GUILHERME AUGUSTO MARTINS SANTOS
(Orientador)
RESUMO: Uma das ciências que mais sofre mudanças é o direito, isso porque as leis decorrem dos fatos sociais, na tentativa de englobar todas as relações jurídicas contraídas no convívio social. O direito sucessório segue esta mesma premissa, haja vista que, nas últimas décadas, o uso da internet alterou as relações da população atual e notadamente incluiu novas modalidades de bens passiveis de serem herdados. Em vista disso, a herança digital já é presente na realidade mundial, conquanto, precisa ser difundida e abordada pelo Legislador Pátrio. Posto isto, o presente artigo te como objetivo precípuo, analisar sob a óptica jurídica o reflexo destes bens no direito sucessório de bens armazenados virtualmente. Na medida em que, é um tema recente e raramente abordado em pesquisas científicas, razão pela qual não há a pretensão de esgotá-lo.
Palavras Chaves: Bens armazenados virtualmente; Direito Sucessório; Herança digital; Internet.
ABSTRACT: Law is one of the sciences that undergoes the most changes, because the laws stem from social facts, in an attempt to encompass all the legal relationships contracted in social life. Inheritance law follows this same premise, given that, in the last decades, the use of the internet has promoted several changes in interpersonal relationships, and notably included new types of assets that could be inherited. In view of this, digital inheritance is already a reality, although it needs to be disseminated and addressed by the National Legislator. That said, the present article has as its primary objective, to analyze the legal consequences related to the right of succession of goods stored in a virtual environment. To the extent that, it is a recent topic and rarely addressed in scientific research, which is why there is no intention to exhaust it.
Keywords: Goods stored virtually; Succession Law; Digital inheritance; Internet.
INTRODUÇÃO
Com a modernidade surgiram diversas descobertas, principalmente no que atine ao mundo virtual, inovações e descobertas tecnológicas que alteram radicalmente as formas de interação social na última década.
Foi justamente através desta revolução/inovação social que computadores e celulares, a internet, e notadamente surgiu a difusão de redes sociais, criadores de conteúdos digitais, o compartilhamento de dados e armazenamento de arquivos em nuvem. Conquanto, em que pese às inúmeras atualizações legais, estas não conseguiram abarcar toda evolução causada pela tecnologia.
Esta inovação mundial passou a ter uma valorização de cunho patrimonial também, haja vista que modificou a forma de bens adquiridos pelos desenvolvedores desse tipo de produto. É dizer, foi um fato que de certa forma, desafiou o direito civil, haja vista que este, não regula de forma especifica sobre o tema, principalmente no que atine ao direito de herdar estes bens.
Não é demais dizer, que, por vezes existem verdadeiros tesouros que se encontram no meio virtual, mas que carecem de uma programação normativa para tratar do futuro desses bens, que muitas vezes ficam perdidos e abandonados, uma vez que, nem mesmo os familiares tem conhecimento de sua existência, arquivos estes, que ficam armazenados em nuvem, blogs, páginas de relacionamento, como, por exemplo, direitos sobre escritos, livros, músicas fotos, ilustrações, poesias trabalhos escolares, empresas, entre outros documentos pessoais que possam ter valor agregado.
A pesquisa está organizado em três capítulos. Primeiramente, será feito uma abordagem prefacial do Direito das Sucessões, buscando conceituar os institutos que envolvem e desenvolve do tema apresentado. O segundo capítulo destacará a discussão acerca da existência, espécies e particularidades da propriedade virtual, e, ainda, serão apresentados os caminhos legais para atingir a última vontade do falecido. E, por fim, o capítulo terceiro trará uma abordagem genérica da legislação brasileira acerca da herança de cunho virtual.
1. HERANÇA
É comum nos depararmos com diversos estudos que tentam definir limitadamente determinado instituto, conquanto, com as devidas vênias, como muito bem assinala Santana (2010, p. 67), “definir encerra limites e lembra a moldura kelseniana que serve de alegoria ao sistema orgânico das normas”.
