KARINE ALVES GONÇALVES MOTA[1]
(orientadora)
RESUMO: A presente pesquisa se propõe a uma breve análise do quadro no município de Palmas-TO, reconhecendo a necessidade de regularização fundiária na zona urbana, diante da irregularidade de parte dos imóveis localizados dentro daquele perímetro urbano. Vale ressaltar que por ser um estado novo e consequentemente o município também, tudo que se relaciona com a regularização fundiária de interesse social ainda é muito incipiente, carecendo de estudos aprofundados sobre tema. O objetivo geral da presente pesquisa foi, portanto, analisar a regularização fundiária urbana de interesse social no direito brasileiro, especialmente em Palmas-TO. A construção desse trabalho se deu com base em pesquisa bibliográfica, direcionada para análise de diversos autores que tratam do tema, bem como, da legislação existente, artigos em periódicos impressos e via rede mundial de computadores. Com o advento da Lei nº 13.465/17, e a importância que esta lei deu à regulamentação da mediação como meio hábil para solução de conflitos fundiários urbanos, foi possível, em meados de outubro de 2019, que o Município de Palmas-TO se tornasse o 17º município a aderir ao termo de cooperação com o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, para a promoção da regularização fundiária urbana, sendo este um grande passo na resolução da problemática das ocupações irregulares em Palmas-TO, contribuindo para a materialização do direito à moradia, tendo no Loteamento Jardim Canaã um exemplo de um setor que tem passado pelos trâmites de regularização fundiária urbana a partir da adesão ao termo de cooperação citado.
PALAVRAS-CHAVE: Direito à Moradia; Regularização Fundiária; Zona Urbana de Palmas-TO.
ABSTRACT: This research proposes a brief analysis of the situation in the city of Palmas-TO, recognizing the need for land tenure regularization in the urban area, given the irregularity of part of the properties located within that urban perimeter. It is worth mentioning that because it is a new state and consequently also the municipality, everything related to the land regularization of social interest is still very incipient, requiring in-depth studies on the topic. The general objective of the present research was, therefore, to analyze urban land regularization of social interest in Brazilian law, especially in Palmas-TO. The construction of this work was based on bibliographic research, directed to the analysis of several authors dealing with the theme, as well as, from the existing legislation, articles in printed journals and via the world wide web. With the advent of Law No. 13,465 / 17, and the importance that this law gave to the regulation of mediation as a skillful means for solving urban land conflicts, it was possible, in mid-October 2019, that the Municipality of Palmas-TO became the 17th municipality to adhere to the cooperation agreement with the Tocantins State Court of Justice, to promote urban land regularization, which is a major step in solving the problem of irregular occupations in Palmas-TO, contributing to the materialization of the law housing, with the Jardim Canaã allotment an example of a sector that has gone through the process of urban land regularization since adherence to the aforementioned cooperation term.
KEYWORDS: Right to Housing; Land regularization; Urban area of Palmas-TO.
1 INTRODUÇÃO
A propriedade privada tem seu surgimento em tempos bem remotos, desde que a sociedade tornou-se agrícola e estabeleceu-se de forma fixa em determinadas terras, o que, consequentemente, iniciou o processo demarcatório com cercas e limites. Assim, foi se estabelecendo um sentimento natural de posse no seio dessas comunidades. Daí que nasce a propriedade privada, como sendo resultante da declaração daqueles que primeiro se manifestavam neste sentido, dando origem a um direito absoluto da propriedade.
Com o tempo esse direito foi sendo mitigado, até que, já nos dias atuais, percebe-se que a legislação tem demandado um respeito à função social da propriedade, ou seja, o dono de uma propriedade imóvel deve obedecer critérios especificados por lei, com o objetivo que esta atenda as expectativas de cunho social e ambiental.
Verdadeira celeuma surge com os diversos casos de propriedades privadas ou públicas, rurais ou urbanas, estas últimas objeto de estudo da presente pesquisa, as quais deixam de cumprir sua função social, mas que passam a ser ocupadas irregularmente, evidenciando a possibilidade de se regularizar sua situação.
