RESUMO: É importante trazer o problema econômico do superendividamento do consumidor para a esfera jurídica, porque a causa deste está relacionado com a facilidade da abertura de crédito por parte das empresas. Na atualidade o crédito desempenha um papel importante na sociedade de consumo e a falta dele fará com que os indivíduos não consigam cumprir seus compromissos básicos diários. De acordo com essa cultura, o crédito é um hábito que foi adquirido, tornando-se parte nas transações comerciais, logo, o crédito irresponsável e a expansão da dívida são inerentes à sociedade de massas fazendo com que a maioria das pessoas fiquem sobrecarregadas com dívidas intermináveis. Portanto, o crédito e a dívida do consumidor devem ser considerados como a causalidade do novo modelo social de consumo. Dessa forma, as empresas utilizam do comportamento do consumidor para se beneficiarem de sua ingenuidade diante da oportunidade de crédito, fazendo com que entrem em contratos com cláusulas que geram ainda mais o endividamento.
PALAVRAS-CHAVE: Contratos. Crédito. Abusividade. Consumo. Superendividamento.
ABSTRACT: It is important to bring the economic problem of consumer over-indebtedness to the legal sphere, because everything is related to credit. Credit plays an important role in today's consumer society, so the lack of credit will mean that individuals will be unable to meet their basic daily commitments, because many people are burdened with debt to pay current monthly expenses. According to this culture, credit is a habit of life. As a way of improving the standard of living and comfort in today's world, credibility is not favoring, but the right to relax. Therefore, irresponsible credit and debt expansion are inherent in mass society. Therefore, consumer credit and debt must be considered as the causality of the new social model of consumption. Thus, companies use this behavior to benefit from consumer naivety, making them enter into credit agreements with clauses that further generate consumer indebtedness.
KEYWORDS: Contracts. Credit. Abusiveness. Consumption. Over-indebtedness.
SUMÁRIO: Introdução – 1. Relações De Consumo: 1.1. Da responsabilidade civil nas relações de consumo: 1.2. Contratos de Crédito ao consumo: 1.3 Das cláusulas abusivas – 2. Superendividamento do Consumidor: 2.1 Da má-fé das empresas que facilitam o crédito; 2.2 Proteção ao consumidor com regulamentação legal. 3. Conclusão – 4. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda a facilidade de crédito oferecida de forma inadequada, bem como a quantidade absurda de cláusulas abusivas que as empresas aplicam em seus contratos de consumo, gerando um inadimplemento desnecessário devido à falta de controle consumerista.
Essa facilidade oferecida é uma realidade e esse tipo de crédito geralmente é direcionado à classe média e camadas sociais de baixa renda, o que leva a expansão deste tipo de serviço, no qual ocorre o enfraquecimento na relação contratual entre consumidor e fornecedor do crédito, vez que os princípios da boa-fé e transparência devem nortear todos os contratos e relações de consumo.
A lei protege especialmente a confiança dos consumidores e as expectativas razoáveis estabelecidas no contrato, vez que sua eficácia depende naturalmente da solução de política do consumidor. Isso pode pelo menos aliviar o problema da justiça distributiva, porque a inserção de cláusulas abusivas nos contratos de consumo contribui para o superendividamento do consumidor.
Estabelecendo assim, como direito básico do consumidor a garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira, de prevenção e tratamento das situações de superendividamento, preservando o mínimo existencial, por meio da revisão e repactuação da dívida, entre outras medidas, tendo em vista, que a questão da "mora do fornecedor", trata-se de situações em que se começa a reconhecer que a inadimplência do consumidor decorre do comportamento abusivo do fornecedor, pois este não segue o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor, sendo urgente e necessário o reconhecimento do serviço de concessão de crédito como nocivo e perigoso e a adequação da publicidade e oferta para tais serviços. Contudo, torna-se extremamente necessário que seja prioridade a junção de forças para que se tenha um desenvolvimento econômico e social justo, equilibrado e sustentável.
Para a compreensão do objetivo principal desta pesquisa, será conceituado o que é relação de consumo, contratos de crédito, cláusulas abusivas e o fenômeno do superendividamento, para ao final, analisar o que possivelmente ocasiona o crescente problema do superendividamento.
