ANTONIA ALEXYA BATISTA ARAÚJO[1]
(coautora)
ÉRIKA CRISTHINA NOBRE VILAR[2]
(orientadora)
RESUMO[3]: O presente artigo aborda a inseminação artificial post mortem e os efeitos jurídicos da utilização desta técnica bem como uma análise dos princípios que estão diretamente ligados aos direitos da prole eventual, assim como a exposição do posicionamento da doutrina e da jurisprudência, uma vez que não existe no ordenamento jurídico brasileiro uma legislação especifica para regulamentar a inseminação artificial post mortem. O artigo tem como objetivo analisar em que medida as consequências jurídicas da prática da inseminação artificial homóloga post mortem refletem no direito sucessório conforme a legislação brasileira à luz dos princípios constitucionais e demais.
Palavras- chave: Inseminação Artificial Post Mortem, Direito Sucessório, Consentimento expresso, Princípio da Igualdade entre os Filhos.
Abstract: This article deals with post-mortem artificial insemination and the legal effects of the use of this technique, as well as an analysis of the principles that are directly linked to the rights of the eventual offspring, as well as the exposure of the position of the doctrine and jurisprudence, since there is no specific legislation in the Brazilian legal system to regulate post-mortem artificial insemination. The article aims to analyze to what extent the legal consequences of the practice of post-mortem homologous artificial insemination reflect in the law of succession according to the Brazilian legislation in light of constitutional principles and others.
Keywords: Post Mortem Artificial Insemination, Inheritance Law, Express Consent, Principle of Equality Among Children.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Direito à filiação no ordenamento jurídico. 1.1 espécies de filiação no ordenamento jurídico brasileiro. 2. Reprodução humana assistida (RHA) na técnica de inseminação artificial. 2.1 Inseminação artificial homóloga. 2.2 Inseminação artificial heteróloga 2.3 Reprodução assistida post mortem. 3. Formas de Sucessão adotadas pelo nosso Ordenamento Jurídico. 3.1 A Vocação Hereditária. 4. Princípios que incidem no Direito Sucessório do Concebido. 4.1 Princípio do livre planejamento familiar. 4.2 Princípio da igualdade entre os filhos. 4.3 Princípio da dignidade da pessoa humana. 5. O posicionamento da doutrina acerca da sucessão da prole eventual. 6. O posicionamento jurisprudencial diante da Omissão do Legislador. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por objetivo analisar e discorrer sobre a Inseminação Artificial Post Mortem, tendo como foco o aprofundamento dos seus conceitos, técnicas, métodos e quais os efeitos sucessórios advindos da concepção da prole eventual, a fim de preencher as lacunas legislativas oriundas pela omissão de lei específica que o regulamente, e, como problema, quais as consequências jurídicas da inseminação artificial post mortem atualmente e o reflexo da sua prática no direito sucessório, envolvendo os princípios norteadores de cada um, no ordenamento jurídico com base na Constituição vigente.
A Constituição Federal preceitua que o planejamento familiar é de livre decisão do casal, com base nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável e o Estado deve propiciar recursos para que esse direito seja exercido. Com isso, para o exercício do direito ao planejamento familiar evocaram-se várias técnicas de concepção, e a evolução dos meios de biotecnologia influiu na forma como as famílias estão se estruturando e utilizando com bem mais frequência essas técnicas de reprodução assistidas, uma delas, a qual será abordada, inseminação artificial.
As técnicas permitem a fecundação humana por meio da manipulação de gametas e embriões com o intuito de que um novo ser venha a ser gerado. A inseminação pode ser heteróloga, onde o material genético utilizado é de um terceiro, sem relação com o casal, e a homóloga, o foco do presente estudo, na qual o material genético é do próprio casal. E, segundo Maria Berenice Dias, “chama-se de concepção homóloga a manipulação dos gametas masculinos e femininos do próprio casal. Procedida à fecundação in vitro, o óvulo é implantado na mulher, que leva a gestação a termo. Na inseminação heteróloga, a concepção é levada a efeito com material genético de doador anônimo e o vínculo de filiação é estabelecido com a parturiente. Sendo ela casada, se o marido consentiu com a prática, será ele o pai, por presunção legal” (DIAS. M. B., 2016).
O emprego dessas técnicas é regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em sua Resolução CFM nº 2.168/2017, tratando apenas de normas éticas nas quais essas técnicas devem se nortear, afirmando que não constitui ilícito ético a reprodução assistida post mortem desde que haja autorização prévia específica do(a) falecido(a) para o uso do material biológico criopreservado, de acordo com a legislação vigente.
A sucessão se dá a partir do momento em que o indivíduo falece. Com o falecimento desse indivíduo chamado de “de cujus”, o seu espólio ou patrimônio passa agora a integrar no patrimônio de outrem, ou seja, os seus sucessores, sejam eles legítimos ou testamentários.
Então, o Direito sucessório consiste em um conjunto de normas que visam regulamentar a titularidade do patrimônio do falecido para os seus sucessores. As formas de sucessão adotadas pelo ordenamento jurídico brasileiro que podem ser legítimas ou testamentaria. Na forma legítima o Código Civil estabelece os preceitos e requisitos que devemos observar para que produza eficácia no mundo jurídico brasileiro, na sucessão testamentária devemos observar a manifestação de vontade por parte do “de cujus”, isto é, o testamento. Dessa forma, devemos observar que momento que se dá a sucessão é no falecimento.
O Código Civil ao tratar da vocação hereditária em seus artigos visa que, depois do falecimento do cônjuge, legitimam a suceder os filhos, já nascidos e os já concebidos. Em razão da expressa vontade do “de cujus” o ordenamento chama, ainda à sucessão os filhos ainda não concebidos, o estudo em questão demonstra que tais filhos ainda não concebidos são aqueles advindos de gametas guardados em criopreservação para no futuro ser usado.
