GILSON RIBEIRO CARVALHO FILHO[1]
(orientador)
Resumo: A Síndrome de Alienação Parental é uma tese proposta pelo psiquiatra Richard Gardner, que descreve uma série de condutas que visam atrapalhar o relacionamento entre uma criança ou adolescente e um de seus genitores, ocorrendo predominantemente em contexto de divórcio. Tais atos promovem uma verdadeira campanha difamatória, que transforma a prole em objeto de disputa e vingança. A Lei n° 12.318/2010 (Lei de Alienação Parental) foi criada com o escopo de coibir os genitores de praticarem quaisquer atos, que visem prejudicar o vínculo existente entre a criança e o outro responsável, atribuindo, para tanto, diversas penalidades ao alienador. Entretanto, a lei vem sendo utilizada de forma equivocada, especificamente em casos onde um dos genitores denuncia o outro por abusar sexualmente do filho. Trata-se de um impasse jurídico de ampla complexidade, vez que tanto o abuso sexual quanto a prática de alienação parental são situações de difícil comprovação. O objetivo do presente trabalho é analisar a Síndrome de Alienação Parental e a Lei de Alienação Parental no Brasil, destacando as fragilidades e inconsistências da tese e da norma. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise qualitativa de artigos acadêmicos de referência e material doutrinário referente ao tema.
Palavras-chave: Direito de Família. Alienação Parental. Abuso sexual infantil.
Abstract: The Parental Alienation Syndrome is a thesis proposed by psychiatrist Richard Gardner, which describes a process of conduct aimed at disrupting the relationship between a child or adolescent and one of their parents, occurring predominatly in the context of a divorce. Such acts promote a true defamatory campaign, which turns the offpring into an object of dispute and revenge. Law No. 12,318/2010 (Parental Alienation Law) was created with the intention of preventing parents from practicing any acts, which aim to harm the child. existing bond between the child and the other responsible, attributing, for this purpose, several penalties to the alienator. However, the law has been misused, specifically in cases where one parent denounces the other for sexually abusing the child. The objective of the present work is to analyze the Parental Alienation Syndrome and the Parental Alienation Law in Brazil, highlighting the weaknesses and inconsistencies of the thesis and the norm. This is a bibliographic research, carried out from the qualitative analysis of academic reference articles and doctrinal material related to the theme.
Keywords: Family law. Parental Alienation. Child sexual abuse.
Sumário: Introdução. 1. A Síndrome da Alienação Parental. 2. A Alienação Parental no Direito Brasileiro: Lei 12.318/2010. 3. O Desvio de Aplicação da Lei 12.318/2010 nas Denúncias de Abuso Sexual Infantil. 3.1 Sobre o atendimento ao Princípio do Melhor Interesse da Criança. Conclusão. Referências Bibliográficas.
O fim de um relacionamento é difícil, ainda mais envolvendo filhos. Eis um cenário fértil para uma batalha de egos, disputas de poder e ofensas de todos os níveis. Neste contexto, foi fomentada pelo psiquiatra Richard Gardner a teoria da Síndrome Alienação Parental, onde uma campanha difamatória é direcionada contra um dos genitores, atos motivados por vingança com intuito de atrapalhar o relacionamento existente entre o genitor e o filho.
Com base nesta tese foi criada a Lei n° 12.318/2010 que apresentava como principal objetivo a preservação dos interesses do menor. Assim, a referida lei trouxe consigo um conjunto de condutas que caracterizam a existência de alienação parental, bem como apresentou as punições a serem atribuídas ao alienante. Apesar do louvável intuito de coibir as práticas de alienação parental, seu texto legal apresenta pontos que merecem uma maior atenção e cuidado pelos profissionais do direito antes de serem aplicados ao caso concreto, pois poderiam dificultar a realização de denúncias de abuso sexual infantil praticada por familiares, além de desvalorizar os relatos de violência apresentados.
No contexto supracitado, pais abusadores sexuais poderiam utilizar o argumento da ocorrência da prática de alienação parental para se defenderem de processos nos quais são acusados por abuso sexual infantil, alegando que se trata de uma falsa acusação, motivada pelo desejo de vingança ou desavença. Com a utilização deste argumento, o agressor sexual se livraria da acusação e poderia até conseguir a guarda unilateral da criança. Casos como este trabalham de forma diametralmente oposta ao princípio do melhor interesse da criança, um dos princípios basilares que regem a ampla proteção aos direitos conferidos às crianças e aos adolescentes, bem como caracteriza uma afronta à dignidade da mulher.
O presente trabalho busca analisar a possibilidade de desvio de aplicação do real sentido da Lei n° 12.318/2010, através da investigação da tese que a embasou, das suas disposições legais e da crescente utilização do instituto da alienação parental como argumento de defesa em face de denúncias de abuso sexual infantil praticado por um dos genitores. Tal pesquisa busca responder o seguinte questionamento: A Lei de Alienação Parental pode desestimular as denúncias de abuso sexual infantil praticado por um dos genitores?
Para responder tal questionamento, o trabalho foi dividido em três capítulos: no primeiro descreve-se de forma sucinta a Síndrome de Alienação Parental. No segundo capítulo, será estudado o teor da norma em vigor no Brasil, e no terceiro capítulo será analisada a possibilidade de desvio do objetivo da norma em caso de denúncia de abuso sexual praticado por um dos genitores.
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a possibilidade de desvio do objetivo central da norma, que é proteger as relações familiares da criança no contexto de um divórcio, conforme o princípio do melhor interesse da criança.