Com isso, o tema da presente pesquisa foi escolhido em razão da contribuição que o estudo do Direito pode oferecer para a sociedade, sobretudo esclarecendo sobre o direito à moradia, visto que Palmas-TO é um município que possui diversas áreas urbanas irregularmente ocupadas, passíveis de regularização fundiária. É, portanto, um tema de interesse acadêmico e social.
O objetivo geral da presente pesquisa foi, portanto, analisar a regularização fundiária urbana de interesse social no direito brasileiro, especialmente em Palmas-TO.
Visando alcançar o objetivo geral proposto, utilizaram-se objetivos específicos, quais sejam: a) identificar e caracterizar os instrumentos legais para a regularização fundiária urbana de interesse social, com base na legislação brasileira; b) abordar a regularização fundiária, com foco na Lei nº 13.465/17; c) analisar a problemática enfrentada pelo município de Palmas-TO para regularização fundiária e os resultados de sua implementação.
Nesse sentido, a presente pesquisa se propôs a uma breve análise do quadro no município de Palmas-TO, reconhecendo a necessidade de regularização fundiária na zona urbana, diante da irregularidade da maioria dos imóveis localizados dentro daquele perímetro urbano. Vale ressaltar que por ser um estado novo e consequentemente o município também, tudo que se relaciona com a regularização fundiária de interesse social ainda é muito incipiente, carecendo de estudos aprofundados sobre tema.
O trabalho foi desenvolvido com base em pesquisa bibliográfica, direcionada para análise de diversos autores que tratam do tema, bem como, da legislação existente, artigos em periódicos impressos e via rede mundial de computadores.
A pesquisa bibliográfica conforme explica Apolinário (2012), é aquela cuja base de dados corresponde a dados já coletados e publicados, em estudo publicado anteriormente. Nesse interim, os pesquisadores têm um contato por meio da leitura, com o que foi publicado por esses autores, não apenas repetindo falas, mas produzindo um novo pensar no que já foi dito e escrito, promovendo novas conclusões.
Assim, os procedimentos utilizados englobam a pesquisa bibliográfica de livros como obras jurídicas, artigos e pesquisas disponibilizadas na internet, visando conhecer os aspectos mais relevantes da regularização fundiária urbana de interesse social no direito brasileiro, em especial em Palmas-TO, analisando e extraindo conclusões sobre o tema, com vistas a construir conhecimento.
2 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
A compreensão acerca do surgimento das ocupações irregulares e a necessária regularização fundiária passa pelo estudo de elementos que englobam essa discussão, e sua evolução no ordenamento jurídico brasileiro.
De início, mostra-se viável apontar os fundamentos e o direito de propriedade, bem como as noções gerais sobre o instituto da regularização fundiária, o que se pretende fazer progressivamente nos próximos tópicos.
2.1. FUNDAMENTOS E DIREITO DE PROPRIEDADE
Ao se mencionar o termo propriedade, certamente se faz uma correlação de tal palavra com a existência de um direito, isto é, o poder que uma pessoa detém sobre determinado bem. No entanto, tanto o conceito como a compreensão moderna que se tem acerca do direito de propriedade tem grande influência da organização política (VENOSA, 2003).
O conceito de propriedade foi bastante modificado a ponto de perder muito do que significava, tendo deixado de ser um elemento primordial na proteção da subsistência individual e do poder de autodeterminação tido como fator básico da ordem social (MENDES, 2009).
Neste sentido, Rizzardo esclarece que:
Desenvolveram-se várias teorias acerca do próprio conceito de propriedade, sendo algumas decorrentes das definições constantes nos Códigos Civis que primeiro apareceram e que ainda vigem, como o francês, onde prepondera uma autonomia absoluta da propriedade: o direito de gozar e dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que delas não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos (RIZZARDO, 2011, p. 167).
Desta maneira, a propriedade não mais é vista como um direito absoluto, mas como um instrumento para a busca do bem-estar comum, fixando direitos e obrigações ao proprietário para o fim de melhor usufruir de seu uso (PETERS, 2008).
