RESUMO: O presente artigo tem como objetivo fazer uma análise do crime de lavagem de capitais, também entendido como crime de lavagem de dinheiro, sob a ótica profissional dos advogados, tendo em vista que na atualidade, tem se tornado comum advogados e seus respectivos escritórios estarem envolvidos em situações que envolvam tal crime, e estes alegam que o recebimento do dinheiro está vinculado aos honorários, e usam como defesa o sigilo profissional do Estatuto dos Advogados. O tema abordado entra em conflito com a Teoria da Imputação Objetiva, onde pressupõe que o agente, neste caso o advogado, pode ser responsabilizado por tal crime sem que precise provar o dolo. Para melhor compreensão do tema, iremos analisar determinado crime, a fim de analisar as prerrogativas do advogado em contradição da imputação objetiva. O estudo deste crime é de grande relevância, tendo em vista que muitos não têm conhecimento dos meios em que podem ocorrer a lavagem de capitais.
PALAVRAS-CHAVE: Crime de lavagem de capitais. Teoria da Imputação Objetiva. Estatuto dos Advogados.
ABSTRACT: This work aims to analyze the crime of money laundering, also understood as a crime of money laundering, from the professional perspective of lawyers, considering that nowadays, it has become common for lawyers and their respective offices to be involved in situations involving such a crime, and they claim that the receipt of the money is linked to the fees, and use as a defense the professional secrecy of the Lawyers Statute. The topic addressed conflicts with the Objective Imputation Theory, where it assumes that the agent, in this case the lawyer, can be held responsible for such a crime without having to prove fraud. For a better understanding of the topic, we will analyze a certain crime, in order to analyze the attorney's prerogatives in contradiction to the objective imputation. The study of this crime is of great relevance, given that many are unaware of the means in which money laundering can occur.
KEYWORDS: Crime of money laundering. Objective Imputation Theory. Statute of Lawyers.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2. O CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS ATINGINDO A CLASSE ADVOCATÍCIA. 3 TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E A LAVAGEM DE DINHEIRO.4 AS PRERROGATIVAS DO ADVOGADO EM CONTRADIÇÃO DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA. 5 CONCLUSÃO. 6 REFERENCIAS.
1 INTRODUÇÃO
É de conhecimento geral que desde a antiguidade o dinheiro faz parte da vida do ser humano, sendo utilizado desde as mais básicas necessidades do homem até as mais sofisticadas. Através do dinheiro o ser humano pode conseguir obter bens materiais, serviços prestados entre outras atribuições. Por conta disso, a busca por esse meio de poder aquisitivo fez com que o homem desenvolvesse meios para o adquirir e não só o meio certo e justo que fora desenvolvido, mas também as organizações criminosas.
A partir da globalização ocorreu um enorme avanço da tecnologia, por conta disso as organizações criminosas também puderam se desenvolver chegando a níveis internacionais. Como um meio para tentar combater esse problema ocorreu a chamada convenção de Viena, da qual muitos países foram signatários, sendo um deles o Brasil. Com isso, em muitos países as legislações sobre o combate à lavagem de dinheiro foram inseridas no meio jurídico.
O crime de lavagem de capitais pode ser entendido como o uso de dinheiro sujo, ou seja, vindo de atividades criminosas como por exemplo o crime organizado e corrupção. Entende-se então que, para que ocorra a lavagem de dinheiro, é necessário que ocorra um crime antecedente, portanto, ele é de natureza acessória. Com isso, percebe-se que é utilizado dinheiro ilícito nas operações financeiras de cada país, para passar a imagem de que é um dinheiro lícito.
Pode-se analisar este crime a partir da Teoria da Imputação Objetiva, que pressupõe que o agente, ou seja, o advogado, pode ser responsabilizado pelo crime de lavagem de capitais sem precisar provar que existiu o dolo. Essa teoria é firmada no conceito fundamental de risco permitido. Se o risco não for socialmente tolerável, será adequado a imputação objetiva.
Por outro lado, existe a defesa da advocacia, que envolve as prerrogativas do advogado, sendo elas o dever sigilo e a liberdade do exercício da profissão.
