Resumo: O artigo analisa, sob o ponto de vista jurídico, se há um poder geral de cautela outorgado aos Tribunais de Contas. Para tanto, utilizou-se como objeto de estudo o Tribunal de Contas da União. Ao contrapor a argumentação utilizada pelo Supremo Tribunal Federal - nos julgados em que a Corte autoriza a incidência do poder geral de cautela as Cortes de Contas com fundamento na Teoria dos Poderes Implícitos -, com os normativos constitucionais e legais que regem o Tribunal de Contas da União, observou-se que não há uma outorga geral de poderes cautelares. A Teoria dos Poderes Implícitos é insuficiente para legitimar poderes cautelares gerais. Nesse sentido, constatou-se que, para o bom desenvolvimento das atribuições constitucionais dos Tribunais de Contas, faz-se necessária a regulamentação legal das medidas cautelares.
Palavras-chave: Controle Externo, Tribunais de Contas, Medidas Cautelares, Teoria dos Poderes Implícitos, Constituição Federal de 1988
Sumário: 1. Introdução – 2. O modelo de controle externo adotado no Brasil – 2.1. A competência técnica exercida pelos Tribunais de Contas – 2.2. As cautelares específicas contidas na Constituição Federal de 1988 e na Lei nº 8.443/1992 – 3. A Teoria dos Poderes Implícitos – 3.1. Insuficiência e inadequação da Teoria dos Poderes Implícitos para justificar o poder geral de cautela das Cortes de Contas – 4. Conclusões – 5. Referências
Nas democracias contemporâneas, principalmente as de recente formação, é forte o sentimento de descrença em relação às instituições estatais. Os escândalos de corrupção envolvendo agentes públicos e a cotidiana demonstração de frágeis barreiras éticas por aqueles que deveriam perseguir o interesse público elevam o tom das reivindicações populares, de modo a criar uma atmosfera de tesão e de ressignificação de papéis institucionais.
Nesse contexto, observa-se que a partir da Constituição Federal de 1988 (Constituição Federal), o controle externo[1] da Administração Pública tomou rumos desafiadores: ampliou-se as tarefas do controlador, ao tempo em que o constituinte detidamente escolheu as notas regentes das competências do Tribunal de Contas. Mas há, a nosso ver, o alargamento dos poderes[2], sem abrigo na Constituição Federal, das competências das Cortes de Contas.[3]
Os argumentos que justificam a ampliação dessas competências são projeções dos legítimos sentimentos sociais. Fala-se em efetividade do controle de contas porquanto o controle tempestivo das contas públicas requer medidas suficientemente ágeis e dotadas de praticidade. Assim, tudo que for possível fazer no sentido de diminuir a possibilidade de lesão ao erário deve ser feito. Os fins justificam os meios, nesse sentido.
Exemplo prático dessa conjuntura é a construção doutrinária, albergada pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF)[4], da existência de um poder geral de cautela das Cortes de Contas. Para a efetividade do controle do dinheiro público, há uma zona de poder inerente ao controle externo, apta a autorizar a incidência de medidas cautelares.
Nesse quadrante, o propósito do presente artigo é analisar se, a partir do que a Constituição Federal estabelece, há um poder geral de cautela pertencente aos Tribunais de Contas. Para tanto, focaremos, exclusivamente, no Tribunal de Contas da União (TCU), vez que este órgão representa o modelo perfilhado pelas demais cortes de contas nacionais. Além do que, a literatura referente ao tema trabalha, em grande parte, com a legislação referente ao TCU.
Assim, abordaremos inicialmente a tessitura do controle externo, nos termos da Constituição Federal. Após, analisaremos a incidência do poder geral de cautela, tendo em conta toda a dogmática que ampara esse fenômeno, mormente a teoria dos poderes implícitos. Por fim, teceremos conclusões a respeito do quanto perquirido ao longo do texto.
A Constituição Federal manteve o modelo de controle externo exercido com o auxílio de órgãos colegiados: os Tribunais de Contas.[5] Como é cediço, a titularidade do controle externo pertence ao Poder Legislativo, visto que historicamente[6] a este Poder pertence a função típica de fiscalizar (teoria dos três poderes).[7] De outra banda, os Tribunais de Contas desenvolvem função eminentemente técnica, de maneira que o juízo político a respeito do julgamento de contas pertence ao parlamento. Nesse passo, destaca Ronaldo Chadid que:
(...) os controles político e técnico têm diferentes momentos e focos de atuação. Entretanto, não são dissociados, mas sim coordenados. Toma-se, como exemplo, o exercício do controle externo político exercido no julgamento das contas anuais (presidente, governador e prefeitos, no caso do Poder Executivo). O julgamento é realizado pelo Poder Legislativo de cada ente, abordando as chamadas contas de governo. Entretanto, antes do julgamento pelo Poder Legislativo as contas passam pelo crivo técnico do Tribunal de Contas, consubstanciado no parecer prévio (fase técnica).[8]
(Grifos nossos)
Nesse sentido, denota-se que o critério técnico de julgamento tem a ver, necessariamente, com a racionalidade própria do julgamento de contas, circunstância que exige a previsibilidade dos resultados e das medidas possíveis de serem adotadas pelas Cortes de Contas, bem como, por consequência lógica, da incidência da segurança jurídica no agir dos Tribunais de Contas.
Bem assim, observa-se que o processo de contas é processo administrativo[9], porquanto não contém os pressupostos do processo judicial: não é tocado por órgão judicial (as Cortes de Contas não desenvolvem função jurisdicional[10]); não há lide; não há coisa julgada[11]; não se julgam pessoas, julgam-se contas (leia-se: prestação de contas); o contraditório e a ampla defesa existem, porém, não com a mesma incidência com que se manifestam no processo judicial[12].