Na sociedade moderna, a conexão entre consumidores (aqueles que compram produtos ou serviços) e fornecedores (aqueles que fornecem produtos ou serviços ao mercado consumidor) é chamada de relações de consumo.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 2º e 3º, define consumidor e fornecedor como:
Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
Art. 3º. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
A honestidade e credibilidade são um verdadeiro código de conduta que exige que as partes ajam de acordo com os valores de honestidade, lealdade, cooperação e abertura para equilibrar vários relacionamentos, incluindo o consumo. O Código de Defesa do Consumidor refere-se à boa-fé como princípio geral das relações de consumo.
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)
III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.
Assim, o direito do consumidor é um subsistema constitucional autônomo com suas próprias regras, princípios e interpretações. Afinal, as relações de consumo são diferentes das relações jurídicas comuns e possuem atributos únicos.
1.1 Da responsabilidade civil nas relações de consumo
A responsabilidade civil é uma espécie de obrigação criada pelo homem para compensar os prejuízos morais e materiais causados a outrem, em razão de ato próprio ou de terceiros que dela dependam. Devendo ser inserida na estrutura das relações, vez que a uma das partes caberá o dever jurídico primário e a outra a responsabilidade.
No ordenamento brasileiro temos os artigos art. 186 e art. 927 do Código Civil, que dispõem acerca da responsabilidade civil, onde é exposto que aquele que causou o dano tem o dever de repará-lo:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
(...)
rt. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
A responsabilidade civil contratual, existe devido ao contrato existente entre as partes. Portanto, dispõe da responsabilidade de arcar com os requisitos necessários do referido contrato, fazendo jus ao vínculo jurídico que lhes cerca.
Nesse mesmo sentido, à responsabilidade civil extracontratual, ocorre onde não há vínculo contratual entre as partes, mas, tem vínculo legal, uma vez que, por conta do descumprimento de um dever legal, o agente por ação ou omissão, com nexo de causalidade e culpa ou dolo, causará à vítima um dano.
Contudo, importa referir que a legislação do consumidor não distingue entre responsabilidades contratuais e extracontratuais e abrange todas as vítimas do incidente de forma igual.
Desta forma, os fornecedores responderão independentemente dos danos que seus produtos ou serviços causem ao realizar atividades potencialmente prejudiciais, vez que além de objetivar a recomposição do dano, também tem por objetivo a prevenção.
1.2 Os contratos de crédito ao consumo
Crédito, surgiu do latim credere, que significa confiança. A confiança é um dos fundamentos das relações de consumo, pois é dessa relação que surge o negócio jurídico.
Os aspectos positivos do crédito são óbvios: ele promove o consumo e, portanto, o bem-estar dos consumidores, e promove a mobilidade social dos bens de consumo. No entanto, o crédito ainda tem um lado sombrio e perigoso e traz os seguintes problemas: a) sociedade: maior vulnerabilidade dos pobres (diminuição da renda e poupança, trabalho instável); b) economia: inadimplência, aumento das taxas de juros; c) Legislação: Enfraquecimento da relação contratual entre consumidores e fornecedores de crédito. (RAMSAY 1998, p. 192).
Conforme elucida o doutrinador Fábio Roberto Gonçalves:
No contrato de adesão, as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes, às quais a outra simplesmente adere. As partes não discutem amplamente as suas cláusulas, como acontece no tipo tradicional. Há uma espécie de preponderância da vontade de um dos contratantes. (GONÇALVES, 2018, p. 239)
Assim, o Código de Defesa do Consumidor dispõe que:
Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.
Aumentando a vulnerabilidade dos consumidores, vez que na economia do superendividamento, tudo se articula com o crédito e o consumidor endividado é uma peça frágil na economia fundada sobre crédito.
Em síntese, a revisão contratual tem proeminentemente o objetivo de restaurar o equilíbrio contratual, podendo ocorrer por dois motivos, quais sejam: quando as prestações excessivamente onerosas são inseridas no contrato no momento de sua formação; e quando fatores supervenientes à contratação tornarem as prestações excessivamente onerosas para uma das partes (BARLETTA, 2010, p. 209).