O dever de sigilo diz respeito às informações ou segredos de seus clientes, que não poderão ser expostas. É privilegio de o advogado exercer sua profissão com total liberdade no território nacional. Diante desse cenário, levando em conta o problema de lavagem de capitais, o questionamento de como encarar a questão do pagamento de honorários advocatícios, levanta-se.
Entende-se que o crime de lavagem de dinheiro é algo corriqueiro, ou seja, algo comum de acontecer e que, além disso, é um crime que pode ser cometido por qualquer pessoa. Desta forma, pode-se afirmar de acordo com o Art. 9, inciso XIV da Lei 9.613/98, quem exercer a profissão de advogado não exclui a possibilidade de cometer tal crime, pois no mesmo artigo é dito que pessoas físicas ou jurídicas, que prestam serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, devem não apenas esclarecer, mas também teriam que comunicar operações suspeitas dos seus clientes.
Por outro lado, o advogado que não seguir o que dispõe o artigo 34, VIII da Lei 8.906/94 comete infração:
Constitui infração disciplinar: estabelecer entendimento com a parte adversa sem autorização do cliente ou ciência do advogado contrário; (Lei 8.906, 1994, Artigo 34, VIII)
Pode-se acrescentar que de acordo com o Estatuto do Advogado, o advogado não é obrigado a depor como testemunha para dar informação sobre algo que tenha a ver com a sua profissão, e caso o faça, o advogado estaria violando o sigilo profissional o qual foi submetido, de acordo com a Lei 8.906/94, Art. 34, VIII. Então, para que exista um meio termo no meio do impasse sobre os honorários advocatícios, seria necessário analisar de forma detalhada e de alguma maneira não invasiva, o caso em questão, para então saber se caracteriza ou não o crime como lavagem de capital e com isso estabelecendo de o recebimento de honorários foi ilícito ou não. O presente trabalho tem como objetivo fazer uma análise do crime de lavagem de capitais, também entendido como crime de lavagem de dinheiro, sob a ótica profissional dos advogados, tendo em vista que na atualidade, tem se tornado comum advogados e seus respectivos escritórios estarem envolvidos em situações que envolvam tal crime, e estes alegam que o recebimento do dinheiro está vinculado aos honorários, e usam como defesa o sigilo profissional do Estatuto dos Advogados.
O estudo deste tema, revela a importância do entendimento do crime de lavagem de capitais na área jurídica. Na realização de curso na área penal, a determinar aperfeiçoamento de conhecimentos para aplicação de toda a gama de legislação penal brasileira existente.
Ademais, descobrir qual a melhor maneira de lidar com o impasse, levando em consideração a teoria da imputação objetiva, no qual pode ser responsabilizado pelo crime de lavagem de capitais sem precisar provar o dolo, ou se pelas prerrogativas do advogado.
Em meio aos tipos de pesquisas disponíveis, este trabalho buscou auxílio nas pesquisas do tipo bibliográficas e artigos científicos, uma vez que foi realizada a consulta em documentos e trabalhos já elaborados por outras pessoas, para o melhor entendimento sobre a tecnologia e seus benefícios no meio jurídico.
2 O CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS ATINGINDO A CLASSE ADVOCATÍCIA
O Brasil ratificou a Convenção de Viena no ano de 1991, com isso, assumindo o compromisso de editar leis no modelo que fora definido pelo citado documento internacional, ou seja, “tipificar penalmente o ilícito praticado com bens, direitos ou valores oriundos do narcotráfico”. (PITOMBO; 2003)
A lavagem de dinheiro é uma prática antiga que se resume em dar uma aparência legal para recursos obtidos de maneira ilícita, ou seja, a obtenção de recursos por meio de atos criminosos, que podem variar do tráfico, sequestro, chantagem, corrupção, entre vários outros (FERRARI, 2017). Com isso, torna-se necessário que criminoso ou organização criminosa tente dissimular a origem de sua riqueza, para não levantar suspeitas e passar a aparência de que o dinheiro em questão, seja um dinheiro limpo.