Há quem defenda, porém, a incidência do Código de Processo Civil (CPC) no âmbito do processo de contas.[13] É o que defende, no ponto, Romano Scapin, na seguinte passagem:
“Por isso tudo é que o poder geral de cautela reconhecido aos Tribunais de Contas pela Suprema Corte brasileira deve, em verdade, ser visto como um poder amplo de utilização da técnica processual antecipatória. Diante dessa realidade, as conclusões desta pesquisa permitem afirmar que há base teórica para que não somente as medidas cautelares sejam expedidas nos processos de contas, mas todas as medidas que utilizem a técnica antecipatória como fundamento. Portanto, o entendimento da presente pesquisa sustenta, já em consonância com a nova classificação do Código de Processo Civil sobre a matéria, a plena possibilidade de expedição de provimentos provisórios pelos Tribunais de Contas brasileiros”.[14]
(Grifos nossos)
A despeito disso, frise-se, o processo de contas é uma espécie do processo administrativo com peculiaridades que constroem uma racionalidade própria a este tipo de julgamento. O que é tutelado, pois, é o interesse patrimonial do Estado, o dinheiro público, nos aspectos da legalidade, legitimidade e economicidade (art. 71 da Constituição Federal)[15]. Como bem observa Marianna Montebello: “De fato, ao estabelecer como parâmetros de controle a legalidade, a legitimidade e a economicidade, a própria Carta Constitucional aponta decisivamente para novos padrões de controle e supervisão”.[16]
Porém, faz-se necessário pontuar que a gramática aqui utilizada não é a mesma adotada pela dogmática do direito administrativo. Na seara administrativista, divide-se o interesse público em primário e secundário.[17] O interesse da coletividade é o interesse primário, já o interesse patrimonial do Estado é representado pelo interesse público secundário.[18] Essa classificação tem razão de ser quando se tenta verificar a disponibilidade do interesse público, vez que apenas o interesse público secundário é passível de disponibilização.
Ocorre que o bem jurídico tutelado pelo processo de contas é a boa gestão do dinheiro público, que deságua, por via de consequência, no direito coletivo à boa administração pública.[19] A boa gestão da coisa pública é interesse público primário, posto que toda a sociedade, sem distinção, tem o direito inerente a ver a gestão da coisa pública ser tocada da melhor maneira possível. Portanto, o processo de contas tutela o interesse primário da sociedade, mas não possui, contudo, as ferramentas do processo judicial, porque não há identidade completa entre os dois tipos de processo.[20]
Não por outra razão, a Constituição Federal, em seu art. 70 e seguintes, detalha a competência do TCU e evidencia o caráter técnico dessa Corte e, nesse caminhar, ressalta as peculiaridades inerentes ao processo de contas. Pela importância e didática, cabe transcrever o seu conteúdo, no que interessa ao presente estudo:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.
Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete:
I - apreciar as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em sessenta dias a contar de seu recebimento;
II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público;
(...)
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada ilegalidade;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal;
XI - representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados.
§ 1º No caso de contrato, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis.
§ 2º Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito.
(...)
Art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96.
(Grifos nossos)
Os artigos acima destacados representam a pedra de toque do controle externo da Administração Pública exercido pelos Tribunais de Contas. A massa normativa advinda desses dispositivos rege toda a conformação das Cortes de Contas nacionais, por força do art. 75.[21] O paradigma de controle externo está na Constituição Federal. É lá, portanto, que se deve verificar os limites da atuação dos Tribunais de Contas.
Nesse perquirir, contudo, observa-se a utilização de termos inerentes ao Poder Judiciário, que, conforme abalizada doutrina[22], não deveriam estar dedicados ao processo de contas. É o que ocorre com os termos “julgar” e “jurisdição”. Mas, reforça-se, esses termos não colocam os Tribunais de Contas na posição de órgão judicial. O “julgar” e a “jurisdição” utilizados pelo constituinte, tem o mesmo sentido já evidenciado por Cretella Júnior: “Claro que essa palavra "jurisdição" é a mesma que se lê nas estradas de rodagem federais: "Aqui começa a jurisdição da Dersa."[23]
Nesse passo, o caráter eminentemente administrativo da “jurisdição” de contas fica mais uma vez evidenciado quando a Constituição Federal declara que em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, os responsáveis serão sancionados com multa proporcional ao dano causado ao erário, além de outras sanções previstas em lei. A lei em comento, no âmbito federal, é a Lei nº 8.443/1992 (Lei Orgânica do TCU), que determina, em seu art. 44, a possibilidade de afastamento cautelar do responsável pela prestação de contas e a indisponibilidade de bens do responsável:
Art. 44. No início ou no curso de qualquer apuração, o Tribunal, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, determinará, cautelarmente, o afastamento temporário do responsável, se existirem indícios suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possa retardar ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao Erário ou inviabilizar o seu ressarcimento.
§ 1° Estará solidariamente responsável a autoridade superior competente que, no prazo determinado pelo Tribunal, deixar de atender à determinação prevista no caput deste artigo.
§ 2° Nas mesmas circunstâncias do caput deste artigo e do parágrafo anterior, poderá o Tribunal, sem prejuízo das medidas previstas nos arts. 60 e 61 desta Lei, decretar, por prazo não superior a um ano, a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração.