1.3 Das cláusulas abusivas
O princípio da confiança tornou-se o baluarte que sustenta a relação de consumo. Aliás, como bem lembrado por Filho (2012, p. 512), consumir converteu-se em aventura, porque o consumidor está à mercê da idoneidade do fornecedor.
O advento da sociedade de consumo reduziu consideravelmente as situações em que fornecedor e consumidor sentam à mesa para discutir o complexo de cláusulas que irá reger a relação entre ambos.
Assim, os contratos são constituídos de forma inadequada com a inclusão de uma quantidade absurda de cláusulas abusivas aplicadas para gerar um enriquecimento ilícito e causando um inadimplemento desnecessário devido à falta de controle consumerista.
A relação de consumo passou a ser pós-personalizada (MARQUES, 2006, p. 403-405), isto é, despersonalizada. Abandonou-se o hábito milenar de lidar diretamente com o dono do produto, para depositar as esperanças na força de símbolos e marcas.
Entende-se, portanto, o abalo causado na sociedade, com a inclusão de cláusulas onerosas para o consumidor vai contra o que está disposto no Código de Defesa do Consumidor.
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
A razão pela qual as instituições financeiras fazem isso seja porque, infelizmente, nem todos os consumidores conhecem seus direitos e não sabem que certos termos podem ser declarados inválidos ou modificados, pois a maioria dos consumidores não recorre ao judiciário. Portanto, eles acabam lucrando com os consumidores que não questionam e pagam sem reclamar.
Em consonância com o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO/CARTÃO DE CRÉDITO CONSIGNADO. NULIDADE DA CONTRATAÇÃO DO EMPRÉSTIMO. ABUSIVIDADE. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CABIMENTO. DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DESTE E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. Tendo em vista que o banco realiza contrato de empréstimo consignado, mas cobra a dívida como fosse oriunda de cartão de crédito, tal confusão contratual acaba gerando prejuízo desproporcional à consumidora ao se aplicar os juros altíssimos do cartão de crédito, em vez dos juros do empréstimo que são mais baixos. 2. A instituição financeira promove descontos mensais mínimos na conta da autora, o que impossibilita a quitação do saldo devedor, já que a pequena monta do desconto permite apenas pagar os juros. Logo, o saldo devedor apenas cresce, tendo em vista que fica congelado, com incidência cada vez maior dos juros do cartão de crédito. A dívida, portanto, pode se tornar infinita e impagável na prática. 3. Quanto ao pedido de danos morais, entendo que, diante do quadro fático da presente demanda, também dever ser julgado procedente, uma vez que comprovada a continuidade da cobrança, o encargo excessivo a ser honrado pelo consumidor e em valor muito superior ao que efetivamente contratou, caracterizando está o abalo moral. 4. Apelação conhecida e desprovida. (TJ-AM – AC: 06334133720188040001 AM 0633413-37.2018.8.04.0001, Relator: Maria das Graças Pessoa Figueiredo, Data de Julgamento: 09/11/2020, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 10/11/2020).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E DANOS MATERIAIS. SERVIDOR PÚBLICO. CONTRATO DE ADESÃO. CÓDIGO DO CONSUMIDOR. SÚMULA 297 DO STJ. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SOLICITADO. RESERVA DE MARGEM CONSIGNÁVEL. DESCONTO EM FOLHA. CONDUTA ILÍCITA. REQUERIDO QUE NÃO LOGROU ÊXITO EM COMPROVAR FATO EXTINTIVO, MODIFICATIVO OU IMPEDITIVO DO DIREITO AUTORAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. EM DOBRO. MÁ-FÉ COMPROVADA RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. A relação jurídica estabelecida entre as partes é de consumo, aplicando-se as regras do CDC, de acordo com Súmula 297 do STJ; 2. O ônus da prova incumbe à parte Autora quanto ao fato constitutivo do seu direito e ao réu quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito da parte autora, conforme a regra expressa do art. 373 do Código de Processo Civil; 3. Não se incumbindo a parte ré de comprovar nos autos a modificação ou constituição de seus direitos, e tendo o autor colacionado provas que permitem ao juiz um alcance da verdade formal apta ao julgamento justo, as alegações do recorrente não merecem ser acolhidas; 4. No presente caso, não houve movimentação no cartão de crédito, com exceção do valor referente ao financiamento do saldo devedor do mútuo bancário que correspondia ao "pagamento mínimo". Restando claro que a parte Apelada não tinha pretensão de contratar cartão de crédito no momento da assinatura do contrato; 5. É reprovável a conduta da requerida consubstanciada na prestação de seus serviços de maneira desidiosa e negligente e, a fim de evitar a reincidência do ofensor em casos semelhantes, fica configurado o dever de indenizar; 6. Comprovada a má-fé da instituição financeira, ao induzir seus clientes a aderir contrato diverso de sua real intenção, razão pela qual a repetição do indébito deverá ser em dobro.