A lei de lavagem de dinheiro alcançou o objetivo apontado no art. 1º da Lei 12.683/2012: “tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro”. Sendo assim, a finalidade é prevenir os crimes graves, a sanidade do sistema financeiro e da ordem econômica, propondo a segurança do Estado e da sociedade e o melhorando a persecução de infrações penais de grande relevância, “pelos seus impactos sociais deletérios e repercussões negativas, no plano doméstico e no espaço transnacional”
Esse delito nasceu a partir de um desdobramento do tráfico internacional de entorpecentes que assombrava o mundo todo, principalmente em razão da reciclagem de dinheiro proporcionada pelo tráfico. Começou-se a buscar uma maneira de lutar contra o crime, pois o mesmo só cresce se tiver condições de se autofinanciar. De acordo com Ricardo Antônio (2019) “o objetivo principal desse diploma é dar contribuição ao combate ao crime organizado em nível transnacional”.
Nas palavras de Luiz Regis (2005) o crime de lavagem de dinheiro, pode ser entendido como “o processo ou conjunto de operações mediante o qual os bens ou dinheiro resultantes de atividades delitivas, ocultada tal procedência, são integrados no sistema econômico e financeiro”.
Segundo Fernando Capez (2011), o delito de lavagem de dinheiro é o “processo por meio do qual se opera a transformação de recursos obtidos de forma ilícita em ativos com aparente origem legal, inserindo, um grande volume de fundos nos mais diversos setores da economia”.
Existe um caso em questão que nos últimos tempos tem chamado a atenção das autoridades, que é o crime de lavagem de dinheiro no exercício da advocacia. Isto acontece porque diante do sigilo profissional, alguns advogados têm usado seus escritórios para movimentar dinheiro sujo, de determinados clientes, a fim de lucrar com percentuais acordados, e usam como justificativa que o dinheiro recebido, é dinheiro de honorários pelo serviço prestado.
A reforma da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº. 12.683/12) inseriu no seu artigo 9°, inciso XIV, como sujeitos obrigados aos mecanismos de controle “as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência de qualquer natureza, em operações. (...)” embora a lei não tenha acrescentado de maneira expressa os advogados, a análise do dispositivo demonstra a identificação destes entre os profissionais que prestam serviços de assessoria, consultoria, aconselhamento ou assistência.
Cabe entender que, os delitos são classificados conforme a conduta do agente, podendo ser tanto positiva como negativa. Os tipos penais na maior parte das vezes, descrevem suas condutas positivas, consistentes num fazer. Em alguns tipos penais é possível encontrar descrições expressas de condutas negativas, ou seja, consistentes num não fazer.
Após a distinção entre condutas positivas e negativas, os delitos passam a ser classificados em comissivos e omissivos. A ação comissiva nasce de uma conduta positiva do agente, ação em sentido estrito, descrita pela figura típica e consumam-se com a produção do resultado. Enquanto os crimes omissivos são entendidos por virem de omissões tipificadas pela lei, condutas negativas, consumam-se com a simples inércia. (BIERRENBACH; 2002)
Outra mudança que ocorreu na lei fora no seu artigo 3º da lei anterior que elencava sobre a insuscetibilidade de fiança e liberdade provisória, pois tal dispositivo foi reputado inconstitucional pela jurisprudência do STF (GOULART, 2012).
Alguns autores entendem que a independência do crime de lavagem de capitais com relação a infração antecedente, entendendo que os bens jurídicos tutelados pelas infrações anteriores tem a capacidade de serem vários, independe a natureza da infração antecedente, pois a conduta central é ocultar e dissimular valores e bens obtidos ilicitamente, sendo assim, e possuindo isso em vista, se entende que um contraventor envolvido com jogo do bicho pode ocultar e dissimular valores e bens, à mesma quantidade, ou até mais, que um traficante de drogas (SOARES).
Cabe entender que analisando literalmente, o advogado utiliza valores provenientes de infração penal em suas operações financeiras se recebe honorários para poder defender sujeitos que possuem como fonte de renda o crime. Entretanto, a incidência estrita do dispositivo tem efeito catastrófico, com extinção dos advogados criminalistas (CALLEGARI e WEBER, 2014, p. 119).
