ENIO WALCACER DE OLIVEIRA FILHO
(orientador)
Resumo: O presente artigo científico tem como objetivo discorrer sobre a alteração do artigo 492, I, “e” do Código de Processo Penal pela Lei 13.964/2019, sobre a execução da sentença penal condenatória antes do trânsito em julgado pelo Tribunal do Júri, demonstrando a sua inconstitucionalidade, pois há ofensa à princípios constitucionais, conforme será demonstrado; a incompatibilidade com o ordenamento jurídico, pois viola a legislação vigente, não condiz com o processo penal brasileiro; e por fim, será demonstrada a repercussão no mundo jurídico.
Palavras-chave: Inconstitucionalidade, Pacote Anticrime.
Abstract: The present scientific article aims to discuss the amendment of article 492, I, “e” of the Code of Criminal Procedure by Law 13.964 / 2019, on the execution of the condemnatory criminal sentence before the final judgment by the Jury Court, demonstrating the its unconstitutionality, as there is an offense against constitutional principles, as will be demonstrated; incompatibility with the legal system, as it violates current legislation, as it does not say with the Brazilian criminal process; and finally, the repercussion in the legal world will be demonstrated.
Keywords: Unconstitutionality, Anti-Crime Package.
O presente artigo tem como fundamento as alterações trazidas pelo Pacote Anticrime, Lei 13.964/2019, em específico quanto a possibilidade de antecipação da execução da pena para condenados nos procedimentos do Tribunal do Júri a penas superiores a 15 anos. O dispositivo em questão está topograficamente elencado no art. 492, Inciso I, alínea “e” do Código de Processo Penal.
A alteração normativa trouxe a imposição de prisão a condenados a pena maior de 15 anos no âmbito do Júri, o que aparentemente contraria decisão recente do Supremo Tribunal Federal que decidiu pela inconstitucionalidade de execução de pena antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, tomada em 2019.
Com Pacote anticrime criou-se uma espécie de execução provisória da pena privativa de liberdade, nos casos em que sendo o réu condenado a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão em plenário e mesmo tendo respondido o processo inteiro em liberdade o juiz na fixação da sentença deverá expedir o mandado de prisão ordenar o recolhimento do réu e dar início à execução provisória da pena privativa de liberdade.
Assim uma alteração de norma processual penal tem aplicação imediata de acordo com o que dispõe o artigo 2º do Código de Processo Penal, essa norma penal produzirá efeitos materiais, o que afetará diretamente o status libertatis do acusado, antes da plena formação de culpa, ambos direitos fundamentais consagrados na constituição federal de 1988.
Tal previsão, segundo a nossa hipótese, é inconstitucional porque ofende a presunção de inocência, princípio este que assegura a todo e qualquer acusado o direito de não ser responsabilizado criminalmente e, consequentemente, cumprir pena enquanto não transitar em julgada sentença condenatória. A regra impõe ao acusado o início do cumprimento da pena após condenação em primeira instância, não se permitindo sequer o duplo grau de jurisdição.
Através deste estudo, pretende-se perfazer uma análise acerca da inovação legislativa e verificar a sua consonância ou dissonância com as normas fundamentais e verificar, em nível de debate, a sua constitucionalidade aparente.
Lançamos mão do estudo bibliográfico para a elaboração do artigo, com o método da revisão de literatura, analisando autores do direito, tanto processual penal quanto de áreas correlatas, e estudando a legislação vigente, bem como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
Inicialmente vamos abordar a historia e a evolução do Tribunal do Júri e sua inserção na sistemática legal brasileira. Em seguida será analisada a inconstitucionalidade da alínea “e” do artigo 492 inciso I do CPP, no sentido execução provisória da pena privativa de liberdade fere o princípio constitucional da presunção de não culpa, permitindo que se execute uma pena em face de um culpado, antes de saber sê-lo.
Tribunal do Júri no Brasil surgiu a partir de uma iniciativa do Senado do Rio de Janeiro que encaminhou ao príncipe Regente Dom Pedro uma proposta de criação do que eles chamaram juízos de jurados. Teve como marco inicial o Decreto Imperial de Dom Pedro I em 1822, mas com a competência limitada aos crimes de imprensa, somente na Constituição de 1824 o Tribunal do Júri foi introduzido no capítulo destinado ao poder judiciário com a competência para julgar não só crimes crime como também causas cíveis quando na Constituição de 1946 o Tribunal do Júri foi inserido no capítulo destinado aos direitos e garantias individuais com a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida. (GOMES, Luiz Flávio 2005).
