Armando de Souza Negrão[1]
RESUMO: O advento de ações cíveis contra o Estado nas últimas duas décadas tem causado preocupação, nas autoridades de segurança pública, pois a possível ameaça de responsabilidade civil pode impactar no trabalho policial, principalmente no combate ao tráfico de drogas. Muitas das ações da polícia acabam em tiroteios que atingem, muita das vezes, pessoas inocentes o que pode acarretar na responsabilidade civil do Estado. Este artigo tem por objetivo geral, analisar através da literatura como ocorre a responsabilidade civil do Estado quanto ao ato de omissão de segurança pública em casos de bala perdida, além de especificamente demonstrar quais tipos de responsabilidade civil do Estado; verificar quais os quais os momentos que cabe a responsabilização do Estado por omissão de segurança pública em casos de bala perdida; e, explicar quais os tipos de danos indenizáveis a respeito da temática. O trabalho possui contornos de relevância graças a dois pontos distintos. Em primeiro instante é primordial destacar o desenvolvimento das atuações estatais dos últimos anos, acréscimo dos direitos oferecidos por meio da carta magna de 1988, bem como as crescentes vantagens atribuídas pela máquina pública. Dessa maneira, com o crescimento do Estado, por tanto suas obrigações e incumbências também aumentam, modificando a judicialização de suas ações diárias. Neste trabalho também sucede-se a relevância de imprevistos para esta do nexo de causalidade para este comprometimento, especialmente nas ocorrências de bala perdida, suas conjunturas e características que podem isentar a responsabilidade do Estado, além das condições de quando o Estado não ser unicamente responsável pelo ocorrência. Neste sentido a pesquisa bibliográfica fundamentou o estudo com base na literatura existente em livros, revistas, jornais, arquivos, documentos e textos eletrônicos disponíveis nas bibliotecas, na grande rende mundial eletrônica - Internet e, nas instituições ligadas aos meios acadêmicos que possam disponibilizar dados de relevância para o desenvolvimento do tema. Conclui que quando o Estado é processado em tribunal civil, antes que um tribunal possa avaliar se um policial violou os direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988, o tribunal deve primeiro determinar se o agente de segurança pública agiu de acordo com a lei.
Palavras-Chave: Responsabilidade Civil. Segurança Pública. Direitos humanos.
ABSTRAC: The advent of civil actions against the State in the last two decades has caused concern in the public security authorities, as the possible threat of civil liability can impact police work, especially in combating drug trafficking. Many of the police's actions end up in shootings that often affect innocent people, which can result in the State's civil liability. This article has the general objective of analyzing, through the literature, how the State's civil liability occurs regarding the act of omission of public security in cases of stray bullet, in addition to specifically demonstrating what types of State civil liability; verify which are the moments that the State is responsible for omitting public security in cases of stray bullet; and, explain what types of damages are indemnifiable regarding the theme. The work has outlines of relevance thanks to two distinct points. In the first instance, it is essential to highlight the development of state actions in recent years, an increase in the rights offered through the 1988 Constitution, as well as the increasing advantages attributed by the public sector. In this way, with the growth of the State, therefore, its obligations and duties also increase, changing the judicialization of its daily actions. In this work, there is also the relevance of unforeseen events for this cause of causation for this compromise, especially in the occurrence of stray bullets, their circumstances and characteristics that may exempt the State from liability, in addition to the conditions when the State is not solely responsible by occurrence. In this sense, the bibliographic research supported the study based on the existing literature in books, magazines, newspapers, archives, documents and electronic texts available in libraries, in the great electronic world income - Internet and, in the institutions connected to the academic means that can make available data of relevance to the development of the theme. It concludes that when the State is sued in civil court, before a court can assess whether a police officer has violated the rights guaranteed by the 1988 Federal Constitution, the court must first determine whether the public security officer acted in accordance with the law.
Keywords: Civil Liability. Public security. Human rights.
1 INTRODUÇÃO
A Lei nº 4.898 de 09 de dezembro de 1965 foi promulgada pelo Congresso Nacional para controlar a conduta ilegal por funcionários públicos, sejam eles federais, estaduais e/ou municipais. Codificado em lei federal como título de Lei de Abuso de Autoridade fornece penalidades criminais federais para funcionários públicos e locais que violarem os direitos dos cidadãos garantidos pela Constituição Federal. Aprovada durante um governo de exceção (Governo Militar – 1964-1985) permite que os cidadãos processem por danos civis por privação de direitos garantidos pela Carta Constitucional. Quando o Congresso aprovou a Lei do Abuso de Autoridade, ela não foi controversa porque apenas acrescentou recursos civis ao crime cometido por agente público. Com a edição do Código Civil de 2002 as penalidades finais estabelecidas ganharam contorno mais abrangentes e, no caso da responsabilidade civil do Estado com relação a ação de policiais se tornou extremamente controversa devido ao seu amplo impacto sobre o pessoal da segurança pública, especialmente os policiais. O demandante deve mostrar que o policial estava agindo sob a cor da lei, bem como privando o demandante de um direito claramente estabelecido garantido pela CF de 1988l, ou seja, um direito. Desta forma, o trabalho de pesquisa sobre responsabilidade civil do Estado por ações policiais tem se concentrado exclusivamente na exigência de privação de direitos constitucionais e sobre o número crescente de processos movidos contra o Estado. Neste sentido, estudo abordará a questão da responsabilidade civil do Estado por ações da segurança pública que termine em morte de inocentes por balas perdias que, se constitui em um tema polêmico de muitas discussões, no âmbito acadêmico e da sociedade, entre legisladores, doutrinadores e estudiosos do ordenamento jurídico brasileiro. Nasceu de uma preocupação que tem base nas seguintes indagações: Qual a maneira que está sendo tratada a responsabilidade civil