(Grifos nossos)
Imperioso destacar que pela leitura dos mencionados artigos (art. 71 da Constituição Federal e art. 44 da Lei nº 8.443/1992), não se obtêm a autorização para a concessão de um poder geral de cautela as Cortes de Contas. A Constituição Federal autoriza a sustação de atos ilegais, quando não houver a correção da ilegalidade ou irregularidade no prazo concedido pelo Tribunal de Contas (art. 71, IX e X). Todavia, no tocante aos contratos, a Constituição Federal determina que o ato de sustação será adotado diretamente pelo Congresso Nacional, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis (art. 71, §1º). Apenas, e tão somente, se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas, é que o Tribunal de Contas decidirá a respeito (art. 71, §2º).
Por sua vez, a Lei nº 8.443/1992 determina duas outras formas de cautelares. O art. 44 autoriza o afastamento cautelar dos responsáveis, quando presentes indícios suficientes de que, prosseguindo no exercício de suas funções, possam retardar ou dificultar a realização de auditoria ou inspeção, causar novos danos ao erário ou inviabilizar o seu ressarcimento. De igual modo, o § 2º, do mesmo artigo, autoriza a indisponibilidade de bens do responsável, tantos quantos considerados bastantes para garantir o ressarcimento dos danos em apuração, por prazo não superior a um ano. Os demais dispositivos são repetições quase que literais dos artigos constitucionais que tratam da suspensão de atos e contratos. No tocante a indisponibilidade de bens, porém, é válida a crítica registrada por Marcia Pelegrini, a seguir transcrita:
A indisponibilidade de bens, prevista no §2º do artigo 44 da LOTCU, é ato de extrema severidade que afeta direito fundamental, visto que a Constituição Federal consagra a tutela jurídica da propriedade. Segundo nosso entendimento, a relevância do direito assegurado impõe cautela e prudência, porque a medida causa inquestionável restrição à esfera jurídica das pessoas afetadas, de modo que somente o Poder Judiciário poderia decretá-la, por exigir predicados que só a magistratura possui. A ruptura do círculo de imunidade do valor constitucional só se justificará se ordenada por órgão estatal investido de competência jurisdicional para suspender a eficácia do princípio de proteção à propriedade. A intervenção jurisdicional é fator de preservação do regime das franquias individuais, de forma que acreditamos tratar-se de matéria de reserva do Poder Judiciário.[24]
(Grifos nossos)
Assim, as medidas cautelares possíveis de serem adotadas, consoante autorização constitucional e legal, são três: a suspensão de atos, quanto não atendida a solicitação do Tribunal de Contas (art. 71, X e IX); o afastamento provisório dos responsáveis e a decretação da indisponibilidade de bens (art. 44, §2º, da Lei nº 8.443/1992). Não há, pois, a evidência da existência de um poder geral de cautela.[25]
Não há que se negligenciar, porém, a existência do art. 276, do Regimento Interno do TCU, que tem a seguinte redação:
Art. 276. O Plenário, o relator, ou, na hipótese do art. 28, inciso XVI, o Presidente, em caso de urgência, de fundado receio de grave lesão ao erário, ao interesse público, ou de risco de ineficácia da decisão de mérito, poderá, de ofício ou mediante provocação, adotar medida cautelar, com ou sem a prévia oitiva da parte, determinando, entre outras providências, a suspensão do ato ou do procedimento impugnado, até que o Tribunal decida sobre o mérito da questão suscitada, nos termos do art. 45 da Lei nº 8.443, de 1992. (Grifos nossos)
Sucede que, a nosso ver, tal previsão não encontra respaldo na Constituição Federal e na Lei nº 8.443/1992. Ainda, regimento interno não é lei em sentido formal. Não é resultado do processo legislativo. Pode até ser materialmente lei, mas formalmente não o é. Assim, querer estabelecer a legitimidade de um poder geral de cautela a partir do conteúdo de um regimento interno é desvirtuar da lógica regente do Estado Democrático de Direito. A despeito disso, o STF não declarou inconstitucional a previsão contida no art. 276 do Regimento Interno do TCU. Nos termos destacados por José Ribamar Caldas Furtado:
A constitucionalidade desse dispositivo foi questionada perante a Corte Suprema nos autos do Mandado de Segurança nº 24.510-7. Então ficou decidido que o Tribunal de Contas da União tem competência para fiscalizar procedimentos de licitação, determinar a suspensão cautelar (artigos 4º e 113, §1º e 2º da Lei nº 8.666/93), examinar editais de licitação publicados e, nos termos do art. 276 do seu Regimento Interno, possui legitimidade para expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de suas decisões. [26]
(Grifos nossos)
As cautelares, não obstante, são específicas, disciplinadas pela Constituição Federal e pela Lei nº 8.443/1992.[27] Ocorre, porém, que a jurisprudência do STF concede ao TCU a utilização de um poder geral de cautela, com fundamento na teoria dos poderes implícitos.