É importante frisar o sigilo profissional, para que se entenda até que ponto é necessário que não exista uma investigação que invada tal premissa. Marcelo Mendroni (2014) conclui que:
O direito de sigilo profissional, como qualquer outro direito, não pode ser absoluto. Não é possível interpretar, nesses casos, que o advogado não possa ou não deva, “por dever de sigilo profissional” recusar-se a prestar informações a respeito de “qual a causa” que defende, e “quem” é ou quem são os seus clientes. O sigilo profissional do advogado é evidentemente inerente ao âmbito do teor do processo, e não aos dados exteriores a ele relativos. (MENDRONI, 2014)
Entretanto, não se pode olvidar que os advogados, em determinados casos, também prestam consultoria ou assessoramento em questões não jurídicas, ou seja, serviços que poderiam ser prestados por profissionais de outras áreas, como contadores, economistas ou outros. Nestes casos, porquanto atividades não típicas da advocacia, os profissionais não estariam resguardados pelo dever/direito de sigilo. Ao final cabe apenas a ressalva de que o dever/direito de sigilo, ainda que relativo às atividades privativas da advocacia, apenas teria preferência no caso de atuação de boa-fé do advogado. (MENDRONI, 2014)
3 TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA E A LAVAGEM DE DINHEIRO
Se encontra no art. 1º da Lei nº. 9.613/1998, alterada pela Lei nº 12.683/2012, como crime de lavagem de capitais o ato de “ [...] ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa”.
Dispõe o artigo 9° da Lei n° 9.613 de 3 de Março de 1998:
Sujeitam-se às obrigações referidas nos arts. 10 e 11 as pessoas físicas e jurídicas que tenham, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, cumulativamente ou não: (Lei n° 9.613, 1998, Art. 9, P.U).
Ou seja, de acordo com o art. 9º e seu parágrafo único da Lei de Lavagem de Capitais, são sujeitos de obrigações da Lei de lavagem, as pessoas físicas e jurídicas que possuem, em caráter permanente ou eventual, como atividade principal ou acessória, relacionada a movimentação financeira.
O intuito de procurar responsabilizar pessoas físicas e jurídicas é justamente aumentar o controle sobre a circulação de capital, e sempre que possível, diminuir a possibilidade de “cegueira diante dos fatos” daqueles que tem o condão de averiguar um eventual ato de lavagem de capitais no caso concreto, e deixam de fazê-lo.
Indo de acordo com a teoria da imputação objetiva, o resultado da ação deve ser imputado ao autor no momento em que ele ultrapassar o risco permitido, fazendo com que haja um perigo não permitido, e esse perigo se concretizar em um resultado que esteja dentro do âmbito de proteção da norma. Para que o agente seja responsabilizado pelo dano, o nexo de causalidade não é fator suficiente, como a teoria da equivalência das condições coloca. É necessário ir além disso, a existência de um nexo, de aumento do risco, o qual seria apurado através dos critérios por ele desenvolvido na teoria da imputação objetiva (SANTOS; BÜRGEL, 2015, p. 308).
O ponto central não é imputar um resultado a um homem segundo o dogma da relação de causalidade material, se ele, realizando determinada conduta, produziu certo resultado naturalístico. O âmago da questão, pois nos encontramos no plano jurídico e não na área das ciências físicas, reside em estabelecer um critério de imputação do resultado em face de uma conduta no campo normativo, valorativo. Por isso, não põe em destaque o resultado naturalístico, próprio da doutrina causal clássica e do fato típico, e sim o resultado (ou evento) jurídico, que corresponde à afetação jurídica: lesão ou perigo de lesão do bem penalmente tutelado, o objeto jurídico (JESUS;2014, p. 295)
Não haverá imputação quando o agente deixar de criar um risco, ou ainda, mesmo tendo criado eventual risco, se o mesmo não for proibido. Também faltará a criação de risco, e, portanto, a imputação objetiva, nos casos em que o autor modificar um curso causal, de maneira a diminuir a situação de perigo preexistente para o bem jurídico. Ou seja, quando embora tenha causado a lesão ao bem jurídico, tiver o agente atuado de modo a diminuir o risco, pois, embora não tenha conseguido impedir o resultado, tenha atuado de forma eficaz e conseguido diminuir os danos. Afinal, se o Direito Penal não pode proibir ações não perigosas, inócuas, neutras e que não acarretem riscos, não poderá proibir ações benéficas para o bem jurídico, que se orientam no sentido de melhorar sua situação.