Os objetivos específicos do presente trabalho são estudar o contexto de criação da tese da Síndrome de Alienação Parental, considerando sua relevância científica; analisar os aspectos da Lei 12.318/2010, bem como os reflexos decorrentes de sua aplicação em nosso ordenamento jurídico e identificar pontos negativos em especial no que se refere às denúncias de abuso sexual praticado por um dos genitores.
A pesquisa tem como referencial teórico o trabalho da jurista portuguesa Maria Clara Sottomayor (2011), Souza (2019), e, o criador da teoria ora estudada, Richard Gardner (2002).
A metodologia de pesquisa utilizada foi predominante de cunho bibliográfico, realizada através de análise de livros e produção acadêmica sobre o tema. Diante da problemática apresentada, optou-se por realizar pesquisa por abordagem qualitativa, visto que é o tipo de pesquisa que predomina na área jurídica, pois se permite a análise dos dados sob a ótica do investigador.
A Síndrome da Alienação Parental – SAP é um termo que surgiu nos Estados Unidos, em meados dos anos 80, sendo definida pelo professor de psiquiatria infantil da Universidade de Columbia – EUA Richard Gardner como sendo:
um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. (GARDNER, 2002).
Para Gardner (2002), a SAP resultaria do conjunto de instruções dadas por um dos genitores, através de uma espécie de “lavagem cerebral” feita na criança, para que esta passe a cultivar um sentimento de rejeição perante o outro responsável. De acordo com o psiquiatra, o contexto no qual se verifica uma maior ocorrência de tais práticas vem a ser nos casos de divórcios litigiosos, em que há disputas judiciais pela regulamentação da guarda e das visitas aos filhos.
Segundo Rolf Madaleno (2018), tais atos são direcionados contra o genitor que não detêm a guarda, conhecido como alienado, e podem ser realizados de diversas maneiras, onde o genitor-alienante passa a manchar a imagem do outro perante a criança, utilizando-se de comentários suaves, indelicados e desagradáveis, manipulando o menor para que este se sinta inseguro na presença do outro progenitor, valendo-se até mesmo de chantagens emocionais e ameaças para prejudicar o vínculo existente entre pai e filho.
Muito se discute acerca da manifestação da SAP no que se refere aos papéis de genitor-alienante e genitor-alienado. Trindade (2017) afirma que a Síndrome da Alienação Parental se manifesta principalmente em ambientes onde a mãe é a pessoa alienante. Isto decorre da tradição que recomenda o cuidado dos filhos menores as mães, visto que estas seriam mais indicadas para exercer a guarda das crianças. Entretanto, esta circunstância não deve ser tida como regra, visto que qualquer um dos genitores poderá se tornar um alienante e alienado.
Gardner (2002) elencou ainda um conjunto de sintomas, de leves a moderados, que aparecem nas crianças que sofrem atos considerados como alienação, são eles:
I. Uma campanha denegritória contra o genitor alienado.
II. Racionalizações fracas, absurdas ou frívolas para a depreciação.
III. Falta de ambivalência.
IV. O fenômeno do “pensador independente”.
V. Apoio automático ao genitor alienador no conflito parental.
VI. Ausência de culpa sobre a crueldade a e/ou a exploração contra o genitor alienado.
VII. A presença de “encenações encomendadas”.
VIII. Propagação da animosidade aos amigos e/ou à família extensa do genitor alienado.
Apesar de serem elencados oito sintomas, o psiquiatra afirma que não necessariamente se verificarão todos juntos, principalmente nos casos menos graves. Já quando os casos leves progridem para moderado ou severo, a probabilidade de se verificarem a maioria ou até mesmo todos os sintomas é maior. Isso se deve ao fato de que as crianças assemelham-se umas as outras, o que tornaria o diagnóstico mais fácil e preciso. (GARDNER, 2002).
Embora o estudo acerca da SAP tenha se espalhado pelo mundo, o trabalho de Gardner foi duramente criticado por instituições e profissionais de saúde mental. Uma das críticas diz respeito ao fato de que Gardner fez carreira como psiquiatra forense, atuando em mais de 400 (quatrocentos) casos de divórcio litigioso, fazendo crer que teria criado a SAP para utilizá-la como arma de defesa nos processos que atuava. (A PÚBLICA, 2017).
Outro ponto a ser ressaltado é o fato da SAP não ser considerada uma síndrome propriamente dita, mesmo possuindo tantos apoiadores. Isso decorre do fato de que a SAP não foi incluída na lista que elenca todos os distúrbios mentais já identificados, conhecido como Manual de diagnóstico e estatística dos transtornos mentais (DSM-5). (A PÚBLICA, 2017).
Por esse motivo, o Brasil não reconheceu o termo síndrome, decorrente da teoria de Richard Gardner, entretanto, a tese serviu como base para a criação da Lei n° 12.318/2010, que versa sobre a Alienação Parental. (Machado, 2019).
É importante destacar que apesar de serem considerados sinônimos, os conceitos da Síndrome da Alienação Parental e a Alienação Parental propriamente dita não se confundem, conforme se vê abaixo:
Aquela geralmente é decorrente desta, ou seja, a alienação parental é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, via de regra, o titular da custódia. A síndrome, por seu turno, diz respeito às seqüelas emocionais e comportamentais de que vem a padecer a criança vítima daquele alijamento. (Fonseca, 2007).
Deste modo, verifica-se que a SAP diz respeito à conduta do menor em se distanciar do genitor alienado, sofrendo com as consequências emocionais decorrentes do rompimento do vínculo entre a criança e seu progenitor. Enquanto a Alienação propriamente dita se refere aos atos praticados por um dos genitores visando o afastamento do outro progenitor da vida do filho.
