ISRAEL ANDRADE ALVES
(orientador)[1]
SIBELE LETÍCIA RODRIGUES DE OLIVEIRA BIAZOTTO
(co-orientadora)[2]
RESUMO: É de suma importância conhecer e debater a realidade no sistema carcerário feminino, pois as mulheres encarceradas enfrentam dificuldades degradantes e desumanas, violando uma série de direitos e o princípio da dignidade da pessoa humana. Embora existam leis que assegurem sobre seus direitos, estes não são respeitados de forma mínima ou suficientes pelo Estado. O problema em questão precisa ser analisado sob a ótica da dignidade da pessoa humana, uma vez que a dignidade da pessoa humana é a base de todo ordenamento jurídico, sendo um dos princípios fundamentais previsto na Constituição Federal de 1988. O presente estudo tem por objetivo geral analisar as dificuldades enfrentadas pela mulher encarcerada no sistema prisional feminino tocantinense, levando em consideração a dignidade da pessoa humana, dando maior visibilidade às dificuldades relacionadas às estruturas físicas dos presídios e às condições de higiene e saúde. Para tal, foi realizada pesquisa descritiva, com análise qualitativa e crítica, com base em documentos, leis e artigos sobre o encarceramento feminino no Estado do Tocantins. Diante desse cenário, torna-se imperioso apresentar essas dificuldades, bem como as possíveis soluções.
Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana; Direitos da Mulher Encarcerada; Encarceramento Feminino; Mulheres.
ABSTRACT: It is extremely important to know and debate the reality in the female prison system, as incarcerated women face degrading and inhuman difficulties, violating a number of rights and the principle of human dignity. Although there are laws that guarantee your rights, these are not respected in a minimal or sufficient way by the State. The problem in question needs to be analyzed from the perspective of the dignity of the human person, since the dignity of the human person is the basis of all legal order, being one of the fundamental principles provided for in the Federal Constitution of 1988. The present study aims to general analyze the difficulties faced by women imprisoned in the Tocantins' female prison system, taking into account the dignity of the human person, giving greater visibility to the difficulties related to the physical structures of prisons and to the conditions of hygiene and health. To this end, a descriptive research was carried out, with qualitative and critical analysis, based on documents, laws and articles on female incarceration in the State of Tocantins. Given this scenario, it is imperative to present these difficulties, as well as possible solutions.
Keywords: Dignity of the Human Person; Rights of Imprisoned Women; Female Incarceration; Women
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Breve histórico do Sistema Carcerário Feminino no Brasil – 3. Dignidade da Pessoa Humana na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – 3.1. Os Direitos e Garantias da mulher encarcerada – 4. Dificuldades enfrentadas pela mulher encarcerada no Sistema Prisional Feminino do Tocantins – 4.1. Condições de Higiene e saúde da mulher encarcerada – 4.2. Estrutura física dos presídios – 5. Considerações Finais – 6. Referências.
1.INTRODUÇÃO
Conhecer e debater o encarceramento feminino tocantinense e suas particularidades pertinentes ao gênero é necessário. As mulheres encarceradas enfrentam dificuldades para cumprirem suas penas de forma digna, por mais que a lei garanta seus direitos, estes não são efetivamente respeitados pelo Estado.
Sob essa linha de pensamento, segundo a coordenadora do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), da Defensoria Pública Estadual/TO, Dra. Franciana Di Fátima Cardoso, “a vulnerabilidade do cárcere feminino extrapola em muito todas as violações corriqueiras presentes no encarceramento masculino e potencializa todas as vulnerabilidades femininas, contribuindo para o agravamento de desumanidades” (DPE-TO, 2019, online).
Diante disso, o encarceramento feminino tocantinense carece de atenção perante o Estado e sociedade, com isso, torna-se fundamental apresentar a realidade em que vivem as mulheres nas unidades prisionais femininas.
Com o fim de se analisar o problema em questão, este estudo tem como objetivo geral analisar as dificuldades enfrentadas pela mulher presa levando em consideração a dignidade da pessoa humana. As dificuldades presentes estão relacionadas à estrutura física dos presídios e às condições de higiene e saúde da mulher encarcerada. O estudo será feito sob a ótica da dignidade humana, visto que “o princípio da dignidade da pessoa humana, dentro desta matéria, reforça que o apenado deve ser tratado, acima de tudo, como pessoa humana, digna de um tratamento que atenda suas necessidades básicas, ao mesmo tempo em que cumpre a pena prevista” (OLIVEIRA, 2014, online, grifo nosso).