Nesse sentido, o que se busca é contribuir de forma positiva para o mundo jurídico.Hajavistanãosepretenderesgotarodebatequantoao tema aqui exposto, mas sim contribuir para o que já existe, busca-se uma conceituação quanto ao que venha a ser o Direito das Sucessões.
Assim, tem-se que,é oestudodasucessão de bens e direitos de um indivíduo apó seu falecimento, em que os herdeiros assumem por força de lei ou testamento o lugar do falecido. Naprática, os herdeiros tomam o lugar da pessoa falecida, passando a exercer a posição jurídica desta no mundo civil, de maneira a garantir, se interesse houver a continuidade das relações jurídicas estabelecidas pelo falecido quando ainda vivo. A noção de patrimônio, portanto, engloba tanto o ativo quanto o passivo do decujus.
Nesse diapasão, a definição majoritária de sucessão é, o ato pelo qual designa uma pessoa aassumir o lugar de outra, sendo sua substituta na titularidade e propriedade de determinados bens. Com isto, o direito sucessório, objetivando especificamente a alteração da titularidade de um determinado patrimônio de uma pessoa para outra em decorrência da morte, trata-se aqui da sucessão causa mortis.
Pelos ensinamentos de Clóvis Beviláqua é: “o Direito das Sucessões é o complexo dos princípios segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém que deixa de existir” (BEVILÁQUA apud DAIBERT, 1981, p. 1).
Nas palavras do saudoso Pontes de Miranda (1984, v. 56, p. 4), “o Direito das Sucessões compreende as regras sobre a vocação hereditária, o testamento, o regime jurídico da indivisão sucessória, e a maneira de inventariar e partilhar”.
Para Venosa (2013, v. 7, p. 4), “o direito das sucessões disciplina [...] a projeção das situações jurídicas existentes, no momento da morte, da desaparição física da pessoa, a seus sucessores”.
Consoante Francisco Cahali (2012 apud TARTUCE, 2014, v. 6, p. 21):
O Direito das Sucessões, como ramo do Direito Civil, trata exclusivamente da sucessão decorrente do falecimento da pessoa. Emprega-se o vocábulo sucessão em sentido estrito, para identificar a transmissão do patrimônio apenas em razão da morte, como fato natural, de seu titular, tornando-se, o sucessor, sujeito de todas as relações jurídicas que àquele pertenciam. Também chamada de direito hereditário, apresenta-se como o conjunto de regras e complexo de princípios jurídicos pertencentes à passagem da titularidade do patrimônio de alguém que deixa de existir aos seus sucessores.
Na lição de Dias (2013, p. 33), esse campo jurídico “trata da transmissão de bens, direitos e obrigações, em razão da morte de uma pessoa, aos seus herdeiros, que, de um modo geral, são seus familiares”. Segundo a autora, os dois elementos basilares das normas de sucessão são o familiar, definido em virtude do parentesco, e o elemento individual, evidenciado pela liberdade de testar ou não.
No que atine aos fundamentos do Direito Sucessório, ou seja, a razão pela qual é autorizado que alguém previsto em lei, ou por meio da intenção desejada pelo testador, receba para si o acervo de direitos e obrigações que até então a este pertencia, subrogando-se, nos mesmo direitos e garantias do falecido.
Neste contexto, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, inciso XXX, assegura o direito de herança e o Código Civil disciplina o direito das sucessões em quatro títulos. Senão vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXX - é garantido o direito de herança; A herança, também denominada espólio ou monte, é o patrimônio deixado pelo de cujus, que será transmitido aos seus herdeiros – legítimos ou testamentários – e legatários, sendo considerada um imóvel e obedecendo a todas as normas peculiares desses bens.
Na mesma ordem de ideias, preleciona o artigo 80, inciso II do Código Civil.
Art. 80. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
I – os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram;
II – o direito à sucessão aberta.
