ANDRÉ HENRIQUE OLIVEIRA LEITE[1]
(orientador)
Resumo: A realidade social está em uma constante mudança, e com isso se faz necessária uma permanente atualização do ordenamento jurídico, dito isto se verifica que a Lei 6.766/79, que rege sobre o parcelamento de solo urbano era omissa ao abordar sobre as consequências do rompimento do contrato na aquisição de imóveis, deixando assim uma interpretação branda para a jurisprudência sobre a temática, ocasionando uma disparidade entre os julgados, motivando assim a criação da Lei 13.786/2018. O presente trabalho visa analisar sob uma ótica objetiva a deficiência da Lei 6.766/79 quanto as extinções dos contratos e o reflexo das alterações trazidas pela Lei 13.786/2018 que versam sobre a matéria, para tanto se vê necessário compreender a motivação social que ocasionou tais alterações e os resultados alcançados pelas mesmas. O estudo será elaborado mediante pesquisa bibliográfica, fazendo uma análise qualitativa da legislação, dos pensamentos doutrinários em confrontamento com as discussões atuais sobre a temática. Os resultados esperados com o trabalho compreendem-se em informar as alterações feitas pela Lei 13.786/2018 quanto a resolução de contratos de aquisição de imóvel em parcelamento de solo urbano, e identificar os impactos positivos e negativos posteriores a sua criação.
Palavras-chave: Alterações. Rompimento. Contrato. Imóveis.
Abstract: The social reality is in a constant change, and with that it is necessary to permanently update the legal system, that said, it appears that Law 6.766 / 79, which governs the division of urban land, was silent when addressing the consequences of the disruption of the contract in the acquisition of real estate, thus leaving a mild interpretation for the jurisprudence on the subject, causing a disparity among those judged, thus motivating the creation of Law 13.786 / 2018. The present work aims to analyze from an objective point of view the deficiency of Law 6.766 / 79 as to the extinction of contracts and the reflection of the changes brought by Law 13.786 / 2018 that deal with the matter, so it is necessary to understand the social motivation that caused such changes and the results achieved by them. The study will be elaborated through bibliographic research, making a qualitative analysis of the legislation, of the doctrinal thoughts in confrontation with the current discussions on the theme. The expected results of the work include informing the changes made by Law 13.786 / 2018 regarding the resolution of contracts for the acquisition of property in installments of urban land, and identifying the positive and negative impacts after its creation.
Keywords: Changes. Disruption. Contract. Properties.
Sumário: Introdução. 1. Impactos da Lei 13.786/2018 (4.591/1964 – Incorporação Imobiliária). 2. Impactos da Lei 13.786/2018 (6.766/1979 – Parcelamento do Solo Urbano). 2.1. Da Inclusão do Quadro-Resumo e o Direito do Arrependimento 2.2. Da Resolução Contratual e a Restituição de Valores. 3. Aplicação da Lei 13.786/2018 aos Contratos Firmados Anteriores a sua Entrada em Vigor. 3.1. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR). Conclusão. Referências Bibliográficas.
A Lei 13.786/2018 sancionada em 27 de dezembro de 2018 altera as leis 4.591/1964 (Incorporação Imobiliária) e 6.766/1979 (Parcelamento do Solo Urbano). Tais modificações tem como intuito principal complementar a legislação sobre as consequências do rompimento dos contratos que versam sobre a aquisição de imóveis.
A criação da Lei Ordinária 13.786/2018 adveio da transformação do Projeto de Lei 1220/2015 apresentado pelo Deputado Celso Russomanno, que justificou a criação da referida norma com base na crescente desistência da compra de imóveis, ou seja, no grande número de rupturas de contratos referentes a aquisição de imóveis, que, com a falta de previsão legal acerca do rompimento desses contratos ocasionou a abertura de abundantes demandas perante o judiciário, fazendo-se necessária a criação de nova Lei para alterar a legislação vigente, regulamentando essa temática. (BRASIL, PL, 2015).