Para tanto, a metodologia eleita consiste em pesquisa descritiva, com análise qualitativa e crítica, tendo como fonte a pesquisa bibliográfica, por meio da análise de livros, artigos científicos sobre o encarceramento feminino, sendo também utilizada a pesquisa documental, da análise de leis e notícias disponibilizadas na internet.
Por conseguinte, na primeira seção, apresenta-se breve histórico sobre sistema carcerário feminino no Brasil; na segunda, aborda-se a dignidade da pessoa humana na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e os direitos e garantias da mulher encarcerada; por fim, na terceira seção, analisam-se as dificuldades enfrentadas pela mulher encarcerada no sistema prisional feminino do Tocantins.
2.BREVE HISTÓRICO DO SISTEMA CARCERÁRIO FEMININO NO BRASIL
As pesquisas sobre o encarceramento feminino no Brasil, referentes às décadas passadas, são indefinidas e incompletas e, diante disso, não há informações concretas sobre o assunto. No ano de 1870, surgiu o Relatório do Conselho Penitenciário do Distrito Federal como primeiro documento sobre as mulheres presas. O relatório informava que 187 mulheres escravas passaram pelo calabouço, o qual era cubículo para escravos, que tinha o funcionamento dentro da Casa de Correção da Corte, por volta dos anos de 1869 e 1870, tendo sido uma delas mantida presa durante 25 anos (OLIVEIRA, 2008).
Ademais, cumpre destacar que, a porcentagem de mulheres criminosas era bem inferior com relação ao masculino. As mulheres daquela época eram detidas por vadiagens, brigas, infanticídio, aborto e bruxarias. No tocante ao estabelecimento, as detentas eram submetidas a lugares que não correspondiam com suas necessidades específicas. As autoridades daquela época não avistavam relevância da criação de um ambiente próprio para acomodar as mulheres detidas.
No ano de 1924, o brasileiro Lemos de Brito percorreu o País visitando todas as prisões de mulheres daquela época. Diante dessa experiência, o ideólogo elaborou um projeto de reforma penitenciária e entregou um plano geral, em que orientou a União a edificar um reformatório especial, que não fosse traçado nos padrões comuns referentes à época, isto é, no modelo das prisões masculinas. Ao contrário, o recomendou ao Estado construir um reformatório voltado ao tratamento intrínseco para a mulher por parte do Sistema Penitenciário (OLIVEIRA, 2008).
Nota-se que, para as autoridades o modelo de prisão era suficiente para alojar as mulheres. Visto que necessitou de um olhar mais humanístico para atentar que aquele modelo ia de desencontro com as necessidades intrínsecas das mulheres
Em 1940, com o Decreto Lei n. 2.848 estabelecendo o Código Penal, determinou-se que as mulheres deveriam cumprir suas penas em estabelecimentos distintos dos homens, em locais próprios para elas. No ano de 1941, o Código de Processo Penal veio reforçando essa mesma ideia, de que as mulheres deveriam ter estabelecimento penal próprio (SANTOS, J.; SANTOS, I., 2014).
Para Soares e Ilgenfritz (2002, p. 57), a partição entre homens e mulheres teria de ocorrer com a finalidade de “garantir a paz e a tranquilidade desejada nas prisões masculinas, do que propriamente a dar mais dignidade às acomodações carcerárias, até então compartilhadas por homens e mulheres”.
Cumpre ressaltar que a realidade brasileira não era diferente do que se apresentava em outros países. Os primeiros estabelecimentos exclusivos para mulheres foram na cidade de Porto Alegre/RS em 1937, acompanhado pelo estabelecimento prisional feminino de São Paulo/SP em 1942 e o presídio feminino de Bangu/RJ, também no mesmo ano de 1942. Dentre esses, somente o estabelecimento de Bangu/RJ foi construído com peculiaridades semelhantes aos dos presídios masculinos, as outras foram criadas para atender o público feminino (SANTOS, J.; SANTOS, I., 2014).