O cerne da pesquisa está justamente no fato de que, o Código Civil não disciplina a herança digital no título correspondente na legislação, o que prejudica a uniformização de jurisprudência, haja vista que os tribunais julgam os casos concretos não esposam o mesmo entendimento sobre a matéria. Por este motivo, o testamento é menos burocrático ao reconhecimento de bens virtuais como pertencentes ao quinhão dos herdeiros, a transmissão dos bens virtuais é mais simples, visto que nele constará a posição do falecido, quanto à destinação de seu bem. No mais, quando estes bens estão assegurados em testamento, há a obrigação de transferi-los aos herdeiros, decorrente da garantia
De saída, não é demasiado recordar que, com a morte do titular dos bens, ou seja, os direitos sobre os bens do falecido, é transferido imediatamente aos herdeiros a herança, passando esta a integrar o patrimônio do herdeiro. Assim, até mesmo pelo principio da saisine, a transmissão dos bens ocorre no momento da abertura da sucessão, mesmo que o herdeiro não tenha ciência da morte do autor da herança, e não com a abertura do inventário ou partilha.
Pelo extraído dos autores supramencionados, é possível compreender, que a herança é uma universalidade de bens, direitos e obrigações. E ainda, é imperioso mencionar ainda, que, não possui personalidade jurídica própria, daí não ser uma pessoa jurídica, posto que todas as incumbências sejam transferidas imediatamente aos herdeiros legítimos ou testamentários, conforme última disposição de vontade.
2.ASPECTOS GERAIS DA PROPRIEDADE VIRTUAL
O conceito de bens para a legislação vigente, não se encontra divergência, haja vista que o próprio legislador se incumbe de conceituá-lo.
Nos dizeres de Carlos Roberto Gonçalves:
A Parte Geral do Código Civil trata das pessoas, naturais e jurídicas, como sujeitos de direito; dos bens, como objeto das relações jurídicas que se formam entre os referidos sujeitos; e dos fatos jurídicos, disciplinando a forma de criar, modificar e extinguir direitos, tornando possível a aplicação da Parte Especial. Em sentido amplo esse objeto pode consistir em coisas (nas relações reais), em ações humanas (nas relações obrigacionais) e também em certos atributos da personalidade, como o direito à imagem, bem como em determinados direitos, como o usufruto de crédito, a cessão de crédito, o poder familiar, a tutela etc. (GONÇALVES. 2017 p.340).
Nessa esteira, denota que, pairam óbice para enquadrar alguns tipos de arquivos virtuais (filmes, blogs, páginas na internet, músicas, livros etc.) como patrimônio, por advir de relações jurídicas com valor econômico.
Assim, tudo o que é possível comprar pela internet ou guardar em um espaço virtual, pode ser compreendido como bens. Os ativos digitais podem ser bens guardados tanto no aparelho do usuário da rede, até mesmo através da internet em servidores com este propósito.
Na atualidade, o armazenamento virtual vem sendo uma pratica habitual, haja vista os impactos causados em razão da difusão mundial da rede global de redes. O que acarretou a utilização em massa dos seguintes serviços: mensagens de e-mail, filmes, músicas, livros, blogs, perfis em redes sociais. Estas informações são criptografadas e acessadas através de uma senha pessoal onde, somente o proprietário tenha permissão para ver, modificar ou compartilhar as informações ali lançadas.
Antes de investigar o conceito de propriedade virtual com mais profundidade, será útil mencionar brevemente duas questões que são excepcionalmente importantes para a compreensão da propriedade virtual. A primeira questão tem a ver com a origem do conceito de propriedade virtual, e a segunda questão tem a ver com a importância da propriedade virtual como um novo objeto do direito de propriedade.
A propriedade virtual se origina e pode ser encontrada dentro de mundos virtuais. Essa afirmação leva à questão da definição de um mundo virtual. Em linguagem simples e cotidiana, pode-se definir um mundo virtual como um mundo não físico alternativo, em contraste com o mundo físico real em que vivemos.
Mundos virtuais são ambientes persistentes moderados por computador, através dos quais vários indivíduos podem interagir simultaneamente. Para entender a definição, ela será decomposta em seus elementos básicos e discutida a seguir. Deve-se notar que alguns desses elementos ou essentialia têm correlações com os requisitos de propriedade virtual que será discutido posteriormente neste artigo (BLAZER, 2006).
