LUIZ RODRIGUES ARAÚJO FILHO
(Orientador)[1]
RESUMO: O presente estudo busca analisar a viabilidade jurídica do protesto da certidão de dívida ativa. Com isso, pretende-se ressaltar a viabilidade jurídica do protesto da certidão de dívida ativa em cartório como sendo um mecanismo favorável ao descarregamento do sistema judiciário. O protesto extrajudicial tem como objetivo provar a mora do devedor, portador de uma obrigação contraída e não cumprida mesmo após o seu vencimento, e o compelir ao adimplemento da sua obrigação. No estudo, o método a utilizado foi fundamentado em referências bibliográficas, compreendendo análises doutrinárias: obras, artigos e demais textos jurídicos. No estudo se observou que o papel da Certidão de Dívida Ativa é certificar o assento regular nos registros da repartição fazendária de crédito vencido e não satisfeito, e, ao mesmo tempo instrumentalizar a Fazenda Pública para executar o sujeito passivo. Vencida e não satisfeita a prestação pecuniária definida no fato jurídico e cristalizada no documento que a representa, na Certidão de Dívida Ativa, e especificada o valor liberatório em moeda, devidamente quantificado anteriormente, considera-se esse título formado e apto a pleitear ao Poder Judiciário o deferimento da tutela executiva.
Palavras-Chave: Certidão de Dívida Ativa. Obrigação. Protesto.
ABSTRACT: This study seeks to analyze the legal viability of protesting the active debt certificate. With this, it is intended to emphasize the legal viability of protesting the certificate of active debt in a notary public as a favorable mechanism for the discharge of the judicial system. The extrajudicial protest aims to prove the default of the debtor, bearer of a contracted and unfulfilled obligation even after its maturity, and to compel him to fulfill his obligation. In the study, the method used was based on bibliographic references, comprising doctrinal analyzes: works, articles and other legal texts. In the study it was observed that the role of the Active Debt Certificate is to certify the regular seat in the records of the overdue and unsatisfied credit bureau, and, at the same time, instrumentalize the Public Treasury to execute the taxable person. The monetary benefit defined in the legal fact and crystallized in the document that represents it, in the Active Debt Certificate, has expired and is not satisfied, and the liberating value in currency has been specified, duly quantified previously, this title is considered formed and able to claim to the Judiciary the granting of executive protection.
Keywords: Active Debt Certificate. Obligation. Protest.
1. INTRODUÇÃO
O protesto extrajudicial é um ato formal e solene (possuindo, portanto, procedimento próprio) praticado por tabelião, agente delegado que exerce a atividade notarial e de registro em caráter privado, por delegação do Poder Público, com a finalidade de provar, e dar publicidade, a mora no cumprimento da obrigação assumida documentada em título de crédito ou outros documentos de dívida, constrangendo o devedor, por esse meio, a adimplir a sua obrigação.
Dessa forma, o protesto extrajudicial tem como objetivo provar a mora do devedor, portador de uma obrigação contraída e não cumprida mesmo após o seu vencimento, e o compelir ao adimplemento da sua obrigação. Assim, pretende-se verificar se o Fisco também poderia se utilizar do protesto para efetuar a cobrança de seus créditos formalizados em Certidão de Dívida Ativa.
Por isso é possível perceber que a alteração legislativa decorrente da Lei nº 12.767/2012 (que forçou um novo posicionamento do STJ) teve por finalidade tão somente fornecer ao Fisco mais um instrumento a fim de fortalecer e consolidar ainda mais seu poder arrecadatório (avassalador, por sinal), qual seja, o protesto da CDA, constrangendo o devedor a pagar o débito inscrito em dívida ativa, já que, conforme visto, a coação moral existe na medida em que o devedor deve realizar o depósito do valor devido a fim de elidir o protesto – o qual produz efeitos nefastos para o devedor como a redução de crédito que pode lhe comprometer ainda mais a sua capacidade financeira (MORAES, 2014).
A mudança na jurisprudência do STJ é um clarividente sinal da influência que o Fisco exerce sobre o Poder Legislativo, uma vez que após sucessivas derrotas no Poder Judiciário uma nova norma que atende exclusivamente aos interesses da Fazenda Pública entra em vigor, como no caso do protesto da CDA, com o fito exclusivo de modificar o entendimento do STJ para favorecer o Fisco.