Conforme já mencionado, tanto a SAP quanto a Alienação Parental apresentam maior incidência nas situações em que há a dissolução matrimonial, principalmente quando se verifica uma disputa acalorada pela guarda da criança. Esses conflitos acabam por fazer criar entre os genitores, ou apenas um deles, um sentimento de animosidade, o qual, ao decorrer do tempo, passa a influenciar o vínculo dos progenitores com os filhos. (Figueiredo, 2013).
É imperioso destacar que as condutas tidas como Alienação Parental não ocorrem apenas nas relações entre pais e filhos, podendo, tal prática, ser realizada por outros familiares, como, por exemplo, os avós, madrastas, tios e qualquer outra pessoa que tenha a criança sob sua autoridade, guarda ou vigilância.
Deste modo, nota-se que o instituto da Alienação Parental é tão amplo quanto às relações familiares, de parentesco e por afinidade, existentes em nossa sociedade. Além disso, é cedido que este fenômeno sempre existiu, razão pela qual o nosso ordenamento jurídico, mais especificamente o Direito Civil, já previa meios para a detenção de tais práticas, apesar de apresentar certas lacunas que foram supridas após a promulgação da Lei n° 12.318/2010. (Figueiredo, 2013).
Apesar da possibilidade de reconhecer a ocorrência da Alienação Parental e a importância de seu combate, a tese de Gardner foi muito criticada no âmbito de sua aplicação, uma vez que a mesma não foi incluída no Manual de Transtorno Psiquiátricos (DSM-V), bem como ausente o reconhecimento do seu diagnóstico pela Organização Mundial de Saúde.
Ademais, a elaboração da lei ocorreu à sem aval do Conselho Federal de Psicologia, que criticou duramente os diagnósticos da síndrome, bem como a judicialização do mesmo, apontando que as dificuldades de relacionamento e recusa de crianças em conviver com um dos genitores são motivados por causas multifatoriais, não necessariamente geradas por campanhas de difamação planejadas contra o outro genitor.
Conforme entendimento de Madaleno (2017) a definição e delimitação do conceito sobre a alienação parental é uma tarefa complexa, visto que envolve conflitos familiares que provêm de aspectos emocionais e psicológicos das partes envolvidas que não necessariamente estão interligados com o divórcio dos genitores.
No projeto de Lei sobre a Alienação Parental, os legisladores tentaram delimitar e prever sanções para condutas que obedecem a uma dinâmica peculiar e privada, em circustâncias em que é difícil definir parâmetros, pois cada família possui uma dinâmica peculiar no caso concreto. A judicialização de conflitos familiares por si só já é prejudicial para as partes envolvidas, complicando-se ainda mais quando se discute acusações e disputas de poder entre os pais da criança ou adolescente. A possibilidade de mediação não foi contemplada na Lei de Alienação Parental.
A Síndrome de Alienação Parental é alvo de diversas críticas contundentes, inicialmente direcionadas à atuação de Richard Gardner em processos de disputa da guarda, que sempre atuava em favor de homens, além de, em grande parte de seus trabalhos, desqualificar as mulheres, acusando-as de mentir em suas denúncias de abusos e/ou maus tratos.
Suas publicações contêm posicionamentos polêmicos sobre temas como pedofilia e incesto, tratando tais condutas como normais. Suas teses também apresentam sinais de discriminação das mulheres, sexismo, misoginia, com posicionamentos pró-pedofilia e relativização de abuso infantil. Suspeita-se que sua tese foi desenvolvida com intuito de facilitar a defesa de pais abusadores, desqualificando as denúncias das mães, de forma diametralmente oposta ao princípio do melhor interesse da criança.
Há diversas autoridades do Direito que criticam tal síndrome, como a ex-juíza do Tribunal Constitucional português Maria Clara Sottomayor (2011), que questiona sua validade científica e considera que a teoria apresenta “soluções fáceis e lineares para resolver problemas complexos, simplificando o processo de tomada de decisão”. Sobre o tema, a jurista destaca:
A investigação científica sobre o impacto do divórcio nas crianças e a experiência dos profissionais que lidam com as famílias revelam que a recusa da criança é uma reacção normal ao divórcio e que assume um carácter temporário. A maneira de os tribunais lidarem com a recusa da criança tem que ser cautelosa, entrando em diálogo com ela para conhecer os seus motivos, sem impor medidas pela força, as quais só vão aumentar o conflito e reforçar o sofrimento da criança. O fenómeno da recusa das crianças à relação com um dos pais é sempre multi-factorial, não resultando de uma só causa, como pretende a tese da síndrome da alienação parental, que faz a rejeição da criança derivar necessariamente de uma campanha difamatória levada a cabo por um dos pais contra o outro. (Sottomayor, 2011).
Conforme já mencionado, o estudo acerca da Síndrome da Alienação Parental se espalhou pelos tribunais em todo o mundo e apesar de não ser reconhecido o termo síndrome pelo Brasil, a pesquisa serviu de inspiração para a elaboração da Lei n° 12.318/2010. Também conhecida como Lei de Alienação Parental, essa norma surgiu como uma nova ferramenta para os operadores do direito, de modo a suprir a lacuna existente em nosso ordenamento jurídico atinente ao enfrentamento da alienação parental, objetivando a defesa dos direitos das crianças e adolescentes, previstos na Constituição Federal. (Souza, 2018).