O primeiro requisito é que o mundo virtual seja moderado por computador. Um ambiente moderado por computador significa que um computador controla tudo sobre o ambiente virtual. Normalmente, isso é feito por meio do programa ou do código programado.
Então, o que isso significa em termos de propriedade virtual? Isso significa que todos os aspectos do jogo relacionados à propriedade virtual são gerenciados automaticamente pelo computador, sem a necessidade de pessoas reais terem qualquer tipo de envolvimento pessoal no funcionamento do mundo virtual. É preciso lembrar também que os computadores que gerenciam esses mundos virtuais não são os mesmos que um desktop local ou laptop em casa. Esses computadores são normalmente organizados em uma grande matriz ou ligados uns aos outros (CHEIN, 2006).
O próximo requisito é que o mundo virtual seja persistente. Nesse sentido, persistência significa que o mundo virtual deve existir continuamente e sem interrupções; especificamente no que diz respeito à eletricidade e conectividade de rede. É essencial que o mundo virtual esteja sempre disponível para o jogador interagir. Assim que um mundo virtual se torna inativo ou é desligado, ele se torna apenas um teórico mundo que realmente não existe, ao invés de um virtual. Este requisito de persistência é uma das principais razões pelas quais os mundos virtuais são tão viciantes, porque, de um jogador / usuário. Do ponto de vista, significaria que ele está perdendo coisas que acontecem no mundo virtual quando ele não está logado e participa dele (HOROWITZ, 2006).
O próximo requisito está relacionado ao ambiente do mundo virtual. Em circunstâncias normais, um ambiente de mundo virtual seria representativo do próprio mundo real de alguém, ou pelo menos seria familiar e reconhecível para alguém de uma forma ou de outra. Isso é para que o mundo e seu ambiente sejam emissivos e persuasivos para o jogador. Em um mundo virtual moderno, o ambiente geralmente é representado como sendo de natureza tridimensional, e geralmente é possível navegar pelo mundo virtual de uma perspectiva de primeira ou terceira pessoa.
3. ASPECTOS LEGAIS DA HERANÇA VIRTUAL NO BRASIL
O conjunto de bens adquiridos pelo falecido em vida, seja qual for sua espécie, deverão fazer parte do espólio, eis que, notadamente enquadram no conceito mais básico de patrimônio, conforme preconiza a lei.
Os bens de cunho digital não são diferentes, haja vista que, é cognoscível auferir o valor econômico desses bens, principalmente se eles forem objeto de testamento. Assim, o patrimônio digital deixado pelo falecido pode representar um valor econômico expressivo, que inclusive, poderá interferir na legítima reservada aos herdeiros necessários, isto é, pode comprometer a quota disponível do limite de testar, isto acarretaria a anulação do testamento, para que garantisse o direito de herdar, dos herdeiros necessários, conforme preconiza a legislação vigente.
Não é outro, o entendimento esposado por Costa Filho (2016) que:
Diante da ausência de qualquer disposição que trate especificamente dos bens armazenados virtualmente no Código Civil, a transmissão desses bens através de herança decorre de interpretação extensiva e sistemática. Assim, como acontece com bens tangíveis e demais formas incontroversas de patrimônio, os direitos sobre bens armazenados virtualmente advindos da sucessão ficam, em regra, com os familiares mais próximos do falecido (...) segundo ordem prevista pelo Código, ou com os legatários através de testamento (COSTA FILHO, 2016, p.35).
Nesse diapasão, sendo o de cujus dono famoso blog de internet, por exemplo, acaso este endereço virtual, permaneça gerando lucros mesmo após o falecimento, estes valores podem representar mais da metade de todo o patrimônio deixado, ficando os herdeiros necessários prejudicados em seu direito à legítima.
Nesse mesmo sentido, pode ocorrer que, ainda que o acervo digital não seja citado em testamento, deve sim fazer parte dos bens colacionados no momento da abertura da sucessão, haja vista que a depender do patrimônio e do tipo de bem virtual deixado, estes bens virtuais poderão ser de valores expressivos para o quinhão de cada herdeiro necessário.