Perante as criações dos estabelecimentos prisionais destinados ao público feminino, trouxe consigo a indispensabilidade de agentes prisionais do mesmo sexo. O Brasil teve como referência de outros países, no qual as penitenciárias femininas eram coordenadas por religiosos, assim sendo, as unidades prisionais de mulheres foram gerenciadas pelas Irmãs da Congregação do Bom Pastor.
As Irmãs da Congregação do Bom Pastor administravam os estabelecimentos prisionais por meio de um contrato com o Estado, reguladas por um regimento, no qual eram encarregadas pela educação doméstica, com instrução profissional, ensino educacional e religioso, alimentação, vestuário e higiene das detentas. A Congregação estava sujeitada pelas secretarias de justiça estaduais, uma vez que atendia aos Conselhos Penitenciários e recebiam anualmente pela laboração (SANTOS, J.; SANTOS, I., 2014).
Em outras palavras, as irmãs da Congregação do Bom Pastor tinham como finalidade educar religiosamente as mulheres detidas, resgatando-se seu pudor e moral, dessa forma, seriam capazes de desempenhar o papel de uma boa mulher perante a sociedade.
Em 1955, o Sistema Penitenciário Feminino volta a ser administrado sobre o controle da Penitenciária Central, com a declaração de que as Irmãs do Bom Pastor não tiveram domínio sobre a indisciplina agressiva das internas, além de serem leigas sobre questões penitenciárias e administrativas, fundamentais para poder administrar 2.200 mulheres que se encontravam presas em um presídio que fora programado para comportar 120 mulheres. Em 1966, a Penitenciária Feminina conquistou sua independência administrativa e obteve o nome de Instituto Penal Talavera Bruce (OLIVEIRA, 2008, p. 27).
Em 1988, com a promulgação da Constituição foram incluídos direitos fundamentais para a mulher encarcerada, conforme preleciona o inciso XLIX garante que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (BRASIL, 1988). Nota-se que esse direito é fundamental e garantido, tornando-se inviolável. Ademais, a Carta Magna assegura também direitos para as mulheres gestantes, conforme preconiza o inciso L, do art.5°, em que “às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação” (BRASIL, 1988). À vista disso, ao examinar o passado, é possível observar que houve um grande avanço nos direitos da mulher presa.
Outrossim, a Lei n. 7.210/1984, que estabelece a Lei de Execução Penal, designa um rol de direitos das mulheres presas. Destacam-se alguns direitos previstos na LEP, como o art. 82, §2°, em que as mulheres devem ter berçários no qual possam cuidar dos filhos e amamentá-los até seis meses de vida (BRASIL, 1984).
Por sua vez, o art. 89 da LEP declara que “a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestante e parturiente e de creche para abrigar crianças maiores de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa” (BRASIL, 1984).
Ademais, em 2018, foi incluído o parágrafo 3° pela LC n. 13.769 no art. 112 da LEP, o qual assegura à mulher presa gestante, mãe ou responsável por crianças ou pessoas deficientes, o direito de progressão de regime, contudo, que se encaixe cumulativamente com os requisitos exigidos.
No que tange às estatísticas de mulheres encarceradas, a Informação Penitenciária (INFOPEN) noticia que o Brasil ocupa a quarta posição mundial de população carcerária feminina, totalizando 42 mil mulheres encarceradas, ficando atrás somente dos Estados Unidos, da China e da Rússia (INFOPEN, 2017, p. 13).
Diante desse cenário, importante se faz analisar a dignidade da pessoa humana, com ênfase para a mulher que se encontra encarcerada.
3.DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Primeiramente, antes de discorrer acerca o tema em questão, é necessário apresentar o conceito sobre a Dignidade da Pessoa Humana. Destaca-se que esse assunto é bastante debatido entre os doutrinadores, com muitas pesquisas a respeito por ser amplo, portanto, encontra-se ainda em processo de construção. Isso posto, alguns estudiosos apresentaram algumas conceituações acerca do tema.
Alexandre de Moraes (2003, p. 41) conceitua que
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
No ponto de vista de Bonavides, Miranda e Angra (2009), existe uma amplitude e complexidade sobre o conceito da dignidade da pessoa humana, visto que, para compreender sobre esse princípio fundamental, é necessário ressaltar alguns conceitos anteriores de cidadania e república. Diante disso, os autores conceituam que a dignidade da pessoa humana “é conjunto de condições sociais, econômicas, culturais e políticas. Cada pessoa pode [...] exercer seus direitos com liberdade e esclarecimento consciente [...] ambiente de respeito e efetividade dos direitos individuais [...]” (BONAVIDES; MIRANDA; ANGRA, 2009, p. 21).