Quanto as complementações na Lei 6.766/1979 trazidas pela Lei 13.786/2018, temos a imposição de criação de um quadro-resumo, que deverá constar diversas informações referentes ao contrato, tais como o preço total a ser pago pelo imóvel, a indicação clara dos valores e vencimentos da parcela, além da estipulação em destaque dos valores que podem ser retidos pelo loteador e o que deverá ser restituído ao adquirente em caso de desfazimento do contrato, tendo como o intuito principal informar com transparência as condições do negócio que será realizado entre as partes, garantindo maior segurança jurídica aos contratos realizados posteriores as alterações.
Com isso, o presente projeto se delimita em analisar os impactos trazidos pela Lei 13.786/2018 relacionados à extinção do contrato de compra e venda sob a égide da Lei de parcelamento de solo urbano (artigos 26-A, 32-A e 35), apontando os principais pontos positivos e negativos nas relações contratuais advindas da alteração legislativa.
Os impactos expressivos trazidos Lei do Distrato são inúmeros e os mais sentidos são em relação ao texto da Lei de Incorporações Imobiliárias (4.591/1964), dentre elas:
(i) Obrigatoriedade de o contrato conter quadro-resumo;
(ii) Permissão (agora legal) do que se intitula “cláusula de tolerância”, ou seja, autorização de dilação do prazo de entrega do imóvel por até cento e oitenta dias corridos da data estipulada no contrato;
Vale ressaltar que o entendimento de que dispositivo apenas trata da extinção do contrato de promessa de compra e venda sob os aspectos da Lei de Incorporação Imobiliária (artigos 43-A e 67-A), uma vez que tal fundamento era obscuro e gerava enorme passivo judicial. E por conta disso, tal legislação foi denominada de Lei do Distrato.
Inicialmente, é preciso lembrar que no Direito Civil brasileiro, os contratos são instrumentos vinculantes de direitos e deveres as suas partes, logo, aqueles que possuem capacidades de negociar, firmar pacto e assumir responsabilidades. Por sua vez, estes termos jurídicos oferecem as garantias necessárias para resguardar os direitos dos pactuantes.
Importante citar que, desde o ano de 2001, quando a Medida Provisória 2.221/2001 foi convertida na Lei 10.931/2004, que alterou o art. 32, § 2º da Lei 4.591/64, se determinou a irrevogabilidade de tal instrumento.
Assim, é possível concluir que desde deste ano até a aprovação da Lei 13.786/2018, que uma vez, assinado contrato de promessa de compra e venda de unidade alienada sob o regime da incorporação imobiliária, não poderia, mais por livre arbítrio, de maneira unilateral e imotivada, se arrepender do negócio, pleiteando o encerramento da relação contratual, mediante alguma das formas permitidas pela resilição unilateral.
A irretratabilidade da tal instrumento jurídico justifica-se uma vez que a incorporação imobiliária somente pode prosperar, evidentemente, caso a coletividade dos adquirentes cumpra suas obrigações, através principalmente do dispêndio de valores. A partir do momento em que uma parte dos adquirentes resolve pura e simplesmente encerrar o negócio ora pactuado e formalizado de maneira contratual, o sucesso da incorporação imobiliária começa a apresentar a riscos.
De toda sorte, sabe-se que o Código Civil dispõe sobre a extinção dos contratos de qualquer natureza, de maneira geral, permitindo a extinção dos contratos por acordo entre as partes (distrato – art. 472) ou, ainda, por resolução quando há (i) descumprimento contratual (art. 475) ou (ii) onerosidade excessiva (art. 478).
Entende-se, desta forma, que a redação do art. 32, § 2º, da Lei 4.591/1964, é transparente quando a sua norma e foi utilizada pelos tribunais para permitir a extinção do contrato não apenas nas hipóteses de distrato ou resolução; porém, também, em casos onde havia arrependimento expresso ou qualquer outra hipótese que não justificasse a quebra da relação contratual, se justificando apenas da vontade unilateral do adquirente.