Ambos os meios são válidos para levantamento de bens do falecido, de modo que aos herdeiros de bens em acervo digital do falecido, assim nos ensina Lima (2013, p.32) são:
A primeira, em relação aos arquivos suscetíveis de apreciação econômica. Estes comporão a herança, gerando direitos hereditários; a segunda, em relação aos arquivos insuscetíveis de valoração econômica prevalece a vontade do de cujus: se inexistir expressão de vontade, não poderão os herdeiros pleitear a posse dos arquivos pessoais, mas poderão solicitar a retirada de material publicado ostensivamente; existindo declaração de vontade (expressa ou tácita), respeitar-se-á a manifestação.
No ponto, é preciso chamar atenção ao fato de que, existem, dificuldades para atestar se determinados bens possuem ou não valor econômico, e ainda, inúmeros questionamentos acerca da titularidade de direitos autorais. Em alguns casos, um arquivo digital, tais como: músicas, fotos, livros digitais, por exemplo, pode não ter valor econômico auferido imediatamente, mas num futuro essa valoração pode mudar, como acontece com artigos antigos e raros que passam a ter valor não pelo produto, mas sim pela história que carrega.
Com fincas de regulamentar a matéria em voga, atualmente, tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei (PL 4099/2012) de autoria do Deputado Federal Jorginho de Mello, cujo objetivo é alterar o artigo 1.788 do Código Civil para incluir os bens digitais na sucessão e permitir aos familiares do falecido o acesso às redes sociais e e-mails. In verbis:
Art. 1.º. Esta lei altera o art. 1.788 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que “institui o Código Civil”, a fim de dispor sobre a sucessão dos bens e contas digitais do autor da herança.
Art. 2.º. O art. 1.788 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
Art. 1.788. Parágrafo único. Serão transmitidos aos herdeiros todos os conteúdos de contas ou arquivos digitais de titularidade do autor da herança (BRASIL, 2002).
O cerne da justificativa do Projeto de Lei, o Deputado Federal Jorginho de Mello faz menção à ausência de legislação acerca do tema e as diferentes decisões judiciais relacionadas ao acesso a contas virtuais de entes falecidos. Segue:
Têm sido levadas aos Tribunais situações em que as famílias de pessoas falecidas desejam obter acesso a arquivos ou contas armazenadas em serviços de internet e as soluções tem sido muito díspares, gerando tratamento diferenciado e muitas vezes injusto em situações assemelhadas. É preciso que a lei civil trate do tema, como medida de prevenção e pacificação de conflitos sociais. O melhor é fazer com que o direito sucessório atinja essas situações, regularizando e uniformizando o tratamento, deixando claro que os herdeiros receberão na herança o acesso e total controle dessas contas e arquivos digitais. (BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei 1.365//2015)
A grande celeuma da problemática ora posta, é compreender o que engloba a Herança Digital, foi justamente este motivo que justificou a elaboração de um item específico para abordar os aspectos gerais de bens. Nesta mesma ordem de ideias, os bens virtuais, assim são definidos pelo saudoso doutrinador:
Os bens virtuais merecem ser incluídos no conceito de herança, uma vez que integram o patrimônio do indivíduo. Quanto aos arquivos que possuam valor econômico, [...], tendo em vista o princípio da patrimonialidade que norteia o direito das sucessões. Em contrapartida, alguns doutrinadores entendem que os arquivos que não podem ser avaliados financeiramente, como fotos pessoais, escritos caseiros e vídeos particulares são excluídos da concepção de espólio. No entanto, os sucessores podem herdar este material caso haja disposição de última vontade do de cujus, na hipótese de não existir, os herdeiros não poderão pleitear judicialmente a posse do referido conteúdo, mas terão o direito de requerer a exclusão desse acervo, caso esteja disponível ao público em redes sociais, por exemplo. (GONÇALVES, 2017, p.245).