Em 1891, com a consolidação da primeira república, o Tribunal do Júri foi mantido, passando, porém a integrar o rol dos direitos e garantias individuais. No período da Era Vargas, mais precisamente em 1937, a instituição do Júri foi afastada da norma constitucional, só retornando em 1938, através do Decreto- Lei 167 (NUCCI, 2015, pag. 43).
Em 1967 a Constituição manteve o Tribunal do Júri como garantia individual e mantendo a sua competência para julgar crimes dolosos contra vida. Nucci (2015).
O artigo 5º, inciso XXXVIII, da Constituição brasileira de 1988 traz a previsão do Tribunal do Júri, incluso como garantia fundamental que busca assegurar por um lado o direito do acusado ser julgado por seus pares e por outro o direito da sociedade decidir sobre os casos mais graves de crimes cometidos, escolhidos pelo constituinte como sendo os crimes contra a vida.
O Tribunal do Júri possui como princípios básicos, definidos constitucionalmente: a plenitude do direito de defesa; o sigilo nas votações; a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS DO TRIBUNAL DO JÚRI
O tribunal do júri ganhou assento constitucional em nossa Carta de 1988, incluído entre os direitos e garantias fundamentais, considerado, portanto, como cláusula pétrea, insuscetível de redução do rol de crimes abrangidos ou mesmo de exclusão da competência via reforma constitucional disposto no seu artigo 5º, XXXVIII, que assim diz:
Art. 5° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXVIII – é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe dera lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para os julgamentos dos crimes dolosos contra a vida.
O Júri tem a sua principiologia própria definida constitucionalmente, tamanho a importância dada ao instituto pela Carta de 88, sendo que estes princípios se somam aos demais aplicados ao processo penal. Os princípios próprios do Júri são: a plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
No Tribunal do Júri, é assegurado ao réu, a plenitude de defesa, verificada no inciso XXXVIII, alínea a, do artigo 5º da CF.
Para NUCCI (2015), o legislador constituinte quis conferir ao advogado ou defensor a plena oportunidade de defesa, não pode haver a mesma igualdade entre a ampla defesa e a plena defesa que os próprios nomes são diferentes se quis conferir ao tribunal de justiça é a defesa ao mais próximo possível da realidade ou da perfeição dentro das limitações. O acusado de um crime doloso contra a vida tem que ser defendido por um advogado habilitado e saiba persuadir que sabe os seus argumentos aos jurados.
O segundo princípio é ao sigilo das votações cada jurado julga individualmente sigilosamente, os jurados decidem pela própria consciência, não podendo, demonstrarem sua posição diante dos fatos, até o final do julgamento.
Dispõe ainda o artigo 476, do CPP:
Art. 476. Aos jurados, quando se recolherem à sala secreta, serão entregues os autos do processo, bem como, se o pedirem, os instrumentos do crime, devendo o juiz estar presente para evitar a influência de uns sobre os outros. Parágrafo único. Os jurados poderão também, a qualquer momento, e por intermédio do juiz, pedir ao orador que indique a folha dos autos onde se encontra a peça por ele lida ou citada.
O terceiro princípio soberania dos veredictos, ou seja, os jurados decidem e o tribunal não pode alterar pelo mérito aquela decisão se os jurados absolvem o réu o tribunal não pode condenar ou se os jurados condenam o réu o tribunal não pode absolver.
No ensinamento de Guilherme de Souza Nucci, (2015) “soberania quer dizer que o júri, quando for o caso, assim apontado por decisão judiciária de órgão togado, terá a última palavra sobre um crime doloso contra a vida”.
A soberania dos veredictos não impede que se recorra das decisões do plenário, em casos especiais, assim como não impede a revisão criminal, sendo possível tanto a alteração da sentença condenatória pelos tribunais quanto a marcação de novo julgamento e até, em casos excepcionais, a anulação e absolvição do réu pelo juízo revisor.
Nesse sentido, estabelece o artigo 593, inciso III, letra d, do Código de Processo Penal:
Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:
III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados;
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
Existe ainda a competência mínima do Tribunal do Júri para julgar os crimes dolosos contra a vida, quais sejam: o aborto, infanticídio, o induzimento e auxílio instigação ao suicídio são crimes que o Tribunal do Júri tem competência para julgar, dada pela Constituição, sendo, portanto, um direito fundamental que não admite redução, por ser cláusula pétra.