Não se pretende fazer apologia ao descumprimento da obrigação de adimplir o crédito da Fazenda Pública inscrita em dívida ativa, mas sim defender o devedor contra os abusos do Fisco, o qual já possui inúmeras prerrogativas que desigualam a relação do devedor e Fazenda Pública. Cabe, portanto, ao devedor questionar judicialmente a legalidade/constitucionalidade da Lei nº 12.767/2012 em razão do vício no processo legislativo que lhe deu origem, matéria que ainda não foi devidamente apreciada pelos tribunais superiores, devendo o STJ se sensibilizar na defesa do Código Tributário Nacional e da Lei Complementar nº 95, de 1998, a fim de se evitar os reincidentes abusos praticados pela Fazenda Pública.
A propósito, historicamente, a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que instituiu o antigo Código de Processo Civil, dispõe no artigo 585, inciso VII, que a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondentes aos créditos inscritos na forma da lei, constitui título executivo extrajudicial.
2 PROTESTO E CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA
A Lei nº 9.429, de 10 de setembro de 1997, que define competência e regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida, conceitua o Protesto, em seu artigo 1º, como sendo ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. Segundo Carlos Henrique Abraão, o protesto é:
Típico ato formal e de natureza solene, destinado a servir de meio probatório na configuração do inadimplemento, reveste-se o protesto de qualidades próprias, as quais denotam o relacionamento com uma determinada obrigação sem a consequente responsabilidade a ela satisfeita (ABRAÃO, 2016, p. 54).
Por sua vez, João Roberto Parizzato leciona que:
O protesto de títulos se faz como medida probatória de falta de cumprimento de determinada obrigação firmada em título de crédito ou outros documentos de dívida, pressupondo-se que esse tenha vencido e não tenha sido pago pelo devedor, tratando-se de ato extrajudicial realizado pelo Tabelionato de Protestos, sem qualquer dependência do órgão judiciário (PARIZZATO, 2018, p. 2018).
Percebe-se, portanto, que o protesto extrajudicial é um ato formal e solene (possuindo, portanto, procedimento próprio) praticado por tabelião, agente delegado que exerce a atividade notarial e de registro em caráter privado, por delegação do Poder Público , com a finalidade de provar, e dar publicidade, a mora no cumprimento da obrigação assumida documentada em título de crédito ou outros documentos de dívida, constrangendo o devedor, por esse meio, a adimplir a sua obrigação.
Dessa forma, o protesto extrajudicial tem como objetivo provar a mora do devedor, portador de uma obrigação contraída e não cumprida mesmo após o seu vencimento, e o compelir ao adimplemento da sua obrigação. Assim, pretende-se verificar se o Fisco também poderia se utilizar do protesto para efetuar a cobrança de seus créditos formalizados em Certidão de Dívida Ativa (CARNEIRO, 2016).
A Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, que regula a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, conhecida como Lei de Execução Fiscal – LEF, dispõe, no seu art. 2º, que constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964 (MAMEDE, 2016) .
Por sua vez, a Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que regula normas gerais de Direito Financeiro, apresenta, no artigo 39, § 2º, a seguinte definição de dívida ativa:
Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais.
Assim, a lei faz a distinção da dívida ativa de natureza tributária e de natureza não-tributária, apresentando um rol exemplificativo de situações que geram receita para a Fazenda Pública e que podem ser inscritas em dívida ativa e cobradas judicialmente. Vale destacar que a Certidão de Dívida Ativa deverá conter as mesmas informações do Termo de Inscrição da Dívida Ativa e instruirá a petição inicial da Execução Fiscal , revelando-se, portanto, como verdadeiro título executivo extrajudicial (SANTOS, 2016).
A propósito, a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que instituiu o Código de Processo Civil, dispõe no artigo 585, inciso VII, que a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondentes aos créditos inscritos na forma da lei, constitui título executivo extrajudicial.
Sabe-se, portanto, que a Certidão de Dívida Ativa é título executivo extrajudicial, porém, não é recente a discussão sobre a possibilidade de se efetuar o protesto do referido título, o que será explanado adiante.
