na relação entre iguais. O que ao longo do tempo gera um outro problema, os pares possuem grande distinção fática. Sendo assim, os mais fracos são suscetíveis as vontades dos mais poderosos. Portanto, só conseguiria exercer os direitos fundamentais os mais poderosos materialmente.
Por isso, a necessidade de uma intervenção do Estado para garantir que todos os indivíduos consigam exercer de forma igualitária seus direitos fundamentais. Sendo assim, surge o processo de constitucionalização do Direito Civil, que trata se da interpretação dos termos regulamentados no direito civil devem ser guiados pelos preceitos da constituição, ou seja, a liberdade individual não pode ferir as garantias constitucionais.
Para a confecção do presente estudo foi feita análise crítica dos doutrinadores brasileiros acerca do tema em paralelo com os atuais julgados dos tribunais brasileiro. Dessa forma, o presente trabalho traz um estudo acerca da vinculação estatal, eficácia vertical, bem como a dos particulares, eficácia horizontal, aos direitos fundamentais, correlacionando a jurisprudência preponderante no Brasil sobre o assunto.
2.OS DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS HUMANOS: NECESSÁRIA JUSTAPOSIÇÃO ENTRE AS NOÇÕES
A reivindicação pelos Direitos Individuais surge, na Inglaterra, em meados do século X, em meio a um descontentamento popular à soberania da Monarquia. Após anos de conflitos e adversidades, em 1215, foi imposto ao Rei João Sem Terra um documento que limitava os poderes da Monarquia Inglesa, a Magna Carta. A partir deste momento tem-se início o processo histórico o qual fez surgir o Constitucionalismo. Dentre outras medidas, ela traz o reconhecimento a igualdade civil e liberdade política entre as pessoas livres.
Um dos marcos simbólicos da história constitucional, a Magna Carta foi, originariamente, um documento que resguardava os direitos feudais dos barões, relativamente à propriedade, à tributação e às liberdades, inclusive religiosa. A amplitude de seus termos, todavia, permitiu que, ao longo do tempo, assumisse o caráter de uma carta geral de liberdades públicas. (BARROSO, 2011, pag. 19)
Posteriormente, em 1791, houve a introdução da declaração de direitos à Constituição Norte-Americana, conhecida como Bill of Rights. Ela trazia dez emendas que consagravam direitos que já constavam nas constituições de diversos Estados e que incluíam as liberdades de expressão, religiosas, reunião e o direito ao devido processo legal e a um julgamento justo (Barroso, 2011, pag.36).
No entanto, somente após a Revolução Francesa, em 1789, que houve a universalização dos direitos. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão reconheceu a Universalização dos Direitos e consagrou os Princípios que norteiam a dignidade da pessoa humana e garantia a vida e a liberdade. Desde então, o documento influencia a criação de diversas Constituições ao redor do mundo. Dessa forma, as Revoluções Liberais, trouxeram a luta pela limitação dos poderes do Estado e a obrigação deste perante a proteção dos Direitos humanos. Doravante, os direitos são protegidos, mas valem somente no âmbito do Estado que os reconhece (Bobbio, 2004, pag. 27).
A realidade sofrida pelo mundo durante a Segunda Guerra Mundial era de que o indivíduo estava em perigo ao sair de seu Estado pois, o compromisso em manter os direitos fundamentais é obrigação única do Estado-Nação em que aquele individuo era considerado cidadão.
Portanto, os demais Estados não mantinham o mesmo compromisso com os cidadãos exteriores a seu combate. Isto levou que Estados pudessem ao logo da guerra tornar a vida indivíduos miseráveis por mera liberalidade.
Em 1948, na Assembleia Geral das Nações Unidas, o documento foi promulgado, no seguinte sentido:
a partir de então, foi acolhido como inspiração e orientação no processo de crescimento de toda a comunidade internacional no sentido de uma comunidade não só de Estados, mas de indivíduos livres e iguais e livres” (Bobbio, 2004, pag. 27).