2.1.1. Direito de propriedade
Com o objetivo de se compreender melhor o direito à propriedade, cabe mencionar que este se trata de uma garantia prevista na Constituição Federal de 1988, mais especificamente em seu art. 5º, inciso XXII, veja-se:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXII - É garantido o direito de propriedade;
O direito à propriedade abarca uma série de poderes, deveres e funções ao proprietário da coisa, sendo que este possui benefícios e prerrogativas sobre a propriedade, o que significa dizer que este é que tem o direito de uso, gozo e disposição da coisa, e que pode direcionar a finalidade a ser aplicada a esta propriedade sem deixar de respeitar o interesse público ou até mesmo privado, visando atender a princípios do bem comum.
O art. 1.228 do Código Civil Brasileiro dispõe acerca de alguns poderes que pertencem a quem possui tal propriedade, não se limitando a abaixo mencionados:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.
O Estado tem implementado medidas que buscam restringir o direito à propriedade, buscando dar uma preferência à supremacia do interesse público, a ponto de princípios gerais de direito, como o da igualdade das propriedades e o da repressão ao abuso do direito, serem aplicados de forma tão ampla, que o domínio passou a encontrar neles restrições cada vez mais intransponíveis, enfraquecendo o direito à propriedade e consolidando a política de intervenção do Estado (DINIZ, 2002).
É notório que a interpretação pura e literal da legislação que ampara a propriedade tem sido moldada ao passar do tempo, mas no mesmo sentido e para enfatizar de uma maneira ainda mais esclarecedora, explica René Savatier:
O proprietário não é mais o único homem tendo direitos absolutos sobre seu bem, com poderes de destruí-lo e de deixá-lo inativo. Há hoje na maior parte dos países, e notadamente na França, uma serie de leis que obrigam o proprietário a consagrar a sua propriedade ao interesse geral; que lhe impedem de destruí-la em certos casos; ou mesmo de modificá-la; que o proíbem, muitas vezes, de vendê-la e dispor dela livremente; que o obrigam a torná-la útil; que o tornam, enfim, responsável pelos danos causados por seus bens. O proprietário aparece, assim, mesmo tanto quanto o individuo no interior do direito civil, como encarregado de um serviço público (SAVATIER apud LEITE, 2001, p. 75).
Assim sendo, resta claro que o direito a propriedade só se mantém firme e inalterado, quando a propriedade individual respeita as normas regentes da matéria e sua propriedade sirva aos interesses sociais.
2.1.2. Instituto da posse
Após compreender brevemente o instituto da propriedade, torna-se imperioso para o presente estudo abordar a posse. Autores, como por exemplo Flávio Tartuce, já relatam inicialmente que esta é uma difícil tarefa, tendo em vista a existência de diversos pontos controvertidos. Também por essa razão, não se pretende um estudo aprofundado sobre este tópico, mas uma apresentação geral sobre o instituto, a fim de subsidiar as discussões feitas posteriormente.
No afã de conceituar o instituto da posse, elencando-a como categoria jurídica, desenvolveram-se algumas teorias. Dentre estas, viável se faz apresentar a subjetiva e a objetiva da posse. Esta defendida por Rudolf von Ihering e a primeira professada por Friedrich Karl Von Savigny (TARTUCE, 2018a).
Para Savigny, a posse se evidencia como o poder de dispor fisicamente da coisa, objetivando tê-la para si e protegê-la contra eventual intervenção ou agressão de terceiro. Por esta teoria, a posse é formada por dois elementos: corpus, elemento objetivo, que significa o poder físico ou de disponibilidade da coisa, e o animus domini, elemento subjetivo, que representa a vontade de exercer poder sobre a coisa, operando sobre ela o direito de propriedade (TARTUCE, 2018a).
Ao seu turno, Rudolf Von Ihering apresenta sua teoria como aquela que vislumbra a posse apenas pelo seu elemento objetivo, corpus, caracterizando este pela retenção física do bem ou a aparência de dono que possibilita ter contato com a coisa. Por esta teoria, o elemento intencional situa-se no interior do elemento corpus. No entanto, não se refere ao ânimo de ser dono, mas sim o de se aproveitar economicamente da coisa (TARTUCE, 2018a).