Ainda inserido no artigo 74 do CPP a reafirmação da competência constitucional do Júri:
Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri. § 1ºCompete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1 o e 2 o, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.
Assim, é considerado fundamental para o direito de liberdade do indivíduo e garante a proteção ao Estado Democrático de Direito.
O rito do Tribunal do Júri deve ser regido, na previsão procedimental do CPP, pautado nos princípios ditados constitucionalmente, sendo estas as linhas guias para o procedimento penal dos acusados nos crimes de competência popular. Dentre esses se encontra o da soberania dos veredictos, é uma das características essenciais do Tribunal do Júri, sendo que, em razão desse princípio, em grau de recurso o Tribunal não pode substituir os veredictos dos jurados, condenando ou absolvendo o réu, podendo apenas determinar que se faça um novo julgamento.
Por certo que a soberania dos vereditos diz respeito apenas a decisão meritória relativa aos quesitos formulados, e não a dosimetria da pena, pois esta é de competência do juiz presidente, sendo esta parte da decisão passível de ser reformada.
O princípio da presunção de Inocência, como é mais conhecido, mais propriamente chamado de princípio da não culpabilidade, por ser este o teor em nossa Constituição, encontra previsão normativa no artigo 5° inciso LVII da Constituição Federal e deve ser lido ao lado do princípio que prevê a soberania dos vereditos. A imposição constitucional da soberania dos vereditos não afasta os demais direitos, com dissemos acima, exigindo uma leitura sistemática dos dispositivos, não impedindo o direito as instâncias recursais, corolário do princípio do contraditório e da ampla-defesa, também de assento constitucional.
O que a implicação prática desse princípio visa nos indicar é a partir de qual momento o réu condenado passará a cumprirá sua pena, o réu só poderia iniciar o cumprimento da sua pena após o trânsito em julgado da sentença após cumpridos todos recurso cabíveis a sentença condenatória.
3.1 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
No Brasil, seja ou não cidadão que esteja sendo julgado, garante-se que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória é o que diz no artigo 5° inciso LVII da Constituição Federal do Brasil.
O princípio da presunção de Inocência é uma questão natural uma questão lógica, atualmente, devido a todos os problemas que envolvem a sociedade, a descrença com a justiça o réu vai ter que utilizar o poder judiciário para provar sua inocência e naturalmente só vai conseguir provar efetivamente a sua inocência quando o processo chegar ao seu fim, quando se tiver uma decisão por parte do Poder Judiciário da qual não caiba mais recurso, ou seja, uma decisão judicial com trânsito em julgado.
Segundo BATISTI, Leonir (2009), a presunção de inocência, para a maioria da doutrina, “nasceu com a Revolução Francesa”, quando referida expressamente no art. 9º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, o documento culminante do movimento que ampliou os ideais do Iluminismo.
Que diz:
“Todo homem deve ser presumido inocente, e se for indispensável detê-lo, todo rigor que não seja necessário (para submeter a pessoa), deve ser severamente reprimido por lei”.
Como bem observa Mauricio Zanoide de Moraes, “os princípios podem ser cumpridos em diferentes graus de consecução, são ‘mandamentos de otimização’ que tendem a uma realização na maior intensidade possível […]. Uma norma-princípio é elaborada e deve ser interpretada para que seja aplicada no maior grau de realização possível, tendo em vista as condições fáticas e jurídicas. O que não significa dizer que está garantido que sempre haverá sua total realização”.
A norma primordial dispõe, assim, uma determinação de ordem geral. Trata-se da presunção de inocência em si: toda pessoa é considerada inocente por natureza. É uma característica, então, que se aplica a todo e qualquer indivíduo.
Para Nucci (2020), o princípio da inocência garante que a atividade probatória de maior força deve ser do Estado acusador (ou do querelante), devendo provar os fatos penais que busca imputar ao acusado, bastando a defesa manter a dúvida sobre a inocência. O estado constitucional natural da pessoa no Brasil é a de inocência, devendo ser provada, acima de dúvida razoável, a culpa para que se possa aplicar uma pena. Por isso, somente se poderia prender, fora do cenário cautelar, quando a pena aplicada transitasse em julgado, qualquer subversão desta ordem implicaria em antecipação de culpa e violação constitucional.