(TJ-AM - AC: 06711175020198040001 AM 0671117-50.2019.8.04.0001, Relator: Joana dos Santos Meirelles, Data de Julgamento: 24/03/2003, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 13/11/2020)
Assim, o consumidor é a parte vulnerável na relação de consumo, e, portanto, deve ter garantida a efetiva proteção, disposto no Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 6.078, de 11 de setembro de 1990.
2 SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR
Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, comprando coisas desnecessárias de forma exagerada para saciar desejos momentâneos.
Para Marques (2006, p. 256) o superendividamento é a impossibilidade do consumidor inadimplente, pagar todas as suas dívidas no prazo correto, tendo em vista sua situação financeira, não tendo condições de quitar todos os débitos atuais.
Sendo, portanto, conceituado pela doutrina de duas formas: superendividamento ativo, aquele causado pela prática de um ato pelo consumidor, e o superendividamento passivo, que ocorre de circunstâncias alheias à sua vontade.
O superendividado ativo é fruto de uma acumulação inconsiderada de dívidas, desde que de boa-fé, conhecido também como endividamento compulsório. Já o superendividamento passivo é aquele provocado por um imprevisto da vida moderna, ou seja, a dívida proveniente do desemprego, da doença que acomete uma pessoa da família, pela separação do casal, entre outros. (MARQUES, 2006, p. 30)
Assim, o superendividamento não pode ser considerado um simples momento de inadimplência obrigatória, mas a impossibilidade de atender às necessidades básicas das pessoas físicas (como alimentação, vestuário e moradia), que são atendidas por meio do crédito ao consumidor. Esse prisma mostra que, em uma relação de crédito obrigatória, há muitos aspectos importantes na vida de uma pessoa que, se ignorados, violam a dignidade humana, especialmente os direitos da personalidade do consumidor, como honra, nome, intimidade, integridade, saúde física e mental e imagem do consumidor, considerando que o consumidor é a parte vulnerável da relação de consumo.
Entendimento pacificado na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro:
APELAÇÃO CÍVEL. LIMITE DOS DESCONTOS EFETUADOS A TÍTULO DE EMPRÉSTIMO. MULTA POR DESCONTO INDEVIDO. SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR. Precedentes jurisprudenciais deste Tribunal de Justiça, que limitam os descontos efetuados a título de empréstimos consignados, ao montante de 30% do salário mensal do consumidor, sob pena de configurar-se o confisco, a par da natureza alimentar da remuneração. Inteligência da súmula 295 deste TJRJ. Excluída a multa pecuniária, vez que desnecessária a sua fixação quando o magistrado pode valer-se de outras medidas de coerção, in casu, como a expedição de ofício ao órgão pagador, responsável pelos descontos. Reforma parcial da decisão proferida pelo Juízo a quo. Recursos aos quais se dá parcial provimento.
(TJ-RJ - APL: 00043260720148190002, Relator: Des(a). DENISE LEVY TREDLER, Data de Julgamento: 20/08/2019, VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL)
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - LIMITAÇÃO DE DESCONTOS NO PATAMAR DE 30% - POSSIBILIDADE - SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR. - Ação de obrigação de Fazer objetivando a parte Autora a limitação dos descontos oriundos de empréstimos junto aos Bancos Réus no patamar de 30% de seus vencimentos, além de reparação moral - A jurisprudência admite a limitação dos descontos em empréstimos bancários ao percentual de desconto a 30% da remuneração, para se preservar no mínimo a subsistência do contratante e de sua família e assegurar ao mesmo tempo o adimplemento da dívida. Precedentes deste E. Tribunal de Justiça - Inteligência das Súmulas nos 200 e 295 deste Tribunal - Sentença mantida - Aplicação do caput do art. 557 do Código de Processo Civil - Recurso a que liminarmente se nega seguimento.