Na visão de Roberty Alexy (1998), os direitos fundamentais são elementos essenciais da ordem jurídica nacional, porém, eles são capazes de romper o quadro nacional uma vez que para satisfazerem os requisitos que lhes são impostos, devem incluir os direitos do homem e, portanto, serem de validade universal. Por isso, para Araújo, (2008, pag.09), os instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos apresentam natureza subsidiária, pois atuam como garantias adicionais de proteção após falharem os sistemas nacionais. Assim, entende-se que os Direitos fundamentais são protegidos interna e externamente, por meio das Constituições, enquanto que os Direitos humanos são previstos somente em acordos realizados entre os Estados e protegidos internacionalmente.
Porém, a diferenciação axiológica entre direitos humanos e direitos fundamentais, é que aqueles têm como pilar a dignidade da pessoa humana, alçada ao patamar de um valor, tanto internacional (nos tratados de direitos humanos), quanto no plano interno (nas constituições). Enquanto a dignidade humana e os direitos fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, confere suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro, uma vez que a Constituição brasileira a elevou a categoria de princípio fundamental (Art. 1º, III) constituindo o núcleo informador de todo o ordenamento jurídico. (Piovesan, 1998, pag. 68).
Araújo (2008), pag. 18, entende que, para ser possível a definição de direitos humanos, é preciso que haja uma conceituação histórica, onde se deve estabelecer um marco. Tais marcos seriam as declarações que foram inseridas no texto constitucional a partir do século XVIII, que procuraram contemplar esses direitos permanentemente, gerando segurança jurídica. Daí, as iniciativas para proteção dos direitos fundamentais ampliaram-se, criando um catálogo que previa não somente os direitos, mas também formas para sua aplicação. Então, o Direito Internacional dos Direitos Humanos nasce como uma disciplina que visa proteger a pessoa humana, bem como a sua dignidade, tratando-se de um direito de proteção, voltado a salvaguardar os direitos das pessoas e não mais dos Estados.
Portanto, os direitos humanos vêm para resguardar a vida digna do indivíduo contra agentes externos ao estado. Porém, a proteção contra a gente internos não é positivada, e sim a intepretação doutrinária que ao longo dos tempos mudou a forma de interpretação dos direitos fundamentais com intuído teleológico, conforme é exposto ao longo do trabalho.
3. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES ENTRE ENTES PRIVADOS
Os direitos fundamentais surgem em meio a explosão de um novo pensamento de Estado, o Estado Liberal, que veio garantir ao povo que o Estado não participaria da vida do povo, respeitando e garantindo que o povo possa desenvolver economicamente, socialmente e culturalmente sem a intervenção do Estado.
Então os direitos fundamentais surgem como os limites que não podem ser ultrapassados pelo Estado, para que o indivíduo possa a garantir uma vida digna, com o máximo de segurança jurídica e sua liberdade usufruída.
Porém, com um passar do tempo, ficou claro que o Estado não é o único que pode ameaçar os direitos fundamentais, e o indivíduo encontra muitas maneiras para ameaçar a dignidade da vida do seu par. O Estado Liberal conseguiu parar a ameaça proposta pelo Estado, criando os direitos fundamentais.
A clássica concepção de matriz liberal-burguesa dos direitos fundamentais informa que tais direitos constituem, em primeiro plano, direitos de defesa do indivíduo contra ingerências do Estado em sua liberdade pessoal e propriedade. (MENDES,1998, pag. 3)
Os direitos fundamentais por serem opostos unicamente em face do Estado, ou seja, tinha como função exclusivamente para proteger o individuou do Estado, já que ultrapassando este objetivo o voltaria a quebrar a liberdade dos particulares.
O Estado Liberal não conseguiu, ou melhor, não se preocupou em solucionar as ameaças feitas pelos particulares.