A Súmula nº 1, do Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, pode levar a interpretação de que o adquirente tem a possibilidade de extinguir o contrato de forma unilateral e sem qualquer motivação[2]:
Súmula 1. O Compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem.
Dados estatísticos demonstram, por exemplo, que, em 2016, mais de quarenta mil unidades tiveram as vendas canceladas até novembro, o equivalente a 44% das vendas totais no período[3].
Diante disso, imediatamente o mercado imobiliário se posicionou favorável a mudança da legislação, solicitando que a jurisprudência brasileira fosse modificada, permitindo que o comprador pudesse encerrar unilateralmente o contrato e sem apresentar qualquer motivo aparente, ou seja, como se fosse admitida a resilição unilateral para extinção do contrato de promessa de venda regulado pela Lei 4.591/1964, dando origem a promulgação da Lei 13.786/2018.
No dia 19 de dezembro de 2019 se comemorou quarenta anos da Lei Lehmann (Lei 6.766/79), que tinha como objetivo principal o uso e organização do ordenamento do solo urbano. Inicialmente, é necessário destacar que esta lei consistiu em um importante marco para o setor de construção civil nos seus primórdios e áureos tempos iniciais. Sua legislação urbanística do Brasil é ainda hoje uma das mais importantes normas deste mercado, tendo ao longo dos anos sofrido modificações através das Leis 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), 9.514/1997 (Lei da Alienação Fiduciária), 9.785/1999, 10.406/2002 (Código Civil), 10.932/2004, 11.445/2007, 12.424/2011, 12.608/2012, 13.465/2017, 13.786/2018, e 13.313/2019.
Loteamento é a subdivisão de gleba (terra) em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes.
Parcelamento do solo urbano é a divisão da terra em unidades juridicamente independentes, com vistas à edificação, podendo ser realizado na forma de loteamento, desmembramento e fracionamento, sempre mediante aprovação municipal. (BRASIL, 1979)
Lei Nº 6.766-79 - Parcelamento do solo urbano no registro imobiliário. O parcelamento do solo urbano tem por finalidade precípua ordenar o espaço urbano destinado a habitação. Para tanto, mister se faz sua divisão ou redivisão, dentro dos ditames legais
É preciso ainda se fazer entendimento que a finalidade urbana do imóvel é exatamente a abrangência da aplicação da Lei 6766/79, na forma do art. 1. E nesse contexto, precisamos destacar que as quatro funções primordiais do solo urbano são: moradia, circulação, lazer e trabalho. O Poder Público ordena sua ocupação de maneira a preservar os interesses da população.
A Lei de Parcelamento de Solo de nº Lei 6.766, de 19 de dezembro de 1979, é federal e trouxe a ordem urbanística atendendo a um desejo social da época, que exigia o controle direto do Poder Público, através do Estatuto da Cidade e pela Constituição Federal de 1988, atrelado, por força do disposto no artigo 30, incisos I, II e VIII da Constituição Federal.
Em relação aos impactos trazidos pela Lei Federal nº 13.786 de 27 de dezembro de 2018, é importante ressaltar primeiramente a inclusão do artigo 26-A, o qual dispõe sobre o quadro-resumo obrigatório nos contratos de compra e venda, cessão ou promessa de cessão de loteamento, tendo como intuito principal apresentar de forma mais detalhada no que se refere aos valores e prazos pertinentes ao negócio jurídico firmado, conforme se verifica a seguir:
I - o preço total a ser pago pelo imóvel;
II - o valor referente à corretagem, suas condições de pagamento e a identificação precisa de seu beneficiário;
III - a forma de pagamento do preço, com indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas;
IV - os índices de correção monetária aplicáveis ao contrato e, quando houver pluralidade de índices, o período de aplicação de cada um;
V - as consequências do desfazimento do contrato, seja mediante distrato, seja por meio de resolução contratual motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do loteador, com destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para os prazos para devolução de valores ao adquirente;
VI - as taxas de juros eventualmente aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de incidência e o sistema de amortização;
VII - as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), em todos os contratos firmados em estandes de vendas e fora da sede do loteador ou do estabelecimento comercial;
VIII - o prazo para quitação das obrigações pelo adquirente após a obtenção do termo de vistoria de obras;
IX - informações acerca dos ônus que recaiam sobre o imóvel;
X - o número do registro do loteamento ou do desmembramento, a matrícula do imóvel e a identificação do cartório de registro de imóveis competente;
XI - o termo final para a execução do projeto referido no § 1º do art. 12 desta Lei e a data do protocolo do pedido de emissão do termo de vistoria de obras.