do Estado pelas ações da segurança pública? Como está sendo vista, no Brasil, o Caso Fortuito e a Força Maior da responsabilidade civil do Estado nas ações da segurança pública?Diante dos questionamentos supra citados, o planejamento proposto neste estudo encontrou amparo no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal de 1988 pela Lei nº. 8.078/1990, que apresenta as hipóteses da responsabilidade civil. Apesar de não ser aceito na responsabilidade objetiva e na teoria do risco por alguns doutrinadores e legisladores, existem situações anormais ocasionadas pela força maior e o caso fortuito, sendo hipóteses de excludentes da responsabilidade civil do Estado, pois são situações que estão além daquilo que é previsto no ordenamento jurídico brasileiro. Neste sentido, a justificativa pela escolha do referido tema, “Responsabilidade civil do Estado por omissão da segurança pública: omissão da segurança pública em casos de bala perdida”, decorreu da inquietação em descobrir se o Estado estará somente amparado na Lei nº. 8.078/1990, pelo Código Penal em seu art. 23 que fala do excludente de ilicitude, ou existem caminhos alternativos para eximir-se da responsabilidade, pois ao que parece tais artigos não dão total segurança e conforto àqueles.Além disso, outro fator motivador da pesquisa encontra-se no fato de dúvidas e conflitos doutrinários e jurisprudenciais existirem a respeito da aplicabilidade da força maior e do caso fortuito nas ações de segurança pública, já que não são citados na lei consumerista, mas a ele se aplica através do Código Civil em seu artigo 393, parágrafo único. Outro ponto fundamental neste estudo, têm como vetor o ônus da prova, variável muito discutida no Direito brasileiro, pois, consiste em elemento fundamental nas alegações, cabendo descobrir a quem deve tal onerosidade, mesmo sendo adotada a responsabilidade civil objetiva. Nesse sentido, sabe-se que na prática existem situações na qual o Estado quer livrar-se de tal responsabilidade. A teoria da responsabilidade objetiva, também abordada neste trabalho, não pode ser admitida como regra geral, mas somente nos casos contemplados em lei ou sob o novo aspecto enfocado pelo Código Civil de 2002. Não se pode deixar de abordar neste trabalho as questões da Teoria do Risco, pois há ligações indispensáveis que não poderiam ficar sem um enfoque para o melhor entendimento do assunto. Desta forma, este artigo vai analisar através da literatura como ocorre a responsabilidade civil do Estado quanto ao ato de omissão de segurança pública em casos de bala perdida, além de especificamente demonstrar quais tipos de responsabilidade civil do Estado; verificar quais os quais os momentos que cabe a responsabilização do Estado por omissão de segurança pública em casos de bala perdida; e, explicar quais os tipos de danos indenizáveis a respeito da temática.Este estudo utilizou o método de abordagem dedutivo, onde se fez à extração discursiva da teoria jurídica existente partindo das premissas mais gerais do Direito Civil e do Direito Constitucional focadas em no ordenamento jurídico a respeito da responsabilidade civil. Ademais, o procedimento utilizado levou em consideração os fundamentos e procedimentos da pesquisa histórica como embasamento para o trabalho, na legislação existente relacionadas diretamente ao tema escolhido. Neste sentido a pesquisa bibliográfica fundamentou o estudo com base na literatura existente em livros, revistas, jornais, arquivos, documentos e textos eletrônicos disponíveis nas bibliotecas, na grande rende mundial eletrônica - Internet e, nas instituições ligadas aos meios acadêmicos que possam disponibilizar dados de relevância para o desenvolvimento do tema. Estes levantamentos bibliográficos permitiram ter acesso as mais modernas formas de interpretação, do tema de estudo, dado por diversos doutrinadores contemporâneos. Portanto, a pesquisa bibliográfica, será desenvolvida basicamente com material já elaborado com relação genérica e específica acerca do tema preposto.
1 RESPONSABILIDADE CIVIL
A ordem jurídica têm como foco principal, proteger o lícito e reprimir o ilícito, sendo que, tal ordem por meio da natureza do direito, estabelece deveres que podem ser positivos, de dar ou fazer, como podem ser negativos, de não fazer ou tolerar algo, ou seja, de acordo com o direito romano, é um direito de não prejudicar ou causar dano a ninguém (CARVALLIERI FILHO, 2014).
Contudo, alguns desses deveres atingem a todos indistintamente, como exemplo: os direitos absolutos e os direitos relativos que tem como ponto principal pessoas ou pessoas determinadas (CARVALLIERI FILHO, 2014).
Entende-se, assim que, por dever jurídico a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito Positivo está condicionada as exigências da convivência social. Ou seja, é uma ordem ou comando imposto à inteligência e à vontade dos indivíduos, pois, à medida que é imposta por deveres jurídicos, criam-se automaticamente obrigações (CARVALLIERI FILHO, 2014).
Assim, a responsabilidade civil vem definida por Savatier (1939) apud Rodrigues (2012, p. 33) como a “obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”.
A questão é se o dano que o individuo sofreu deve ou não ser reparado por aquele que causou o prejuízo, verificando que o mesmo será reparado, caracterizando dessa forma a teoria da responsabilidade civil, sendo uma contraprestação pela idéia de obrigação. Há de se observar que a menor amplitude na indenização do dano constitui um inconveniente para o interesse da sociedade, já que não se pode evitar, de modo absoluto, a superveniência de eventos que causam prejuízos a uns, a solução é propiciar meios para sua reparação. Dessa forma, tem-se que toda atitude ou ato de alguém que, violando o dever jurídico originário, causando prejuízos ao próximo é fonte geradora da responsabilidade civil (RODRIGUES, 2012).
O nexo causal se constitui em um dos elementos essenciais da responsabilidade civil. Mas como lembra Cavalieri Filho (2014, p. 48), o conceito de nexo causal não é jurídico, pois decorre das leis naturais, constituindo apenas o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado.
No estudo da responsabilidade civil, estão presentes três elementos, ditos essenciais na doutrina subjetivista, ou seja, a ofensa a uma norma preexistente ou erro de conduta; um dano; e, o nexo de causalidade entre um e outro. Contudo, não basta que o agente haja procedido contra jus, isto é, não se define a responsabilidade pelo fato de cometer um erro de conduta. Além do mais, não basta que a vítima sofra um dano, que é o elemento objetivo de indenizar, pois se não houve um prejuízo a conduta ilícita, este não gera a obrigação de indenizar ((CARVALLIERI FILHO, 2014).