Porém a função dos direitos fundamentais ainda diz respeito a proteção dignidade humana eles acabaram recebendo uma nova interpretação para continuarem a cumprir sua função.
O Estado Liberal trouxe uma liberdade muito grande aos indivíduos tendo como base exclusivamente a igualdade formal (a noção de que o Estado não trata nenhum cidadão de forma diferente). Porém, existe uma desigualdade fática que diz respeito as condições que fazem o indivíduo. Proporcionando ao indivíduo que possui maior poder aquisitivo pode usufruir maior poder aquisitivo poderá aproveitar melhor sua liberdade e até mesmo subordinar os direitos fundamentais de outros individuou a sua liberdade.
A partir deste momento os direitos fundamentais não conseguem mais atingir seu objetivo. Ou pelo menos não para todos.
A pessoa é protegida pelo Estado todo poderoso, porém existem particulares tão poderosos como o Estado ou mais poderosos. E, que os direitos fundamentais já não têm mais como intervir.
Ou seja, apenas os abusos efetuados pelo o Estado podem ser detidos. As pessoas voltam a se ver sem poder contar com a segurança, e de ter o mínimo de suas liberdades garantidas.
Os pensadores do Estado social não enxercam mais o Estado como inimigo da liberdade do povo e sim como um dos principais agentes para garantir uma igualdade formal e fática para todos os indivíduos.
Analisando as posições jurídicas fundamentais que integram os direitos de defesa, importa consignar que estes não se limitam às liberdades e igualdades (direito geral de liberdade e igualdade, bem como suas concretizações), abrangendo, ainda, as mais diversas posições jurídicas que os direitos fundamentais intentam proteger contra ingerências dos poderes públicos e também contra abusos de entidades particulares, de forma que se cuida de garantir a livre manifestação da personalidade, assegurando uma esfera de auto-determinação do indivíduo.(MENDES,1998, pag. 3)
Porém, ainda se tem os direitos fundamentais apenas como princípios a serem seguidos pelo ordenamento e quando existisse conflito quem deveria solucionar seria a ponderação.
Não existe uma única forma de enxergar a aplicação dos direitos fundamentais na esfera particular, a forma como é resolvido depende de quanto aquele povo aceita a participação do Estado na vida particular. Como exemplo temos os EUA que apresenta-se com uma linha de pensamento liberal e para aplicação de um dos direitos fundamentais única e exclusivamente para que quando infringir o direito fundamental for um agente do Estado (o chamado state of action).
A primeira vertente é conhecida como doutrina da negação da eficácia horizontal dos direitos fundamentais ou doutrina do state action, e predomina no Direito Constitucional norte-americano. Tal teoria defende que os direitos fundamentais apenas impõem limitações para os poderes públicos, não atribuindo aos particulares direitos frente a outros particulares. Ademais, o Congresso Nacional não tem poderes para editar normas protegendo os direitos fundamentais nas relações privadas, pois a competência para disciplinar essas relações é exclusiva do legislador estadual. (SILVA, 2005, pag. 101).
Os direitos fundamentais são determinados como garantias mínimas para uma vida digna e quem deve oferecer é o Estado.
O Estado garantido a todos os direitos fundamentais em suas leis fundamentais o que garante através da unicidade do ordenamento jurídico que o que cabe garantir a constituição deve ser seguido pelo legislador na hora de planejar o ordenamento jurídico sobre outros diplomas do direito
E, ao judiciário ao resolver um conflito deve como preceitos em suas decisões o que diz os direitos fundamentais.
Hoje é consagrada a ideia de que os direitos fundamentais não são apenas princípios a serem seguidos e, sim, normas, com a mesma força que as leis.
Outro dilema é que quando a um conflito entre particulares, e se aplica diretamente aos direitos fundamentais, existirá uma exclusão de todo o resto do sistema.