O projeto de Lei nº 4.053/08, apresentado pelo deputado Régis de Oliveira, apresentava como principal objetivo inibir a ocorrência da alienação parental, bem como os atos que viessem a prejudicar o vínculo existente entre o filho e seus genitores. (Brasil, PL, 2008).
Após o devido trâmite, o projeto de Lei foi aprovado e a Lei de Alienação Parental foi promulgada em agosto de 2010, entrando em vigor na data de sua publicação, e, trouxe consigo um acervo de informações acerca do instituto da Alienação Parental, inclusive as formas de punição quando verificada a prática de atos reconhecidos como sendo de alienação.
O artigo 2°, CAPUT, define o que vem a ser um ato de alienação, conceituando como sendo
a interferência realidade na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (Brasil, 2010).
O parágrafo único deste mesmo artigo prevê ainda um conjunto de condutas consideradas como alienação parental, sem prejuízo das ações reconhecidas pelo juiz ou constatadas mediante perícia, são elas:
I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV- dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V- omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. (Brasil, 2010).
Outro tópico bastante relevante na referida norma diz respeito às penalidades que o progenitor poderá sofrer caso fique comprovada a realização de condutas de alienação parental, podendo, até mesmo, ser retirada sua autoridade parental, em decorrência da gravidade ou reiteração da prática da alienação.
Apesar de muitos questionamentos acerca da imprescindibilidade de sua modificação, a Lei de Alienação Parental apresenta apenas duas mudanças desde sua elaboração, mais precisamente dois de seus artigos que foram vetados quando ainda tramitava o Projeto de Lei nº 4.053/08.
Seu artigo 9º previa a possibilidade de realização de mediação para a solução dos litígios familiares, priorizando-se o acordo para regulamentar as questões controvertidas entre os progenitores. Contudo, essa proposta não foi aprovada, pois contraria a aplicação do princípio da intervenção mínima, no qual, as medidas utilizadas para garantir a proteção da criança e adolescente deveriam ser exercidas exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável. Outro ponto citado diz respeito ao fato daa convivência familiar se tratar de um direito indisponível, o qual não poderá ser apreciado por meio extrajudicial. (Brasil, 2010)
Já o artigo 10 acrescentava um parágrafo único ao artigo 236 do Estatuto da Criança e do Adolescente, onde se previa uma pena para quem apresentasse falso relato a autoridade judiciária, membro do conselho tutelar ou representante do MP, com o intuito de restringir a convivência da criança ou adolescente com seu genitor. O motivo para seu veto foi o fato de já existirem mecanismos de punição suficientes para evitar a prática de atos de alienação parental, de modo que os efeitos dessa nova pena poderiam até mesmo ser prejudiciais à própria criança ou adolescente, dificultando assim, a efetivação do que se objetiva com a referida Lei.
Assim, mesmo com diversas críticas a Lei 12.318/2010, além de muitos pedidos de alteração e até mesmo revogação de seu texto legal, desde sua promulgação não foi alterado nenhum dispositivo. Recentemente, a senadora Leila Barros (PSB-DF) apresentou um projeto de lei que promove o aprimoramento da referida norma, baseado nas sugestões enviadas por coletivos e associações de mães interessadas no tema. (Metrópoles, 2020).
O projeto de lei foi aprovado em fevereiro de 2020 pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) e a proposta seguiu para análise junto a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), não apresentando quaisquer atualizações até o presente momento.
Conforme já explanado anteriormente, a Síndrome da Alienação Parental, elaborada por Richard Gardner, espalhou-se pelo mundo, influenciando nas decisões proferidas pelos tribunais de variados países. Vale ressaltar que, apesar de não terem sido criadas leis propriamente ditas para a resolução dos conflitos provenientes da Alienação Parental, a teoria de Gardner foi amplamente utilizada e aplicada em normas já vigentes e na tendência de julgamento dos tribunais.
No Brasil, é incontroverso que a Lei n° 12.318/2010 foi desenvolvida com grande influência da pesquisa de Gardner acerca da Síndrome da Alienação Parental. Entretanto, diversos países elaboraram e até mesmo já revogaram leis com a mesma temática, como o México, Uruguai e Catalunha. Segundo Sottomayor (2011), “Esta teoria nunca foi aceite nos EUA, com o valor de precedente judiciário, mas continua a funcionar como uma sedução para os Tribunais, nalguns países, e também em Portugal, [...]”.
Diante todo o exposto, é incontroverso que a teoria fomentada por Richard Gardner é polêmica, sem muito embasamento científico concreto, formulada com argumentos controversos, que somados à sua conduta como profissional tornam extremamente frágil à teoria da Síndrome de Alienação Parental. Do mesmo modo, a Lei n° 12.318/2010 demonstra- se um instrumento ambíguo que pode respaldar verdadeiras injustiças, sendo uma das mais graves forçar a manutenção do contato de uma criança abusada por seu genitor, ou até mesmo embasar a retirada do poder pátrio do progenitor que denunciou o abuso, sob a justificativa de que este realizou falsa denúncia de abuso sexual.
Apesar do contexto que a Lei de Alienação Parental no Brasil foi criada, é preferível crer que os objetivos da mesma são nobres, no caso, defender o melhor interesse da criança e sua proteção integral. Entretanto, seu campo de atuação é bastante delicado, pois busca tutelar dinâmicas internas familiares situadas em uma disputa gerada por o fim de um relacionamento amoroso, o que por si, deixa os ânimos das partes à flor da pele.