Com base nos incisos apresentados, bem como em comparação a legislação anterior à alteração trazida, tem-se que, inicialmente as estipulações do contrato eram mais voltadas para as condições mínimas exigidas para a criação e comercialização dos loteamentos, tratando de forma genérica quantos aos valores e prazos impostos na negociação, problema esse que foi corrigido a partir da inclusão dos incisos acima apresentados, dando mais clareza ao comprador a cerca dos ônus que lhe recaem no momento da realização do negócio jurídico.
Ademais, o artigo 26-A em seu inciso VII, destaca sobre a prescrição do ato obrigatório do loteador de informar ao comprador a possibilidade do exercício do direito de arrependimento, previsto no art. 49 da Lei Federal nº 8.078 de 11 de setembro de 1990 ( Código de Defesa do Consumidor), nas relações contratuais de compra e venda, cessão ou promessa de cessão de loteamento firmados em estandes de venda, e fora da sede do loteador ou do estabelecimento comercial, sob sanção de aplicação de rescisão do contrato em justa causa pelo comprador, caso não conste em documento contratual tal informação e tal ausência não seja sanada no prazo de trinta dias, conforme disposto no § 1º do referido artigo.
Porém a nova redação, ao contrário do que é previsto nas alterações produzidas na Lei 4.591/1964, não incluiu na Lei 6.766/1979 a possibilidade de o adquirente receber todos os valores antecipados (inclusive referente a comissão de corretagem), nem a forma de exercício do direito de arrependimento, bem como a irretratabilidade do contrato no caso de não exercício do direito de arrependimento no prazo de sete dias.[4]
A Lei Federal nº 13.786 de 27 de dezembro de 2018, no entanto, dispôs prazo comum de 7 (sete) dias previsto no Código de Defesa do Consumidor, no que entende-se que, o legislador poderia ter concedido prazo maior para os adquirentes exercerem o direito de arrependimento. Principalmente, considerando-se a complexidade do negócio que envolve bens imóveis, cuja aquisição é feita, na maioria das vezes, através de financiamento imobiliário, o que é notório o desequilíbrio de tais prazos.
Vários fatores dificultam uma análise certeira das condições contratuais nos termos de aquisição de imóveis, no prazo legal exposto e, diante disso, quase que excluem o direito de arrependimento do comprador. Isso porque, no momento de realizar um negócio desta natureza, principalmente quando o fim for de moradia própria e da família, muitas vezes, a pessoa é influenciada por circunstâncias que podem levá-las a incidir em erro. Como por exemplo a influência de fator emocional, financeiro e até intelectual na celebração de contratos que envolvem bens imóveis.
No que tange a resolução contratual, decorrente de fato imputado ao adquirente, é mister destacar a previsão legal trazida pelo artigo 32-A, o qual dispõe em seus incisos, acerca dos valores que podem ser retidos pelo vendedor sobre o montante pago pelo comprador, são eles:
- Quanto à fruição do imóvel: limitando-se a 0,75% (setenta e cinco centésimos por cento) do valor corrigido do contrato, iniciando-se a contagem do prazo com a posse do imóvel pelo comprador e finalizado com a sua restituição ao loteador.
- Quanto a Cláusula Penal ou despesas administrativas, inclusive arras ou sinal: restringindo-se a um desconto de até 10% (dez por cento) sobre o valor do contrato devidamente atualizado.