(TJ-RJ - APL: 00071386220118190055, Relator: Des(a). CAETANO ERNESTO DA FONSECA COSTA, Data de Julgamento: 19/12/2014, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 09/02/2015)
O tamanho do endividamento não recebe restrições, mas, percebe-se que o montante de dívidas é superior ao patrimônio do devedor, no qual compromete sua subsistência.
2.1 Da má-fé das empresas que facilitam o crédito
Segundo ALMEIDA (2009, p. 16), A vulnerabilidade é a espinha dorsal da proteção ao consumidor, e toda a linha filosófica do movimento é baseada nisso. Não há dúvida de que o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo, ou seja, diante da robustez econômica, ele dá sinais de fraqueza e incompetência.
A sociedade incentiva as pessoas a comprarem, mesmo não sendo necessário, e, dessa forma, as empresas se beneficiam da ingenuidade do consumidor, que irá comprar apenas para nutrir uma falsa sensação de satisfação.
O termo vulnerabilidade possui diversos significados no mercado consumidor, que decorre da desigualdade socioeconômica entre fornecedores e consumidores. Esse tipo de vulnerabilidade do consumidor é diverso, seja pela atuação de monopólios e oligopólios, seja pela falta de informações sobre qualidade, preço, reputação e outras características de produtos e serviços. Se isso não for suficiente, os consumidores ainda estarão cercados por uma publicidade cada vez maior, disparando uma demanda artificial e se organizando como fornecedores para defender seus interesses.
Em relação à natureza multifacetada da vulnerabilidade do consumidor, Pasqualotto (1993, p. 36) apontou que os consumidores são considerados os mais fracos, afetados por sua ignorância, fragmentação, desvantagem econômica, pressão da demanda e influência da publicidade e afetados pela liberdade. A vontade não tem mais valor absoluto. As pessoas não acreditam mais na espontaneidade do equilíbrio entre as duas partes.
Como efeito, sofre o consumidor com as pressões do mercado, que invade a sua própria privacidade. Não raro o consumidor se torna alvo de maciças técnicas publicitárias, criando necessidades artificiais de consumo. Estes mecanismos de convencimento e de manipulação psíquica são utilizados, especialmente, pelos meios de comunicação de massa. Os modos subliminares de incutir ideias na mente humana não costumam ser identificados com facilidade, pelo que a reiteração destes expedientes passa, com o tempo, a integrar o subconsciente do consumidor, favorecendo os interesses dos fornecedores.
2.2 Proteção ao consumidor com regulamentação legal
O artigo 5º em seu inciso XXXII da CF/88 consagra que:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXII – o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
Assim, o Código Defesa do Consumidor institui no Brasil o princípio da confiança do consumidor. Este princípio abrange dois aspectos: 1) a proteção da confiança no vínculo contratual, que dará origem às normas cogentes do CDC, que procuram assegurar o equilíbrio do contrato de consumo, isto é, o equilíbrio das obrigações e deveres de cada parte, através da proibição do uso de cláusulas abusivas e de uma interpretação sempre pró-consumidor; 2) a proteção da confiança na prestação contratual, que dará origem às normas cogentes do CDC, que procuram garantir ao consumidor a adequação do produto ou serviço adquirido, assim como evitar riscos e prejuízos oriundos destes produtos e serviços. (MARQUES, 2002, p. 282).
Quanto aos danos morais, a prova se dispensa, dada a sua impossibilidade de concreção, bastando a comprovação do ato ilícito porquanto se deduz o dano moral da própria ação ilícita.
Assim este, existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto, está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum. (FILHO, 2005, p. 92)
Sendo assim, a indenização por dano moral é arbitrável, mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o agente ofensor.