No que atine ao Projeto de Lei supramencionado, alguns doutrinados vem se manifestando acerca de quais mudanças seriam abarcadas pela a alteração legislativa, assim vejamos:
Os projetos de lei pretendem transmudar o regime de direito de propriedade do Direito das Coisas para os direitos da personalidade, uma vez que o direito de personalidade do falecido transforma-se em bem patrimonial, pois a intimidade e a imagem da pessoa morta servem como fonte de riqueza econômica (TARTUCE, 2019, p.6).
Nessa toada, tem-se que, o Projeto de Lei, em sua essência transpõe marco na regulamentação e forma de tratar da herança digital para que as pessoas possam se planejar quanto ao futuro desses bens e caso não haja esse planejamento, para que os herdeiros possam saber que tem sim direito a herdar esse acervo de bens digitais.
Sobre este prisma, conforme se extrai da pesquisa, esposando do entendimento dos autores supramencionados, a melhor forma do de cujus resguardar o direito dos seus herdeiros, quanto aos bens armazenados virtualmente, é através do testamento.
Não é demasiado recordar, que, ao direito de testar, impõem-se limites, que visam assegurar os direitos dos herdeiros necessários, ou seja, ao interessado em realizar um testamento, deverá observar que seu limite de testar, é tão somente até 50% (cinquenta por cento) do valor dos bens, conforme fora exposto em tópico oportuno.
Corroborando este entendimento, assim vejamos:
No ordenamento jurídico pátrio não há óbice para se permitir a transferência de arquivo digitais como patrimônio, sobretudo quando advindo de relações jurídicas com valor econômico. A possibilidade de se incluir esse conteúdo no acervo hereditário viabiliza, inclusive, que seja transmitido o acervo cultural do falecido aos seus herdeiros, como forma de materializar a continuidade do saber e preservar a identidade de um determinado sujeito dentro do seu contexto social. (AUGUSTO; Oliveira, 2015, p.12).
Assim, mais uma vez se afirma que, o instrumento jurídico hábil a garantir os direitos hereditários dos bens armazenados virtualmente e seus frutos, é o testamento, haja vista que, por este caminho legal, é assegurada a última vontade do falecido, e desde que obdecido os requisitos constantes em lei, passará a vigorar, com efeitos vinculantes entre os herdeiros legítimos e testamentários.
É dizer, quando os bens virtuais estão previstos em testamento, existe, uma obrigação legal de transferi-los aos herdeiros, exceto as plataformas que tragam cláusula proibitiva de transferência.
Conquanto, acaso não exista disposição de vontade livremente expressada pelo falecido, no que atine aos bens virtuais, é assegurada a família, requerer em juízo, o acesso a redes sociais, ou até mesmo requerer que os frutos oriundos daquele bem virtual, integrem os bens do falecido, ou, requerer que aquela página virtual seja excluída.
A personalidade jurídica é adquirida pelo nascimento e finda com a morte, em vista disso, o falecido deixa de ter aptidão para ser sujeito de direitos e obrigações, convertendo-se em titular de direitos de personalidade. Conquanto, há previsão legal para que os herdeiros pleiteiem judicialmente alguns desses direitos.
Os direitos da personalidade são vitalícios, extinguindo-se, naturalmente, com a morte do titular, confirmando o seu caráter intransmissível. Falecendo, pois, o titular de um direito da personalidade, não haverá transmissão, extinguindo-se, automaticamente, a relação jurídica personalíssima. Não se esqueça de qualquer forma, que se reconhece, como um direito de personalidade da pessoa viva, a proteção aos valores jurídicos da personalidade. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p. 180).
É imperioso destacar ainda, que, os herdeiros sub-rogam em todos os direitos do de cujus, inclusive, lhe são conferido legitimidade, para propor ações, em que a competência era destinada ao falecido. Do mesmo modo, acaso, o falecido tenha sua honra abalada, é possível que os herdeiros ajuízem uma ação judicial, pleiteando que cesse o ato ilícito, e notadamente indenize, por atos que ofendam algum dos direitos da personalidade dos indivíduos, tudo conforme o disposto no art. 12 do Código Civil.