Para isso, é necessária além da ocorrência dos dois elementos precedentes que se estabeleçam uma relação de causalidade entre o ato ilícito da ação e o mal causado. Assim sendo, o nexo causal é indispensável, sendo fundamental que o dano tenha sido causado pela culpa do sujeito ou da instituição, neste caso o Estado (RODRIGUES, 2012).
Embora a obrigação e a responsabilidade estejam interligadas e aparentam ser uma coisa só, na obrigação tem-se um dever jurídico originário, enquanto que na responsabilidade verifica-se um dever jurídico sucessivo, ou seja, este último viola o primeiro. Por isso, se alguém se compromete a fornecer ou prestar algum tipo de serviço à outra pessoa, está assumindo uma obrigação, um dever jurídico originário, pois uma vez não cumprida tal obrigação, o responsável pela prestação do serviço estará violando o referido dever jurídico originário, tendo em contrapartida a responsabilidade pelo não cumprimento da obrigação (GOMES, 2015).
Dessa forma, aduz Cavalieri Filho (2014, p. 24), “assim como não há sombra sem corpo físico, também não há responsabilidade sem a correspondente obrigação”.
O Novo Código Civil distingue a obrigação da responsabilidade no seu artigo 389 como sendo: “art. 389. Não cumprida a obrigação responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado” (VADE MECUM, 2003, p. 210).
Assim, no artigo: que não cumprida a obrigação o devedor será responsabilizado por perdas e danos tanto na responsabilidade contratual, quanto na extracontratual (VADE MECUM, 2003).
Outro artigo, no qual categoriza o dever de indenizar como uma obrigação é o artigo 927 do Novo Código Civil, também chamado pelo Código de a “obrigação de indenizar”.
Art.927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo Único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (VADE MECUM, 2003, p. 233).
Como dito anteriormente, a responsabilidade civil opera a partir do ato ilícito, ficando o indivíduo obrigado a responsabilizar aquele que sofreu o dano ou prejuízo. Então a natureza jurídica da obrigação de indenizar está dividida em duas partes: as obrigações voluntárias e as obrigações legais (RODRIGUES, 2012).
Na primeira tem-se a obrigação criada por negócio jurídico em função do princípio da autonomia de vontade. Já na segunda parte, têm-se as obrigações impostas pela lei, ou seja, a lei lhe dá conteúdo. Para alguns doutrinadores, pode existir responsabilidade sem obrigação, como no caso da fiança e outras situações. A responsabilidade civil, também é da mesma natureza do dever jurídico originário, ou de natureza diferente (quando a prestação é de fazer e a responsabilidade é de indenização em dinheiro) (GOMES, 2015).
A principal função da responsabilidade civil é de obrigar o agente causador do dano, a repará-lo no todo ou em parte junto à vítima do evento, pois o dano causado pelo ato ilícito gera um desequilíbrio jurídico-econômico entre ambos os sujeitos, uma vez que, em no ordenamento jurídico brasileiro, o principal objetivo é o restabelecimento do referido equilíbrio, colocando o prejudicado em statu quo ante, repondo-o à situação anterior a lesão sofrida, mediante indenização proporcional ao dano (CAVALIERI FILHO, 2014).
Por esse motivo, a responsabilidade civil é dividida em várias espécies, tais como: a responsabilidade civil e penal, tendo o ato ilícito, pela sua gravidade e suas consequências, repercutindo tanto na ordem civil, como na ordem penal, constituindo assim um crime ou contravenção; a responsabilidade contratual e extracontratual; a responsabilidade subjetiva e objetiva; e, a responsabilidade nas relações de consumo, sendo esta última um dos focos principais que resulta no dever de reparar o dano ao consumidor (CAVALIERI FILHO, 2014).
Com isso, no momento em que uma pessoa, mediante atitude ou conduta culposa, viola direito de outra pessoa (física ou jurídica de direito público ou privado) e causa-lhe dano e, diante do ato ilícito verifica-se o dever de indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil, ressalta-se que, por violação de direito deve-se entender todo e qualquer direito subjetivo, não só os relativos, que se fazem presentes no campo da responsabilidade contratual, como também e, principalmente os absolutos reais e personalíssimos, nestes incluídos o direito à vida, à saúde, à liberdade, à honra, à intimidade, ao nome e à imagem (GOMES, 2015).
Contudo, vale ressaltar, que a responsabilidade civil não constitui em uma das fontes das obrigações, mas uma consequência da falta do cumprimento ou do defeito, ou seja, o cumprimento inadequado de uma obrigação que gera para o credor, o poder de acionar o devedor diante dos prejuízos (RODRIGUES, 2012).
Historicamente, a noção de responsabilidade civil, anteriormente à Lei Aquília, tinha características diversas, bastante primitivas, pois a existência de um dano acarretava a imposição de uma pena, sem qualquer análise dos fatos que poderiam gerar esse prejuízo (FERRAZ DONNINI, 2014).
2.1 Pressupostos da Responsabilidade Civil
Alguns doutrinadores, como o nobre Almeida (2013), informam alguns pressupostos de responsabilidade civil, que são: a) ação ou omissão do agente; b) culpa do agente; c) relação de causalidade; e d) dano experimentado pela vítima.
O art.186 do Código Civil trata da ação ou omissão, dispondo o seguinte: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. (VADE MECUM, 2003, p. 200).
Por isso, a responsabilização do agente se dá através de ato próprio ou de ato de terceiro, que esteja sob a responsabilidade do mesmo agente, além dos danos causados por coisas que estejam sob seus cuidados. A responsabilidade pelos atos próprio do agente é justificada pelo Princípio da Teoria da Reparação, ou seja, pela sua ação de infringir legal ou socialmente uma terceira pessoa que deverá ter a reparação do evento (FERRAZ DONNINI, 2014)..