O contexto que a legislação atua é belicoso, trata-se de uma disputa que envolve egos, mágoas, onde o menor pode ser tornar uma “moeda de troca” utilizada para chantagens e ameaças, com único intuito de ferir um dos lados do relacionamento acabado. A caracterização de manipulação da criança por uma das partes é de difícil constatação, necessita de laudos de assistentes sociais e psicólogos.
Somado a esse contexto, os estudos que a embasaram carecem de validação científica, além do comportamento questionável de seu mentor. Outro problema é que seu texto apresenta disposições e lacunas que podem gerar um mau uso da legislação, podendo ser especialmente prejudicial à mãe (que geralmente fica com o filho) ou à criança, que seria supostamente o maior tutelado pela norma.
A situação se complica ainda mais quando há acusação de abuso sexual por parte de um dos progenitores. Neste contexto, quando um dos genitores constata que o filho foi vítima de abuso por parte do outro genitor, e o denuncia, abre-se uma brecha na legislação que pode vir a prejudicar a criança, visto que o genitor abusador pode valer-se de dispositivo da Lei de Alienação Parental, que descreve como uma das formas exemplificativas a seguinte possibilidade: “VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; [...]” (BRASIL, 2010)
A confirmação de abuso sexual nem sempre é fácil, assim como a constatação da suposta Síndrome de Alienação Parental. Diante destas dificuldades, a criança é a maior prejudicada, sendo objeto de disputa em conflitos de seu lar, estendido às esferas judiciais. Diante destas brechas e instabilidades, há casos em que o progenitor abusador utiliza-se da Lei de Alienação Parental pra eximir-se do crime que é imputado. Nesse sentido:
A aplicação da referida lei foi e é um elemento de agressão física e psicológica não só as mães, mas também as crianças. Com esta lei, as denuncias de abuso sexual de vulnerável, encontraram nela um forte aliado para defesa. O abusador, para eximir-se do crime, alega alienação parental, invertendo as posições no processo, onde a denunciante, geralmente as mães tornam-se réus e os pais são vistos como vítimas, “bonzinhos”, e a criança é colocada em risco de vida, acontecendo inúmeros casos de crianças que são mortas pelos país e madrastas. (ALONSO, 2016)
Ainda nas palavras de Alonso (2016), sobre a Lei de Alienação, esta “tem mais o intuito intimidatório e penalizador, na medida em que o Estado se levanta contra o cônjuge que quer a proteção da criança, favorecendo o abusador, [...]”. Vê- se que o processo pode se tornar instrumento de perpetuação de controle e autoridade praticados pelo agressor em face das vítimas. Pode-se afirmar que:
está ocorrendo um considerável uso da justiça e uma excessiva transformação de lides em doença psicológica, as quais não viriam a ser, seriam apenas fatos que na maioria das vezes se enquadrariam perfeitamente em problemas advindos de fins de relacionamentos e que deveriam ser solucionados entre as partes visando os interesses principalmente ao que diz respeito aos filhos em questão. (ESTARQUE, 2018).
Vê-se, portanto, que tanto a Síndrome de Alienação Parental quanto à Lei de Alienação Parental editada no Brasil em vez de proteger a integridade da família e o melhor interesse da criança acaba fundamentando litigâncias abusivas, banalizando e invocando o Poder Judiciário sem necessidade, e principalmente, desvirtuando a finalidade da lei, a ponto de fragilizar a proteção da criança e do adolescente.
É frequente que um dos progenitores, de má-fé, entre com uma ação autônoma ou incidental alegando ser vítima de alienação parental, objetivando induzir o outro genitor a fazer algo de seu interesse, como obter acordo de pensão alimentícia, sob a ameaça de ser punido pela lei com a perda de guarda da criança. Constantemente, em ações judiciais que discutem custódia de filhos, reversão de guarda e direito de visita são utilizados erroneamente o argumento da alienação parental por uma das partes, com o intuito de assediar, induzir, chantagear, intimidar e obter vantagens patrimoniais. (SOUZA, 2019)
Deste modo, as Varas de Família vêm tendo seus fins desvirtuados, sendo instrumento de afronta entre cônjuges interessados em atingir um ao outro, ou até mesmo, encobrir abusos e crimes. O Judiciário acaba se tornando conivente com falsas acusações de Alienação Parental, que podem acarretar consequências sérias, como em casos que envolvem denúncia de abuso sexual cometido por um genitor contra o filho. Quando um pai ou mãe descobre um crime desta natureza, e decide denunciar às autoridades, está sujeito a ser acusado de realizar denúncia falsa e ser considerado alienador.
Tais casos tornam-se comuns pelo fato de que o abuso sexual é um crime de difícil constatação, pois acontece de forma discreta, entre quatro paredes, e em muitos casos, não deixa vestígios. Ademais, por ser praticado em face de uma criança/adolescente, torna-se ainda mais complicado a obtenção do relato da vítima, que em geral nem sabe que a prática é errada, além de que abusadores pedem segredo ou intimidam suas vítimas para que estas permaneçam em silêncio. Deste modo, conforme a experiência da advogada Patrícia Alonso (2019), após a denúncia: “a vida da mãe ou pai que teve esse cuidado, transforma-se um inferno. A parte contrária, por seu advogado ou até mesmo por instrução deste, alega em sua defesa que o crime não aconteceu e que está havendo “alienação parental”
Sobre o tema, a Promotora Valéria Scarance (Apud Eiras, 2018) dispôs:
O artigo 2° dessa lei especifica que é considerado alienação parental “apresentar falsa denúncia contra genitor para obstar ou dificultar a convivência dele com a criança ou adolescente”. Em casos de abuso sexual, o trecho pode deixar os denunciantes do processo de mãos atadas. “Quando mães noticiam violências sexuais contra seus filhos e não existe um laudo positivo, elas são quase automaticamente interpretadas como alienadoras”.