Observa-se que esse conceito engloba várias condições para um bem comum, dando ao homem a liberdade e o tornando merecedor de respeito e proteção.
Em 1988, após passar pela ditadura militar, a população brasileira ansiava por uma sociedade livre e democrática, em que todos pudessem ter seus direitos e garantias fundamentais. Diante disso, fora promulgada no dia 5 de outubro de 1988 a Constituição da República Federativa do Brasil, conhecida como Constituição Cidadã.
Por conseguinte, a Constituição Brasileira percorreu os mesmos caminhos das Constituições portuguesa, de 1976, e espanhola, de 1978, instituindo em seu artigo 1º, inciso III, que a República Federativa do Brasil “constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana”, dentre outros fundamentos expressos (MENDES, 2013).
É possível identificar o princípio da dignidade da pessoa humana em outros capítulos da Constituição Federal de 1988, por exemplo, quando designou em seu art. 170, caput, que a ordem econômica tem por objetivo garantir a todos uma vida digna, bem como instituiu no art. 226, §6º o planejamento familiar nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, além de garantir à criança e ao adolescente o direito à dignidade da pessoa humana no art. 227, caput (SARLET, 2011).
Nota-se que, que a Constituição de 1988 trouxe um grande avanço para o ordenamento jurídico brasileiro, com a finalidade de garantir e proteger os direitos individuais, a personalidade, direitos sociais, a igualdade, a liberdade, etc. Ademais, a partir do momento que o Brasil passou a ser um Estado Democrático de Direito e tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana na Constituição Federal, passou a olhar o indivíduo com respeito e reconhecimento, visto que anteriormente o indivíduo era visto como um objeto, um ser sem valor. Isto posto, a dignidade da pessoa humana não pode ser diminuída, com consequência de enfraquecer o regime democrático.
Vale destacar que, embora a dignidade da pessoa humana veio com intenções benévolas, é considerada por muitos como um princípio com pouca funcionalidade ou até mesmo inútil, tendo em vista que, muitos indivíduos ainda são vítimas da falta de segurança, da assistência médica, bem como indivíduos são torturados e submetidos a prisões indignas. Em vista disso, a dignidade da pessoa humana existe na teoria, contudo, em certas situações é ausente na prática.
No que concerne ao princípio da dignidade humana na esfera penal, a dignidade da pessoa humana como preceito fundamental deverá ser compreendida como norma superior, base para criação de normas inferiores, assim como para fiscalizar a sua validade. Desse modo, por exemplo, “o legislador infraconstitucional estaria proibido de criar tipos penais incriminadores que atentassem contra a dignidade da pessoa humana, [...] proibida a cominação de penas cruéis, ou de natureza aflitiva [...]” (GRECO, 2011, p. 71).
Verifica-se que, embora seja um princípio irrefutável, em que o Estado tem como papel de garantidor, em certos cenários, este é o protagonista de algumas violações. É evidente o desrespeito de direitos fundamentais no âmbito penal, principalmente com questões internas nos estabelecimentos prisionais, tais como as estruturas, a falta de higiene pessoal para mulheres e o atendimento médico, além de tantos outros.
Em consequência, a Carta Magna dispõe preceitos penais fundamentais, que operam como medidas internas ao Estado, tendo como guia a dignidade da pessoa humana.
Ademais, esse princípio também deve ser aplicado, por conseguinte, às mulheres encarceradas, sobre o que se discutirá na subseção seguinte.
3.1 OS DIREITOS E GARANTIAS DA MULHER ENCARCERADA
É essencial conhecer os direitos dados pela legislação brasileira à mulher presa, visto que, independentemente de sexo, raça, classe social, orientação sexual etc., todos devem receber tratamento digno e ter seus direitos garantidos. Diante disso, esta subseção abordará os direitos previstos na Constituição e nas leis infraconstitucionais.
Com relação a integridade tanto física quanto moral, a Constituição Federal estabelece expressamente em seu art. 5°, inciso XLIX, que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Ademais, o inciso III do mesmo artigo veda qualquer prática de “tortura [...] tratamento desumano ou degradante” (BRASIL, 1988).