Há teorias na doutrina a favor e contra o uso dos gametas preservados, pois, alguns entendem que com a morte de um dos cônjuges não reverberam mais os efeitos da sua vontade enquanto vivo, outros entendem que se houver a inseminação post mortem o concebido não poderia mais ser presumido filho do “de cujus”, porém, o ordenamento civil ao tratar da vocação hereditária em seus artigos visa que, depois do falecimento do cônjuge, legitimam a suceder os filhos já nascidos, mas em razão da expressa vontade do “de cujus” o ordenamento chama ainda à sucessão os filhos ainda não concebidos, o estudo em questão demonstra que tais filhos ainda não concebidos são aqueles advindos de gametas guardados em criopreservação para no futuro ser usado, e se houve a vontade de usá-los então, também, houve a vontade de ter um filho, resguardando a ele um bem testamentário.
O artigo 1.597 do Código civil em seu inciso III trata dos filhos concebidos por inseminação artificial do tipo homóloga como presunção de que sejam filhos havidos na constância do casamento, ainda que o companheiro ou cônjuge esteja falecido, portanto, também o direito sucessório aos bens do “de cujus”.
Assim, percebe-se a disciplina legal da inseminação artificial assistida, mas de uma forma insuficientemente, o que abre espaço para os constantes conflitos tanto no âmbito da medicina, como no jurídico.
1 Direito à Filiação no Ordenamento Jurídico
A priori, deve-se destacar que no ordenamento jurídico brasileiro não há definição expressa para filiação, porém, Gonçalves define a filiação como a “relação de parentesco em primeiro grau e em linha reta que liga uma pessoa àquelas que a geraram ou a receberam como se a tivesse gerado”.
O artigo 227, §6 da Constituição Federal de 1988, além de alterar as regras de filiação, proibiu qualquer ato discriminatório entre os filhos, também excluiu as classificações que estavam previstas no então código civil de 1916 tais como filhos incestuosos ou adulterinos, uma das inovações do código civil de 2002, foi o artigo 1.609 que em seu parágrafo único reconhece a filiação tanto no caso de antes do nascimento quanto no caso de posterior ao seu falecimento, no caso de possuir descendentes.
Maria Berenice Dias menciona que “a filiação tem três pilares, constitucionais: igualdade entre os filhos, estado civil dos pais não vincula os filhos e proteção integral dos menores”, com a evolução da sociedade o padrão de concepção de família sofreu diversas mudanças com isso os filhos gerados por meio de inseminação artificial não podem sofrer qualquer tipo de distinção, pois, é assegurado juridicamente que todos os filhos têm direitos iguais.
1.1 Espécies de filiação no ordenamento jurídico brasileiro
Como dispõe o art. 1.593 do CC: “O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”. Assim fica claro que no ordenamento jurídico brasileiro é aceita a filiação natural ou civil, no reconhecimento voluntário dos filhos, o Código Civil vigente menciona que, o filho havido fora do casamento pode ser reconhecido pelos pais em conjunto ou separadamente, ou seja, a lei deixa que as partes decidam individualmente (art. 1.607, CC/02).
O reconhecimento do filho é unilateral, tem como um dos seus requisitos a vontade do genitor ou genitora e será realizada por registro de nascimento, escritura pública ou particular, testamento e ainda por expressa autorização judicial esta por sua vez é irrevogável, assim como expressa o art. 1.609, caput, do CC/02, poderá ser questionado no caso de existir vício de vontade comprovado. Nos casos no qual o genitor pretenda reconhecer a paternidade não será necessário a autorização de terceiros, o menor incapaz poderá impugnar o reconhecimento no prazo de até quatro anos após a sua emancipação ou a sua maior idade, já nos casos de reconhecimento dos filhos maiores de idade precisará ter a concordância deste, para que assim seja feito o reconhecimento judicial. No ordenamento jurídico brasileiro existem outros meios de filiação, dentre eles está a adoção, que são filhos que não foram gerados por meio da relação sexual assim, o art. 41 do ECA dispõe que “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”. O mesmo Estatuto menciona que, a adoção é medida excepcional e irrevogável e devem ocorrer depois de esgotadas todas as tentativas de manter a criança e/ou adolescente em sua família de origem.
No vigente Código Civil, também se reconhece como espécie de filiação a prole gerada por meio de inseminação artificial, no seu artigo 1597, expôs nos seus incisos III (fecundação artificial homóloga, inclusive a post mortem), IV (concepção artificial homóloga e a fertilização in vitro) e V (inseminação artificial heteróloga), algumas técnicas de reprodução assistida, o inciso III menciona a inseminação artificial homologa que ocorre quando se é manipulado o gameta feminino e o masculino do próprio casal, já o inciso V, cita a inseminação heteróloga somente um dos cônjuges fornece o seu material genético, desta forma surgiu a necessidade de debater no campo jurídico doutrinário tais formas de fecundação.
2 REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA (RHA) NA TÉCNICA DE INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL
No início do século XX, ocorreu a descoberta dos gametas humanos, despertando o interesse pela pesquisa com manipulação in vitro dessas células reprodutivas. Assim foi dada a largada para a investigação da reprodução assistida que pode ser definida como um conjunto de técnicas e procedimentos que tem o objetivo de remediar a infertilidade humana (ALBERTINI, 2020).
Nesse contexto, surgem diversas metodologias para a condução da prática médica, sendo a fertilização in vitro, a inseminação artificial e a injeção intracitoplasmática de espermatozoides as técnicas mais recorrentes. Além disso, o custo envolvido nos procedimentos pode variar de acordo com a técnica e seu o grau de complexidade, e seu estabelecimento é definido conforme cada caso avaliado (GRYNBERG et al., 2019), além de serem considerados os riscos envolvidos nesses procedimentos (ZACCHINI et al., 2019). Mas já na década de 70, nasceu o primeiro bebê de proveta do mundo (GRANGEIRO et al., 2020).
A inseminação artificial é uma das metodologias mais simples encontrada na reprodução assistida. Essa técnica se baseia na inserção dos melhores espermatozoides no útero da mulher a ser fecundada. A primeira tentativa de inseminação artificial em seres humanos foi realizada em 1785, pelo cirurgião escocês John Hunter, este realizou o procedimento numa mulher utilizando o sêmen do marido que apresentava um defeito na uretra impossibilitando a fecundação (CARVALHO; RODRIGUES, 2019). Nas últimas décadas, a técnica de inseminação intrauterina (IUI) tem sido o tratamento de primeira linha para subfertilidade (MICHAU et al., 2019; MINTJENS et al., 2019).