3.2 A PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NAS DECLARAÇÕES, TRATADOS E CONVENÇÕES INTERNACIONAIS
Após duas guerras mundiais, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens de 1948 da Organização das Nações Unidas (ONU) também positivou a garantia da presunção de inocência. “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.
Para Batisti:
Houve alteração na apresentação da presunção de inocência entre 1789 e 1948. A Declaração de 1789 centrou a presunção de inocência na punição do rigor desnecessário, mantendo um isolamento referencial do princípio, enquanto que, na Declaração de 1948, o princípio se fez acompanhar de um parâmetro temporal e de duas especificidades que antes dizem respeito ao processo do que ao princípio de inocência. “Pode-se dizer que a presunção de inocência, como equilíbrio entre a garantia social e liberdade individual assumiu logo o que veio a ser reconhecido como princípio político do processo”.
O Pacto de San José da Costa Rica de 1969, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos também previu a garantia da presunção de inocência, no art. 8º, 2, 1ª parte:
Artigo 8º - Garantias judiciais
2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas.
O Congresso Nacional brasileiro aprovou referido pacto pelo Decreto Legislativo n. 27, de 26 de maio de1992 e o Decreto n. 678, de 6 de maio de 1992, determinou sua vigência no Brasil.
A Constituição brasileira confere status de norma constitucional para os direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, disposto no seu art. 5º, § 2º.
Para BENTO, Ricardo é inegável que a presunção de inocência passou a ter uma amplitude maior com a ratificação do Estado brasileiro à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em vigência internacionalmente desde 18 de julho de 1978, tendo sido ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.
Também definido no artigo art. II – 108 da Constituição Europeia “Todo acusado se presume inocente, enquanto sua culpabilidade não for declarada legalmente”. Que foi consolidada em um Tratado, assinado em Roma no ano de 2004.
3.3 PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA EM CONFLITO COM A SOBERANIA DOS VEREDICTOS
Conforme a presunção da inocência, se a todo réu se presume a inocência antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, cria-se um marco temporal para a prisão, impossibilitando a execução de pena antes deste momento. O princípio se aplica a toda pessoa, e decorre do devido processo legal, sendo regra imposta ao Estado que impõem a garantia do contraditório e ampla-defesa, dentre eles o acesso a todos os recursos cabíveis antes de ter a pena executada, ou seja, a regra da liberdade antes do trânsito em julgado.
Considerando o princípio da soberania dos veredictos é possível a revisão criminal para os crimes contra a vida julgados no plenário do júri, e os conexos a ele, pois constitui uma garantia fundamental individual que deve sobrepujar prevalecer por sobre a decisão do Júri. No sopesamento de princípios, a garantia individual de liberdade deve sobrepujar a garantia coletiva que representa a soberania dos vereditos.
Para Nucci (2020), a soberania não é um fim em si mesmo. Cuida-se de uma decisão política do constituinte, outorgando poder supremo ao Tribunal Popular para julgar crimes dolosos contra a vida. Logo, qualquer alegação de inocência ou erro judiciário precisa, sem dúvida, ser conhecida e revista.
Conclui-se, dessa maneira, que a determinação estabelecida não se trata de indiscutível e incontroversa.
A Lei 13.964 de 2019 promoveu sanções ao chamado pacote anticrime, que vem sendo discutido desde o primeiro semestre de 2019. Dentre as alterações trazidas por esta lei, a Lei de Processo Penal introduziu o artigo 492, I, "e", que dispõe que na ação penal submetida a júri, se a sentença for igual ou superior a 15 (quinze) anos de prisão determinarão se o réu será preso imediatamente, sem prejuízo do recurso.
Esse dispositivo inserido na referida lei é inconstitucional, porque, além de uma prisão que não se enquadra em nenhuma das categorias possíveis (prisão ou prisão processual), o Supremo Tribunal Federal também se pronunciou sobre o caso nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade nos artigos 43, 44 e 54, confirmou que é constitucional o disposto no artigo 283 da Lei de Processo Penal, o qual estipula que todas as possibilidades de recurso se esgotam no início da sentença.
Portanto, não há razão que as pessoas condenadas por crimes julgados pelo Tribunal do Júri, a partir de determinado quantum de pena, sejam tratadas de forma diferente das demais, mesmo dentro do mesmo procedimento. Essas pessoas devem ser julgadas por um júri e ter garantido todos os recursos inerentes, só podendo serem presas antes do trânsito em julgado nos casos cautelares previstos em lei.