Argumento reiteradamente utilizado para justificar o poder geral de cautela das Cortes de Contas gira em torno da teoria dos poderes implícitos.[28] O marco jurisprudencial referente à matéria é o MS nº 24.510-7/DF, julgado pelo plenário do STF.[29] Conforme ficou assentado na ementa do julgado:
“O Tribunal de Contas da União tem competência para fiscalizar procedimentos de licitação, determinar suspensão cautelar (artigos 4º e 113, § 1º e 2º da Lei nº 8.666/93), examinar editais de licitação publicados e, nos termos do art. 276 do seu Regimento Interno, possui legitimidade para a expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de suas decisões”.[30]
(Grifos nossos)
O voto que melhor destaca o raciocínio utilizado pela Corte é o proferido pelo Min. Celso de Mello[31], para quem:
(...) entendo revestir-se de integral legitimidade constitucional a atribuição de índole cautelar, que, reconhecida com apoio na teoria dos poderes implícitos, permite ao Tribunal de Contas da União adotar as medidas necessárias ao fiel cumprimento de suas funções institucionais e ao pleno exercício das competências que lhe foram outorgadas diretamente pela Constituição da República. Não fora assim, e desde que adotada, na espécie, uma indevida perspectiva reducionista, esvaziar-se-iam, por completo, as atribuições constitucionais expressamente.[32]
(Grifos nossos)
A partir da leitura do acórdão, observa-se que o STF não destrinchou o raciocínio em volta da teoria dos poderes implícitos. O argumento foi singelo: se a Constituição autoriza expressamente X a determinado órgão, esse órgão está implicitamente autorizado a realizar Y. No que toca ao TCU, esse entendimento foi manifestado em diversos julgados, sempre na mesma linha.[33] Sucede que, a rigor, a teoria dos poderes implícitos não tem, necessariamente, a dimensão interpretativa autorizada pelo STF.
Nesse passo, a literatura referente à matéria aponta que a mencionada teoria surgiu nos Estados Unidos, quando a Suprema Corte teve que enfrentar a delicada tarefa de delimitar a intervenção da União nos assuntos afetos aos Estados Federados.[34] O caso paradigmático é o julgamento McCulloch v. Maryland.[35]
No recurso interposto por James McCulloch, bancário do Bank of America, questionava-se a incidência de determinada tributação. O Estado de Maryland exigia o imposto referente à atividade bancária dos bancos localizados em seu território. Contudo, a União havia incorporado, por meio de lei federal, o mencionado banco ao seu patrimônio. Com isso, o Estado de Maryland não poderia tributar o estabelecimento. O cerne da questão é que a Constituição Americana não detalha, expressamente, a possibilidade de a União incorporar estabelecimento bancário.
O juiz Marshall entendeu pela desnecessidade de previsão constitucional expressa de todos os poderes da federação, porquanto caberia ao Poder Legislativo criar os meios necessários e apropriados para a execução de determinado poder implícito contido na Constituição. Foi assim, portanto, que se registrou adequada a lei que autorizou a incorporação do Bank of America, vez que a Constituição Americana determina a regulação do comércio pela União.[36]
Portanto, é válido registar que, segundo decidido pela Corte Marshall, não caberia ao Poder Judiciário criar poderes implícitos. Tal mister ficaria sob a responsabilidade do Poder Legislativo, quando da confecção de leis federais. Ao Judiciário impõe-se o dever de reconhecer a validade ou invalidade de um poder implícito criado pela via do processo legislativo, a partir da sua compatibilidade com o poder expresso contido na Constituição.[37]
O precedente americano, pois, exige a confecção de lei para a declaração de determinado poder implícito a partir da Constituição. O STF aplicou, como já registrado, a teoria dos poderes implícitos em uma temática que nada tem a ver com competências federativas.[38] Mas o que toca de mais desafiador, porém, é que a Suprema Corte brasileira autorizou a incidência de um poder implícito sem fundamento na lei. Isso porque no julgamento do MS nº 24.510-7/DF não se registrou o fundamento legal que autoriza especificamente a incidência de um poder geral de cautela ao TCU.[39]
3.1. Insuficiência e inadequação da Teoria dos Poderes Implícitos para justificar o poder geral de cautela das Cortes de Contas
A teria dos poderes implícitos, frise-se, é inadequada para justificar a ideia de um poder geral de cautela. Como destacado, a mencionada teoria, em sua origem, exige que a lei - e apenas a lei - detalhe o poder constitucionalmente atribuído, de modo expresso, a determinado órgão ou poder estatal. Bem dizer, assim, que a teoria supramencionada é utilizada para verificar a adequação constitucional de determinada lei, quando esta detalha específica competência contida na Constituição.
Avalia-se se a lei é compatível com a Constituição, se é necessária e apropriada. O poder é expresso na Constituição, mas a lei, em sentido formal e material, desenvolve o poder que a Constituição confere. A lei constrói um poder implícito, a partir da Constituição. Se não houver esse sistema de comunicação entre a Constituição e a lei, não se pode atribuir determinada competência a um órgão ou poder estatal.