Desta forma, tem-se verificado um prejuízo às partes mais frágeis da relação processual, verdadeiras afrontas à dignidade da mulher e aos princípios basilares de proteção à criança e ao adolescente. Nesse sentido Sottomayor (2011):
“Tem sido denunciado, nos EUA , que a teoria de GARDNER, fazendo crer que se verifica uma epidemia de denúncias falsas de abuso sexual de crianças, nos processos de divórcio, ao contrário do que indicam os estudos sobre o tema, e tornando patológico o exercício de direitos legais por parte da mulher que defende os seus filhos, contribuiu para a desvalorização da palavra das crianças e para a invisibilidade da violência contra mulheres e crianças, assumindo um significado ideológico muito claro: a menorização das crianças e a discriminação de género contra as mulheres. Conforme afirma a Organização Nacional de Mulheres contra a Violência (NOW), nos EUA: ‘(…) o psiquiatra GARDNER criou o conceito de SAP e os advogados utilizam-no, na justiça, como uma estratégia defensiva dos agressores de mulheres e dos predadores sexuais, como forma de explicar a rejeição da criança em relação a um dos progenitores ou para invalidar alegações de violência ou de abuso sexual contra este progenitor, deslocando a culpa para o progenitor protector’”.
A má-fé de alguns genitores e profissionais do direito pode ser verificada através de depoimento de denunciantes, como se vê no trecho de matéria publicada por Sampaio (2019), disponibilizada pelo site Agência Patrícia Galvão:
O filho de Luciana era pouco mais que um bebê e já sofria comprovado abuso sexual do pai, quando ela descobriu que a lei 12.318, de combate à alienação parental, “não passa de um embuste”. Alienação parental é o processo de manipulação psicológica de uma criança para que ela passe a ter medo, rejeição ou desprezo pelo pai ou mãe.
Criada em 2010, supostamente para proteger a criança, a lei costuma ser usada pela defesa do abusador para mostrar que quem denuncia está praticando alienação parental. Seria uma tentativa da mãe de desqualificar o pai. Luciana diz que, se fosse hoje, “não faria a denúncia de jeito nenhum”. “Tentaria resolver de outro jeito. O resultado desse processo é que meu filho ficou muito mais exposto a um abusador.”
Outro relato semelhante, publicado por Chiaverini (2017), no site A Pública:
Enquanto era investigado por estupro de vulnerável, o pai de Igor abriu um processo na vara da família. Alegava que a mãe estava promovendo uma campanha de difamação para afastá-lo da criança, e pedia a guarda do menino. Enfurecida, Iolanda procurou aconselhamento de advogados e de conhecidos que trabalhassem no meio jurídico. De todos escutou o mesmo alerta: para tomar cuidado, que se fosse adiante com as acusações correria o risco de perder a guarda do filho. Ela respondia que não era possível, que havia provas concretas, que a Justiça não deixaria uma criança à mercê de um abusador, que estavam todos malucos. Não estavam. O processo movido pelo pai suspeito de abuso lançava mão da Lei 12.318, de agosto de 2010. Conhecida como lei de alienação parental, ela foi criada com o objetivo de impedir que, em casos de divórcio, um cônjuge sabote a relação do outro com os filhos. Dificultar o contato da criança com o genitor, mudar de endereço sem justificativa, ou apresentar falsa denúncia são exemplos de alienação parental previstos na lei. Acontece que provas nos casos de abuso sexual são extremamente difíceis de obter. O crime quase sempre ocorre entre quatro paredes, muitas vezes não há ferimentos, a janela para colher material genético do agressor no corpo da vítima é de 24 horas, os depoimentos das crianças são difíceis de obter e frequentemente carecem de objetividade. Fica fácil, para a defesa, argumentar que as acusações são falsas, e a ausência de provas de abuso se torna prova de alienação parental. Como uma das punições previstas é a inversão de guarda, as crianças, supostamente vítimas, muitas vezes acabam entregues aos suspeitos.