Ademais, a adoção das teorias objetivista e subjetivista. Merece destaque, a abordagem da teoria sociológica da posse, teoria defendida pelos doutrinadores Silvio Perozzi, Raymond Saleilles e Antonio Hernandez Gil. Para esta corrente teórica, a posse não provém de uma relação de apropriação jurídica, mas de uma apropriação econômica:
Segundo Saleilles, o corpus – e nesse ponto desenvolveu a ideia de Pininski que entendia ser a posse, não como pretendera Ihering, a exteriorização do exercício do direito de propriedade, mas, sim, a exteriorização da utilização econômica da coisa – se conceitua como o conjunto de fatos que revelam, entre aquele a quem eles se ligam e a coisa que eles têm por objeto, uma relação durável de apropriação econômica, uma relação de exploração da coisa a serviço do indivíduo (ALVES, 1997, p. 211).
A partir do acima exposto, entende-se que a teoria sociológica da posse não a define apenas por ser a conduta de dono, nem por ter alguém o bem sob sua detenção, nem tampouco por ter alguém a vontade de tê-lo como seu, mas se traduz sobretudo na utilização da coisa visando obter proveito econômico, e sendo este fato de conhecimento da sociedade e de uso adequado à sua função social.
Considerando tal teoria, Flávio Tartuce (2018a), faz menção a preceitos previstos na Constituição Federal para entender como mais correto afirmar que, o Código Civil de 2002 não é uma aplicação pura e simples das teorias de Ihering e Savigny, mas aproxima-se mais da tese da posse social, defendida por Perozzi, Saleilles e Gil.
Neste sentido, os fundamentos dão suporte à posse devem advir de valores sociais já previstos na própria Constituição Federal, fomentando verdadeiro elo com os direitos fundamentais. A posse no ordenamento jurídico brasileiro deve ser vista como instrumento hábil para proteger a dignidade da pessoa humana e o direito à moradia, ante a realidade social marcada pela pobreza e miséria.
2.1.3. Função social da propriedade
Segundo ensinamentos de Marques (2012, p. 35) foi Aristóteles, o grande filósofo grego, quem inicialmente manifestou-se acerca da questão da função social, afirmando que aos bens da vida devem ser dados destino social, o que tornava necessária a apropriação pessoal. Ele foi seguido por Santo Tómas de Aquino, que advogada no sentido de que o homem tinha o direito natural de adquirir bens materiais, mas que esse direito não se sobrepunha ao bem comum.
Cumpre registrar que a terminologia função social surgiu de uma derivação do latim, correspondente ao ato de proceder a um dever ou atividade, prescrito por um determinado ordenamento jurídico. Apresenta-se como um direito subjetivo, ou seja, o indivíduo tem a opção de exercer o poder concedido pelo ordenamento a fim de atender seu interesse pessoal (FARIAS e ROSENVALD, 2011).
A propriedade existe em função do homem, assim sendo, não pode ser sujeito de direitos e deveres, portanto, o instituto da função social recai sobre o dono, ou seja, o dever é atribuído a quem a propriedade serve (ERENBERG, 2008).
A Constituição Federal de 1988 aborda o assunto no artigo 5º, na parte dos direitos fundamentais assegurados à população:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social.
Em seguida, o tema é tratado no título da ordem econômica e financeira (art. 170):
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[…]
III - função social da propriedade.
Por último, existe disposição legal no art. 182 da Constituição Federal de 1988, no título da política urbana:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.
§ 1º O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
Além da Constituição Federal de 1988, o ordenamento jurídico brasileiro possui outros mecanismos legais para fazer cumprir a função social da propriedade, dentre os quais podem ser citados o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), Lei Federal nº 13.465/2017 (que regulamenta, entre outras, a questão fundiária rural e urbana) e o Decreto Federal nº 9.310/2018, que institui as normas gerais e os procedimentos aplicáveis à Regularização Fundiária Urbana.
Tendo em vista não ser o foco do presente estudo uma abordagem aprofundada acerca do procedimento para a Regularização Fundiária Urbana com base no Decreto Federal nº 9.310/2018, este instituto legal deixa de ser mencionado de forma pormenorizada, o que não exclui sua importância e recomenda, inclusive, estudos direcionados no futuro.