Conquanto, a legitimidade supramencionada não abarca a legitimidade para pedido em ações judiciais, cuja causa de pedir seja a entrega de dados de conta de redes sociais. Do mesmo modo, pelo entendimento dos autores que subsidiaram esta pesquisa, não é legítimo que a família pleiteie a retirada de conteúdos da rede social, exceto, nos casos em que, a família se sinta ofendida com o conteúdo ligado ao falecido, que exponha o de cujus, ou sua família a condições vexatória. É dizer, que ofenda algum dos direito da personalidade, hipótese em que figuraria o pedido de indenização por existência de dano moral, com efeito, ricochete.
Nesse sentido, é importante mencionar ainda, que, na atualidade, algumas empresas, tais como: Facebook e Instagram vêm se modernizando ainda mais, aceitando o formato de Contato de Herdeiro, que nada mais é, do que a possibilidade da pessoa indicar algum familiar, para assumir sua conta em redes sociais.
Em visto disso, além do testamento, o Contato de Herdeiro, é um mecanismo que vem atuando como um facilitador para o herdeiro, haja vista que, na atualidade, determinadas contas em redes sociais, possui um valor inestimável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Durante a elaboração do presente trabalho, verificou-se que, a Legislação Pátria, ainda é tímida quanto ao tema abordado. O que se verificou, é que para o aproveitamento da herança virtual, é feito uma análise com base no direito comparado, como também é de grande valia, o testamento.
Nesse sentido, tem-se que, em que pese às inúmeras atualizações legais existentes no ordenamento jurídico, o Legislador não acompanhou a evolução da problemática em voga. Não é demais dizer que, o direito não necessariamente precisa se refazer, mas deve abarcar as necessidades do meio social, haja vista que a internet, juntamente com as facilidades que ela dispõe, notadamente acresce a forma bens de uma pessoa que trabalha no ramo digital.
É dizer, com advento de novas profissões, que estão ligadas diretamente a era digital, uma rede social pode possuir um valor inestimável, fonte de renda, e passível de integrar o espólio do falecido. Nessa toada, não raramente, é noticiado que famosos continuam faturando, mesmo após a morte, através de músicas e os agregados da fama.
Nesse diapasão, verificou-se que, existe em tramitação um Projeto de Lei, que visa abordar sobre o tema, mas que ainda não foi aprovado. Pelo Projeto de Lei, será alterada uma parte do Código Civil, para incluir claramente os bens virtuais ao conjunto de bens deixados pelo falecido.
Conquanto, até a lei supramencionada seja aprovada, pelo estudo realizado, o caminho jurídico seguro, é o interessado mencionar em testamento, desde que observado as formalidades legais, a exemplo, a observância do limite disponível, para que não prejudique os herdeiros necessários. Para tanto, é necessário o auxílio de especialista, para que sejam observadas todas as formalidades legais exigidas para o ato.
No instrumento, deverão constar os bens virtuais existes como também para quem aquele bem deverá ser tomado posse. Isso assegura tanto os direitos presentes, quanto os futuros, além de trazer uma segurança jurídica, eis que, pelo testamento se preconiza a vontade expressada pelo falecido, no momento da elaboração do instrumento.
Na atualidade, existem algumas redes sociais, que vem adotando o Contato de Herança, que é utilizado para indicar uma pessoa que ficará responsável pelo manuseio de algumas funcionalidades das redes sociais, com algumas restrições, que visam resguardar a intimidade do falecido. O referido mecanismo é um facilitador, haja vista que é assegurado que o usuário indique uma pessoa de confiança, a quem será destinatário dos direitos do usuário.
Em arremate, acaso o falecido não tenha indicado a pessoa legítima para administrar a conta ou fornecido os dados para acesso de armazenamento na nuvem, e ainda não exista testamento, conforme exposto alhures, considerando a tutela constitucional à privacidade e aos direitos autorais, os herdeiros do de cujus, não poderão pleitear o acesso e a posse desses bens digitais, é permitido tão somente solicitação de exclusão de dados públicos, condicionada à comprovação de situação que comprometa a honra do falecido.