O crime de lavagem de capitais é comum, ou seja, pode ser praticado por qualquer pessoa. Desse modo, é perceptível que, o advogado que acobertar a natureza, nascença, localização, disposição, arranjo, movimento ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal antecedente estará cometendo o injusto penal. Ou seja, a advocacia não é causa de imunidade em relação a este delito. (FERRARI; 2017)
Nos crimes de corrupção, é de extrema normalidade que o recebimento de propina se dê de um meio abafado, por intermédio de operações financeiras fracionadas em pequenos valores, sejam elas depósitos em espécie ou transações bancárias. Afinal, “o pagamento de propina não se faz perante holofotes.” (WEBER, 2013)
A já difundida teoria da imputação objetiva surge, de acordo com Claus Roxin, como verdadeira revolução copernicana na teoria do delito e desprende da ideia de causalidade e finalidade avaloradas, construindo o ilícito com o começo na função do direito penal. Desse modo, a ação típica passa a ser a ser efetuada de um risco não permitido dentro do alcance do tipo (ROXIN; 2008)
Se considera a ação típica como realização de um risco não permitido, é porque deduz-se que o comportamento jurídico-penalmente relevante da tarefa do direito penal, de defender o indivíduo e a sociedade contra riscos sócio-policitamente intoleráveis. (ROXIN; 2008)
Desse modo, com a teoria da imputação objetiva, cria-se uma dogmática voltada à interpretação jurídica de dados empíricos, na medida em que o risco proibido é definido por meio da análise da realidade, não levando em consideração o dolo do agente, pois este, é requisito subjetivo e deve ser analisado somente no que tange a imputação subjetiva. (CASTRO; 2014)
Imputar significa atribuir, atribuir a alguém alguma coisa. A expressão imputação objetiva, utilizada em Direito Penal, significa atribuir a alguém a pratica de conduta que satisfaça as exigências objetivas necessárias à caracterização típica. Considerando a evolução verificada na teoria do crime, pode-se entender por imputação objetiva a vinculação que deve existir entre a conduta de determinado indivíduo e a violação da norma jurídica, no plano estritamente objetivo (GALVÂO;2013, p. 274-275).
Damásio de Jesus, à sua fala esclarece sobre a imputação objetiva na qual diz que se relaciona com “[...] o nexo normativo entre a conduta criadora de relevante risco proibido e o resultado jurídico (afetação do bem jurídico) [...]”, explicando que “ [...] se trata de atribuir juridicamente a alguém a realização de uma conduta criadora de um risco proibido ou de haver provocado um resultado jurídico [...]” (JESUS, 2002, p. 33).
De acordo com o autor Claus Roxin, essa nova concepção ganhou força por meio da constatação de que o “ilícito nem sempre é realizado final ou casualmente, tanto o injusto culposo, como o omissivo, na perspectiva de um sistema jurídico-penal funcionalista, são o resultado de uma imputação que se processa de acordo com critérios jurídicos” (ROXIN; 2008).
4 AS PRERROGATIVAS DO ADVOGADO EM CONTRADIÇÃO DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA
Tendo em vista que a advocacia como instrumento legítimo para a defesa dos direitos individuais e interesses coletivos, pode ser entendida como uma profissão destacada pela coragem daqueles que, por ela, servem à sociedade como um meio de redução das desigualdades humanas e o aprimoramento das práticas democráticas.
Cabe assim ver pelo lado de que, qualquer limitação ao exercício da advocacia, seja ao afetar os interessados na garantia constitucional da ampla defesa ou no desmonte à função desempenhada por advogados e advogadas na salvaguarda das aspirações dos seus clientes, entra como uma maneira de limitação à prática constitucional do direito de defesa e do próprio acesso ao Estado-Judiciário. (BITTENCOUR; 2013)
Um ponto que deve ser frisado sobre a teoria da imputação objetiva é o fato de que a mesma se deslocou da possibilidade de denominação da causalidade e também da separação entre feitos que possam ser considerados próprios de elementos acidentais para que se entenda se ocorreu a realização de uma ação criadora de um risco proibido e se este risco se converteu no resultado repugnado pela norma (PRAZAK, 2009).