Geralmente a inseminação intrauterina é realizada através de uma única inseminação de sêmen preparado cerca de 24 a 36 horas depois da administração do hormônio para o estímulo final da ovulação (ARAB-ZOZANI; NASTRI, 2017; OZELCI et al., 2019). Já a técnica de dupla inseminação, é indicada para maximizar a exposição de oócitos aos espermatozoides, com o objetivo de melhorar a taxa de gravidez após a inseminação. Embora exista uma tendência em ao benefício da dupla a inseminação intrauterino, não existe nenhuma estimativa estatística significativa desse método em relação ao de uma única inseminação (ARAB-ZOZANI; NASTRI, 2017; MUTLU; ERDEM; ERDEM, 2019).
Salienta-se que, há outros aspectos sobre a inseminação artificial a serem destacados, como a sua classificação como homóloga ou heteróloga. Nesse sentido é considerada inseminação homóloga, quando a fecundação ocorre pelo sêmen do cônjuge ou companheiro da respectiva mulher que o receberá, portanto, a técnica é homóloga (OMBELET, 2020). Mas quando o gameta masculino utilizado é de um terceiro, ou seja, não provém do cônjuge ou companheiro da mulher inseminada, a fecundação é classificada como inseminação heteróloga (VACCA, 2018). Dentre as formas existentes de inseminação artificial é importante ser exposto o método de inseminação artificial homóloga.
2.1 Inseminação Artificial Homóloga
A inseminação artificial do tipo homóloga é aquela em que é utilizado somente o material biológico dos pais, portanto, não há a doação por terceiro anônimo de material biológico, seja embrião, óvulo ou espermatozoide, e geralmente é utilizado para primeira escolha de tratamento para casais com problemas de subfertilidade devido a distúrbios ejaculatórios, infertilidade do fator cervical, fator masculino moderado e infertilidade inexplicada (THIJSSEN et al., 2017).
Dessa forma, a concepção por inseminação artificial homóloga é a manipulação dos gametas masculinos e femininos do próprio casal ou parceiros, que realizada a fecundação in vitro, implanta-se o óvulo na mulher que irá gestá-lo (DIAS. M. B., 2016). O Código Civil trata apenas da presunção de paternidade (pater is est) na reprodução humana assistida, que se aplica ao casamento e na união estável (PEREIRA, 2019), ainda mais porque é inequívoco que os companheiros podem utilizar dessa técnica de reprodução. Nesse sentido o art. 1597 do código civil (CC):
“Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: III - havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV - havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga” (BRASIL, 2002, livro IV, cap. II).
Dessa forma, a gravidez de mulher cônjuge do “de cujus” decorrente de inseminação artificial leva à suposição de que ele é o cedente do material genético, pois, gera a presunção de paternidade conforme o artigo mencionado do Código Civil 1.597 em seu inciso IV ao tratar de embriões excedentários, ou seja, a prole eventual, mesmo depois do falecimento do cônjuge o ordenamento persiste na presunção de paternidade (DIAS. M. B., 2016).
Para a realização das metodologias reprodutivas, existe a necessidade de prévia autorização, escrita e expressa de consentimento livre e esclarecido informado de todos os envolvidos, para a reprodução humana assistida homóloga (DE ARAUJO, J; DE ARAUJO, C 2018). No entanto, tais requisitos não sejam contentados, a referida presunção pater is est deixa de existir. Mas vale ressaltar, há quem defenda que não se eximirá a possibilidade de investigação de paternidade com base no critério biológico para o reconhecimento da filiação (CARDIN; DOS REIS; CAZELATTO, 2019).
No que concerne sobre reprodução humana assistida homóloga, pode ser realizada post mortem, ou seja, após a morte do marido, através de seu material biológico criopreservado segundo o que fala o art. 1597 III do CC, ou usando o embrião criopreservado o que é citado no art. 1597 IV CC (BRASIL, 2002). Mesmo não sendo previsto em lei, perante o princípio da igualdade, é possível a reprodução humana assistida homóloga post mortem em ocasião que seja a mulher a falecida (art. VIII da Resolução CFM 2168/17):
“1. Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA, desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos, conforme legislação vigente. 2. É permitido o uso das técnicas de RA para relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras, respeitado o direito a objeção de consciência por parte do médico. 3. É permitida a gestação compartilhada em união homoafetiva feminina em que não exista infertilidade. Considera-se gestação compartilhada a situação em que o embrião obtido a partir da fecundação do(s) oócito(s) de uma mulher é transferido para o útero de sua parceira” (BRASIL, 2017, anexo, II).
No caso em tela, levando em consideração a técnica da gestação de substituição (BRASIL, 2017), técnica de reprodução assistida que não possui regulação vigente, mas é conhecida como mãe ou gestação de substituição, onde há doação temporária do útero para a implantação do embrião durante a gestação, sendo geralmente utilizado quando uma mulher não consegue sustentar a gravidez normal no seu útero (CAROLINO; GALHARDO; CUNHA, 2019; LOPES et al., 2019).
Ademais existe a necessidade de autorização prévia, escrita e expressa de consentimento livre e esclarecido informado de todos os envolvidos para a utilização do material genético ou de embrião excedentário após a morte do conjunge conforme o conselho federal de medicina, art. I, inciso 4, art. V, inciso 3,e art. VIII, levando ao entendimento que não se pode conjeturar a vontade de ser pai após a morte.
Admite-se, a reprodução humana assistida homóloga em outras hipóteses como a separação de ou divórcio, mas para que seja utilizado o material biológico tanto do homem quanto da mulher, há a necessidade de consentimento informado de todos os envolvidos (BRASIL, 2002).
Além da inseminação artificial homóloga que foi mostrada acima, também é utilizada no Brasil a inseminação artificial heteróloga que será descrita a seguir.