No Brasil, a teoria dos poderes implícitos é utilizada para justificar a lógica segundo a qual “quem pode o mais pode o menos”, ou, ainda, “os fins justificam os meios”. Tal entendimento, a nosso ver, não se acopla à lógica do Estado Democrático de Direito, que, entre outros pressupostos, exige a delimitação - por meio de lei - dos poderes do Estado.[40] A teoria dos poderes implícitos exige lei. Não é um jogo de argumentos e frases de efeito que, do ponto de vista jurídico, autoriza a existência de um poder geral de cautela as Cortes de Contas. O que existe é um poder específico, delimitado pela Constituição Federal e pela Lei nº 8.443/1992.[41] Nesse sentido, Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara apontam que:
“(...) a Constituição foi minuciosa ao construir o arranjo institucional relativo ao controle externo. Além de competências para punir os sujeitos, com isso influindo de modo limitado na ação administrativa, deu-lhe (TCU) um poder cautelar bem específico, este com efeito direto sobre a própria ação administrativa: a sustação de atos. Não é um poder implícito, reconhecido por interpretação extensiva ou por analogia; é explícito na Constituição, no art. 71, X – e é limitado por ela”.[42]
(Grifos nossos)
Precisas, também, são as considerações de Eduardo Jordão que, ao analisar a possibilidade do TCU intervir em editais de licitação não publicados, deixou registrada passagem que, em muito, se adequa ao entendimento aqui defendido:
A leitura combinada dos incisos IX e X do mencionado art. 71 deixa claro que a sustação dos efeitos de atos administrativos irregulares pelo TCU (i) será precedida do esgotamento de prazo que o próprio TCU assinar para que as autoridades administrativas pertinentes adotem as soluções cabíveis e (ii) será seguida da comunicação da decisão de sustação à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal. Esta é a extensão do poder cautelar concedido constitucionalmente ao TCU e este é o procedimento específico que deve ser seguido para exercê-lo. Identificar a existência de um poder geral de cautela que permita ao TCU suspender atos e procedimentos administrativos sem que se estabeleça prazo às autoridades administrativas pertinentes para a adoção das soluções cabíveis não é identificar implicitamente competências que o próprio constituinte teria querido estabelecer — é desbaratar e ignorar a sistemática específica que o constituinte previu para a hipótese.[43]
(Grifos nossos)
No mesmo caminhar, André Ramos frisa a insuficiência da teoria dos poderes implícitos como fundamento para a concessão de um poder geral de cautela. Para o constitucionalista, faz-se necessária uma interpretação constitucional adequada da jurisdição de contas, levando em conta suas peculiaridades:
“Entendo o uso da teoria dos poderes implícitos como não plenamente satisfatória, devendo-se proceder a uma aproximação, com amparo em uma interpretação constitucional adequada, entre o regime típico da jurisdição-judicial e o regime reconhecido às atividades próprias do Tribunal de Contas, tendo em vista a finalidade constitucional a ser atingida. É assim que se legitima, adequadamente, o poder e as medidas cautelares dos tribunais de contas”.[44]
(Grifos nossos)
A experiência revela, todavia, que a prática do TCU acolhe, em sua inteireza, o entendimento registrado pelo STF (MS nº 24.510-7/DF), a despeito da ausência de previsão constitucional e legal de um poder geral de cautela. Prova disso é que, consoante relatório de atividades do TCU para o exercício de 2019, observa-se que a Corte de Contas da União, de 2015 a 2019, concedeu 441 medidas cautelares, entre as quais destacam-se a suspensão de contratos, licitações e repasses/pagamentos. A tabela a seguir (elaborada pela equipe técnica do TCU), detalha os números mencionados:
Desse modo, é evidente a necessidade de regulamentação específica das medidas cautelares dos Tribunais de Contas[45], haja vista que, na prática, conforme exemplo do TCU, as Cortes de Contas exercitam essas medidas cautelares reiteradamente, o que tende a causar, a nosso ver, insegurança jurídica, uma vez que não há regulamentação legal da matéria.[46]
4 Conclusões
O processo de contas é processo administrativo, conforme se observou. Tutela-se o interesse público primário referente à boa gestão do dinheiro público, nas dimensões determinadas pelo Constituição Federal (legalidade, legitimidade e economicidade). A importância dos Tribunais de Contas é irretocável. Não se objetivou argumentar no sentido de diminuir as sólidas competências das Cortes de Contas.
Pelo contrário, a ideia central desse artigo é abordar a necessidade de uma regulamentação legal (por meio de lei em sentido formal e material) dos poderes cautelares das Cortes de Contas. A exigência de lei é requisito democrático para o bom desenvolvimento e o fortalecimento dos Tribunais de Contas. A regulamentação da matéria apenas por meio de normativos administrativos não garante a necessária segurança jurídica, posto que a regulamentação ficara ao critério das Cortes de Contas. Ou seja, o controlador, nesse sentido, estabeleceria suas competências e limites, no tocante aos poderes cautelares. A nosso ver, esse comportamento não se comunica com os pressupostos do Estado Democrático de Direito.
De igual modo, entendemos, com ciência dos entendimentos doutrinários contrários, que os artigos do CPC referentes às medidas cautelares, não devem, em sua integralidade, ser aplicados ao processo de contas. A razão é lógica, processo de contas não é processo judicial. Há uma rede de peculiaridades que exigem uma regulamentação específica. A aproximação entre o processo judicial e o de contas não tem o condão de outorgar ao último os poderes inerentes a jurisdição Estatal personificada nos poderes instrutórios do magistrado. A regulamentação há de ser própria, porque as demandas não se misturam. A especificidade intrínseca do controle externo exige, para o seu bom desenvolvimento, legislação própria, que detalhe as competências outorgadas pela Constituição Federal.
A teoria dos poderes implícitos, pelo menos em sua origem, não autoriza a construção, sem amparo legal, de poderes cautelares gerais às Cortes de Contas. Quem pode o mais, pode o menos, se houver autorização legal. É assim em sociedade democráticas, regidas por constituições promulgadas e que escolheram o império da lei como instrumento de controle dos poderes estatais. Não se há de convir com a ideia segundo a qual os Tribunais de Contas, por fiscalizarem o dinheiro público, podem, ao seu livre arbítrio, adotar as medidas necessárias para dar cabo a tal desiderato.
O controle externo da Administração Pública, exatamente por manipular aquilo que, infelizmente, de mais valor se tem na sociedade contemporânea (o dinheiro), necessita estar em plena sintonia com os pressupostos da segurança jurídica e da previsibilidade da atuação das Cortes de Contas, no sentindo de que esses órgãos submetem-se, como todo órgão do Estado, à tipicidade legal. A lei, em conformidade com a Constituição Federal, dita e delimita o agir das Cortes de Contas.