Há várias notícias que abordam sobre o tratamento das reeducandas nas unidades prisionais brasileiras, no qual são submetidas a tratamentos desumanos, tendo que conviver em lugares insalubres, muitas celas não têm repetições, no qual presos tem contato com fazes, cheiros degradantes.
Cumpre ressaltar que, tempos atrás, era comum a prática de algemar as mulheres presas durante o parto, violando em si o direito à integridade física, todavia, a Lei n. 13.434/2017 alterou o art. 292 do Código de Processo Penal, incluindo o parágrafo único, o qual dispõe que “é vedado o uso de algemas em mulheres grávidas durante os atos médico-hospitalares preparatórios para a realização do parto e durante o trabalho de parto, bem como em mulheres durante o período de puerpério imediato” (BRASIL, 2017).
Nota-se que antes da publicação da lei, as detentas eram tratadas de forma humilhante, visto que o parto é um momento especial na vida da mulher, como também da criança, onde tem o seu primeiro contato com a mãe. Percebe-se que esse tipo de ato viola de todas as formas a dignidade da pessoa humana da mulher presa.
No que diz respeito à igualdade, a Constituição Federal em seu art. 5°, inciso I, estabelece que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 1988). Dessa forma, homens e mulheres devem ter o mesmo tratamento dentro do sistema prisional.
Convém ressaltar que a maioria das penitenciárias foram projetadas e executadas para atender a homens, diante disso, o Estado deve oferecer à mulher encarcerada um tratamento digno e diferenciado para atender suas particularidades.
A Lei nº 7.210/1984, no qual institui a Lei de Execução Penal, apresenta um rol de direitos para a população encarcerada, conforme preleciona o art. 10, assegurando “o direito à assistência, material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa” (BRASIL, 1984).
Sobre o direito à assistência material, a LEP, em seu art. 12, garante “[...] fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas” (BRASIL, 1984).
Cumpre ressaltar que esse direito não é absolutamente respeitado, visto que muitas detentas carecem de kits de higiene pessoal e íntima, tendo de providenciar formas alternativas para atender suas necessidades.
Sobre o direito à assistência educacional, é garantindo à presa educação escolar e a formação profissional, ademais, o art. 19, parágrafo único da LEP estabelece que “a mulher condenada terá ensino profissional adequado à sua condição” (BRASIL, 1984).
No tocante à saúde, o art. 196 da CRFB/1988 garante que:
Art.196. A saúde de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas públicas, sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).
No âmbito penal, o direito à saúde também está garantido, conforme determina o art. 14 da Lei de Execução Penal: “a assistência à saúde do preso e internado, de caráter preventivo e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico” (BRASIL, 1984).
Cumpre destacar, que a mulher necessita de um acompanhamento psicológico, visto que a saúde mental também é essencial, tendo em vista que muitas mulheres ao decorrer do cumprimento da pena passam por momentos de solidão, resultando ao quadro de depressão, ansiedade, etc.
Em relação à mulher presa gestante, esta tem o direito à saúde, como é previsto no §3°, do art. 14 da LEP: “será assegurado acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido” (BRASIL, 1984).
Observa-se que é um direito indispensável da mulher presa gestante e igualmente para o feto e o recém-nascido, uma vez que a gestante necessita de acompanhamento médico para que a criança nasça com saúde, bem como a mãe possa estar saudável para amamentá-lo.
Vale enfatizar que, muitas detentas evitam ir nas consultas médicas, em decorrência do preconceito que recebem, e da falta de tratamento digno
Ainda sobre o direito da mulher presa gestante e parturiente, é assegurado alojamento que venha atender suas condições, segundo estabelece o art. 89 da Lei n. 7.210/2084, que garante:
Art. 89- Além dos requisitos referidos no art.88, a penitenciária de mulheres será dotada de seção para gestantes e parturientes e de creches para abrigar crianças de 6 (seis) meses e menores de 7 (sete) anos, com a finalidade de assistir a criança desamparada cuja responsável estiver presa (BRASIL, 1984).
É de suma importância que o recém-nascido tenha a companhia da mãe, assim como, é indispensável que a criança permaneça em um lugar adequando que condiz com sua necessidade. Visto que o ambiente nos estabelecimentos prisionais feminino em si já gera certo desconforto.