Dessa forma, a responsabilidade por ato de terceiro é verificada quando uma pessoa responde pelo dano causado a outra pessoa, não pelo ato de si própria, mas por ato de alguém que está sob a sujeição daquele. Assim sendo, se tem exemplos cotidianos, tais como: o patrão que é responsável pelos atos de seus empregados, ou o pai que responde pelos atos dos filhos menores e assim por diante (RODRIGUES, 2012).
Tal modelo de responsabilidade por fato de terceiro, é vista pelos doutrinadores como jurisprudência consagrada, como um meio de segurança para o indivíduo prejudicado. No exemplo do patrão com o empregado, embora este seja o causador do dano, os dois respondem solidariamente pelos prejuízos, ficando a escolha da vítima a possibilidade de pleitear indenização contra um ou contra o outro. Lógico que, pelo fato do empregador ter mais condições econômicas e uma melhor solução para problema, este será responsabilizado (GOMES, 2015).
A responsabilidade por fato de terceiro apresenta-se dentro de relações contratuais, tal como é o caso da responsabilidade dos hoteleiros, pois estes são responsáveis pelas bagagens dos hóspedes, inclusive por furto e roubos que venham ocorrer em seu estabelecimento, mas é preciso estar atento a situações na qual, a vítima age de má-fé devido à falta de cuidado do agente (CAVALIERI FILHO, 2014).
Já na culpa do agente – este tipo de pressuposto da responsabilidade civil é caracterizado pela culpa “stricto sensu” ou dolo do agente que causou o prejuízo. Pois, como já foi dito a lei é que declara se alguém causou prejuízo a outrem, por ação ou omissão, negligência ou imprudência, ficando obrigado a reparar o dano (FERRAZ DONNINI, 2014).
Mas, para que seja caracterizada a responsabilidade, é necessária a prova de que o comportamento do agente causador do dano tenha sido doloso ou menos culposo, ou seja, deve ser considerado a responsabilidade subjetiva que está imposta pelo Código Civil. Se há dolo, é porque o agente causador do dano quis fazê-lo através de seu comportamento. Se há culpa é porque o gesto do agente não visava causar prejuízo a outrem, mas por haver negligência, imprudência ou imperícia resulta um dano para ela (FERRAZ DONNINI, 2014).
Desta forma, para a vítima pleitear indenização contra o agente causador do dano, deverá provar que este agiu culposamente. Ocorre que, pela dificuldade da vítima comprovar a culpa do agente, fica quase que impossível ter seus danos reparados por meio de indenização pecuniária, ficando irressarcida (CAVALIERI FILHO, 2014).
Por esse motivo, existem vários tipos de recursos e procedimentos para atenuar o ônus probatório, representado pela adoção da teoria do risco, ou da responsabilidade objetiva. Embora a regra no Código Civil seja a responsabilidade civil subjetiva, tendo como principal elemento a culpa, existem situações que o direito brasileiro admite a responsabilidade sem culpa presumida, ou seja, a responsabilidade objetiva (GOMES, 2015).
Na relação de causalidade – para que o agente causador do dano seja obrigado a reparar o prejuízo, faz-se necessário a relação de causalidade entre a ação ou omissão culposa e o dano sofrido pela vítima. Contudo, se a vítima experimentar um dano que não resultou do comportamento ou atitude do réu, o pedido de indenização pelo ocorrido será indeferido pelo magistrado. Por esse motivo, que as excludentes da responsabilidade civil devem ser estudadas, ou seja, se não houve culpa do agente, a indenização não será cabível, sendo culpa exclusiva da vítima. Dessa forma, está caracterizada a falta de nexo de causalidade entre o ato daquele e o dano por este experimentado (CAVALIERI FILHO, 2014).
Assim descreve Gonçalves (2016, p. 25) sobre a Relação de Causalidade, no qual, “sem ela, não existe a obrigação de indenizar. Se houve o dano, mas sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e também a obrigação de indenizar”.
Já no caso do dano experimentado pela vítima – a responsabilidade civil só será verificada, se o dano causou prejuízo a alguém. Somente assim, poderá ser aludido o ato ilícito no direito civil. E, caso tenha ocorrido o prejuízo, a vítima poderá pleitear o dano ressarcível, ou seja, é o prejuízo causado a outra pessoa, tendo como consequência os danos emergentes e os lucros cessantes, bem como a indenização pelo produto danificado, como despesas hospitalares, lucros não auferidos durante o período que ficou incapacitado de fazê-lo, que funciona como uma forma de amenizar os prejuízos e sofrimentos da vítima (FERRAZ DONNINI, 2014).
Com isso, conforme lição extraída do direito civil, a reparação do dano patrimonial há que incluir tanto os danos emergentes quanto os lucros cessantes. Dano Emergente é o que efetivamente o consumidor perdeu na relação de consumo, em relação ao seu patrimônio original (anterior à relação) e que por justiça não deveria ter perdido. Já o Lucro Cessante é o que, razoável e injustamente, o consumidor deixou de ganhar em decorrência da relação de consumo (CAVALIERI FILHO, 2014).
2.2 Da responsabilidade objetiva, subjetiva, administrativa e criminal
O Código Civil manteve em seu art. 186 os fundamentos da responsabilidade civil subjetiva, sendo a culpa, o seu principal pressuposto, derivada de ilícito extracontratual ou aquiliana. Daí, a palavra ‘culpa’ ser empregada no sentido amplo, ou lato sensu, e o ‘dolo’ em stricto sensu (FERRAZ DONNINI, 2014).
Com isso, sempre foi necessário que a vítima comprove a culpa do agente para que possa ter a reparação do dano sofrido. Por isso que a regra básica no direito privado é a responsabilidade com culpa. Essa regra se torna inadequada nas relações entre Estado e o cidadão, uma vez que existe grande dificuldade de demonstrar a culpa do Estado, já que este possui os elementos de prova. Por essa dificuldade imposta à vítima, as mudanças tecnológicas e, o crescimento populacional, fizeram com que legisladores e doutrinadores em vários países, como os Estados Unidos, a França, a Itália e, a Alemanha, sustentassem a responsabilidade objetiva sem culpa, baseada na teoria do risco, adotada pela Lei brasileira no novo Código Civil em seus artigos 927, 931 dentre outros (FERRAZ DONNINI, 2014)..