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[1] A ideia de controle é inerente a toda forma de organização, seja pública ou privada. Como bem pontua Ronaldo Chadid, “toda estrutura que se dispõe a obter resultados de maneira disciplinada e baseada em técnicas que exigem uma certa distribuição e harmonização de tarefas e funções necessita de constante verificação, fiscalização e correção a fim de evitar oscilações não desejadas no curso de suas ações” (CHADID, Ronaldo. A Função Social do Tribunal de Contas No Brasil. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 123).
[2] JORDÃO, Eduardo. A intervenção do TCU sobre editais de licitação não publicados – Controlador ou administrador? Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 12, n. 47, p. 209-230, out./dez. 2014
[3] A literatura sobre o tema, conforme será destacado, não é unânime, de modo que o nosso entendimento não é dominante.
[4] Conforme observa Romano Scapin: “Entende a jurisprudência do STF que, por aplicação da teoria dos poderes implícitos, o Tribunal de Contas contaria com poder geral de cautela para o exercício de suas funções” (SCAPIN, Romano. A Expedição de Provimentos Provisórios Pelos Tribunais de Contas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 163).
[5] Marcia Pelegrine destaca que: “No Brasil, segundo José Afonso da Silva, a tentativa de instituir Tribunal de Contas surgiu pela primeira vez em 1826, por ideia dos Senadores do Império, Visconde de Barbacena e José Inácio Borges. Não obstante as tentativas, o Império não teve seu Tribunal de Contas, ideia que só ganhou força com a Proclamação da República, em 1889” (PELEGRINI, Marcia. A Competência Sancionatória do Tribunal de Contas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 93).
No magistério de Cretella Júnior, encontramos idêntico registro: “A idéia do Tribunal de Contas remonta ao ano de 1826, quando Felisberto Caldeira Brant Pontes Oliveira Horta, o Visconde de Barbacena, e José Inácio Borges apresentaram ao Senado do Império o primeiro projeto a respeito” (CRETELLA JÚNIOR, José. Natureza das decisões do Tribunal de Contas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n.166, p. 9, out./dez. 1986).
[6] Daniel Lavareda aponta que, atualmente, a teoria da separação de poderes vem recebendo críticas. Nas palavras do autor: “Atualmente a teoria da tripartição dos poderes vem sofrendo severas críticas relacionadas à sua insuficiência e incompatibilidade com as dimensões do Estado contemporâneo, chegando-se mesmo a afirmação de que perdeu autoridade, vigor e prestígio, porque os valores que a inspiraram desapareceram ou estão em via de desaparecer, não havendo mais lugar para a prática de um princípio rígido de separação, em que o povo é o verdadeiro detentor do poder e o Estado assumiu responsabilidades que o Estado liberal jamais conheceu” (LAVAREDA, Daniel. O Desenvolvimento do Processo de Contas e A Efetividade Jurisdicional. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 91).
[7] MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 115.
[8] CHADID, Ronaldo. A Função Social do Tribunal de Contas No Brasil. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 134.
[9] SCAPIN, Romano. A Expedição de Provimentos Provisórios Pelos Tribunais de Contas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 74.
Em sentido contrário, Luís Henrique Vieira Rodrigues: “Nesse sentido, a atividade de controle deve ser concebida como diferenciada da atividade administrativa, que hoje se vincula à legalidade, à medida que se orienta também pela verificação do atingimento da eficiência e economicidade84 na prestação dos serviços públicos” (RODRIGUES, Luís Henrique Vieira. Controle de Contas da Administração Pública Brasileira Segundo A Jurisprudência do STF. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 62).
[10] Odete Medauar registra que: “(...) nenhuma das atribuições do Tribunal de Contas apresenta-se como jurisdicional. Uma das bases significativas deste entendimento se encontra no seguinte: conforme o inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal, nenhuma lesão de direito poderá ficar excluída da apreciação do Poder Judiciário; e qualquer decisão do Tribunal de Contas, mesmo no tocante à apreciação de contas de administradores, pode ser submetida ao reexame do Poder Judiciário, se o interessado considerar que seu direito sofreu lesão; assim, ausente se encontra, nas decisões do Tribunal de Contas, o caráter de definitividade ou imutabilidade dos efeitos, inerente aos atos jurisdicionais (MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 116).
[11] PELEGRINI, Marcia. A Competência Sancionatória do Tribunal de Contas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 104.
[12] Nos termos destacados por Alexandre Aroeira: “Nos processos perante o TCU, o acusado está sozinho, dialogando com aquele que o acusa e que em seguida o condenará. Se o acusado defende que o acusador está absolutamente errado, ele está na verdade dizendo que o seu julgador estava equivocado quando o acusou (difícil paradoxo psíquico-emocional). Veja que o processo já começa contra o acusado por uma tese sustentada pelo acusador e ao mesmo tempo pelo seu julgador, e pior, essa tese de acusação e de julgamento foi sustentada perante um colegiado que já a avalizou” (SALLES, Alexandre Aroeira. O Processo nos Tribunais de Contas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 148).
[13] É esse o entendimento de Ronaldo Chadid, para quem: “(...) o provimento cautelar dos Tribunais de Contas, inspirado na teoria da cautelaridade desenvolvida no âmbito do Direito Processual Civil, se dá através de quatro pressupostos: i) o juízo sumário de cognição; ii) a iminência de dano irreparável; iii) a temporariedade; e iv) a decisão mandamental” (CHADID, Ronaldo. A Função Social do Tribunal de Contas No Brasil. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, 191).
[14] SCAPIN, Romano. A Expedição de Provimentos Provisórios Pelos Tribunais de Contas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 217.