A respeito das presas lactantes, é direito fundamental de manter-se com seus filhos durante a fase de amamentação, em conformidade com o art. 5°, inciso L, da Constituição Federal de 1988, em que “às presidiárias serão asseguradas condições que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação” (BRASIL, 1988).
Em relação ao estabelecimento penal, a Constituição Federal de 1988 garante à mulher encarcerada o direito de cumprir sua pena em estabelecimento diverso do homem, conforme preleciona o inciso XLVIII: “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado” (BRASIL, 1988).
Além disso, para as mulheres presas com idade maior de 60 (sessenta) anos é assegurado a cumprirem suas penas de forma separada das demais presas, bem como em estabelecimentos exclusivos que atendam suas condições pessoais, conforme preleciona o art. 83, §1° da LEP.
Em 2018, foi publicada a Lei n. 13.769/2018, que incluiu o §3° no art. 112 da Lei de Execução Penal, assegurando a progressão para regime menos gravoso para a mulher presa que se enquadre no seguinte rol:
Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos:
[...]
§ 3°- No caso de mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, os requisitos para progressão de regime são, cumulativamente:
I - não ter cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;
II - não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente;
III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior;
IV - ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento;
V - não ter integrado organização criminosa (BRASIL, 1984).
Nota-se que as mulheres encarceradas são asseguradas por direitos elencados na CRFB/1988 e na Lei n. l7. 210/1984 (LEP), todavia, esses direitos não são respeitados de forma adequada e cumpridos. Diante disso, a próxima seção abordará sobre as dificuldades enfrentadas pela mulher encarcerada no estado do Tocantins.
4.DIFICULDADES ENFRENTADAS PELA MULHER ENCARCERADA NO SISTEMA PRISIONAL FEMININO DO TOCANTINS
Até o ano 2020, o estado do Tocantins contém 6 (seis) unidades prisionais femininas, sendo elas: Unidade Prisional Feminina de Palmas regime fechado; Unidade Prisional de Regime Semiaberto de Palmas; Unidade Prisional de Lajeado regime fechado; Unidade Prisional de Pedro Afonso regime fechado; Unidade Prisional da Talismã regime fechado e Unidade Prisional de Babaçulândia regime fechado. No momento, a Unidade Prisional de Regime Semiaberto (URSA) está fechada, em razão à pandemia de Covid-19, as mulheres em regime semiaberto cumprem as penas em regime domiciliar, com tornozeleira.
No que tange às dificuldades enfrentadas pela mulher encarcerada no Tocantins, realidade não diferente dos outros Estados brasileiros, há uma série de violações de direitos que poderia ser apresentada, contudo, o presente artigo abordará três grandes dificuldades: condições de higiene e de saúde da mulher encarcerada e estrutura física dos presídios.
4.1 CONDIÇÕES DE HIGIENE E SAÚDE DA MULHER ENCARCERADA
A Lei nº 7.210/1984 em seu art. 10, estabelece que o Estado tem o encargo de proporcionar assistência aos presos. Diante disso, o artigo 12 da LEP define que “a assistência material ao preso consistirá no fornecimento alimentação, vestuário e instalações de higiene” (BRASIL, 1984). Outrossim, o artigo 13 da LEP assegura que “o estabelecimento disporá de instalações e serviços que atendem aos presos nas suas necessidades pessoais [...]” (BRASIL, 1984).
Embora esses direitos estejam expressamente previstos, a realidade no sistema prisional feminino é totalmente divergente. É evidente que a mulher tem suas necessidades intrínsecas, como, por exemplo, a menstruação, pois todo mês a maioria das mulheres passa pelo período menstrual e, diante disso, é necessário o uso do absorvente. Entretanto o Estado não fornece quantia suficiente de produtos básicos de higiene, como papel higiênico, absorventes, escova de dente, creme dental etc.
Para exemplificar, o Estado oferece por mês apenas dois papeis higiênicos para cada detenta, e isso não é suficiente para a mulher, tendo em vista que usa para duas necessidades diversas, e são entregues um pacote de absorvente contendo oito unidades. Sabe-se que cada mulher tem seu ciclo menstrual diferente das outras, isto é, se o período menstrual da mulher for quatro dias, terá que utilizar dois absorventes ao dia, e, se for superior a quatro dias, as unidades não serão suficientes para atendê-la (QUEIROZ, 2015).