Por isso, a responsabilidade civil objetiva por estar calcada na teoria do risco, em face deste ser criado pela atividade, é que emerge a responsabilização pelos danos causados em decorrência da conduta de quem pratica e se beneficia de tal atividade, não sendo necessária a prova de dolo, negligência, imprudência ou imperícia - culpa lato sensu (RODRIGUES, 2012).
Nota-se claramente que na responsabilidade civil objetiva, a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, ou seja, existindo a relação de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e o ato do agente, existirá o dever de indenizar, mesmo que este tenha agido culposamente ou não (CAVALIERI FILHO, 2014).
Pois, dentro da teoria clássica da culpa, a vítima tem de demonstrar a existência dos elementos fundamentais de sua pretensão, sobressaindo o comportamento culposo do demandado. Ao se encaminhar para a especialização da culpa presumida, ocorre uma inversão do onus probandi, sendo que em certas circunstâncias, presume-se o comportamento culposo do causador do dano, cabendo-lhe demonstrar a ausência de culpa, para se eximir do dever de indenizar (GONÇALVES, 2016).
Com isso, um modo de afirmar a responsabilidade civil, sem a necessidade de provar o lesado à conduta culposa do agente, mas sem repelir o pressuposto subjetivo da doutrina tradicional determinadas pela lei que enuncia a presunção. Em outras palavras, é a elaboração jurisprudencial que, partindo de uma idéia assentada na culpa, inverte a situação impondo o dever ressarcitório. Do contrário o acusado deverá demonstrar que o dano foi causado pelo comportamento da própria vitima (GOMES, 2015).
A legislação do consumidor é o exemplo mais recente de responsabilidade objetiva no nosso ordenamento jurídico. Portanto, o âmbito da responsabilidade sem culpa aumenta significativamente em vários segmentos, além do que, a teoria da responsabilidade objetiva não pode ser admitida como regra geral, mas somente nos casos contemplados em lei ou sob o do novo aspecto enfocado pelo Novo Código Civil (RODRIGUES, 2012)
A responsabilidade jurídica subjetiva se caracteriza pela culpabilidade a partir do momento que sua ação poderia ser muito bem evitada pela atuação de outra forma, ou seja, se materializa apenas se houver dolo do agente causador do dano. A culpa estudada é tratada em sentido amplo, como consequência de um fato voluntário, compreendendo o dolo, que é a violação intencional de uma obrigação jurídica (DINIZ, 2010).
A responsabilidade administrativa se afirma a partir da verificação da conduta dos agentes públicos e no caso do abuso de autoridade se busca entender e comprovar se houve ou não houve a ação ilegítima. Segue os ditames do Devido Processo Legal, garantido o direito ao contraditório e a ampla defesa do acusado (ARAÚJO, 2103).
Assim, o órgão público quando recebe a representação, determina a imediata instauração de inquérito, constituindo uma comissão de inquérito que vai apura se os fatos apresentados na representação são verdadeiros ou não. Os procedimentos são os naturais de um inquérito: oitiva de testemunhas, recolha de documentação e perícia, caso seja necessário (MADEIRA et. all., 2005).
Caso os elementos probatórios no sentido de se descobrir a verdade. E o que é a verdade? Segundo o dicionário Aurélio (2012) é a conformidade da ideia com o objeto, do denominado dito com o feito, o encontro do discurso com a realidade; que tem qualidade do que é verdadeiro. O dicionário é bem claro quando define o vocábulo verdade: Aquilo que é verdade. Segundo Almeida (2003, p. 116), a verdade está diretamente vinculada à apuração dos fatos consubstanciada pelo levantamento de provas e é isso que se busca com o inquérito administrativo.
O trabalho da Comissão de Inquérito envolve o cumprimento eficaz de seus deveres e funções, investidos no Poder de Polícia Administrativa consagrado no ordenamento jurídico do Brasil. Alguns desses elementos estão relacionados à prevenção e detecção do crime, como a autorização para proceder busca e apreensão, localidades em que o crime de abuso de autoridade foi cometido ou vestígios que estes foram deixados; busca de provas e o seu confiscamento para instruir o processo administrativo (GOMES, 2013).
O referido autor assevera também que o estudo do uso de provas para formação da convicção a partir da descoberta da verdade real evoluiu e continua evoluindo no Brasil de forma vertiginosa, sempre contendo a definição de levantamento de informações e produção de conhecimento na produção direta de provas, desde que resguardadas a devida legalidade em sua obtenção sob pena de anulação do inquérito em função do uso de informações não autorizadas (GOMES, 2007).
Assim, caso se configure a conduta ilegal, cabe a comissão de inquérito sugerir a aplicação de sanção no âmbito administrativo que deve seguir o determinado pela Lei nº 4.898 de 09 de dezembro de 1965 que são as sanções:
a) advertência;
b) repreensão;
c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens;
d) destituição de função;
e) demissão;
f) demissão, a bem do serviço público.
O termo responsabilidade criminal foi tipificado na Lei nº 4.898 de 09 de dezembro de 1965 em seus arts. 3º e 4º da Lei 4.898/65, como forma de coibir as condutas ilegítimas cometidas por agente público e no sentido de prover as garantias e direitos fundamentais das pessoas. São denominados de crimes de responsabilidade impróprios que podem sofrer punição de pena restritiva de liberdade. Servem de fundamento para aplicação da sanção penal o intervalo entre os arts. 42 a 56 do Código Penal com as seguintes punições:
a) multa de cem a cinco mil cruzeiros (hoje adaptado a moeda corrente no país);
b) detenção por dez dias a seis meses;
c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três (3) anos.