2.2 Inseminação Artificial Heteróloga
Para Maria Berenice Dias, a inseminação supracitada, é feita por meio de doação do sêmen de terceiro que não é o cônjuge, porém, contando com a sua anuência. A respeito disso Tycho Brahe Fernandes 41:
Por fecundação heteróloga entende-se o processo pelo qual a criança que vier a ser gerada por qualquer das técnicas de reprodução assistida for fecundada com a utilização de gametas de doadores, dividindo-se a fecundação heteróloga “a matre”, quando o gameta doador for o feminino, “a patre”, quando se tratar de doação de gameta masculino, ou total, quando os gametas utilizados na fecundação, tanto os masculinos quanto os femininos, são de doadores.
Corroborando com esse entendimento a I Jornada de Direito Civil trouxe em seu Enunciado 104:
104- Art. 1597: no âmbito das técnicas de reprodução assistida envolvendo o emprego de material fecundante de terceiros, o pressuposto fático da relação sexual é substituído pela vontade (ou eventualmente pelo risco da situação jurídica matrimonial) juridicamente qualificada, gerando presunção absoluta ou relativa de paternidade no que tange ao marido da mãe da criança concebida, dependendo da manifestação expressa (ou implícita) da vontade no curso do casamento.
Portanto, um dos cônjuges ou companheiros, fornece o seu material genético e o outro não, devido o problema da esterilidade, também, existe a possibilidade de algum dos cônjuges ou companheiros não possam vir a contribuir com qualquer material genético. Em grande parte dos casos de utilização da técnica de reprodução heteróloga é feita pela doação de espermatozoide de terceiro.
Neste passo, é importante o consentimento do cônjuge ou companheiro assim poderá determinar se o vínculo de paternidade será reconhecido, ou não, portanto, o vínculo será civil e não natural. Diante da evolução cientifica tornou-se possível a concepção de uma prole eventual por meio da utilização do método de reprodução assistida post mortem.
2.3 Reprodução Assistida Post Mortem
No tocante a reprodução assistida post mortem, poderá ser feita de duas formas ou por meio da inseminação de uma mulher viúva com o material genético do de cujus, ou, pela, implantação do embrião fecundado com o sêmen do marido ou companheiro, a utilização desse método trouxe a oportunidade da viúva utilizar o sêmen criopreservado após o falecimento do seu marido, assim será concebido um filho de pai pré-morto. É importante ressaltar que esse procedimento de reprodução assistida é utilizado no caso de doença grave ou estado terminal do marido, e fecundado em sua esposa somente após a morte do esposo.
Apesar desta prática de reprodução já ter sido utilizada no Brasil, a lei brasileira ainda apresenta algumas lacunas ao tratar do direito de suceder do concebido post mortem, Silvio Venosa, entende que:
“Advirta-se, de plano, que o Código de 2002 não autoriza nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata lacunosamente a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade. Toda essa matéria, que é cada vez mais ampla e complexa, deve ser regulada por lei específica, por um estatuto ou microssistema.”
Entretanto, o único artigo que menciona o assunto é o artigo 1.597, inciso III do Código Civil/02, o qual presume a filiação, na constância do casamento, “os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido”. Pela falta de uma legislação especifica eu verse sobre a regulamentação da inseminação post mortem, a doutrina vem se posicionando e estabelecendo demasiada discussões sobre o assunto, porém, mesmo sem essa regulamentação é assegurado os direitos sucessórios dos filhos que serão gerados após o falecimento de um dos genitores. Diante do exposto é importante ressaltar que atualmente que o ordenamento jurídico brasileiro adota mais de uma forma de sucessão.
3 FORMAS DE SUCESSÃO ADOTADAS PELO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO
O Código civil vigente definiu em seu Art. 6º, que será aberta a sucessão, quando houve término da existência da pessoa natural (BRASIL, 2002). O direito se utiliza da doutrina Francesa DROIT SE SAISINE, o que significa que os parentes de uma pessoa que morreu, têm direito da posse de seus bens sem demais formalidade. Nesse sentido, quando houver a abertura da sucessão, será transmitida a posse da herança para os herdeiros legítimos ou testamentários.
No Brasil, o princípio citado pode ser definido como norma fundamental do direito sucessório, porém, é diferente do modelo francês, pois, aplica a transmissão a todos os herdeiros, sejam eles testamentários ou legítimos sem distinção (CATEB, 2015). O princípio de Saisine tem o intuito de impedir que o patrimônio deixado fique sem titular. Esse princípio encontra respaldo jurídico no art. 1.784 do Código civil. Carvalho (2017) cita que depois morte, entra em cena o direito, com a devida finalidade de regular a maneira na qual o patrimônio do de cujus será transferido para seus sucessores, determinando quem são os legítimos a recebê-lo.
Ademais, são encontradas no ordenamento jurídico, duas formas principais de sucessão pós morte, a sucessão testamentária no caso de o falecido ter deixado ato de última vontade em relação a seu patrimônio e a sucessão legítima, que deriva das normas legais, e suas disposições devem ser estritamente observadas (GONÇALVES, 2020). Dessa forma, assim dispõe o artigo 1.857 do Código civil quanto a sucessão testamentária:
“Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.
§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.
§ 2o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado” (BRASIL, 2002, livro V, cap. I)
Nesse sentido, o testamento assume caráter de negócio jurídico por se tratar de uma declaração de vontade que tem consequência jurídica, mesmo em que post mortem. Também assume o caráter de instrumento solene, pois, para ser válido necessita que seja exclusivamente escrito, sempre atendendo estritamente as formalidades previstas na lei (HIRONAKA, 2017).
Por regra geral, se não houver testamento, bem como não houver ato de última vontade do falecido, ocorre a sucessão é legítima, sendo deferido o patrimônio do de cujus às pessoas indicadas por lei, conforme a ordem de vocação hereditária do art. art. 1829 do CC (BRASIL, 2002). Além disso, no caso de o testamento ser for julgado nulo, nessa hipótese acrescentasse a revogação do testamento (HINORAKA, 2017) como é estabelecido no art. 1788 do CC. Porém, é importante ressaltar a importância de ser analisada a vocação hereditária para o maior entendimento de legitimidade hereditária.