Essa dificuldade é vivenciada pelas mulheres encarceradas nas unidades prisionais femininas no estado do Tocantins. Inclusive a falta de quantidade suficiente de produtos de higiene dentro da Unidade Prisional Feminina de Palmas foi matéria de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Estadual, conforme consta:
[...] Com efeito, sequer são entregues kits de higiene pessoal em quantidade suficiente para atender as necessidades básicas de todas as Reeducandas, sendo fato público e notório que, frequentemente, organizações da sociedade civil realizam campanhas para arrecadar produtos dessa espécie para doar às presas da UPFP (TJTO, processo n. 0015401-12.2019.827.2729).
Segundo destacado pelo MPE/TO, a população tem tido empatia pelos problemas das detentas, dado que são comuns campanhas levantadas pelo meio acadêmico, bem como ações sociais movidas pelo Conselho Penitenciário do Estado, ou mesmo pela Associação Brasileira de Advogados Criminalistas – ABRACRIM/TO, que visam a arrecadar produtos de higiene para as detentas das unidades tocantinense.
Observa-se que é função do Estado promover políticas públicas adequadas para fornecer assistência material aos presídios, visto que é um direito garantido pela LEP.
Em relação à condição de saúde, embora a Lei de Execução Penal assegure o direito assistência à saúde, conforme determina o art. 14, as unidades prisionais femininas tocantinenses carecem da atenção do Estado, pois passam por dificuldades, como, por exemplo, “a falta de assistência médica [...] inexistindo a realização de exames periódicos como [...] o exame de prevenção de câncer de colo de útero [...] (SILVA, 2020, p. 16).
Constata-se que são condições básicas que toda mulher necessita ter, tendo em vista que exames ginecológicos, exame de mamografia, etc., são indispensáveis para a saúde feminina, assim como também, necessita de acompanhamento com psicólogos, para manter sua saúde mental equilibrada.
Cumpre ressaltar que mesmo que a detenta possua prescrição médica para obter o fornecimento de material, como medicamentos, estes não são providos pelo Estado, havendo escassez de medicamentos até para dores de cabeça e cólica (SILVA, 2020). Novamente ações têm de ser realizadas pela sociedade para fornecer medicamentos, ou a própria família tem de providenciar.
Insta salientar que a insuficiência de condições dignas de higiene e saúde nas unidades prisionais femininas vão de encontro ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, posto que, esse valor é:
[...] qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito [...] por parte do Estado, implicando [...] um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável [...] (SARLET, 2001, p. 60).
Perante o exposto, observa-se que há desconsideração do Estado diante das necessidades higiênicas e de saúde da mulher encarcerada, tendo de passar por situações degradantes. Além desse fator, as encarceradas são mantidas em espaços inadequados, no qual será exposto na subseção subsequente.
4.2 ESTRUTURA FÍSICA DOS PRESÍDIOS
Conforme abordado na primeira seção, os estabelecimentos prisionais foram pensados e executados para atender o sexo masculino, e há muito tempo a mulher vem sofrendo com essa ‘igualdade’ em relação às estruturas físicas. Destaca-se que as unidades penitenciárias femininas no Tocantins eram masculinas e foram transformadas em femininas e não passaram por nenhuma modificação significativa para atender a esse público.
No Estado, “cinco unidades prisionais femininas [...] são prisões adaptadas ou herdadas do sistema masculino, tais como casas alugadas, unidades de socioeducativo desativadas e cadeias públicas adaptadas [...] (SILVA, 2020, p. 10). Assim como a maioria dos estabelecimentos prisionais femininos brasileiros, não há alojamento para comportar gestantes, parturientes e lactantes, bem como para atender os recém-nascidos. Também não existe uma ala especial para receber os visitantes, visto que muitas mulheres recebem visitas de seus filhos pequenos e não há sala de brinquedoteca ou sala de leitura infantil para recebê-los.
Segundo Silva (2020), em 2018, o estado do Tocantins recebeu equipamentos doados pelo Departamento Penitenciário Nacional com a finalidade de formação de brinquedoteca nas unidades para serem usufruídas pelas crianças nos dias de visita e sala de amamentação, todavia os equipamentos nunca foram montados. O Estado justifica o fato com a falta de espaço adequado para essas finalidades.