Também estabeleceu a lei o tempo de prescrição do crime de abuso de autoridade, se utilizado do art. 1.226 do Código Penal, que estabelece o prazo para prescrição de dois (2) anos (ARAÚJO, 2013).
Também garantiu a referida lei, a necessidade da celeridade com o uso do procedimento sumaríssimo, ou seja, o Ministério Público tem até 48 horas, a contar da apresentação da representação da lesado para oferecer a denúncia. Mais caso o prazo não seja cumprido não ocorrerá a decadência. Cabe ao Ministério Público interpretar a representação e buscar os elementos que irão fundamentar a ação, caso contrário não deverá arquivar o mesmo (ARAÚJO, 2013)
3 TEORIA DO RISCO CRIADO
A teoria do risco foi descrita por alguns juristas, como fundamento principal da responsabilidade civil, que por coincidência ocorreu no final do século XIX, quando o desenvolvimento industrial teve vários problemas de reparação nos acidentes de trabalho, ou seja, o risco significa perigo, provável dano que deve ser reparado por aquele que exerceu uma atividade perigosa (MÁRIO, 2012).
Assim, a doutrina do risco pode ser resumida como: todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano (CAVALIERI FILHO, 2014).
Em torno da idéia central do risco, surgiram várias subespécies ou modalidade que alguns doutrinadores identificam, tais como: o risco proveito, risco profissional, risco criado, dentre outros. Porém, o que vai importar neste trabalho é a teoria do risco criado, ou seja, como descreve Mário (2012, p. 24) “aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas a evitá-lo”. Por essa definição, verifica-se que a ação doas agentes de segurança pública visam satisfazer a necessidade da sociedade na sua utilidade, comodidade, funcionalidade, atendendo as suas expectativas para que funcionem adequadamente.
No entanto, mesmo com todas as precauções, diligências, rigorosos controles, ou ainda, utilizando-se dos mais modernos meios de tecnologia para a investigação criminal, pode ocorrer destes entrarem em uma ação que acabe em tiroteio e causar lesões à saúde, à segurança e ao patrimônio das pessoas (LAZZARINI, 2013).
Observa-se que estes danos, anônimos e inevitáveis ou mesmo ocultos, não são produzidos por pessoas e sim por ação na qual se repetem com freqüência, pois algumas superveniências de fatores podem acarretar riscos e danos (LAZZARINI, 2013).
Desta forma, para atender aos anseios da comunidade relação ao ressarcimento, buscou-se livrar a vítima da prova de culpa, não só pela grande dificuldade que este tinha de provar a culpa do agente causador do dano, mas também pelas hipóteses de dano que não permitiam a imputação de culpa a uma pessoa.
Devido às falhas sistêmicas que ocorrem e a impossibilidade prática de sua completa eliminação, surgiram vários meios legais de indenização de danos pelo simples fato da ação do agente potencialmente danosos, atribuindo a ele a responsabilidade dos danos causados à vítima e a terceiros, via de regra, aquele que lucra com uma determinada atividade deverá responder pelos riscos ou desvantagens dela decorrente.
Por esse motivo, surge a ‘Teoria do Risco Criado, que tem o sentido de atribuir ao Estado o dever de reparar danos causados as pessoas pelo fato de desenvolver determinada atividade potencialmente danosa, ou seja, faz com que o agente assuma todos os riscos de sua atividade. Com esse princípio o legislador ampliou a garantia em ter reparado o dano sofrido (BATISTA ALMEIDA, 2013).
Assim, pela regra geral evita-se causar prejuízo a outra pessoa, além do dever especial de não agir de forma que acarreta riscos à saúde e segurança das pessoas, encontra amparo na legislação nacional. Fica evidente que o descumprimento dos deveres por parte do agente implicará a sua responsabilidade civil, com a consequente obrigação de indenizar a vítima pelo Estado (BATISTA ALMEIDA, 2013).
4 PODER DE POLICIA
Quando se estuda o regime jurídico-administrativo a que se submete a Administração Pública, conclui-se que os dois aspectos fundamentais que o caracterizam são resumidos nos conceitos de prerrogativas e sujeições, as primeiras concedidas à Administração para oferecer-lhe meio para assegurar o exercício de suas atividades e as segundas como limites opostos à atuação administrativa em benefício dos direitos dos cidadãos. Praticamente todo o direito administrativo cuida de temas em que se colocam em tensão dois aspectos opostos: a autoridade da Administração Pública e a liberdade individual. O tema relativo ao poder de polícia é um daqueles em que se colocam em confronto esses dois aspectos: de um lado, o cidadão que exercer plenamente os seus direitos; de outro (DI PIETRO 2012).
A administração tem por incumbência condicionar o exercício daqueles direitos ao bem-estar coletivo e ela o faz usando de seu poder de polícia. Não existe qualquer incompatibilidade entre os direitos individuais e os limites a eles opostos pelo poder de polícia do Estado porque, como ensina Spencer (2014, p. 191): “a idéia de limite surge do próprio conceito de direito subjetivo: tudo aquilo que é juridicamente garantido é também juridicamente limitado.”
Spencer (2014, p. 197) diz: “O poder de polícia constitui antes um meio de assegurar os direitos individuais porventura ameaçados pelo exercício ilimitado, sem disciplina normativa dos direitos individuais por parte de todos”. Acrescenta ainda, o mesmo autor “que se trata de limitação à liberdade individual mas tem por fim assegurar esta própria liberdade e os direitos essenciais do homem”.
O fundamento do poder de polícia é o princípio da predominância do interesse público sobre o particular, que dá a administração posição de supremacia sobre aos administrados. O vocábulo polícia origina-se do grego politeia, sendo utilizado para designar as atividades da cidade-estado (polis), sem qualquer relação com o sentido atual da expressão. Cavalcanti (2010, p. 578) observa:
Na Idade Média, durante o período feudal, o príncipe era detentor de um poder conhecido como jus politeia e que designava tudo o que era necessário à boa ordem das sociedade civil sob autoridade do Estado, em contraposição à boa ordem moral e religiosa, da competência da autoridade eclesiástica.