3.1 A Vocação Hereditária
A vocação hereditária tem como seu princípio geral, previsto no ordenamento jurídico brasileiro que, somente as pessoas nascidas, assim como as que já foram concebidas no período da abertura da sucessão, têm legitimidade para serem herdeiras. Assim é encontrado no art. 1.799 do CC:
“Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir se a sucessão; II - as pessoas jurídicas; III - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação” (BRASIL, 2002, livro V, cap. III).
Para Gonçalves (2018), o princípio do direito das sucessões respalda na continuidade da vida humana pelas várias gerações. Nesse sentido, há a manutenção das obras do de cujus. Ainda em seu art. 1.799 do CC inciso I prevê a possibilidade de o testador direcionar sua herança aos filhos ainda não concebidos de pessoas indicadas por ele, abrindo uma exceção à regra geral permitindo que filhos ainda não concebidos possam receber a herança (FERNANDES; DA COSTA, 2020).
Outrossim, há o entendimento que, após o falecimento se não houver testamento, conforme regra geral estabelecida em lei, a sucessão ocorre por meio da ordem de vocação hereditária para os mais próximos, sendo excluídos os mais remotos. Entendendo-se que, há preferência para os descendentes aos ascendentes. (VENOSA, 2018).
Conquanto, o não reconhecimento ao direito de um filho concebido por meio de reprodução humana assistida homóloga post mortem, é uma discriminação quanto ao filho. Portanto, fere os princípios constitucionais e a própria dignidade humana. Nesse caso se houver a omissão do Estado e o herdeiro for desamparado de seus direitos, o poder judiciário violará os princípios constitucionais norteadores do nosso ordenamento jurídico (LAGE; LIMA; SOUZA, 2018).
No que tangue os direitos sucessórios, é importante ressaltar que, é preciso respeitar alguns princípios no ordenamento jurídico brasileiro, pois, a sua observância é essencial para resguardar os direitos dos genitores e da prole eventual.
4. Princípios que Incidem no Direito Sucessório
O principal embasamento do direito sucessório, é que mesmo após a morte, o patrimônio que esta deixou poderá ser cuidado e preservado por outrem, realizando assim, essa a execução do direito sucessório, passando o patrimônio do falecido para os que tem direito, sendo por de lei ou de testamento. Além, disso o CC traz em a partir do art. 1.784, a regulamentação do Direito de Sucessão (BRASIL, 2002).
O início do processo de sucessão se dá com a morte imediata e automática do de cujus, transmitindo aos herdeiros legítimos e testamentários, não havendo a necessidade de qualquer manifestação destes (CAMPOS; MARTINEZ DE CAMPOS, 2018). Ainda segundo Silva (2012) o herdeiro receberá a posse dos bens que compõem a herança, imediatamente, ainda que não tenha conhecimento do falecimento do antigo titular. Portanto, com o evento morte, é iniciado processo de transmissão da herança aos herdeiros, conforme previsto no art. 1.829 do CC, contendo a ordem de vocação hereditária (GONÇALVES, 2018).
O ordenamento jurídico prevê na Constituição o Princípio do livre planejamento familiar (CF 226 § 7.º):
A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
Não podendo o Estado ou a sociedade limitar, ou condicionar o livre acesso às técnicas de reprodução assistida que é igualmente garantida de forma constitucional e inviolável, pois, o planejamento familiar significa para muitos casais a realização da filiação. A técnica da inseminação artificial encontra embasamento nesse preceito (DIAS. M. B., 2016). Dito isto, percebe-se a importância de uma análise dos princípios que são fundamentais no direito sucessório.
4.1 Princípio do Livre Planejamento Familiar
O exercício do planejamento familiar está respaldado na Constituição Federal (CF) de 1988 e esta garante o acesso aos recursos a sua realização (DE OLIVEIRA, 2019). Além disso, a noção de família na CF, é mais abrangente do que apenas aquela formada por via matrimônio. Assim, é previsto como família a união estável e a família monoparental, de acordo com o art. 226 da Carta Magna. O parágrafo quinto do art. 226 ainda trata da igualdade entre homens e mulheres na relação familiar, e a ele é encarregado determinar as diretrizes do planejamento familiar, e é proibido qualquer maneira de coerção vinda do Estado (FERNANDES, 2017; VALÉRIO; DE MORAIS CAPELARI, 2019).
A família possui a liberdade e autonomia para se organizar, além de estabelecer seu modo de vida, sua formação moral, de educar seus filhos, mas sempre respeitando os dispositivos legais, bem como os princípios gerais do direito. Nesse sentido, não é admissível a interferência de desconhecidos, sejam elas pessoas privadas ou o próprio Estado (DOS SANTOS, 2018). Assim, para conceber uma criança em uma família monoparental não existem dispositivos que impossibilitem sua geração pela inseminação, pois, as normas jurídicas brasileiras preveem constitucionalmente a configuração da família monoparental (TAMAROZZI, 2020).
Por conseguinte, há a possibilidade de reprodução assistida post mortem, levando em consideração a existência de dispositivos legais que preveem a existência da monoparentalidade. Além disso, a própria Constituição Federal permite que as mulheres solteiras, assim como as viúvas, realizem as técnicas de reprodução humana assistida para constituir sua família, mesmo ainda havendo uma grande discussão acerca das implicações pode trazer ao menor com essa específica formatação familiar (ARRAIS; GOMES; CAMPOS, 2019). Ademais, existem outros princípios que são de suma importância, dentre eles, o princípio da igualdade entre os filhos.
4.2 Princípio da Igualdade entre os Filhos
Antes da atual Constituição Federal vigente, existia um conflito criado pelo Código Civil de 1916, pois, devido as várias classificações de filhos gerou-se a desigualdade entre os concebidos dentro do matrimônio que tinham a classificação de filhos legítimos e os gerados em uma relação eventual ou concubina eram considerados filhos ilegítimos, por este motivo somente os filhos gerados dentro do matrimônio poderiam ser reconhecidos.