3 POSICIONAMENTO DO STJ ANTES DO ADVENTO DA LEI Nº 12.767/2012
O debate sobre a possibilidade de se levar a protesto a Certidão de Dívida Ativa tinha como cerne, até a edição da Lei nº 12.767, de 27 de dezembro de 2012, a desnecessidade da referida pretensão do Fisco haja vista o rito específico de criação e cobrança do crédito. Nesse sentido, vale a pena conferir o acórdão do Recurso Especial – REsp nº 287.824 – MG (2000/0119099-7), julgado em 20 de outubro de 2005, que teve como relator o Ministro Francisco Falcão.
O acórdão trata de REsp interposto pela Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais contra o acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais que recebeu a seguinte ementa:
FALÊNCIA -FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL -CDA -PROTESTO ESPECIAL -DESCABIMENTO. Não cabendo à Fazenda Pública requerer a falência do comerciante, impróprio o protesto especial da certidão de dívida ativa, previsto no art. 10 do Decreto-Lei n. 7.661/45.
Em síntese, a Fazenda Pública alegou a violação do art. 1º da Lei nº 9.492/97, uma vez que entende ter legitimidade para requerer a falência do comerciante contribuinte tributário e, via de consequência, possuir o direito de levar a protesto a certidão de dívida ativa.
Conforme já mencionado, o relator do acórdão foi o Ministro Francisco Falcão, o qual expôs de forma clara e concisa a tese de que não é possível o protesto de Certidão de Dívida Ativa por três razões principais:
a) Sendo a Certidão de Dívida Ativa produzida unilateralmente mediante a simples ausência de recolhimento da exação, sem qualquer manifestação do devedor (ao contrário dos títulos de crédito emitidos e não honrados pelo devedor), a sua criação já constitui o devedor em mora, uma vez que possui presunção de certeza e liquidez, nos termos do art. 204 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, conhecida como Código Tributário Nacional – CTN , tornando desnecessário o seu protesto, que tem por finalidade provar a mora do devedor;
b) A dívida ativa não está sujeita ao concurso falimentar, nos termos do art. 187 do CTN , revelando-se impróprio o requerimendo da Fazenda Pública no sentido de se decretar a falência do devedor;
c) O pedido de falência teria objetivo único de coagir o devedor a adimplir a sua obrigação mediante o depósito elisivo da falência, conforme art. 11, § 2º, do Decreto-Lei nº 7.661/45 (antiga Lei de Falências).
Assim, consoante as três razões acima expostas de forma concisa, negara-se provimento ao Resp interposto pela Fazenda Pública por unanimidade, tendo sido o relator acompanhado pelos votos dos Ministros Luiz Fux, Teori Albino Zavascki, Denise Arruda e José Delgado.
Assim, o Fisco não poderia levar a protesto a Certidão de Dívida Ativa, uma vez que esta já prova a mora do devedor em razão do gozo da presunção de certeza e liquidez, porque a mesma não está sujeita ao concurso falimentar e porque o pedido falimentar não pode ser utilizado como medida exclusiva para coagir o devedor a adimplir a sua obrigação (CARVALHO, 2018).
Acerca da indevida coação do devedor por meio do requerimento de falência postulado pelo Fisco, vale transcrever o seguinte excerto da obra do professor Rubens Requião, também citado no acórdão ora comentado:
De nossa parte, estranhamos o interesse que possa ter a Fazenda Pública no requerimento da falência do devedor por tributos. Segundo o Código Tributário Nacional os créditos ficais não estão sujeitos ao processo concursal, e a declaração da falência não obsta o ajuizamento do executivo fiscal, hoje de processamento comum. À Fazenda Pública falece, ao nosso entender, legítimo interesse econômico e moral para postular a declaração de falência de seu devedor. A ação pretendida pela Fazenda Pública tem, isso sim nítido sentido de coação moral, dadas as repercussões que um pedido de falência tem em relação às empresas solventes (REQUIÃO, 2010,p. 32).
O saudoso professor reforça a tese exposta pelo Ministro Relator Francisco Falcão na qual a Fazenda Pública não tem interesse no requerimento de falência do devedor e, por conseguinte, no protesto da Certidão de Dívida Ativa.