4.1 INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 492, I, "e", DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
É ilegítima a prisão antecipada, que se operara após condenação no Tribunal do Júri, pressuposta na Lei Anticrime.
Embora o STF tenha entendimento consolidado sobre a execução antecipada da pena, entendendo por não ser possível, em face a previsão da não culpabilidade constitucional, o artigo 492 do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n. 13.964/2019, vai contra este entendimento dado pelo STF, como interpretação a Constituição. Ainda que a lei seja posterior, e que decisões do STF não vinculem o processo parlamentar, o dispositivo é frontalmente contrário a interpretação da Corte, violando uma garantia fundamental do cidadão não pode ser alterado nem por emenda constitucional.
Para Lima (2020), é evidente que a antecipação no cumprimento da pena traz prejuízos incontornáveis ao indivíduo presumidamente inocente, que tem a sua liberdade suprimida, antes de ser considerado formalmente culpado.
É ilógico e inconstitucional assim "cuida-se de uma norma sem base lógica. O condenado a 14 anos e 11 meses poderia ficar em liberdade, mas o que foi apenado a 15 anos seria preso. O critério deve ser uniforme, sempre" (NUCCI, 2020, p. 88).
Este critério deve ser cumprido em decisão fundamentada e bem fundamentada, o que significa que somente quando a proteção jurídica for verdadeiramente lícita pode ser tratada com cautela no cumprimento da correta aplicação dos direitos e garantias do cidadão.
Sobre esse assunto, Gilherme de Souza Nucci leciona:
Jurados decidem de acordo com a sua consciência e não segundo a lei. Aliás, esse é o juramento que fazem (art. 472, CPP), em que há a promessa de seguir consciência e a justiça, mas não as normas escritas e muito menos os julgados do País. (NUCCI, 2008, p. 32).
Além disso, as disposições da Constituição sobre a soberania dos veredictos não se impõem como aptas a permitir a subversão de norma constitucional, autorizando a execução antecipada da pena.
A soberania dos jurados não é argumento efetivo para a execução antecipada, pois é um atributo e não pode ser utilizado como legalizador da prisão, mas apenas como garantia da independência dos jurados, Lima (2020).
Nessa mesma linha o art. 313, § 2º, expressamente prevê que "não será admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de cumprimento de pena".
Nucci (2016), para conceituar trânsito em julgado, cita José Carlos Barbosa Moreira, como sendo a passagem da sentença da condição de mutável à de imutável, sendo um marco processual, iniciando uma situação jurídica nova, pois indica que a parte dispositiva da sentença, foi alcançada pelo instituto da “coisa julgada”, ou seja, não existindo possibilidade de recorrer.
Portando deverá o Supremo Tribunal federal garantir a qualquer acusado o direito recursal independente da pena a ele imposta.
4.2 PREJUÍZOS PROCESSUAIS DA PRISÃO ANTECIPADA
Ao permitir a prisão antes do transito em julgado no tribunal do júri, há um Inversão usa-se o argumento da soberania do julgamento para limitar outros direitos e garantias, como a possibilidade de recurso do réu, e Presunção de Inocência.
Quando o réu vai a júri popular ele é julgado pelos jurados que são os meios naturais por força constitucional artigo 5º XXXVIII, e vem a ser condenado caberá recurso de apelação da Defesa.
Os erros acometidos pelo Tribunal do Júri são recorrentes, então o 593 do Código de Processo Penal traz quais as hipóteses de revisão da decisão do Júri que embora Soberana também é passível de cometimento de erros, o artigo 593 inciso III, do Código de Processo Penal traz em seu bojo interposição de apelação vejamos:
Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:
III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados;
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
Conforme o artigo 283 ainda do Condigo de Processo Penal “ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença penal condenatória transitada em julgado, ou no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.
Assim trânsito em julgado fica evidente no caput do dispositivo, nas palavras de Nucci (2020).
Não há mais previsão de prisão, aparentemente, por sentença condenatória recorrível. o processo penal é uma ação intermediária entre a pretensão punitiva do Estado e o direito de liberdade do indivíduo, interligadas pela prática de uma conduta, eventualmente, condenável. Por essa razão, estabelecem-se garantias a ambas as partes, mas, acima de tudo, prerrogativas à restrição da liberdade do indivíduo, para a qual devem ser preenchidos requisitos legais.