Porém, a Constituição de 1988 trouxe um princípio que sanou este conflito, o princípio da igualdade entre os filhos está elencado no artigo 227, §6º, este aduz que os filhos gerados dentro do matrimônio e os gerados fora do casamento deverão ter direitos iguais, proibindo qualquer forma de discriminação, assim, os filhos gerados por inseminação artificial homologada após a morte do genitor, deverá ter os mesmos direitos dos demais herdeiros. Claudia Lima Marques afirma que:
A isonomia, traduzida constitucionalmente na aplicação do conceito de igualdade, buscou solucionar, portanto, vazios legislativos para situações do mundo dos fatos que reclamavam por uma interpretação mais contemporânea. Interpretação que, por sinal aos poucos era integrada na jurisprudência dos tribunais a partir da utilização de princípios gerais de direito e de análise comparativa e outros ordenamentos jurídicos. O mérito da Constituição Federal de 1988, por consequência, não foi o de inaugurar soluções a problemas do âmbito do direito de família, mas, sim, o de obrigar a interpretação das leis infraconstitucionais a uma nova realidade material: a de igualdade entre familiares nas suas relações de convívio. (Grifamos)
Dessarte, não importa se o filho foi concebido dentro ou fora do casamento, se o seu reconhecimento for homologado após morte do genitor ou se é adotado, pois, todos os filhos têm direitos e deveres, isto devido ao princípio constitucional da igualdade entre os mesmos. Dito isto, percebe-se que este princípio vai de encontro com outro princípio que é igualmente importante que é o princípio da dignidade da pessoa humana.
4.3 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
A Dignidade da pessoa humana surgiu no momento no qual a história passava por diversos acontecimentos históricos que por sua vez foi uma experiência negativa para a sociedade, Luiz Antonio Rizzatto Nunes, menciona que a pessoa já nasce com a sua dignidade, pois, faz parte da sua essência, e com sua integridade física e psíquica e assim sua dignidade deve ser respeitada para o bom desenvolvimento de cada pessoa.
O doutor Edilson Nobre, em seu artigo “O Direito Brasileiro e o princípio da Dignidade da Pessoa Humana”, menciona a facilidade de encontrar qualquer violação à dignidade da pessoa humana, porém, é de grande dificuldade conceituar o que seria essa dignidade.
(...) temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano, que o faz merecer do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida. (SARLET, 2012, p. 37-39).
O conceito mencionado no trecho acima mostra a peculiaridade de homem, a sua dignidade que deve ser respeitada a dignidade da pessoa humana deve ser protegida pelo Estado, pois, é possível detectar situações em que este direito. A luz da constituição de 1988, aduz como direito fundamental, a dignidade do ser humano de acordo com o artigo 1º da vigente constituição dispõe que este é um dos princípios do ordenamento jurídico brasileiro, assim a doutrina e a jurisprudência mostram o quanto é importante este princípio.
No que se trata o Direito de Família mostra que deve-se respeitar a autonomia dos sujeitos e a sua liberdade de escolha, desse modo torna-se indigno diferenciar qualquer tipo de filiação ou qualquer forma de constituição familiar, “o princípio da dignidade da pessoa humana garante ao instituto da família que se desenvolva de forma plena, assegurando seus membros a conseguir seus objetivos e metas”, assim descreve Maria Helena Diniz.
Entretanto, a falta de uma lei para regulamentar a doutrina encontra alguns impasses, assim gerando algumas discussões sobre os direitos sucessórios da prole eventual.
5 O POSICIONAMENTO DA DOUTRINA ACERCA DA SUCESSÃO DA PROLE EVENTUAL
O posicionamento de Moreira (2005) se baseia no sentido de que os direitos sucessórios do filho fecundado post mortem devem ser assegurados, pois, se tratar de direito fundamental assegurado no artigo 5º, caput e inciso XXX, da Constituição Federal, assim prevalece a constitucionalização do Direito Civil, dos princípios da igualdade entre os filhos, bem como a garantia à dignidade da pessoa humana, portanto, impede a exclusão de qualquer direito. Igualdade existente entre os filhos, assegurando tratamento isonômico, não importando sua origem e conforme artigo 1.596 da referida codificação é vedada qualquer tipo de discriminação relativa à filiação. Além, disso é vedado a distinção entre os filhos conforme no art. 227, § 6º, sendo proibida a distinção da prole, até mesmo a que foi gerada por técnicas de reprodução humana assistida. Porém, a eventual prole, especificamente os indivíduos gerados por meio de materiais genéticos, são resguardados seus direitos excepcionados no código civil de 2002.
Para Monteiro (2004), não havendo testamento, se o falecido não deixar expresso qualquer ato de última vontade, a sucessão é considerada legítima, sendo deferido todo o patrimônio do de cujus às pessoas apontadas pela lei. Ainda de acordo com a ordem de vocação hereditária (CC, art. 1829) é estabelecido no art.1788:
“Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar, ou for julgado nulo” (BRASIL, 2002, livro V, cap. I).
Todavia, não existe harmonia diante da doutrina quanto aos efeitos da inseminação artificial post mortem, existindo três posições doutrinárias: a excludente, a relativamente excludente, e a inclusiva.
A primeira corrente conhecida como excludente, dispõe que não se admite qualquer direito ao filho advindo pelo uso de técnica de reprodução humana assistida após a morte do genitor, tanto para o direito de família, ou para fins sucessórios (ALBUQUERQUE FILHO, 2006). Para Leite (2004, p.109):
“Quanto à criança concebida por inseminação post mortem, ou seja, criança gerada depois do falecimento dos progenitores biológicos, pela utilização de sêmen congelado, é situação anômala, quer no plano do estabelecimento da filiação, quer no do direito das sucessões. Nesta hipótese a criança não herdará de seu pai porque não estava concebida no momento da abertura da sucessão”.
Quanto a segunda corrente nomeada relativamente excludente, seria reconhecida a filiação da prole concebida na reprodução humana assistida no campo do direito de família, entretanto, não sendo possível o reconhecimento do direito como herdeiro do pai pré-morto (ALBUQUERQUE FILHO, 2006).