O dano material, por sua vez, se traduz em provas inequívocas de sua ocorrência, evidenciando o prejuízo patrimonial inconteste, cumprindo o prejudicado o ônus processual sob sua responsabilidade.
O Código de Defesa do Consumidor dispõe que o fornecedor de serviços responde pelos “vícios de qualidade”, (art.20 CDC), levando-se em consideração como circunstância relevante, que o mesmo se tornou impróprio ao fim a que se destinava, devido à má prestação de serviços.
Nos termos da Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça, o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras e, de acordo com o artigo 14 desse diploma, o fornecedor de serviços responde objetivamente pelos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito sobre sua fruição e riscos.
As empresas precisam estar vigilantes para evitar a imposição de penalidades ou mesmo sofrer as consequências de processos judiciais, que podem levar a perdas graves. As multas podem ser aplicadas por meio do PROCON ou de decisões judiciais cíveis ou criminais. Podemos dar exemplos: o pagamento de multas e indenizações, o cancelamento do registro do produto perante a autoridade competente, a proibição ou suspensão da produção do produto, a suspensão temporária das atividades, o cancelamento da licença do empreendimento ou atividade, etc.
CONCLUSÃO
Diante do exposto foi relatado que a expansão da sociedade econômica atual está vinculada com a abertura e a facilidade do crédito por interesse das empresas e benefícios dos consumidores, assim, o comportamento consumista influenciado pelo mercado e a busca de crédito em função das necessidades básicas tem provocado o superendividamento do consumidor.
É notório que o superendividamento vem sendo causado pela necessidade de crédito por parte do consumidor e pela influência do mercado sobre a sociedade, deixando com que o consumidor fique à mercê das empresas que facilitam o crédito, visto que estas possuem interesse apenas no seu enriquecimento, omitindo os prejuízos que serão causados após a assinatura dos contratos. Levando o consumidor que não tem noção básica econômica cair em armadilhas que, por fim, iram acabar com todo tipo de crédito oferecido a este.
Assim, deve-se coordenar os interesses dos consumidores e fornecedores, para que antes de uma atitude de confronto e conflito, sejam tomadas medidas de prevenção para que se evite prejuízo para ambas as partes.
Ressalta-se ainda que o objetivo do presente artigo é esclarecer que a má-fé de grandes empresas ocorrem diariamente e normalmente apenas aquele consumidor que não dorme, consegue reverter sua situação, apenas aquele que corre atrás do que lhe é de direito.
Em outras palavras, as relações de consumo previstas na Constituição Federal e no Código de Defesa do Consumidor são fundamentais, pois elas proporcionam proteção jurídica tanto aos consumidores, quanto aos fornecedores, sendo vedado que o consumidor sofra prejuízos com clausulas onerosas e que as empresas se beneficiem com essas práticas, vez que estas atingem a dignidade da pessoa humana ocasionando a falência do consumidor, este que é a parte vulnerável nesses tipos de contrato. Assim, se faz necessário uma aplicação legislativa mais rigorosa, para que o consumidor usufrua dos direitos que lhe são garantidos.
REFERÊNCIAS
AGUIAR DIAS, José de. Da Responsabilidade Civil. Vols. I e II. Rio de Janeiro: Forense, 1994.
Algumas perguntas e respostas sobre prevenção e tratamento do superendividamento dos consumidores pessoas físicas. Thomson Reuters Revista de Direito do Consumidor. Vol. 75/2010. p. 9-42. São Paulo, julho-setembro/2015.
ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2003.
ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor.4 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
BARLETTA, Fabiana. Estudo Comparativo da Revisão Contratual por Excessiva Onerosidade nos Direitos Brasileiro, Português e Italiano. In: MARTINS, Guilherme Magalhães. Temas de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 29-230.
BERTONCELLO, Karen Rick Danilevicz; LIMA, Clarissa Costa de. Superendividamento aplicado: aspectos doutrinários e experiência no poder judiciário. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2010.
BRASIL. Código de defesa do consumidor. Lei 8.078 de 11/09/90. Brasília, Diário Oficial da União, 1990.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002. PL 634/1975.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
Cf. BARONE, Francisco Marcelo; SADER, Emir. Acesso ao crédito no Brasil: evolução e perspectivas. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 42, n. 6, p. 1251, nov./dez. 2008.