Além disto, a maioria dos conflitos dos direitos fundamentais envolvem o encontro de outro de direito fundamental. Não há como determinar uma hierarquia entre normas, devendo cada caso ser analisado separadamente.
A eficácia direta em muitos momentos pode entrar em conflito com a lei ordinária, o que seguindo tal teoria deve haver a prevalência do direito fundamental sobre a lei ordinária.
A favor da aplicação direta dos direitos fundamentais Hans Carl Nipperdey pronuncia no tribunal Superior do trabalho.
as ameaças aos direitos fundamentais no século atual não vêm apenas do Estado, mas também dos grupos sociais, que detêm na sociedade de massas uma parcela cada vez maior de poder social e econômico (ANDRADE, J. pag. 277).
Esta afirmativa encontra críticas, por que os direitos fundamentais são expressamente uma proteção do cidadão contra o Estado. Caso seja expandida essa proteção a relação dos particulares colocaria em jogo a autonomia da vontade e o que leva existência do direito privado.
Quando se trata de uma relação entre Estado e um particular apenas um tem a tutela dos direitos fundamentais quando se trata de dos particulares para favorecer apenas um.
A constituição portuguesa ainda garante que a aplicação dos direitos fundamentais na relação entre particulares garante que não devem ser aplicados a mesma forma que o Estado para garantir que particulares possam exercer a autonomia da vontade dos indivíduos.
Além do mais a constituição portuguesa garanti a aplicação direta dos direitos fundamentais, porém não determinar qual deve ser forma de aplicação.
4.EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E REALIDADE BRASILEIRA
O artigo 5° da constituição brasileira determina que em uma relação entre o Estado e o particular, sempre, deve existir uma aplicação imediata dos direitos fundamentais. Sendo assim, todos os três poderes estão vinculados a aplicação imediata dos direitos fundamentais. Porém, quando se trata de uma relação privada não há uma regra expressa.
Portanto, coube aos estudiosos do direito brasileiro resolverem como é aplicado os direitos fundamentais na realidade brasileira. Uma das formas para pautarem o tema na realidade do Brasil é o direito comparativo entre os demais ordenamentos mundiais.
Em relação a realidade dos países europeus já há o reconhecimento que os direitos fundamentais possuem uma aplicação horizontal. Já nos Estados Unidos da América os doutrinadores devem fazer uma acrobacia hermenêutica para conseguir superar a doutrina state of action, portanto, como regra, nos EUA os direitos fundamentais encontram restrito a aplicação vertical.
Mesmo havendo várias interpretações para aplicação dos direitos fundamentais no mundo, sempre, a barreira para aplicação deles é a autonomia da vontade.
O divisor de águas para o Supremo Tribunal Federal é o caso UBC, a decisão seguiu os seguintes termos:
Órgão julgador: Segunda Turma
Relator(a): Min. ELLEN GRACIE
Redator(a) do acórdão: Min. GILMAR MENDES
Julgamento: 11/10/2005
Publicação: 27/10/2006
Ementa
EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira
Trata de um acordão que discute a exclusão de um dos sócios da UBC sem a possibilidade de exercer os direitos de ampla defesa e contraditório. A sociedade em sua defesa, utiliza os argumentos que não é um dos órgãos públicos, e, que, portanto, podem estipular regras próprias, já que não estão limitados pelos direitos fundamentais.
O caso UBC traz uma forma completamente nova para aplicação dos direitos fundamentais. Se diferenciar dos outros porque, é o primeiro que explicitamente se trata de direitos fundamentais. O Ministro Gilmar Mendes sentiu a necessidade de requerer vistas do caso para relatora, sobre o seguinte argumento: "caso típico de aplicação dos direitos fundamentais em relação privada". Ainda, ressalta, que por se tratar de conflito envolvendo a aplicação de direitos constitucionais deve ser apreciado pelo Supremo Tribunal Federal, guardião da constituição.