Com isso, Da Gama (2003, p.733) cita:
“...a despeito da proibição no direito brasileiro, se eventualmente tal técnica for empregada, a paternidade poderá ser estabelecida com base no fundamento biológico e o pressuposto do risco, mas não para fins de direitos sucessórios, o que pode conduzir a criança prejudicada a pleitear a reparação dos danos materiais que sofrer de sua mãe e dos profissionais que a auxiliaram a procriar utilizando-se do sêmen de cônjuge ou companheiro já falecido, com fundamento na responsabilidade civil”.
Neste sentido, para Dias (2016), mesmo que o morto tenha disponibilizado o sêmen, não pode se presumir que o mesmo, deu consentimento para ser feito o procedimento de fecundação post mortem, visto que é necessária sua anuência expressa para o procedimento ser realizado. Portanto, esse entendimento está vinculado ao princípio da autonomia da vontade, que leva em consideração expressamente a autorização quando ainda em vida do uso do material genético do morto para a finalidade de fecundação.
Quanto a terceira corrente que denomina inclusiva, esta reconhece os direitos à inseminação artificial post mortem iguais à criança concebida por essa técnica, incluindo o direito sucessório. Albuquerque Filho (2006, p. 184) argumenta que:
Assim, em um sistema jurídico como o nosso que reconhece o pluralismo das entidades familiares e a plena liberdade do planejamento familiar, fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, não se pode admitir norma ou regra restritiva à inseminação artificial post mortem, além disso é perfeitamente possível que o projeto parental se tenha iniciado em vida, dos cônjuges ou companheiros, e venha a se concretizar após a morte de um dos mesmos. A inequívoca manifestação de vontade, fundada no consentimento expresso que tenha deixado o falecido para utilização do material genético deixado para esse fim, legitima e legaliza a inseminação post mortem, fazendo com que os efeitos jurídicos sejam reconhecidos, em sua plenitude, àquele nascido mediante a utilização da pré-falada técnica.
Assim como as discussões doutrinarias acerca dos direitos da prole eventual, também existem impasses no posicionamento jurisprudencial, assim fica evidente a necessidade de uma análise de cada caso concreto.
6 O POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL DIANTE DA OMISSÃO DO LEGISLADOR
Ainda não existe uma legislação específica permissiva ou proibitiva em relação à prática da reprodução humana assistida, nem em relação ao procedimento de inseminação artificial post mortem no Brasil (ASSUPÇÃO; CARVALHO; SANTOS, 2019). A única regulamentação nesse sentido, é a resolução n. 2.168/2017 do CFM, que mesmo não tenha força de lei, é utilizada como parâmetro ético norteador pelos médicos, diante de possível utilização da técnica de inseminação artificial post mortem. Segundo Neves (2009) não há ato ilícito no uso da técnica, desde que haja autorização prévia e esclarecida do falecido para o uso do material biológico com o intuito de conceber uma criança pela sua cônjuge.
Acerca disso, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal a 3° turma Cível, indeferiu ao julgar um pedido de uma viúva para utilizar o material genético do seu falecido companheiro, vejamos:
AÇÃO DE CONHECIMENTO - UTILIZAÇÃO DE MATERIAL GENÉTICO CRIOPRESERVADO POST MORTEM SEM AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO DOADOR - AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO - PRELIMINAR DE LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO AFASTADA - MÉRITO - AUSÊNCIA DE DISPOSIÇÃO LEGAL EXPRESSA SOBRE A MATÉRIA -
IMPOSSIBILIDADE DE SE PRESUMIR O CONSENTIMENTO DO DE CUJUS PARA A UTILIZAÇÃO DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL HOMÓLOGA POST MORTEM.
1. Não se conhece do agravo retido diante da ausência do cumprimento do disposto no art. 523, §1º, do CPC.
2. Afasta-se a preliminar de litisconsórcio necessário entre a companheira e os demais herdeiros do de cujus em ação de inseminação post mortem, porquanto ausente reserva a direito sucessório, vencido o Desembargador Revisor.
3. Diante da falta de disposição legal expressa sobre a utilização de material genético criopreservado post mortem, não se pode presumir o consentimento do de cujus para a inseminação artificial homóloga post mortem, já que o princípio da autonomia da vontade condiciona a utilização do sêmen criopreservado à manifestação expressa de vontade a esse fim.
4. Recurso conhecido e provido.
(Acórdão n.820873, 20080111493002APC, Relator: NÍDIA CORRÊA LIMA, Relator Designado: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA, Revisor: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA,3ª TURMA CÍVEL, Data de Julgamento: 03/09/2014, publicado no DJE: 23/09/2014. Pág.: 136)
No caso em tela, a autorada ação conviveu em uma união estável de catorze anos, com o falecido companheiro, ao decorrer desse período de união ambos planejaram conceber um filho, o companheiro então fez uma cirurgia de reversão de vasectomia, entretanto, o mesmo era portador de neoplasia maligna, então em março de 2006 decidiu firmar contrato com a empresa ré para criopreservar seu sêmen, entretanto não houve a manifestação expressa no caso da utilizarão do seu material genético no caso do seu falecimento, em 2007 no mês de agosto ele acabou falecendo.
Evidentemente o fato da autora não possuir a prévia autorização para assim realizar o procedimento, foi negado pelo hospital, então a autora pleiteou a ação que obteve um deferimento da 7 ª vara de Família de Brasília, a autora poderia fazer a retirada do material porém, deveria fazer o pagamento dos devidos valores ao hospital.
Entretanto, o réu interpôs uma apelação, no qual foi acolhido o pedido do réu, a relatora do processo, Desembargadora Nídia Corrêa Lima, que negou provimento do recurso defendeu que mesmo que o de cujus não tivesse deixado uma autorização expressa, o simples fato dele ter deixado seu material criopreservado, mostrava a intenção dele de ter um filho, pois, caso contrário ele não teria feiro isso.