A partir da análise das jurisprudências publicadas pelos Tribunais Superiores, verifica-se uma forte tendência em se utilizar a Lei n° 12.318/2010 como tese de defesa em processos em que o genitor é acusado de praticar o crime de abuso sexual infantil contra a prole. Neste sentido temos o Recurso Extraordinário interposto ao STF pelo genitor acusado por abusar sexualmente de sua filha (ARE n. 1228143, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 30.8.2019). O crime foi noticiado pela genitora e mesmo tendo sido apresentado laudo pericial bem como laudos psicológico, psiquiátrico e psicossocial, elaborados por profissionais, uma das teses utilizadas pela defesa foi a de que a mãe estaria praticando atos de Alienação Parental, influenciando a criança nos relatos de abuso. Neste caso, as provas documentais bem como testemunhais e o relato da vítima se mostraram imprescindíveis para a manutenção da senteça condenatória em face do genitor, conforme se verifica a seguir:
A autoria, ao meu ver, está respaldada pelas provas testemunhais e pelos laudos psicológico, psiquiátrico e psicossocial apresentados nos autos, os quais foram uníssonos em concluir que a vítima apresenta todos os sinais característicos de violência sexual. Corroborando com tal afirmativa, os Relatórios Sociais apresentados pela acusação, oriundos do Projeto Lumiar, pertencente à Prefeitura Municipal de Marituba, assim como a Análise Social realizada pela Equipe Multiprofissional da 1ª Vara Penal da Comarca de Ananindeua, conduziram para a conclusão de que a vítima foi coerente e segura nas revelações sobre o crime, e que não sofreu alienação parental por parte de sua genitora, uma das principais teses sustentadas pela defesa, qual seja, de que a mãe e sua família teriam influenciado a menor a contar essa grave inverdade. Em sendo assim, os laudos psicológicos reforçam a credibilidade a ser atribuída aos relatos da vítima, inclusive em Juízo. Reforço, o relatório das equipes técnicas também não apontaram qualquer fantasia infantil ou manipulação de adultos nas narrativas da criança, o que facilmente poderia ter sido notado pelas profissionais, que criaram o ambiente propício para que a criança fosse espontânea, ou seja, os psicólogos e assistentes sociais já concluíram que a criança não poderia estar mentindo em todos os momentos em que foi ouvida, o que seria percebido por eles. Nesse ponto, destaco a tese da defesa de que a criança é tão influenciada pela mãe e sua família que conseguiu enganar todos os profissionais da área, com experiência, inclusive nesse tipo de fato, levando a uma acusação fantasiosa.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, vale ressaltar um agravo interno interposto pelo genitor acusado da prática do crime de estupro de vulnerável contra seu filho (AgRg n° 1.078.699 – BA, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma). Assim como no caso anterior, mesmo estando comprovada a materialidade e autoria do crime mediante a realização de Laudo de Exame Percial, bem como outras provas obtidas durante a fase policial, a tese principal utilizada pela defesa foi suposta prática de alienação parental por parte da avó da criança. Vejamos:
Trata-se de agravo interno interposto por P L P contra a decisão de e-STJ fls. 698/702, que conheceu do seu agravo para não conhecer do recurso especial, em razão da incidência da Súmula 7/STJ. Em suas razões recursais, a defesa alega não se tratar de hipótese de reexame fático-probatório, mas de revaloração de prova especificamente admitida e delineada no acórdão recorrido. Reafirma, ainda, a tese do recurso especial de que o estupro não ocorreu, sendo o depoimento do menor fruto de alienação parental realizada pela avó da criança contra o agravante.
[...]
E mais, o laudo pericial destacado à fl. 11, dando sustentáculo a todo o acervo probatório suso analisado, consigna que a vítima, efetivamente, sofreu ato libidinoso concernente à prática de penetração anal O Réu, por seu turno, não se desincumbiu de refutar as acusações que recaíram sobre sua pessoa, e nem mesmo apresentou uma versão plausível para sustentar a sua inocência. Com efeito, a versão trazida em Juízo, onde busca se eximir de sua responsabilidade pelo crime praticado, encontra-se em total divergência com as demais provas coletadas nos autos, o que torna sua alegação desprovida de elementos que a consubstanciem, não podendo, desta forma, tê-la como verdadeira, por se encontrar sem qualquer respaldo. Assim, considerando o acervo probatório produzido em juízo, bem como as informações colhidas na fase extrajudicial, o reconhecimento da materialidade delitiva e autoria do Recorrente c de rigor. Nestes termos, incabível o pugno absolutório.
Por último, em âmbito estadual, temos um Recurso de Apelação Criminal interposto ao Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, no qual, mais uma vez se verifica a alegação de prática de alienação parental supostamente realizada pela mãe após acusação de estupro de vulnerável, conforme se verifica abaixo:
Verbera que o laudo de avaliação psicológica apenas teria transcrito os fatos narrados pela genitora da vítima e por esta, apresentando-se inconsistente, o que, junto aos demais argumentos, corroborariam a tese do Autor de não ser ele o autor do estupro cometido contra aquela.
Tece vários comentários a respeito de alienação parental, afirmando que a genitora da vítima teria atribuído a conduta criminosa à sua pessoa para vingar-se por “ter seu intuito frustrado” quando este não reatou com ela o relacionamento que antes mantinham, circunstâncias que levantariam dúvidas quanto à autoria, impondo a absolvição sob pena de ofensa ao princípio da presunção de inocência.
Ao proferir o acórdão, assim como nos outros dois processos apresentados anteriormente, o órgão colegiado optou por manter a condenação diante da confirmação da autoria e materialidade do crime através do laudos pericial e psicológico realizados.
A maior dificuldade enfrentada em situações como esta se deve ao fato de que em muitos casos, o crime não deixa vestígios suficientes para sua detecção pericial, restando apenas à palavra da vítima, que em muitos casos, diante da ausência de profissionais capacitados, acaba por ser desconsiderada.
Diante o exposto, é evidente a fragilidade da teoria que embasa a Lei de Alienação Parental, bem como suas lacunas e falhas de interpretação, que subvertem o objetivo da Lei de ser um instrumento que atenda o princípio do melhor interesse da criança, e transforma-se num instrumento de tortura e punição às mães que denunciam o abuso sexual que seus filhos sofreram, bem como embasa interesses indignos de um genitor(a) com desejo de vingança, visto que, conforme já explanado anteriormente, é incontroversa a tendência crescente da utilização do instituto da alienação parental como mecanismo de defesa diante acusações de abuso sexual infantil praticado pelo genitor.
3.1 Sobre o atendimento ao Princípio do Melhor Interesse da Criança
Os direitos das crianças são de grande relevância mundial, desde a Convenção dos Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral da ONU em 20 de novembro de 1989, à Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente, Código Civil e Penal. Um dos princípios mais relevantes é o melhor interesse da criança. Tal disposição guia valores jurídicos trazendo uma proteção integral à criança e ao adolescente, conferindo o à criança e ao adolescente o tratamento como sujeito e cidadãos.