REFERÊNCIAS
AUGUSTO, N. C.; OLIVEIRA, R. N. M. de. A possibilidade jurídica da transmissão de bens digitais “causa mortis” em relação aos direitos personalíssimos do “de cujus”. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITO E CONTEMPORANEIDADE: MÍDIAS E DIREITOS DA SOCIEDADE EM REDE, 3., 2015, Santa Maria. Anais... Santa Maria, 2015.
BRASIL, Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil Brasileiro. Legislação Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.html. Acesso em 26 de agosto de 2019.
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
_______. Lei nº. 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Aceso em: 30 nov. 2020.
BLAZER, Charles. The five indicia of virtual property. Pierce L. Rev., v. 5, p. 137, 2006.
BOONE, M. Scott. Virtual property and personhood. Santa Clara Computer & High Tech. LJ, v. 24, p. 715, 2007.
BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei n.º 4.099/2012. Altera o art. 1.788 da lei nº. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o código civil. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=6B2A85FE365BDAFC4EF651CAE96C372D.proposicoesWeb1?codteor=1004679&filename=PL+4099/2012>. Acesso em: 31 out. 2020.
Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 4.847/2012. Acrescenta o Capítulo II-A e os arts. 1.797-A a 1.797-C à Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1049733&filename=PL+4847/2012>. Acesso em: 22 out.2020.
CHEIN, Allen. A practical look at virtual property. . John's L. Rev., v. 80, p. 1059, 2006.
CIFRINO, Christopher J. Virtual property, virtual rights: Why contract law, not property law, must be the governing paradigm in the law of virtual worlds. BCL Rev., v. 55, p. 235, 2014.
COSTA FILHO, Marco Aurélio de Farias. Patrimônio Digital: reconhecimento e herança. Recife: Nossa Livraria, 2016. E-book. Disponível em: <https://ler.amazon.com.br/?asin=B01M09UWDV>. Acesso em: 04 nov.2020.
Disponível em: <http://coral.ufsm.br/congressodireito/anais/2015/6-16.pdf>. Acesso em: 08 nov. 2020.
FARIAS, C. C. de; ROSENVALD, N. Curso de direito civil. 1 vol, 10. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2012.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: direito das famílias. 4. ed. Salvador: Editora JusPODIVM. 2012.
GLUSHKO, Bobby. Tales of the (virtual) city: governing property disputes in virtual worlds. Berkeley Tech. LJ, v. 22, p. 507, 2007.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito das sucessões. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. v. 7.
GONÇALVES. Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. 6, 7. ed. São Paulo/S
HOROWITZ, Steven J. Competing Lockean claims to virtual property. Harv. JL & Tech., v. 20, p. 443, 2006.interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017).
PRINZLER, Yuri. Herança digital: novo marco no direito das sucessões. 2015. 74 f. Trabalho de Conclusão de Curso – Faculdade de Direito, Universidade do Sul de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.
SANTANA, José Cláudio Pavão. O pré-constitucionalismo na América. Rio de BEVILÁQUA apud DAIBERT, 1981, p. 1).
TARTUCE, Flávio. Direito civil: direito das sucessões. 7. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014, v. 6.
TARTUCE, Flávio. Herança digital e sucessão legítima: primeiras reflexões. Centro de Investigação de Direito Privado, ano 5, n 1, 2019. Disponível em: <http://www.cidp.pt/revistas/rjlb/2019/1/2019_01_0871_0878.pdf> Acesso em: 20 nov. 2020.
Discente do curso de Direito pela Faculdade Serra do Carmo – Palmas/TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Ana Cleide de Sousa. Herança digital: valor patrimonial e a sucessão dos bens armazenados virtualmente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2020, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55717/herana-digital-valor-patrimonial-e-a-sucesso-dos-bens-armazenados-virtualmente. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
Por: Jorge Hilton Vieira Lima
Por: isabella maria rabelo gontijo
Por: Sandra Karla Silva de Castro
Por: MARIA CLARA MADUREIRO QUEIROZ NETO
Precisa estar logado para fazer comentários.