GOMES (2013, p. 114) também observa com propriedade:
Em fins do século XV, o jus politeia volta a designar, na Alemanha, toda a atividade do Estado, compreendendo poderes amplos de que dispunha o príncipe , de ingerência na vida privada dos cidadãos, incluindo sua vida religiosa e espiritual, sempre sob o pretexto de alcançar a segurança e o bem estar coletivo. No entanto, logo se estabeleceu uma distinção entre a polícia e a justiça; a primeira compreendia normas baixadas pelo príncipe, relativas à administração, e eram aplicadas sem possibilidade de apelo dos indivíduos aos tribunais; a Segunda compreendia normas que ficavam fora da ação do príncipe e que eram aplicadas aos juízes. Esse direito de polícia do príncipe foi sofrendo restrições em seu conteúdo, deixando de alcançar, paulatinamente, primeiro as atividades eclesiásticas, depois as militares e financeiras, chegando a um momento em que se reduzia a normas relativas à atividade interna da administração. Posteriormente, ainda, passou-se a ligar a polícia à idéia de coação; nesse momento, começou-se a distinguir a atividade de polícia das demais atividades administrativas, hoje chamadas serviço público e fomento.
Em resumo, nesta fase, conhecida como Estado de Polícia, o jus politeia compreendia uma série de normas postas pelo príncipe e que se colocavam fora do alcance dos Tribunais. Com o Estado de Direito, inaugura-se nova fase em que não se aceita mais a idéia de existirem leis a que o próprio príncipe não se submetia . Um dos princípios básicos dos Estado de Direito é precisamente o da legalidade, em consonância, com o qual o próprio Estado se submete às leis por ele mesmo postas (ROHRIG, 2016).
Num primeiro momento, o Estado de Direito desenvolveu-se baseado nos princípios do liberalismo, em que a preocupação era de assegurar ao indivíduo uma série de direitos subjetivos, dentre os quais a liberdade. Um segundo momento se inicia quando o Estado liberal começa a transformar-se em Estado intervencionista; a sua atuação não se limita mais à segurança e passa a estender-se também à ordem econômica e social (ROHRIG, 2016).
Antes de iniciar-se o século XX, os autores começam a falar em uma polícia geral, relativa à segurança pública, em polícias especiais, que atuam nos mais variados setores da atividade dos particulares. O crescimento do poder de polícia se deu em dois sentidos (ROHRIG, 2016):
1 - De um lado passou a atuar em setores não relacionados com a segurança, atingindo as relações particulares, anteriormente fora do alcance do Estado; o próprio conceito de ordem pública, antes concernente apenas à segurança, passou a abranger a ordem econômica e social, com medidas relativas às relações de emprego, ao mercado dos produtos de primeira necessidade, ao exercício das profissões, às comunicações, aos espetáculos públicos, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e artístico nacional, à saúde e tantas outras (ROHRIG, 2016);
2 - De outro lado, passou a possibilitar a imposição de obrigações de fazer, como o cultivo na terra, o aproveitamento do solo, a venda de produtos; a polícia tradicional limitava-se a impor obrigações de não fazer. Para alguns autores, essas medidas escapam ao poder de polícia e se apresentam como novo instrumento de que o Estado dispõe para intervir na propriedade, com vistas a assegurar o bem comum, com base no princípio da função social da propriedade (ROHRIG, 2016).
Na realidade, quer se trate de obrigação negativa, que se trate de obrigação positiva, a pessoa que a cumpre está sofrendo uma limitação em sua liberdade, em benefícios do interesse público. Não se pode dizer que haja atividades estatais de conteúdo diverso quando o Estado impede que o comerciante fixe os seus próprios preços (obrigação de não fazer) ou quando exige que ele ponha à venda determinados produtos estocados (obrigação de fazer). Nos dois casos, O Estado intervém na economia, utilizando-se do seu poder de polícia dos direitos individuais ao bem estar geral (LAZZARINI, 2014).
5 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO
A responsabilidade civil do Estado está prescrita no artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988 que dispõe:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro admite que o Estado seja objetivamente responsabilizado por atos dos seus agentes que causarem danos a terceiros, observando que caberá o direito de regresso contra os causadores dos danos, se comprovada a culpa ou dolo.
Nas lições de Bittar (2008, p.147) é ensinado que:
Dentre as pessoas jurídicas de direito público, podem figurar como responsáveis os entes da administração direta, ou indireta, como autarquias, empresas públicas e de economia mista e os serviços institucionalizados de cooperação com o poder público, como os da área da assistência social e da educação. Ajuntam-se a esse quadro de responsáveis as fundações públicas, que também arcam, por si, com os efeitos de fatos danosos, e as entidades concessionárias de serviços públicos, ou mesmo permissionárias, ou seja, aquelas que prestam serviços de interesse público, diante de contratos ou de atos administrativos, com relação aos eventos a ela referentes, e sem prejuízo de responsabilização indireta do Estado.
Dessa forma, o Estado deverá indenizar toda vítima de lesão causada pelos seus agentes, bem como por aqueles a quem o Estado delegou tarefas, independentemente de dolo ou culpa, através da responsabilidade objetiva a que está submetido.
São dois (2) os sujeitos tipificados no crime cometidos pelo agente público que podem responsabilizar o Estado: o sujeito ativo e o sujeito passivo. Segundo Madeira et. all. (2005) o sujeito que é denominado com ativo é o agente público mesmo, mesmo que não esteja investido na atividade laboral no momento do crime, já que o que implica é sua condição jurídica de agente público.
Para Faria (2017) o que importa é se ele foi cometido por agente público não se podendo confundir com abuso de poder que é um crime cometido por particular, ou seja, quando usa a sua arma sem a reocupação com os resultados do uso desta arma, mesmo que em legítima defesa, esse agente assume o risco.
Mas, conforme preceitua Faria (2017) uma terceira pessoa que não faz parte dos quadros dos agentes público, mas que proferiu ação de ajuda ao agente público para cometer o ato também se condiciona as sanções previstas na Lei nº 4.898 de 09 de dezembro de 1965 de Abuso de Autoridade, em função da figura jurídica denominada pela jurisprudência de concurso de agentes.