- Quanto aos Encargos Moratórios: deverão ser retidos os valores referentes aos encargos existentes sobre as parcelas pagas pelo adquirente após o vencimento.
- Quanto aos impostos: é permitida a retenção de valores referentes aos débitos de impostos vinculados ao lote, além das despesas pertinentes à transferência do imóvel ao loteador.
- Quanto à comissão de corretagem: é devida na hipótese em que o valor referente à comissão tenha sido integralizado ao preço do imóvel.
Posteriormente, é disposto o prazo de pagamento da restituição, que deverá ocorrer em até doze parcelas, que deverão ser pagas pelo loteador ao comprador, em decorrência da extinção do contrato. A duas hipóteses a serem consideraras, primeiramente quando o loteamento encontra-se em fase de execução de obras, nesse caso a carência para o inicio do pagamento se dá ate 180 dias após a data prevista no contrato para a conclusão das obras, em contrapartida, quando se tratar de loteamento com obras finalizadas, o prazo de carência se conta da oficialização da rescisão contratual, podendo se estender até o período de doze meses.
Depois de efetivada a rescisão contratual, para que seja possível a realização de um novo registro de compra e venda sobre o imóvel, é imprescindível que o vendedor demonstre ter iniciado o pagamento de restituição ao titular do registro cancelado, conforme pactuado entre as partes. Essa exigência será dispensada caso o adquirente não seja encontrado ou não tenha se manifestado acerca da rescisão.
Ainda, é preciso citar através do entendimento do presente estudo que o dispositivo da lei obriga o loteador a indenizar o comprador pelas benfeitorias uteis e necessárias realizadas no imóvel, em caso de rescisão do contrato por inadimplemento do comprador, desde que em conformidade com o contrato ou com a lei. Caso não ocorra o pagamento da indenização no prazo de 60 (sessenta) dias, o loteador ficará obrigado a alienar o imóvel por meio de leilão judicial ou extrajudicial a fim de quitar sua obrigação.
É necessário inicialmente entender que a previsão de lei atual é que após a extinção do registro do imóvel em nome do adquirente, em razão de inadimplência, caso o comprador tenha efetuado o pagamento de mais de 1/3 (um terço) do valor estipulado no contrato, somente poderá ocorrer um novo registro, se o vendedor comprovar a quitação da parcela única ou o pagamento da primeira referente a quantia a ser restituída ao titular do registro cancelado, ademais, se faz necessária a apresentação do distrato assinado pelas partes. Todavia, a obrigatoriedade em se apresentar comprovação de pagamento será dispensada quando convencionado pelas partes e disposto expressamente no documento de distrato.
Para este estudo, precisávamos entender se os efeitos da extinção contratual decorrentes da Lei 13.786/2018 deverão ser aplicados aos contratos firmados antes da vigência da lei.
Inicialmente, é preciso lembrar, nos termos do art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. No mesmo sentido, o art. 6º, da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei 4.657, de 4 de setembro de 1942) determina que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”.
É necessário inicialmente entender que ato jurídico perfeito é aquele previsto no §1º, do art. 6º, do mesmo Decreto-lei, ou seja, “o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”. Segundo Maria Helena Diniz[5], o ato jurídico perfeito “é o que já se tornou apto para produzir os seus efeitos”. Ainda segundo a autora, “se o contrato estiver em curso de formação, por ocasião da entrada em vigor da nova lei, esta se lhe aplicará na fase pré-contratual, por ter efeito imediato”. No exato e mesmo sentido é a doutrina de Carlos Maximiliano[6], para quem “não se confundem contratos em curso e contratos em curso de constituição; só estes a norma hodierna alcança, não aqueles, pois são atos jurídicos perfeitos”.
Assim, em princípio, com fundamento na proteção do ato jurídico perfeito, a nova lei não alcançaria os contratos celebrados e eficazes antes da vigência da Lei 13.786/2018[7].