[15] Odete Medauar aponta que: “O art. 70, caput, indicou as matérias sobre as quais incide o controle dos Tribunais de Contas, por vezes denominadas tipos ou modalidades de controle: contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial. O controle do Tribunal de Contas recai sobre os aspectos de legalidade, legitimidade e economicidade das matérias supra, daí a palavra quanto, a precedê-los, no art. 70, caput. Os termos aplicação de subvenções e renúncia de receitas, que sucedem à menção dos três aspectos, estão aí presentes de forma inadequada, pois não se revestem do sentido de aspecto das fiscalizações, sendo, isto sim, atuações da Administração sob o controle dos Tribunais de Contas. Por isso, serão tratadas no rol das atribuições destes” (MEDAUAR, Odete. Controle da Administração Pública. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 126).
[16] WILLEMAN, Marianna Montebello. Controle de constitucionalidade por órgãos não jurisdicionais. Fórum Administrativo - FA, ano 19, n. 139, p. 71, set. 2012.
[17] CARVALHO FILHO, José dos Santo. Manual de direito administrativo. 32. ed. São Paulo: Atlas, 2018, p. 400.
[18] BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 94.
[19] Conforme ressalta Salomão Ismail Filho: “A noção de boa administração, de fato, relaciona-se, primeiramente, com a persecução do interesse público pelo decisor político ou pelo administrador público. Ou seja, no exercício das suas atribuições, não basta ao gestor público encontrar qualquer solução administrativa; é preciso encontrar a melhor solução administrativa possível, diante da situação concreta que lhe é apresentada” (ISMAIL FILHO, Salomão. Boa administração: um direito fundamental a ser efetivado em prol de uma gestão pública eficiente. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 277, n. 3, p. 119, set./dez. 2018).
[20] É o que destacam Carlos Ari Sundfeld e Jacintho Arruda Câmara, na seguinte passagem: (...) vale salientar que as competências dos Tribunais de Contas em nada se assemelham às do Judiciário, donde não ser correto transpor analogicamente os poderes cautelares deste para os órgãos de controle de contas” (SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Silveira Dias de Arruda. Controle das contratações públicas pelos tribunais de contas. Revista de Direito Administrativo - RDA, ano 14, n. 257, maio/ ago. 2011).
[21] Art. 75. As normas estabelecidas nesta seção aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios.
[22] CRETELLA JÚNIOR, José. Natureza das decisões do Tribunal de Contas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n.166, p. 1-16, out./dez. 1986.
[23] CRETELLA JÚNIOR, José. Natureza das decisões do Tribunal de Contas. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n.166, p. 1-16, out./dez. 1986.
[24] PELEGRINI, Marcia. A Competência Sancionatória do Tribunal de Contas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 93.
[25] No dizer de Eduardo Jordão: “A Constituição Federal não foi silente sobre a existência de poder cautelar ao TCU. Ela o previu expressamente” (JORDÃO, Eduardo. A intervenção do TCU sobre editais de licitação não publicados – Controlador ou administrador? Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 12, n. 47, p. 226, out./dez. 2014).
[26] FURTADO, José de Ribamar Caldas. Controle de legalidade e medidas cautelares dos Tribunais de Contas. Fórum de Contratação e Gestão Pública - FCGP, ano 18, n. 66, p. 3, jun. 2007.
[27] Também em sentido contrário ao nosso, ver: MAIA, Renata C. Vieira. As tutelas provisórias de urgência no CPC/2015 e sua repercussão no âmbito dos Tribunais de Contas. Fórum Administrativo - FA, ano 19, n. 201, p. 61-69, nov. 2017.
[28] SCAPIN, Romano. A Expedição de Provimentos Provisórios Pelos Tribunais de Contas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 74.
[29] José Levy destaca que o julgado supramencionado “se reveste de grande relevância na compreensão da competência dos Tribunais de Contas em nosso país, porquanto lhes reconhece o poder cautelar de determinar imediata sustação de atos da Administração cuja legalidade se questiona, em caso de fundado receio de grave lesão ao Erário ou de risco de ineficácia de futura decisão de mérito”(LEVY, José Luiz. A suspensão imediata dos atos da administração determinada cautelarmente pelos Tribunais de Contas. Revista Brasileira de Direito Municipal - RBDM, ano 17, n. 15, jan./ mar. 2005).
[30] STF. Mandado de Segurança 24.510-7/DF. Tribunal Pleno. Relatora: Min. Ellen Gracie.
[31] CHADID, Ronaldo. A Função Social do Tribunal de Contas No Brasil. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 190.
[32] STF. Mandado de Segurança 24.510-7/DF. Tribunal Pleno. Relatora: Min. Ellen Gracie.
[33] A partir da obra acadêmica de Romano Scapin, destacamos os seguintes julgados com suas respectivas fundamentações: MS nº 26.263, Poder geral de cautela reconhecido aos Tribunais de Contas como decorrência de suas atribuições constitucionais (teoria dos poderes implícitos). Citado o precedente do MS nº 24.510/DF. MS nº 26.547, Poder geral de cautela reconhecido ao TCU como decorrência de suas atribuições constitucionais (teoria dos poderes implícitos). SS nº 3.789/ MA, Poder geral de cautela reconhecido aos Tribunais de Contas como decorrência de suas atribuições constitucionais (teoria dos poderes implícitos). Citados os mesmos argumentos do MS nº 24.510/DF. SS nº 4.009/ RR, Poder geral de cautela reconhecido aos Tribunais de Contas como decorrência de suas atribuições constitucionais (teoria dos poderes implícitos). Citado o precedente do MS nº 24.510/DF. MS nº 30.593, Poder geral de cautela reconhecido aos Tribunais de Contas como decorrência de suas atribuições constitucionais (teoria dos poderes implícitos). Citado o precedente do MS nº 24.510/DF. MS nº 33.092, Poder geral de cautela reconhecido ao TCU como decorrência de suas atribuições constitucionais, teoria dos poderes implícitos (SCAPIN, Romano. A Expedição de Provimentos Provisórios Pelos Tribunais de Contas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, pp. 158-160).