O segundo sujeito tipificado como sujeito do ato pela Lei nº 4.898 de 09 de dezembro de 1965 é o denominado sujeito passivo e eles estão sub classificados em sujeito passivo mediato que é o próprio Estado que é o elemento balizador das regras sociais e que não pode ferir as normas que vão de encontro aos determinantes dos direitos e garantias individuais do cidadão e o denominado sujeito passivo que é o cidadão que teve os seus direitos vilipendiados. Existem dois sujeitos passivos, o mediato, que é o Estado titular da Administração Pública, pois há ferimento às normas administrativas. E o sujeito passivo imediato que é o cidadão que teve seus direitos violados (CAHALI, 2007).
5.1 Elemento subjetivo
A Lei nº 4,898 de 09 de dezembro de 1965 considera como ato ilícito ou ato de abuso de autoridade a lesão dolosa cometida pelo agente público investido da função pública de forma ilegítima por livre e espontânea vontade realizado em função de sua autoridade e poder do cargo e/ou função pública cometido com conduta vingativa, maldosa, imbuído de vaidade e que acaba por agir ilegitimamente cometendo uma injustiça ou perseguição. Isso que dizer que a conduta deve ser dolosa e não culposa já que imperícia, negligência e imprudência não se caracterizam como crimes que podem estar sujeitos a responsabilidade civil e/ou penal (CAHALI, 2007).
Assim a ação da conduta do agente público tem que ser caracterizado pela consequência da lesão aos direitos e garantias fundamentais do cidadão em uma ação puramente dolosa, ou seja,. Agir com a intenção de lesar alguém em seu direito de personalidade (CAHALI, 2007).
Freitas e Freitas (2017) enumeram algumas condutas que se tipificam com ações culposas, como por exemplo um ato de imperícia, mas cometido sem a necessária intenção de lesar alguém e no julgamento do mérito não se caracterizou a necessidade de responsabilidade civil; também enumeram alguns casos tipicamente de responsabilidade civil, justamente por que se teve a intenção de causar lesão ao direito de personalidade do cidadão e sanções foram aplicas no âmbito administrativo (suspensão do exercício da função por trinta (30) dias); no âmbito civil (indenização pecuniária por parte do Estado) e, no âmbito penal com a condenação de seis (6) meses de reclusão em regime aberto para agente.
5.2 Consumação e Tentativa
Não há crime que possa ensejar a responsabilidade civil se não houver a real intenção de causar lesão (dolo) segundo os ditames da Lei nº 4.898 de 09 de dezembro de 1965, ou seja, não é qualquer conduta considerada abusiva que se configura no crime de abuso de autoridade em que tanto o agente bem como Estado possam ser responsabilizados civilmente; é necessário que haja intencionalidade na conduta (CARVALHO NETO, 2000).
Isso se configura pelo artigo 3º da Lei nº 4.898 de 09 de dezembro de 1965 que estabelece “constitui abuso de autoridade qualquer atentado”, dando cabo ao fato da tentava de comentar o delito. Ou seja, o abuso de autoridade que causa a possibilidade de responsabilidade civil tanto do agente como do Estado não se consubstancia na modalidade culposa, em função de que essa modalidade não proporciona lesão, mas a tentativa sim, já provoca uma ação dolosa (DI PEITRO, 2012).
CONCLUSÃO
Notadamente, conclui-se com esse trabalho que dentre as questões da responsabilidade civil do Estado por omissão, especializam-se o liame causal entre a conduta e o dano. O fato da vítima, exclusivo ou concorrente, o fato de terceiro e o Caso Fortuito ou de Força Maior, são eventos que se comprovados nos autos, impedem a procedência da ação indenizatória. Ora, se inexiste relação de causalidade pela presença de qualquer desses acontecimentos, não faz sentido impor a obrigação de reparar os danos sofridos pela vítima ou seus familiares,
Portanto, definitivamente, se concluiu que se não houver o nexo de causalidade entre o fato ocorrido e o dano sofrido pelo individuo, o Estado não pode ser responsabilizado pelo caso concreto.
A hipossuficiência da vítima deve ser analisada cuidadosamente pelos magistrados, além da natureza do ato e o tempo transcorrido, pois o que se percebe nos dias atuais é que a grande lacuna aberta pelo ordenamento jurídico brasileiro em favor do cidadão, tem gerado muitas discussões doutrinárias pelo uso de várias normas como a lei de abuso de autoridade, o código civil e o código penal para responsabilizar o Estado pelo dano causado. Isto porque, por mais que o Estado não tenha dado causa ao fato, sempre terá que reparar em parte o dano.
Por fim, o referido trabalho procurou demonstrar através de doutrina, lei e jurisprudência, que o Estado não pode se eximir da responsabilidade civil nas relações sociais, não só pelos insuficientes artigos das Leis de abuso de autoridade e pela nº. 8.078/1990 e o artigo 393 do Código Civil, mas principalmente pelas jurisprudências dos Tribunais, que a cada dia vem contornando a situação nas relações, pois se verifica que em muitos casos, o agente causador do dano é o próprio Estado, que tenta transferir a responsabilidade para tão somente par o agente.
REFERÊNCIAS
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VADE MECUM. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
[1] Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Amazonas - UFAM (1988). Advogado militante na Comarca de Manaus. Especialista em Administração Pública com ênfase em Direito Público pela Universidade Nilton Lins - UNINILTON LINS (1999). Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA. Manaus – Amazonas [email protected]
aluna finalista do curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil campus Manaus
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PONTES, THATIANA DOS SANTOS. Responsabilidade civil do estado por omissão da segurança pública: omissão da segurança pública em casos de bala perdida Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2020, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55676/responsabilidade-civil-do-estado-por-omisso-da-segurana-pblica-omisso-da-segurana-pblica-em-casos-de-bala-perdida. Acesso em: 23 dez 2024.
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