2.1.4. Direito à moradia
O direito à moradia só veio a ser consagrado na legislação pátria por volta do ano 2000, por meio da Emenda Constitucional nº 26. Evidentemente que antes do advento dessa emenda o direito à moradia poderia ser reconhecido com base em outros mandamentos constitucionais, como a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais (art. 3º, III), direito à saúde, segurança e assistência aos desamparados (art. 6º), o que não tira a importância de se estabelecer esse marco constitucional (FERRAZ, 2003).
A Emenda Constitucional nº 26, apesar de importante, não foi capaz de reduzir a dificuldade prática de se efetivar esse direito social. Uma das razões para isso é o fato de tal direito apresentar um conteúdo incerto, por vezes considerado amplo e em outras restrito, dando margem a uma série de modulações a depender da interpretação dada. Por exemplo, Nascimento (2013) cita a existência de acórdãos do Supremo Tribunal Federal que usam o mesmo direito à moradia, ora para fundamentar decisão que obriga determinado Município a retirar população que está instalada em área de risco, identificando que a situação de risco afronta o direito à moradia, ora confirma a inalienabilidade de bens de família.
Não obstante é a regularização fundiária um instrumento normativo que tem o condão de, na prática, realizar o direito à moradia, sendo mecanismo viável e eficaz quando implementado, sobretudo no que se refere à sua execução na área urbana.
2.2 NOÇÕES GERAIS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
De início, é relevante destacar que a regularização das ocupações informais é uma atividade que envolve dificuldades as quais são reduzidas com o apoio de uma política nacional de que envolve a ação dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como a atuação da sociedade civil, permitindo que grupos segregados tenham seus direitos fundamentais, como a moradia, viabilizados (GONÇALVES, 2013).
A regularização fundiária se relaciona com as condições de uso de um determinado espaço, em que são confrontados os direitos e propriedade e posse do local. Ela é definida como: “o processo de verificação da situação da propriedade e posse de áreas urbanas ou rurais, públicas ou privadas que se formaram em desacordo com as normas legais que regulam a matéria” (CBDU, 2009, p. 30). Por outra ótica, a regularização fundiária tem por finalidade transformar as ocupações irregulares em domínio e posse legítimas.
Necessário esclarecer que, em geral, as ocupações irregulares são povoadas por pessoas de baixa renda que, embora tenham feito suas moradias nestas áreas, acabaram por dar uma função social a uma propriedade que até então não tinha utilidade qualquer. Essa posse, portanto, é passível de ser reconhecida e legitimada, sobretudo diante do decurso do tempo, sendo uma obrigação do Estado agir positivamente na criação de meios eficazes para colocar em prática o direito à moradia (GASPERIN, 2014).
Nessa perspectiva, na tentativa de concretizar o direito fundamental à moradia, diversas normas foram elaborados ao longo dos anos com intuito de regularizar as áreas ocupadas irregularmente.
Dentre estas leis, destaca-se a Lei Federal n° 10.257/2001, o Estatuto das Cidades, que trata da ordem urbanística e disciplinou os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, que abordam a temática da política urbana por meio de normas que regram o uso da propriedade urbana em benefício do bem coletivo, da segurança, do bem-estar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental (BRANCO, 2017).
Outra norma que se pode citar e que também contribuiu com a busca pela efetividade do direito à moradia foi a Lei nº 11.977/2009, que instituiu o programa do Governo Federal Minha Casa Minha Vida e regulamentou, também, a regularização fundiária urbana, tratando no seu artigo 59 do instituto da legitimação da posse direta para fins de moradia através do registro no cartório de imóveis.
3. LEI Nº 13.465/2017: UM NOVO MARCO LEGAL
3.1 NOVO PARADIGMA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
A Lei nº 13.465/2017 foi inserida no contexto normativo brasileiro como mais uma lei a regulamentar a regularização fundiária urbana. Se originou da conversão da Medida Provisória nº 759/2016. É oportuno mencionar que desde a aprovação da MP, e sua conversão, discussões acerca de sua constitucionalidade surgiram, tanto que é objeto de três ações diretas de inconstitucionalidade (ADI nº 5.771, ADI nº 5.787 e ADI nº 5.883) (TARTUCE, 2018b).