Código Brasileiro de Direito do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 10ª Edição. Revista, atualizada e reformulada. Editora Forense, Rio de Janeiro, 2011, p. 570.
COMPARATO, Fábio Konder. A proteção do consumidor: importante capítulo do direito econômico, in Defesa do consumidor – textos básicos, 2. ed., Brasília: CNDC/MJ, 1988.
COSTA, Geraldo de Farias Martins da. Superendividamento: a proteção do consumidor de crédito em direito comparado brasileiro e francês. São Paulo: RT, 2002.
DENSA, Roberta. Direito do consumidor. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2011.
DICKERSON, Mechele. O superendividamento do consumidor: uma perspectiva a partir dos EUA no ano de 2007. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 80, out-dez /2011.
FILOMENO. José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas 2010.
FRANCO, Marielza Brandão. O superendividamento do consumidor: fenômeno social que merece regulamentação legal. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: RT, v. 74, p. 227-242, abr-jun/2010.
GAGLIANO, Pablo Stolze e FILHO, Pamplona Rodolfo. Novo curso de Direito Civil, Responsabilidade Civil, 10º Ed. Saraiva, 2012.
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor: Código Comentado e Jurisprudência. 4. ed. – Niterói, RJ: Impetus, 2008.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil 2 : esquematizado® : contratos em espécie, direito das coisas / Carlos Roberto Gonçalves. – 6. ed. –São Paulo: Saraiva Educação, 2018. (Coleção esquematizado® / coordenador Pedro Lenza). Pag. 239
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil, vol. 4. - 7º Ed. - Saraiva, 2012.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de defesa do consumidor. 8 ed. rev., ampl. E atual. Rio de Janeiro: Forense universitária, 2004.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9. ed. – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.
KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2006.
LOPES, José Reinaldo de Lima. “Crédito ao consumidor e superendividamento – uma problemática geral”. In Revista de Direito do Consumidor, vol. 17, p. 57-8).
LUCCA, Newton de. Direito do consumidor: Teoria geral da relação consumo. São Paulo: Quartier Latin, 2003.
MARQUES, Cláudia Lima. “Os contratos de crédito na legislação brasileira de proteção ao consumidor”. In Revista de Direito do Consumidor, vol. 17, p. 37.
MARQUES, Claudia Lima. Sugestões para uma Lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos tribunais, nº 55, p. 11-52, jul./set. 2005.
NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas. 2. Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
NUNES, Luis Antonio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor: com exercícios. 3. Ed. Ver e atual. São Paulo: Saraiva, 2008.
PASQUALOTTO, Adalberto, Revista de Direito do Consumidor, vol. 6, abril/junho, 1993, p.36.
RAMSAY, Ian. “Overindebtedness and the law”. In Ajuris, Edição Especial, anais do 4º Congresso Brasileiro de Direito do Consumidor, vol. 1, 1998, p. 192.
ROCHA, Silvio Luis Ferreira. Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto no Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
SOARES. Ardyllis Alves. Conclusões do relatório do banco mundial sobre o tratamento do superendividamento e insolvência da pessoa física – resumo e conclusões finais. Thomson Reuters Revista de Direito do Consumidor. Vol. 89/2013. p. 435-450. São Paulo. Setembro-outubro/2013.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: doutrina e jurisprudência. 7. ed. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
TOURAINE, Alan. Após a crise: a decomposição da vida social e o surgimento de atores não sociais. Petrópolis: Vozes, 2011. ABRÃO, Nelson. Direito Bancário. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
WALD, Arnoldo. Curso de Direito Civil: Introdução e Parte Geral. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, GABRYELLY ESTHEFANNY SANTOS DE. Os contratos de crédito com cláusulas abusivas que ferem o Código de Defesa do Consumidor ocasionando o superendividamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 dez 2020, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55804/os-contratos-de-crdito-com-clusulas-abusivas-que-ferem-o-cdigo-de-defesa-do-consumidor-ocasionando-o-superendividamento. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Mirela Reis Caldas
Por: Erick Labanca Garcia
Por: Erick Labanca Garcia
Precisa estar logado para fazer comentários.