Em contradição a este posicionamento, o Desembargador Getúlio Moraes Oliveira, que era revisor do processo, que deu provimento a apelação mencionou doutrinadores como Silmara Juny Chinelato, o revisor defendeu que é necessária a autorização expressa do de cujus, pois este tipo de procedimento envolve direitos da personalidade.
Seguindo outra linha de pensamento, a 13 ª vara cível de Curitiba julgou procedente uma ação movida por Kátia Lenerneier que estava casada com Roberto Jefferson Niels, o jovem casal enquanto tentavam conceber um filho, que em todas as tentativas sofriam a perda devidos abortos espontâneos, o casal foi surpreendido em janeiro de 2009, pois, Roberto foi diagnosticado com câncer de pele e o tratamento de quimioterapia poderia causar esterilidade.
Devido este acontecimento, Roberto depositou seu material genético em uma clínica, contudo não especificou qual a finalidade poderia ser dada ao seu material, ele veio a falecer durante o tratamento.
Pouco tempo após o falecimento do seu marido, sua viúva tentou fazer inseminação com o material genético que seu marido tinha deixado, porém, a clínica se negou a realizar o procedimento, pois, seu falecido marido não deixou nenhuma autorização expressa, então foi ajuizada uma ação de obrigação de fazer em desfavor da clínica.
Apesar de não ter a expressão autorização para a utilização do material genético, a autora da ação conseguiu provar por meio de testemunhas, amigos e familiares que ambos desejavam ter um filhos juntos, levando em consideração, as várias tentativas frustradas do casal, os depoimentos e testemunhos e as condições financeiras foram deferido seu pedido. Desta forma, nota-se que o ordenamento Jurídico Brasileiro existe, entendimentos diferentes mesmo as causas sendo semelhantes, isto ocorre devido ao fato de não existir uma legislação expressa para regulamentar esta técnica.
É importante ressaltar que, o ordenamento jurídico reconhece o pluralismo familiar e a plena liberdade do planejamento familiar, assim respeitando o princípio do livre planejamento familiar, da dignidade da pessoa humana, assim deve-se resguarda o direito dos cônjuges de conceber seus herdeiros mesmo após a morte de um dos mesmo, pois é um direito de todos por livre e espontânea vontade conceber uma família mesmo seus herdeiros sejam gerados após o falecimento de um dos genitores, assim segue de acordo com os princípios constitucionais e princípios civil o posicionamento favorável permitindo a concepção da prole eventual utilizando da inseminação post mortem.
Dito isto o posicionamento jurisprudencial que reconhece o direito da concepção da prole após a morte de um dos genitores é a que melhor atende ao direito do livre planejamento familiar, a 13 ª vara cível que também seguiu o mesmo entendimento da terceira corrente doutrinaria que defende o reconhecimento dos direitos sucessórios dos filhos concebidos post mortem, estes por sua vez deve ser a corrente adotada no ordenamento jurídico brasileiro, pois, a mesma é a que melhor se adequa aos dias atuais, assim fica evidente que a corrente inclusiva é de suma importância, pois, ela assegura os direitos constitucionais e civis daqueles que anseiam constituir uma família. Diante do exposto deve-se ressaltar que este direito deve ser resguardado pelo ordenamento jurídico.
CONCLUSÃO
O desejo de constituir uma família pode ser um problema para muitos Brasileiros, pois, a infertilidade afeta muitos desses casais que anseiam por constituir família, o avanço tecnológico possibilitou a utilização de técnicas de reprodução assistida, principalmente a inseminação artificial que pode ser um método utilizado para garantir o direito a construção de uma família. Entre as técnicas de reprodução assistida, existe a inseminação artificial post mortem, todavia no ordenamento jurídico brasileiro não tem na legislação uma regulamentação adequada, portanto, existem algumas lacunas no que diz respeito aos direitos sucessórios da prole eventual.
Porém, após ser feita uma análise dos princípios que são pertinentes para a utilização da inseminação artificial post mortem dentre eles a igualdade entre os filhos e a dignidade da pessoa humana, constata-se que os filhos gerados por meio de inseminação artificial post mortem devem ter seus direitos resguardados assim sendo respeitado o direito de igualdade entre os filhos assim respeitando este princípio assegurado pela Constituição Federal presente no seu artigo 277, § 6º que é reforçado no artigo 1.596 do código civil. Entretanto quando se trata do entendimento da doutrina e da jurisprudência encontram-se em desacordo, assim, gerando discussões acerca dos direitos sucessórios dos herdeiros gerados por meio de inseminação artificial post mortem pois estes herdeiros são gerados após a abertura da sucessão.
Uma parte da doutrina tenta barrar a utilização da reprodução assistida post mortem alegando que poderá causar algum dano para a sociedade, estes também alegam que não existem direitos para os filhos que são gerados após a morte de um dos genitores, porem a outra parte da doutrina aduz que a prole concebida após a abertura da sucessão tem direitos a serem resguardado sendo direito sucessório e direitos de família, mas é necessária a expressa autorização do genitor para assim assegurar todos os direitos da prole eventual.
É importante ressaltar a necessidade de uma regulamentação específica, por sua vez deve ser feita de forma interdisciplinar principalmente com a medicina assim assegurando a segurança jurídica tanto para os direitos da prole eventual quando os direitos dos genitores, pois, deve ser assegurado aos genitores o direito a conceber uma família, o direito de ter herdeiros mesmo que estes sejam concebidos após o falecimento de um dos seus genitores, tal perspectiva vai ao encontro de livre planejamento familiar e também ao princípio da dignidade da pessoa humana.
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[1]Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho- UNIFSA. E-mail: [email protected].
[2]Bacharel em direito, mestra em direito pela PURS (2015), professora do centro universitário santo agostinho. E-mail: [email protected].
[3] Trabalho de Conclusão de Curso apresentado no Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Teresina-PI, 14 de novembro de 2020.
Acadêmica do curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho- UNIFSA.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: isabella maria rabelo gontijo
Por: Sandra Karla Silva de Castro
Por: MARIA CLARA MADUREIRO QUEIROZ NETO
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