O STJ, após a memorável decisão ora discorrida, firmou o posicionamento de que se relevara desnecessário o protesto da certidão de dívida ativa. Nesse sentido, vale colacionar a ementa do acórdão no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1120673 – PR, julgado em 16 de dezembro de 2010, em que foi relator o Ministro Luiz Fux, o qual cita uma série de decisões que refletem o mesmo posicionamento formado pelo Ministro Francisco Falcão:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CDA. PROTESTO. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE INTERESSE MUNICIPAL. PRECEDENTES. 1. O protesto da CDA é desnecessário haja vista que, por força da dicção legal (CTN, art. 204), a dívida regularmente inscrita goza de presunção relativa de liquidez e certeza, com efeito de prova pré-constituída, a dispensar que por outros meios tenha a Administração de demonstrar a impontualidade e o inadimplemento do contribuinte. Precedentes: AgRg no Ag 1172684/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe de 03/09/2010; AgRg no Ag 936.606/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/05/2008, DJe de 04/06/2008; REsp 287824/MG, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/10/2005, DJU de 20/02/2006; REsp 1.093.601/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe de 15/12/2008. 2. Agravo regimental desprovido.
A matéria foi pacificada no sentido de ser descabida a pretensão do Fisco de se levar a protesto a Certidão de Dívida Ativa, no entanto, o STJ mudou o seu posicionamento com o advento da Lei nº 12.767/12.
4 POSICIONAMENTO DO STJ APÓS O ADVENTO DA LEI Nº 12.767/2012
A Fazenda Pública, após inúmeras derrotas no STJ, foi amplamente beneficiada com a entrada em vigor da Lei nº 12.767/2012, que regula extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a prestação temporária do serviço e sobre a intervenção para adequação do serviço público de energia elétrica. Isso porque a referida lei, embora trate de assunto diverso de protesto, incluiu, por meio de seu artigo 25, no rol de títulos sujeitos a protesto as certidões de dívidas ativas (ABRAÃO, 2018).
Dessa forma, a Lei Geral de Protestos passou a prever expressamente em seu artigo 1º que as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e da Administração Pública Indireta estão incluídas entre os títulos sujeitos a protesto (CENEVIVA, 2014).
Assim, segundo a citada alteração legislativa, embora a certidão de dívida ativa constitua prova pré-constituída da mora do devedor em razão do gozo da presunção de certeza e liquidez, o Fisco poderá levar a protesto as certidões de dívida ativa por expressa previsão legal, o que forçou uma mudança no posicionamento do STJ sobre o assunto.
Após a edição da Lei nº 12.767/12, no acórdão do REsp nº 1126515 –PR (2009/0042064-8), julgado em 03 de dezembro de 2013, o Fisco buscava reverter decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que lhe fora desfavorável ao negar o protesto de certidão de dívida ativa.
No referido REsp, o Ministro Herman Benjamim, relator, foi extremamente didático ao elaborar uma lista de argumentos desfavoráveis e favoráveis ao protesto de CDA. Nesse sentido, confira-se, no seguinte trecho do acórdão em que o citado ministro foi relator, os argumentos desfavoráveis ao protesto de CDA:
a) a ratio da Lei 9.492/1997 é regular o protesto para efeitos de direito privado;
b) as finalidades para as quais o instituto foi concebido (constituição do devedor em mora, prova de situação relevante na relação jurídica entre credor e devedor, etc.) constituem prerrogativas que a legislação (art. 204 do CTN) já prevê em favor dos créditos ficais, pois a CDA goza de presunção de liquidez e certeza; dessa forma, o protesto da CDA se revela desnecessário;
c) a cobrança dos créditos públicos encontra disciplina específica na Lei 6.830/1980, com aplicação subsidiária do CPC, no que não for incompatível;
d) os títulos de crédito surgem a partir da vontade do devedor (assinatura em cheque, nota promissória, letra de câmbio, etc.), o que não sucede com a CDA;
e) o interesse público primordial é de prosseguimento da atividade econômica do contribuinte, o que ficaria abalado caso permitido protesto, em razão das fortes restrições ao crédito, que dele decorrem;
f) os ônus morais e materiais do protesto demonstram que este não representa meio menos gravoso de cobrança do crédito fiscal;
g) é inadmissível a utilização de expedientes coercitivos (cobrança indireta) para obrigar o recolhimento da exação;
i) desproporcionalidade entre o motivo utilizado para justificar o protesto e os prejuízos por ele causados;
j) ausência de razoabilidade.