Novamente citando, Maria Helena Diniz[8], “é o que já se incorporou definitivamente ao patrimônio e à personalidade de seu titular, de modo que nem a lei nem fato posterior possa alterar tal situação jurídica, pois há direito concreto, direito subjetivo e não direito potencial ou abstrato”, pode-se ter o mesmo entendimento de retroatividade do direito adquirido. O exemplo dado pela autora, diga-se, nos faz imaginar que foi utilizado para basear a Lei 13.786/2018, já que segundo Maria Helena Diniz, “se ‘A’ vier a comprar um apartamento de conformidade com as condições e formalidades impostas pela Lei ‘X’, a edição da norma ‘Y’, modificando aqueles requisitos, não terá eficácia sobre o direito adquirido anteriormente”.
Porém, a questão ainda é conflitante de entendimento e discutida caso a caso nos tribunais brasileiros.
Em 2019, diante de 1.766 processos suspensos, aguardando decisão, o TJTO pacificou as teses de compras e venda de lotes urbanos julgou com base na Lei 13.786/2018, julgando o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), proposto pelo Laguna Empreendimentos Imobiliários Ltda. em razão de ação movida por Vicente Resende Teles na 1ª Vara Cível da Comarca de Porto Nacional.
Tais teses eram em razão do comprador propor a anulação do negócio, recebendo de volta os valores já pagos, fazendo valer o direito de arrependimento trazido pela Lei 13.786/2018.
O acordão, aprovado por unanimidade e relatado pelo desembargador Ronaldo Eurípedes, foi publicado no dia 21 de fevereiro de 2019:
O IRDR foi admitido pelo Tribunal Pleno, por unanimidade, para serem analisada a tese acerca do seguinte tema: Compra e Venda de Lote Urbano. Rescisão Contratual pelo adquirente. Aplicabilidade do CDC. Percentual a ser devolvido ao adquirente. Incidência e termo a quo de correção monetária e juros de mora. Aplicabilidade de multa prevista no Contrato e sua base de cálculo. Abatimento das despesas custeadas pelo empreendimento responsável pelo Loteamento Urbano. Possibilidade de desconto dos tributos incidentes sobre o imóvel. Possibilidade de retenção do valor referente ao “sinal do negócio”.
E a decisão trouxe oito teses. Que são[9]:
Tese 1: Os contratos de compromisso de compra e venda de lotes urbanos configuram-se como contratos de adesão.
Tese 2: As teses firmadas estão direcionadas aos casos em que o comprador deu causa ao desfazimento do negócio.
Tese 3: Tratando-se de relação de consumo, devem ser aplicadas as regras do Código de Defesa do Consumidor.
Tese 4: Os valores a serem retidos pela empresa administradora devem respeitar o disposto no Artigo 32-A, incisos I a V, da Lei 6.766/79, com redação dada pela Lei 13.786/2018.
Tese 5: Incidirá correção monetária desde a data do desembolso de cada parcela pelo comprador, aplicando-se o índice INPC. Os juros de mora incidirão desde o trânsito em julgado da ação.
Tese 6: É devido o desconto do valor referente ao IPTU incidente sobre o imóvel, nos termos do Artigo 32-A, inciso IV, da Lei 6.766/79, redação dada pela Lei 13.786/18.
Tese 7: A restituição dos valores pagos ao comprador deverá ocorrer nos moldes no §1º e seguintes do Artigo 32-A, da Lei 6.766/18 (redação dada pela Lei 13.786/18) no prazo de até 12 meses, respeitadas as carências legais.
Tese 8: A indenização por fruição deverá obedecer a regra estabelecida junto ao inciso I, do Artigo 32-A, da Lei 6.766/18 (redação dada pela Lei nº 13.786/18).