[34] HODUN, Milozs. Doctrine of Implied Powers as a judicial tool to build federal Polities – comparative study on the doctrine of implied powers in the European Union and the United States of America. 2015. 320 f. Tese (Doutorado em Direito) - School of Law, Reykjavik University. Reykjavík: Islândia, 2015.
[35] AGUIAR, Simone Coelho; ALVES FILHO, Paulo Roberto Frota. O poder geral de cautela no âmbito do Tribunal de Contas do Estado do Ceará. Revista Controle, Fortaleza, v. 16, n.2, p. 269, jul/dez, 2018. BIM, Eduardo Fortunato. O poder geral de cautela dos tribunais de contas nas licitações e nos contratos administrativos. Interesse Público - IP, ano 21, n. 36, p. 6, mar./ abr. 2006.
[36] UNITED STATES. U. S. Supreme Court. McCulloch v. Maryland. 17 U.S. 4 Wheat. 316, 1819.
[37] SOUSA, Pedro. A importação da teoria dos poderes implícitos: uma análise comparativa entre a teoria dos poderes implícitos na Suprema Corte Estadunidense e no Supremo Tribunal Federal. 2017. 58 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, 2017, p. 16.
[38] Como destacam Cássio Luís Casagrande e Jônatas Henrique: “Embora a teoria dos poderes implícitos, em McCulloch v. Maryland, estivesse mais relacionada à repartição de competência relativamente à estrutura federativa dos EUA, foi utilizada num problema constitucional brasileiro que nada tinha a ver com a forma de Estado” (CASAGRANDE, Cássio Luís; BARREIRA, Jônatas Henriques. O caso McCulloch v. Maryland e sua utilização na jurisprudência do STF. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 56, n. 221, p. 263, jan./mar. 2019. Disponível em: http://www12. senado.leg.br/ril/edicoes/56/221/ril_v56_n221_p247).
[39] A corrente doutrinária que prestigia o entendimento do STF aponta que: “(...) a atribuição constitucional de um poder a um órgão está acompanhada automaticamente da possibilidade do uso dos meios e instrumentos conducentes ao seu exercício” (SILVA JÚNIOR, Bernardo Alves da. O exercício da tutela cautelar pelos Tribunais de Contas. Fórum Administrativo – Direito Público – FA, Belo Horizonte, ano 9, n. 97, p. 10, mar. 2009).
[40] Gabriel Heller e Guilherme Carvalho Sousa assinalam que: “(...) para resguardar a autonomia de que gozam os demais órgãos de soberania, a Constituição não autoriza a determinação de ações e a sustação de atos pelo Tribunal a seu bel-prazer” (HELLER, Gabriel; SOUSA, Guilherme Carvalho e. Função de controle externo e função administrativa: separação e colaboração na Constituição de 1988. Revista de Direito Administrativo - RDA, ano 14, n. 278.2, p. 71-96, maio/ ago. 2019).
[41] No preciso dizer de Alexandre Aroeira Salles: “Salvo mudança na CRFB/88, não poderá o TCU ter aumentada ou diminuída a sua gama de competências” (SALLES, Alexandre Aroeira. O Processo nos Tribunais de Contas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 26).
[42] SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Silveira Dias de Arruda. Controle das contratações públicas pelos tribunais de contas. Revista de Direito Administrativo - RDA, ano 14, n. 257, maio/ ago. 2011.
[43] JORDÃO, Eduardo. A intervenção do TCU sobre editais de licitação não publicados – Controlador ou administrador? Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo Horizonte, ano 12, n. 47, p. 226, out./dez. 2014.
[44] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 1.010.
[45] Romano Scapin reforça que: “O processo que formaliza as atividades-fim dos Tribunais de Contas deveria, assim como já acontece com o processo administrativo e o processo judicial, ser regulamentado por uma lei nacional que previsse seus princípios e regras aplicáveis à atuação processual de todas as Cortes de Contas do país” (SCAPIN, Romano. A Expedição de Provimentos Provisórios Pelos Tribunais de Contas. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 74).
[46] O mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto, em lúcida explanação, deixou registrada a necessidade de controles nítidos, com assento direto na Constituição: “A coexistência de vários centros funcionais de poder dentro do Estado induz a necessidade de que se equilibrem, desenvolvendo-se controles recíprocos de matriz constitucional, assegurando-se que prevaleçam em quaisquer circunstâncias” (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Controle de contas e o equilíbrio entre poderes: notas sobre a autonomia do sistema de controle externo. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 19, n. 101, p. 33, jan./fev. 2017).
Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Especialista em Direito Administrativo pela PUC-MG e em Direito Constitucional pela Univali. Servidor do Tribunal de Contas da União (TCU) desde 2015. Advogado OAB-DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, MATEUS OLIVEIRA. A insuficiência da Teoria dos Poderes Implícitos como fundamento para o poder geral de cautela dos Tribunais de Contas: considerações à luz da Constituição Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2020, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55770/a-insuficincia-da-teoria-dos-poderes-implcitos-como-fundamento-para-o-poder-geral-de-cautela-dos-tribunais-de-contas-consideraes-luz-da-constituio-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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