Entretanto, apesar de garantido, quando há denúncia de abuso sexual contra um dos genitores, e a parte acusada utiliza como argumento a alienação parental, todos os princípios e normas que tutelam a família, a criança e o adolescente são totalmente desconsiderados. Nesse sentido:
A SAP coloca as mães numa encruzilhada sem saída: ou não denunciam o abuso e podem ser punidas por cumplicidade, ou denunciam e podem ver a guarda da criança ser entregue ao progenitor suspeito ou serem ordenadas, em relação a este, visitas coercivas. Os Tribunais, como está já a acontecer
na jurisprudência portuguesa, quando retiram a guarda da criança à mãe, em casos de alegações de abuso sexual não provadas em processo-crime, estão a transmitir às mulheres, como um todo, a mensagem de que, em caso de suspeita de abuso sexual, a resposta adequada de uma boa mãe é o silêncio. Esta situação perpetua a impunidade dos abusadores e o sofrimento das crianças, provocando um retrocesso na evolução recente de aumento de denúncias. (Sottomayor, 2011)
Desta forma, havendo alegações de abuso sexual, é de bom alvitre que os Tribunais priorizem a segurança física e mental das crianças e adolescentes, suspendendo visitas e investigando com seriedade a veracidade das acusações de ambos os lados. É indiscutível que as sequelas psicológicas de abuso sexual são extensas, devendo, portanto, ser priorizada a proteção da criança em face de um crime, tendo em vista a fragilidade da teoria proposta por Gardner, amplamente demonstrada neste artigo.
O presente trabalho realizou um estudo a respeito da Síndrome de Alienação Parental e a Lei 12.318/10, que dispõe sobre o instituto da Alienação Parental no Brasil, objetivando diagnosticar a real efetividade da norma, se ela de fato vem protegendo o interesse das crianças e adolescentes contra abusos físicos e psicológicos por parte de um de seus genitores, ou se vem servindo a meios escusos.
Trata-se de uma pesquisa relevante, vez que seu fim é de suma importância, devendo averiguar se o princípio do melhor interesse da criança vem sendo respeitado pelos tribunais brasileiros. Após minuciosa pesquisa, pode-se concluir de início, que a Síndrome de Alienação Parental é uma tese com fundamentos rasos, que envolve muitas polêmicas em sua utilização através de seu mentor Richard Gardner. Os laudos psiquiátricos confeccionados por Gardner em processos judiciais, em sua maioria apresentavam teor misógino e sexista. Em seus trabalhos acadêmicos, ele mantinha posicionamentos polêmicos pró-pedofilia e tentava normalizar relações incestuosas.
Como a Lei brasileira foi criada com base nesta teoria frágil, é evidente seu teor também apresentaria lacunas e inconsistências capazes de prejudicar crianças, adolescentes e os genitores que denunciem abuso sexual praticado pelo outro genitor. A lei apresenta sanções, como a mais grave a declaração de suspensão da autoridade parental, o que permite que a lei de alienação parental seja utilizada como defesa em caso de abuso sexual praticado por genitor. Tal brecha mostra-se inadmissível, vez que as sequelas físicas e psicológicas de abuso sexual são infinitamente superiores que um suposto trauma motivado por alienação parental.
Não é segredo que em um processo de separação/divórcio há um desgaste imenso entre o ex-casal, um terreno fértil para ofensas e acusações de todos os níveis. Obviamente, não é o comportamento ideal, mas é a natureza humana, falha e desejosa de vencer uma disputa em que não há vencedores. Não é correta a realização de campanhas difamatórias contra um dos genitores, todavia, a legislação busca tutelar situações delicadas, de difícil identificação, levando ao Judiciário questões que são naturais numa separação e consequente reorganização da vida de cada membro do casal.
É certo que a tentativa de induzir criança ou adolescente a odiar um dos genitores é reprovável, mas a subversão de normas e princípios para fins criminosos, permitindo que vítimas de violência sexual e denunciantes sofram represálias são situações absurdas. A fragilidade da tese de Gardner e da Lei brasileira reflete-se nessas lacunas que ensejam graves injustiças em nome de uma falsa proteção.
Por todo o exposto, conclui-se que diante da possibilidade de má-utilização da norma é ideal que a mesma seja revogada, pela falta de embasamento científico da tese que criou a alienação parental, seguindo o exemplo de inúmeros países, ou, caso permaneça no ordenamento jurídico pátrio, que seja alterada no sentido de excluir ou acrescentar disposições que protejam expressamente os casos de denúncia envolvendo abuso sexual por parte de genitor.
ALONSO, Patricia. Alienação Parental: o lado obscuro da justiça brasileira. São Paulo: Editora e Gráfica Assaí, 2016.
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BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins. Apelação Criminal n° 0002269-29.2016.827.0000. Relatora: Juíza Célia Regina Regis, julgado em 11/07/2016. Disponível em: < http://jurisprudencia.tjto.jus.br/documento?uuid=f046a4c1dace3eadcdacf90bcaa948a4&options=%23page%3D1>. Acesso em: 9 nov. 2020.
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Acadêmica do curso de Direito na Universidade UNIRG. Gurupi/TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VALE, Nathalya Nunes do. A aplicação da Lei 12.318/2010 em nosso ordenamento jurídico ante a proteção integral da criança. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2020, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55685/a-aplicao-da-lei-12-318-2010-em-nosso-ordenamento-jurdico-ante-a-proteo-integral-da-criana. Acesso em: 23 dez 2024.
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