Logo após elencar diversos motivos desfavoráveis ao protesto de CDA, o Ministro Relator Herman Benjamin se posicionou favorável ao protesto de CDA e passou a tecer as seguintes considerações que, a seu ver, justificaram seu posicionamento, os quais ele denomina de “desconstrução de mitos”:
a) a Lei 9.42/197 não disciplina apenas o protesto de títulos cambiais, tampouco versa apenas sobre relações de Direito Privado. [...]
b) a natureza bifronte do protesto viabiliza sua utilização, inclusive para a CDA e as decisões judiciais condenatórias transitadas em julgado. [...]
c) a questão da participação do devedor na formação da dívida. [...] A inscrição em dívida ativa ou decorre de um lançamento de ofício, no qual são assegurados o contraditório e a ampla defesa (impugnação e recursos administrativos), ou de confissão de dívida pelo devedor. [...]
d) conformidade do protesto da CDA com o ‘I Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo.
O Ministro Herman Benjamin finaliza pontuando que os princípios do contraditório e da ampla defesa estão garantidos por meio do controle judicial da legalidade do protesto da CDA.
Além disso, o ministro ressalta que o protesto de CDA iguala o Fisco ao credor privado na recuperação de seu crédito, finalizando que a Lei nº 12.767/2012 tem escopo meramente interpretativo, para expressamente prever a possibilidade de protesto de CDA.
Dessa forma, o Ministro Relator Herman Benjamin explica que as razões expostas para se levar a protesto a certidão de dívida ativa são independentes da edição da Lei nº 12.767/2012, no entanto, deve-se ressaltar que a superação da antiga jurisprudência do STJ (impossibilidade de se levar a CDA a protesto) ocorreu logo após a sua entrada em vigor;
O debate foi novamente levado ao STJ, dessa vez por meio do AgRg no REsp 1450622/SP (2014/0091402-0), em que foi relator o Ministro Mauro Campbell Marques, o qual reafirmou o posicionamento do Ministro Herman Benjamin:
A Segunda Turma do STJ, no julgamento do REsp 1.126.515/PR, Relator Ministro Herman Benjamin, DJe 16/12/2013, reformou a sua jurisprudência, passando a admitir a possibilidade do protesto da CDA. Na ocasião ficou consolidado que dada ‘a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública’. Ademais, a ‘possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto.
Assim, é possível verificar que o STJ modificou o seu posicionamento após o advento da Lei nº 12.767/2012, muito embora os citados ministros, em suas decisões, afirmem que a referida alteração legislativa teve finalidade meramente explicativa e não criou novas regras, esclarecendo que seria possível segundo o ordenamento jurídico levar a CDA a protesto mesmo antes da edição da Lei nº 12.767/2012. Ainda assim, não se pode olvidar que a mudança de posicionamento do STJ coincide com a edição da citada lei.
Percebe-se, portanto, que, após a edição da Lei nº 12.767/2012, a tendência do STJ é a de acolher a tese da possibilidade de se efetuar o protesto de CDA.
Entretanto, a matéria ainda não se encontra pacificada, uma vez que há uma corrente que defende a tese de que a Lei nº 12.767/2012 possui uma inconstitucionalidade/ilegalidade no processo legislativo, uma vez que o seu artigo 25, que alterou a Lei nº 9.492/97, foi incluído em uma lei que regula matéria estranha ao protesto, decorrente da conversão da medida provisória nº 577/2012 (que deu origem à Lei nº 12.767/2012) que dispunha sobre “a extinção das concessões de serviço público de energia elétrica e a prestação temporária do serviço, sobre a intervenção para adequação do serviço público de energia elétrica, e dá outras providências” .