É de conhecimento geral que, uma das garantias constitucionais de cunho processual que servem para orientar o exercício da advocacia é conhecida como a ampla defesa. Existe diversas noções conferidas ao termo ampla defesa, entretanto, cabe destacar o de Rosemiro Pereira Leal (2002, p. 171) como a mais adequada ao compromisso democrático extraído da advocacia. O autor entende que a ampla defesa é “o direito processualmente garantido a um espaço procedimental cognitivo à construção de fundamentos obtidos dos argumentos jurídicos advindos das liberdades isonômicas exercidas em contraditório na preparação das decisões”.
Tendo em vista esse conceito, pode-se entender que a ampla defesa é a realização, no espaço processual instaurado com os procedimentos judiciais, que possui o intuito da concretização da ampla argumentação, de modo a construir a decisão judicial que afetará as partes envolvidas. Assim, percebe-se que a ampla defesa é uma garantia processual com o intuito de fazer ocorrer a discussão dos pontos controvertidos vislumbrados nos processos judiciais, em sua vasta possibilidade, e exercício da argumentação como meio de perceber a legitimidade dos pronunciamentos do Estado. (LOBO; 2017)
Assim, ao advogado e à advogada devem ser conferidos instrumentos férteis para a proteção de suas atividades inerentes à postulação em juízo, tendo sido a importância da ampla defesa explicado acima, também à proteção das liberdades individuais, dos interesses coletivos, ou seja, consequentemente a proteção do Estado Democrático de Direito.
Sendo assim, como nas demais profissões, o sigilo profissional se configura como um direito constitucional, sendo aquele que, no exercício de suas funções, guarda para si informações que lhes foram confiadas.
Ressalta Bottini e Estellita que:
O advogado, quando exerce atividades típicas de advocacia - descritas nas normas que regem a profissão - não poderá, no atual quadro normativo, ter o dever de comunicar ou notificar autoridades de eventuais atividades suspeitas ou atípicas praticadas por seus clientes que possam caracterizar a lavagem de dinheiro, mas tem o dever de se abster, de não colaborar com sua prática, sob pena de incorrer no mesmo delito (BOTTINI, ESTELLITA, p. 19 – 33).
Perante ao desenvolvimento dos crimes no atual contexto, o Direito Penal procura encontrar novas estratégias com o intuito de preservar, a todo custo, o bem juridicamente tutelado. A Lei de lavagem de Dinheiro, com as alterações imputadas pela Lei 12.683/2012, trouxe uma maior abrangência ao instituto do criminal “compliance” que, pode-se entender por uma dinâmica frente a persecução criminal com inclinação global de aplicabilidade, quanto mais ao se tratar de delitos financeiros com traços transnacionais. (GARCIA; 2017)
No contexto da teoria da imputação objetiva, caso o advogado venha se ocupar somente em exercer sua atividade com fiel proteção às normas que norteiam sua profissão, seguindo todas as prescrições legais, o que decorrer disso, na concepção de Jakobs (2014), não será responsabilidade do profissional. Entretanto, se o advogado descumpre o seu papel passando a realizar a atividade em conjunto com o cliente será caso de participação, hipótese em que o advogado foge totalmente da observância de seu papel social. (JAKOBS; 2014; p.68)
O Conselho Federal do órgão se pronunciou por juristas segundo o qual “os advogados e as sociedades de advocacia não devem fazer cadastro no COAF nem têm o dever de divulgar dados sigilosos de seus clientes que lhe foram entregues no exercício profissional”, posto que tais obrigações conflitam com normas constitucionais e infraconstitucionais que protegem o sigilo profissional.
Cabe dizer também que a Confederação Nacional dos Profissionais Liberais (CNPL) ajuizou ADI (ADI 4841) no STF arguindo a inconstitucionalidade do novo dispositivo (artigo 9o, parágrafo único, inciso XIV, Lei 9.613/98), sob relatoria do decano do STF, ministro Celso de Mello.