Apesar do supra citado acórdão estar circunscrito ao estado do Tocantins, certamente terá repercussão positiva nos Tribunais do Brasil, já que foi o primeiro IRDR a tratar da rescisão em loteamento, e, ao levar em consideração a nova Lei 13.786/18, ainda contribuirá para a uniformidade das decisões judiciais e precedentes, atendendo os princípios da segurança jurídica, reforçando o direito de arrependimento, assim como da proteção da confiança e da isonomia no mercado imobiliário.
Não se pode negar e há de se admitir que a iniciativa da Lei 13.786/2018, se mostrou como sendo uma grande evolução para o Direito Urbanístico/Imobiliário, trazendo uma maior transparência no tocante a realização dos negócios jurídicos de compra e venda, cessão ou promessa de cessão de loteamento, apresentando novos paradigmas sobre os quais deverão ser firmados os contratos a partir da publicação da referida lei.
A partir da analise da lei 6766/1997 verifica-se que a preocupação principal existente no momento de sua criação era regimentar sobre os requisitos para a abertura de um loteamento, a forma de realizar seu registro, estabelecendo assim as condições mínimas para a criação e comercialização dos loteamentos, não especificando tão profundamente em relação à estipulação dos valores no momento da negociação, conferindo muita liberdade às imobiliárias para regerem seus contratos, os quais, na maioria das vezes não detinham todas as informações necessárias ao comprador.
Assim, um dos pontos de maior relevância trazidos pela Lei 13.786/2018, diz respeito à obrigatoriedade em se apresentar um quadro-resumo em todos os contratos de compra e venda, cessão ou promessa de cessão de loteamento, contendo informações antes não especificadas com tanta veemência, desde o valor total do imóvel a ser adquirido, como também a forma de pagamento, mediante indicação clara dos valores e vencimentos das parcelas, devendo conter também a taxa de juros a ser aplicada e até mesmo as consequências do desfazimento do contrato, dentre outras.
Diante do exposto, é incontroverso que a Lei 13.786/2018 conseguiu preencher a lacuna existente na Lei 6766/1997, trazendo maiores informações nos contratos que serão firmados, demonstrando ao comprador exatamente o que está sendo acordado e as consequências de um possível desfazimento da relação contratual, trazendo maior segurança jurídica as partes, bem como evitando a disparidade em relação as resoluções jurisprudenciais.
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[1] Prof. Me. No curso de Direito na Universidade UNIRG, Gurupi/TO.
[2] https://www.tjsp.jus.br/Download/SecaoDireitoPrivado/Sumulas.pdf
[3] https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-destoa-de-outros-paises-ao-permitir-distrato-de-imoveis-mostra-estudo,70001652039 – Acesso 15/11/2020
[4]https://jus.com.br/artigos/83039/do-direito-de-arrependimento-na-aquisicao-de-unidade-imobiliaria-em-incorporacao-imobiliaria-e-em-loteamento-urbano - Acesso em 15/11/2020.
[5] DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 12ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2007, p. 191.
[6] MAXIMILIANO, Carlos. Direito Intertemporal. Freitas Bastos: Rio de Janeiro, 1946
[7] Esse entendimento também parece ser o adotado nos termos da Ação Direta de Inconstitucionalidade 493, cujo relator foi o Min. Moreira Alves (julgada em 25 de junho de 1992) e, mais recentemente, no Ag. Reg. no Recurso Extraordinário 393.021-4, cujo relator foi o Min. Celso de Mello (julgado em 25 de novembro de 2003).
[8] DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 12ª ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2007, p. 19
[9] INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDA REPETITIVA N.º 0009560-46.2017.827.0000
Estudante, acadêmico do Curso de Direito do 10º Período.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Fernando Coêlho da. Lei 13.786/18: Uma Análise dos Impactos da Norma Quanto a Resolução Contratual na Aquisição de Imóveis em Parcelamento de Solo Urbano. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2020, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55683/lei-13-786-18-uma-anlise-dos-impactos-da-norma-quanto-a-resoluo-contratual-na-aquisio-de-imveis-em-parcelamento-de-solo-urbano. Acesso em: 23 dez 2024.
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