Nesse sentido, confira-se o seguinte trecho do acórdão da 14ª Câmara de Direito Público no Agravo de Instrumento nº 0003390-27.2013.8.26.0000, julgado em 12 de dezembro de 2013, em que foi relator o Sr. Desembargador Nuncio Theophilo Neto:
A inclusão de matéria estranha à tratada na medida provisória afronta o devido processo legislativo (arts. 59 e 62, da CF) e o princípio da separação dos Poderes (art. 2º, da CF), já que foram introduzidos elementos substancialmente novos e sem qualquer pertinência temática com aqueles tratados na medida provisória apresentada pelo Presidente da República, que detém, com exclusividade, competência para aferir o caráter de relevância e urgência das matérias que devem ser veiculados por esse meio. No que se refere à permissão para o protesto da CDA, a Lei n. 12.767 é fruto de emenda parlamentar que introduziu elementos substancialmente novos e sem qualquer pertinência temática com aqueles tratados na medida provisória apresentada pelo Presidente da República.
O Ilustre Desembargador completa afirmando que é permitido ao Poder Legislativo realizar emendas no âmbito das medidas provisórias, mas que deve ser guardada a afinidade de matérias, o que não ocorreu com a Lei nº 12.767/2012, conforme art. 7º da Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro 1998 ,completando ainda que:
O art. 7º, deixa claro os requisitos para formulação de todos os textos legais no país, devendo neles estar indicado "o objeto da lei e o respectivo âmbito de aplicação", sem embargo de que "cada lei tratará de um único objeto", bem como que "a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão.Sendo assim, é flagrante o vício da lei de conversão da Medida Provisória n. 57/2012, eis que também viola a Lei Complementar 95/98.
Ora, verifica-se, portanto, que o vício no processo legislativo levantado demonstra que, mesmo após a vigência do artigo 25 da Lei nº 12.767/2012 (cujo objetivo é beneficiar a Fazenda Pública possibilitando o protesto de certidão de dívida ativa), a matéria ainda não se tornou pacífica, cabendo, portanto, aos tribunais superiores enfrentarem o tema oportunamente.
Verifica-se que o artigo 25 da Lei nº 12.767/2012 modificou a natureza jurídica do protesto, uma vez que a finalidade deste é provar a mora do devedor e compeli-lo a adimplir a sua obrigação vencida e não cumprida. Isso porque a Certidão de Dívida Ativa já é prova pré-constituída da mora do devedor, uma vez que possui presunção de certeza e liquidez, inclusive sendo calculada com juros e correção monetária (VALDERENE, 2015)
Com isso é conferida a publicidade própria dos atos da Administração Pública. Além disso, a Certidão de Dívida Ativa é produzida unilateralmente e possui rito executivo próprio, não lhe sendo aplicável, portanto, as regras próprias do protesto (PARIZATO, 2014).
Tais motivos foram suficientes para que o STJ afastasse, em pr incípio, a possibilidade do protesto de Certidão de Dívida Ativa.Por isso é possível perceber que a alteração legislativa decorrente da Lei nº 12.767/2012 (que forçou um novo posicionamento do STJ) teve por finalidade tão somente fornecer ao Fisco mais um instrumento a fim de fortalecer e consolidar ainda mais seu poder arrecadatório (avassalador, por sinal)
Em outras linhas o protesto da CDA constrange o devedor a pagar o débito inscrito em dívida ativa, já que, conforme visto, a coação moral existe na medida em que o devedor deve realizar o depósito do valor devido a fim de elidir o protesto – o qual produz efeitos nefastos para o devedor como a redução de crédito que pode lhe comprometer ainda mais a sua capacidade financeira (SILVA, 2015).
A mudança na jurisprudência do STJ é um clarividente sinal da influência que o Fisco exerce sobre o Poder Legislativo, uma vez que após sucessivas derrotas no Poder Judiciário uma nova norma que atende exclusivamente aos interesses da Fazenda Pública entra em vigor, como no caso do protesto da CDA, com o fito exclusivo de modificar o entendimento do STJ para favorecer o Fisco.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em sede de conclusão, se verifica que a temática é tratada como de suma importância na atual situação econômica e política do Brasil. Protesto extrajudicial é aquele feito em Cartório de Protestos, ou seja, não é no Poder Judiciário. Ele é usado para demonstrar a falta (ou negativa) de aceite em título, ou ainda a falta de seu pagamento ou de sua restituição. Importante ressalva a ser feita é que, não se deve confundir o protesto judicial com o extrajudicial, sendo aquele mais amplo.
A propósito, historicamente, a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, que instituiu o antigo Código de Processo Civil, dispõe no artigo 585, inciso VII, que a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondentes aos créditos inscritos na forma da lei, constitui título executivo extrajudicial.