É reconhecido que a associação estabeleceu, pela autonomia da vontade, a forma de deliberar sobre penalidades a serem aplicadas. Mas, a retaliação do sócio, sem a apreciação de sua defesa ou contraditório, possui um condão mais grave.
O fato é que o caso em tela demonstra, que a exclusão do sócio acarreta prejuízo em várias esferas de sua vida profissional. Pois, como a UBC é participante o ECAD a partir da exclusão do membro tem a autonomia de decidir sobre fruição dos direitos autorais. Então, a não utilização do contraditório e ampla defesa ultrapassam o direito de associação, o que torna imperiosa a observância das garantias constitucionais do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
Ao longo dos votos, é possível reconhecer que não basta a simples alegação da infração dos direitos fundamentais. É necessário a sobreposição do direito infringido com a liberdade do particular, e, a alteração no mundo fático causado por tal deferimento.
O STF adotou como forma de aplicação dos direitos fundamentais a forma imediata, com a justificativa da obrigatoriedade de uma aplicação direta dos preceitos constitucionais, e como apontado no comentário abaixo, isto já era feito.
Antes do caso UBC os conflitos que envolvia os direitos fundamentais eram resolvidos com a aplicação dos princípios constitucionais, sem tratar o tema como direito fundamental em especifico o STF já tinha como tradição tratar o tema vinculado seus efeitos nas relações particulares.
é possível concluir que, mesmo sem entrar na discussão das frases jurídicas sobre a firma de vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, a jurisprudência brasileira vem aplicando diretamente os direitos individuais consagrados na constituição na resolução de litígios provados. " (SARMENTO, Daniel. 2004, p. 297).
Vale lembrar, que a constituição brasileira é rígida e, em muitos momentos estipula regras sobre as relações particulares de forma explicita, os direitos sociais são impostos entre os particulares, como por exemplo os direitos trabalhistas.
O caso dos direitos trabalhista é mais fácil de identificar a necessidade de uma intervenção estatal, aqui, fica claro a disparidade entre as partes. O que leva a entender que em regra o empregador possui um poder muito maior que o trabalhador, fica fácil a interpretação, e, até aplicação da máxima que na dúvida deve ser favorável ao empregado.
Porém, o caso específico da relação de dois particulares em pé de igualdade a necessidade da intervenção do Estado passa por avaliação diferente, apesar, de ter como função a manutenção de uma vida digna, a aplicação entre particulares não é tão simples.
Existem muitos conceitos subjetivos interligados no assunto, que mantém as definições básicas bem definidas. Isto, acaba por garantir diversas interpretações do mesmo instituto por diversos países, com seus respetivos inclinamentos políticos.
uma opção por eficácia direta traduz uma decisão política em prol de um constitucionalismo da Igualdade, objetivando a efetividade do sistema de direitos e garantias fundamentais no âmbito do Estado social de Direito, ao passo que a concepção defensora de uma eficácia apenas indireta encontra-se atrelada ao constitucionalismo de inspiração luberal-burguesa.(SARLET, Ingo Wolfgang, 2000, pag. 147)
Porém, existem momentos em que o legislador expressamente fortalece os direitos fundamentais, em uma legislação historicamente reservada a pautar a autonomia da vontade. Isto pode ser exemplificado nos seguintes casos:
Art. 57. A exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso, nos termos previstos no estatuto. (Redação dada pela Lei nº 11.127, de 2005)
Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.
Parágrafo único. Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade, a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa. (Redação dada pela Lei nº 13.792, de 2019)
Os dois artigos foram retirados do Código Civil. Apesar do diploma preconizar a autonomia de vontade, é fácil constar um dos direitos fundamentais mais antigos sendo ressaltados. Tais artigos que regulamentam a relação entre particulares em nível de igualdade, que formam associação ou sociedades.