Segundo Gunther Jakobs (2014), pode ser que o conhecimento do crime pelo advogado e o seu consequente, e ocultar-se de fazer algo a respeito, possa favorecer para a ocorrência do crime, porém, o favorecer psíquico não gera responsabilidade, apenas no caso do favorecimento que se converte no próprio delito interveniente haverá imputação, nos demais casos haverá adequação social da conduta. (JAKOBS, 2014; p. 69)
É notório que o sigilo profissional sempre fora uma pauta de discussão envolvendo o direito à informação, à liberdade e à realização dos atos profissionais. Desse modo, Sobral Pinto, em reportagem referenciada no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, de 8 de março de 1941, colacionado na obra de Ruy de Azevedo Sodré (1975, p. 393), explica:
Quando numa consciência se instala o remorso, num organismo a moléstia e, num patrimônio, um perigo, a pessoa, que se vê assim atingida pelo mal, tem necessidade, incoercível, de se confiar a um religioso, a um médico, e a um advogado, para que, sendo informada, ampla e minuciosamente da natureza e extensão de tais males, possa este atenuá-los ou removê-los adequadamente. É claro, entretanto, que estas informações só serão completas se aquele que precisa de as ministrar tem certeza absoluta de que o sacerdote, o médico e o advogado, que as vão receber, não serão jamais, em hipótese alguma, compelidos, em nome da lei, a revelá-las a ninguém, e qualquer que seja o fim que venha a ser invocado para justificar a exigência da sua revelação.
Para a Ordem dos Advogados do Brasil, ao que diz respeito à lei 12.683/12, o fato do legislador não ter mencionado os serviços jurídicos, tendo citado um exaustivo rol de atividades, intencionalmente silenciou sobre a submissão desta categoria profissional à lei. Portanto, de acordo com princípios hermenêuticos, a lei genérica só revoga princípios de lei específica se o fizer de forma explícita, os defensores não devem, e nem podem ser obrigados a desprezar o sagrado sigilo constitucionalmente garantido entre advogado e parte.
Por mais que a advocacia seja um papel social lícito, a ação de quem a pratica pode ser entendida como causal para a prática do crime em pauta por outrem. Sendo assim, se entra no tema das ações neutras, a qual Luís Greco (2013) debate com clareza. Ações neutras são aquelas que podem ser descritas como ações cotidianas, em si lícitas, mas que podem desaguar na participação no crime de outrem. Nesse contexto, percebe- se que uma das formas de afastar a imputação objetiva da lavagem ao advogado é estabelecer o mais claramente possível o âmbito do risco permitido até onde pode ir licitamente o advogado na prestação de assessoria nessas operações.
Com tudo que fora exposto, se entende que, o sigilo profissional é um direito da pessoa humana que manifesta sua confiança ao profissional consultado, qualquer seja a sua natureza, e ao mesmo tempo, um dever, onde a natureza de ordem pública prevalece, resguardando o segredo e o silêncio debaixo das relações sociais.
5 CONCLUSÃO
Por meio desse artigo, ficou entendido que, por conta do desenvolvimento que os crimes vêm tomando ultimamente, o Direito Penal procura novos meio para proteger o bem jurídico tutelado.
A lei de lavagem de dinheiro trouxe uma amplitude para o instituto do criminal compliance. Entretanto, a investigação que ocorre a partir dessa lei não pode ir contra os princípios base do sistema jurídico. Quando ocorre a exigência de que o advogado deve cumprir a denúncia por conta das normas e compliance, o princípio fundamental entra o profissional e o cliente é quebrado.
De acordo com a teoria da imputação objetiva, o resultado da ação deve ser imputado ao autor no momento em que ele ultrapassar o risco permitido, fazendo com que haja um perigo não permitido, e esse perigo se concretizar em um resultado que esteja dentro do âmbito de proteção da norma.
Também de acordo com a teoria da imputação objetiva o agente que se posiciona em uma situação de cegueira diante dos fatos, cria um risco não permitido.
Vale ressaltar que, de acordo com o artigo 133 da CF, a função do advogado é necessária para a justiça, sendo assim, a imposição do mesmo de necessitar informar dados de seu cliente é ir contra todo o conceito e significado de justiça, fazendo com que o exercício da advocacia seja ferido.
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Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário CEUNI-FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CUNHA, WERYTON LEITE DA. Lavagem de dinheiro: conflito entre a teoria da imputação objetiva e as prerrogativas do advogado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 dez 2020, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55739/lavagem-de-dinheiro-conflito-entre-a-teoria-da-imputao-objetiva-e-as-prerrogativas-do-advogado. Acesso em: 23 dez 2024.
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