O dispositivo constitucional que assegura a presunção de Inocência também no artigo 5°, assim como a soberania dos veredictos e que essa presunção de Inocência ela só acaba quando tem o trânsito em julgado, ou seja, não cabe mais nenhum recurso, mas a partir da decisão do plenário do Júri Cabe recurso de apelação.
A execução prematura da pena, antes da maturidade da formação de culpa, em julgado afeta as condições prescritas pelo devido processo legal, que salvaguarda a proteção e a defesa do réu e sua liberdade, logo o devido processo legal tem por fundamento também a proteção do réu em seu direito de defesa.
Para Paulo Macarenhas o devido processo legal:
Trata-se de dupla proteção que é concedido ao indivíduo, nos âmbito material e formal. O primeiro diz respeito à proteção do direito de liberdade, enquanto o segundo assegura ao cidadão o direito à defesa técnica, à publicidade do processo, à citação válida, à produção de provas através de todos os meios admitidos lícitos, de ser julgado por autoridade competente, aos recursos, à coisa julgada e à revisão criminal. (MACARENHAS, 2010, p.76)
É dever constitucional o trânsito em julgado para que haja a execução da sentença penal condenatória, ressalvados os casos excepcionais. Tal necessidade encontra previsão no art. 5º, LVII, CF; nos arts. 105 e 147, da Lei de Execução Penal, e os arts. 283, do Código de Processo Penal.
A constituição brasileira estabelece que ninguém no Brasil poderá ser punido antes de uma sentença condenatória transitada em julgado, antes disso é possível prender em caso de prisão preventiva em caso de prisão temporária ou a prisão em flagrante e o Brasil abusa dessas modalidades ditas provisórias de encarceramento, modalidades cautelares que nada tem de relação com a formação de culpa ou rompimento da inocência constitucionalmente prevista.
O Brasil tem umas das maiores populações de presos provisórios do mundo e é um dos países que mais prende antes de uma condenação, e prendendo todos os réus do país mesmo aqueles que ainda podem ser inocentados nós estaremos aprofundando ainda mais as mazelas da Justiça Criminal estaremos rompendo de vez com o sistema de freio e contrapeso que deve nortear toda a justiça Penal de um país, se a não cuidarmos dos princípios que sustentam a nossa democracia logo menos ela falha.
O Condenado pelo tribunal do Júri tem as mesmas garantias de um condenado por outro crime, ou seja, prisão somente com o trânsito em julgado da condenação, a soberania dos veredictos não significa imutabilidade dos veredictos, quando a lei diz que o Tribunal do Júri é soberano, ela não está impedindo a reforma da sua sentença e sim limitando as hipóteses que o tribunal pode modificar as decisões do Júri.
A execução provisória da pena nada mais é que um retrocesso social, uma afronta ao texto Constitucional e uma violação as garantias individuais até aqui conquistadas ao longo da história e reafirmada, muito recentemente, pelo intérprete máximo da Constituição, a Suprema Corte Brasileira, que pontuou fim a controvérsia anterior a lei, dizendo que a antecipação da execução afronta os princípios e garantias constitucionais da não culpa.
BENTO, Ricardo Alves. Presunção de Inocência no Processo Penal. São Paulo: Quartir Latin, 2007.
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LIMA, Walmiki Barbosa. Manual do Júri: teoria formulário jurisprudência. Rio de Janeiro: Aide, 1987.
LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal. Volume III. São Paulo: Lúmen Júris, 2006.
MORAES, Maurício Zanoide De. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. 1 ed. Rio de janeiro: Lumen Juris, 2010.
NUCCI, Guilherme de Souza. Júri: Princípios Constitucionais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do júri. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. Ed.11. São Paulo; Saraiva 2015.
NUCCI, Guilherme de Souza. Tribunal do Júri. Ed.8. São Paulo; Forence, 2020.
PACELLI, Eugenio. Curso de processo penal. 22. Ed. São Paulo: Atlas, 2018
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Graduanda no curso de Direito pela Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, LUCIANA OLIVEIRA. Tribunal do Júri e a inconstitucionalidade da prisão automática Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2020, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55723/tribunal-do-jri-e-a-inconstitucionalidade-da-priso-automtica. Acesso em: 23 dez 2024.
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