Por fim, vale ressaltar, que não existem uma única formula para solucionar um conflito dos direitos fundamentais. Que cada caso deve ser estudado como fosse único devendo ter uma solução adequada para aquela realidade. O que torna difícil a construção de uma jurisprudência solida sobre o assunto. E, enquadrar em um único caso, por isto vê ao longo dos anos diferentes decisões em que vão existir diferentes graus de suprimento da autonomia da vontade para o protagonismo dos direitos fundamentais.
5. CONCLUSÃO
O histórico da construção dos direitos fundamentais tem como objetivo principal resguardar o indivíduo, para que ele possa exercer suas liberdades e, ainda sim, efetivar a sua vida digna.
Ao longo dos anos os entes que possuem o poder de ameaçar a vida digna dos indivíduos se ampliaram. A atualidade demonstrou a necessidade de ampliação dos direitos e garantias fundamentais, com a alteração do parâmetro de dignidade.
A interpretação do instituto da aplicação dos direitos fundamentais varia com o tempo e lugar. Assim como, os considerados direitos fundamentais também variam. Estão diretamente ligados com os conceitos ideológicos que norteiam aquela sociedade.
Por isto, o trabalho conseguiu chegar à conclusão que a realidade brasileira tende a acreditar em uma aplicação horizontal dos direitos fundamentais, com fundamento que a autonomia da vontade não pode se sobrepor aos direitos fundamentais.
Todavia, mesmo com a tendência da defesa dos direitos fundamentais, cada caso deve ser analisado de forma individual, sendo necessária a ponderação entre a liberdade, o direito suprimido e a alteração do mundo fático.
A realidade brasileira parou para analisar o conceito da aplicação dos direitos fundamentais de forma horizontal, através do caso UBC, apesar de em outros momentos ter utilizado a teoria, de forma tácita.
O caso UBC tem a peculiaridade que função que poderia ser privada do indivíduo se assemelha a um caráter público, mais um motivo que reforça que a simples natureza privada da instituição não pode tratar de forma arbitrária a sua decisão. Este é um caso que se assemelha aos nobres que privavam os plebeus de exercer sua profissão, por um motivo arbitrário. Portanto, a lógica de seguir uma interpretação teleológica dos direitos fundamentais para que eles possam atingir o objetivo de garantir a vida digna do indivíduo, aplicando contra o estado ou particular.
Toda a evolução dos direitos fundamentais é correlacionada com o Estado contemporâneo. O estado liberal, proporcionou um estado mínimo, que garantiu os direitos fundamentais em sua única aplicação vertical. O crescimento desenfreado do estado liberal proporcionou uma nova ameaça.
Atualmente, a visão evolui. O estado não pode ser tão pequeno. Por isto, a necessidade de sua intervenção direta na relação privada. Afinal de contas os direitos fundamentais tem como objetivo a garantir a todos os indivíduos o poder de usufruir de suas vidas da forma mais digna possível. Para tanto, é imprescindível a sua oponibilidade frente aos particulares.
A maior parte dos negócios jurídicos são realizados entre dois particulares. Por isto, alguns particulares devido ao seu ponto estratégico ao realizar o negócio possui de superioridade em relação ao outro, e, a máxima do direito privado autorizaria aos particulares a explorarem o seu posicionamento, acentuando as desigualdades materiais entre os particulares. Tudo isto é justificado com a autonomia da vontade.
Logo, é necessário a intervenção de um ente para minimizar as desigualdades materiais, e manter o básico para que todos os indivíduos possam exercer a vida digna. Para solucionar o conflito cabe ao Estado interferir, de forma moderada, a relação dos particulares.
A aplicação horizontal dos direitos fundamentais é uma das formas mais eficientes do Estado para manter a dignidade das pessoas humanas nas relações entre particulares e para garantir a melhor aplicação da teoria é necessário a interpretação teleológica das possíveis normas que regem a relação. Dessa forma, a potencialização da autonomia da vontade poderá ser exercida com plenitude e sem máculas aos direitos fundamentais das partes.
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