Sabe-se, portanto, que a Certidão de Dívida Ativa é título executivo extrajudicial, porém, não é recente a discussão sobre a possibilidade de se efetuar o protesto do referido título, o que será explanado adiante.
A Certidão de Dívida Ativa documenta um fato jurídico, onde está configurado um dever de pagar e de outro lado um dever de cobrar, pois o Estado não pode dispensar o crédito tributário ou não-tributário, somente a lei tem esse condão.
O papel da Certidão de Dívida Ativa é certificar o assento regular nos registros da repartição fazendária de crédito vencido e não satisfeito, e, ao mesmo tempo instrumentalizar a Fazenda Pública para executar o sujeito passivo. Este fato jurídico traz desde logo estampado a condição necessária para que a Administração exerça seu direito à ação executiva; é o título que a legitima e lhe confere o direito de agir contra o sujeito passivo.
Vencida e não satisfeita a prestação pecuniária definida no fato jurídico e cristalizada no documento que a representa, na Certidão de Dívida Ativa, e especificada o valor liberatório em moeda, devidamente quantificado anteriormente, considera-se esse título formado e apto a pleitear ao Poder Judiciário o deferimento da tutela executiva.
O artigo 25 da Lei nº 12.767/2012 modificou a natureza jurídica do protesto, uma vez que a finalidade deste é provar a mora do devedor e compeli-lo a adimplir a sua obrigação vencida e não cumprida. Isso porque a Certidão de Dívida Ativa já é prova pré-constituída da mora do devedor, uma vez que possui presunção de certeza e liquidez, inclusive sendo calculada com juros e correção monetária, conferindo-lhe a publicidade própria dos atos da Administração Pública. Além disso, a Certidão de Dívida Ativa é produzida unilateralmente e possui rito executivo próprio, não lhe sendo aplicável, portanto, as regras próprias do protesto.
Tais motivos foram suficientes para que o STJ afastasse, em princípio, a possibilidade do protesto de Certidão de Dívida Ativa. Vencida e não satisfeita a prestação pecuniária definida no fato jurídico e cristalizada no documento que a representa, na Certidão de Dívida Ativa, e especificada o valor liberatório em moeda, devidamente quantificado anteriormente, considera-se esse título formado e apto a pleitear ao Poder Judiciário o deferimento da tutela executiva.
REFERÊNCIAS
ABRÃO, Carlos Henrique. Do protesto. São Paulo:Livraria e Editora Universitária de Direito, 2016.
CARNEIRO, Claudio. Processo Tributário:Administrativo e Judicial.4. ed.São Paulo: Saraiva, 2016.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário.27. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e dos registradores comentada: (lei n. 8.935/94). 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
MAMEDE, Gladston. Direito empresarial brasileiro: títulos de crédito.São Paulo: Atlas, 2016.
MORAES, Emanoel Macabu.Protesto notarial: títulos de crédito e documentos de dívida. São Paulo: Saraiva, 2014
PARIZATTO, João Roberto. Protesto de títulos de crédito – Lei n. 9.492, de 10-09-97. 2. Ed. Ouro Fino: Edipa, 2018.
PARIZATTO, João Roberto. Manual de prática de contratos. São Paulo: Editora Parizatto, 2014
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Falimentar. Saraiva, 2010.
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp 1.093.601/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/11/2008, DJe de 15/12/2008
Valdere, Trajano de Miranda. Comentários à Lei de Falências. Ed. Revista Forense. 2015.
[1] Professor de Direito da Faculdade Serra do Carmo - FASEC. Possui Graduação em Direito pela Fundação Universidade Federal do Tocantins (2005), Especialização em Direito Constitucional pela Fundação Universidade do Tocantins (2007), Especialização em Direito Tributário pela Fundação Universidade do Tocantins (2009) e Mestrado em Direito Tributário pela Universidade Católica de Brasília (2013). Atualmente é Auditor Fiscal da Receita Estadual do Estado do Tocantins.
Bacharelando do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Marcelo Azevedo. A viabilidade jurídica do protesto da certidão de dívida ativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2020, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55824/a-viabilidade-jurdica-do-protesto-da-certido-de-dvida-ativa. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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