Cumpre mencionar que “nas unidades de Palmas e Lajeado do Tocantins não há espaços disponível para instalação e o material segue guardado no almoxarifado das respectivas unidades, aguardando uma reforma, da qual ainda não se tem previsão” (SILVA, 2020, p. 11).
É visível a falta de organização e comprometimento por parte do Estado, proporcionando descaso e desumanidade nas unidades prisionais femininas. Sendo que poderia executar obras de ampliação nas unidades, para garantir um espaço adequado e a instalação desses equipamentos doados. Enquanto não são colocadas em prática as crianças e as lactantes tentam se acomodar em lugares impróprios.
A estrutura da unidade de regime fechado de Palmas é a maior entre as demais unidades, ademais, não ocorreu nenhuma modificação para atender as detentas. Além disso, a unidade foi destinada para comportar somente 24 mulheres, contudo ultrapassa o indicado, sendo abrigadas de 50 a 70 detentas entre provisórias e sentenciadas (SILVA, 2020).
Por conseguinte, diante das dificuldades apresentadas nas subseções, é evidente a desumanidade encontrada nas unidades prisionais femininas. Visto que as mulheres não são totalmente amparadas em suas necessidades relacionadas ao seu gênero, de modo que se mantém com poucas quantidades nos kit de higiene fornecido pelo Estado e com a falta de medicamentos. Por outro lado, como foi apresentado nesta seção, as mulheres encarceradas são submetidas a lugares inadequados, ambientes que não foram pensados para o sexo feminino.
E a situação se perpetua. Está previsto que, em 2021, a cadeia pública masculina de Miranorte se tornará feminina.
5.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base no que foi apresentado, podemos observar que desde os primórdios as mulheres presas enfrentam dificuldades para cumprirem suas penas de forma digna. Embora tenham alcançado direitos no decorrer dos anos, como foi apresentado no estudo, esses direitos não são respeitados de forma mínima ou suficientes, sendo frequentemente violados, ademais, sempre há uma falha ou ineficiência por parte do Estado.
Ao analisar essas dificuldades apresentadas sob a ótica da dignidade humana, foram detectadas diversas violações a esse princípio, tais como: direito à saúde, direito à assistência material e ao direito de cumprir sua pena em um lugar adequado. Cumpre destacar que ao adentrar no sistema prisional, seja feminino ou masculino, não perde a dignidade, uma vez que esse valor é intrínseco à pessoa humana.
É evidente a falta de eficiência do Estado do Tocantins em proporcionar às reeducandas o mínimo de dignidade. Dessa forma, para mudar essa realidade, é necessário que o Estado planeje e execute reformas nas unidades prisionais femininas tocantinenses, pensando nas necessidades e individualidades da mulher. Além do mais, é fundamental que o Estado venha promover a ampliação nas unidades, bem como a instalação dos equipamentos doados pelo Departamento Penitenciário Nacional, para garantir as crianças uma imagem menos aterrorizante da prisão.
Outrossim, é fundamental que o Estado crie formas de distribuição de kits de higiene, medicamentos etc., com quantias que venham a atender todas as mulheres. Do mesmo modo, na assistência à saúde, é necessário que o Estado do Tocantins, possa promover exames clínicos às detentas, priorizado também à saúde mental da presa.
Destaca-se, ainda, que a realidade das unidades prisionais femininas no estado do Tocantins precisa ser conhecida e debatida, visto que este cenário apresentado demonstra o desacato aos direitos humanos. Diante disso, deve-se urgentemente mudar este quadro, ou nossas mulheres encarceradas continuarão a ser tratadas de maneira indigna e desumana.
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[1] Especialista em Direito Público pela PUC Minas. Professor e Delegado de Polícia Civil. Email: [email protected]
[2] Advogada criminalista. Pós-Graduada Ciências Criminais pela Estácio de Sá. Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas – ABRACRIM/TO. Presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Tocantins - CEPTO. E-mail: [email protected]
Acadêmica do 10° período do Curso de Direito na Instituição de Ensino Faculdade Serra do Carmo, em Palmas-Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Sinndy Mendonça dos. Encarceramento feminino no estado do Tocantins sob a ótica da dignidade da pessoa humana Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2020, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55714/encarceramento-feminino-no-estado-do-tocantins-sob-a-tica-da-dignidade-da-pessoa-humana. Acesso em: 27 dez 2024.
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