Em resumo, a ampla maioria dos argumentos utilizados que buscam reconhecer a inconstitucionalidade se baseiam na inexistência de urgência que justifique a edição da MP, isso porque remonta ao período colonial os problemas referentes à regularização fundiária, não sendo razoável que só agora, tais problemas sejam compreendidos como de tamanha urgência a ponto de justificar o uso do instrumento excepcional e urgente que é a medida provisória (TARTUCE, 2018b).
Além do mais, essa medida modificou diversos outros diplomas legais, o que evidenciaria a perda da finalidade de uma medida provisória, e teria resultado em um cenário de insegurança jurídica e de dificuldade na aplicação da regularização fundiária nos municípios (TARTUCE, 2018b).
Não sendo o foco da presente pesquisa o esmiuçamento de tais ações, passa-se a analisar os novos conceitos apresentados pela legislação, bem como os seus objetivos capazes de efetivar o direito à moradia adequada.
3.2 NOVOS CONCEITOS E OBJETIVOS APRESENTADOS PELA LEI Nº 13.465/17
Inicialmente ressalta-se que a Lei nº 13.465/17 foi sancionada com a finalidade de dar efetivação à titulação de ocupações, bem como inserir os núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano. Para isso, atualizou o conceito de Regularização Fundiária Urbana (REURB), como sendo o conjunto “de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais destinadas à incorporação dos núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano e à titulação de seus ocupantes” (BRASIL, 2017, online).
De tal sorte, esta lei não se limita à titulação, conforme a proposta de Hernando De Soto, que entendia como suficiente que fossem legalizadas as ocupações por meio de títulos de propriedade individual plena como meio de garantir a segurança da posse, além de contribuir com a economia e combater a pobreza (SOUZA; ARAÚJO, 2014).
Entretanto, a mencionada lei fez mais, ao prever no seu art. 9º que a concessão da titulação é apenas uma fase no alcance da moradia adequada, devendo ser aplicada conjuntamente à implementação de infraestrutura urbana e adequações ambientais (PACHECO, 2018).
Desta maneira, a regularização fundiária não dirige-se apenas instituir a segurança da posse, mas a construir um aparato social através de melhoria de serviços públicos, intervenções urbanísticas planejadas e políticas voltadas ao âmbito socioeconômico. Isso fica claro no artigo 10 da lei, onde estão elencados uma série de objetivos, os quais possuem caráter de observância obrigatória por todas as esferas do Estado:
Art. 10. Constituem objetivos da Reurb, a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios:
I - identificar os núcleos urbanos informais que devam ser regularizados, organizá-los e assegurar a prestação de serviços públicos aos seus ocupantes, de modo a melhorar as condições urbanísticas e ambientais em relação à situação de ocupação informal anterior;
II - criar unidades imobiliárias compatíveis com o ordenamento territorial urbano e constituir sobre elas direitos reais em favor dos seus ocupantes;
III - ampliar o acesso à terra urbanizada pela população de baixa renda, de modo a priorizar a permanência dos ocupantes nos próprios núcleos urbanos informais regularizados;
IV - promover a integração social e a geração de emprego e renda;
V - estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade;
VI - garantir o direito social à moradia digna e às condições de vida adequadas;
VII - garantir a efetivação da função social da propriedade;
VIII - ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes;
IX - concretizar o princípio constitucional da eficiência na ocupação e no uso do solo;
X - prevenir e desestimular a formação de novos núcleos urbanos informais;
XI - conceder direitos reais, preferencialmente em nome da mulher;
XII - franquear participação dos interessados nas etapas do processo de regularização fundiária (BRASIL, 2017, online)
A nova lei também constou a identificação do núcleo urbano como objeto da regularização fundiária, definindo-o como:
assentamento humano, com uso e características urbanas, constituído por unidades imobiliárias de área inferior à fração mínima de parcelamento prevista na Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972, independentemente da propriedade do solo, ainda que situado em área qualificada ou inscrita como rural (BRASIL, 2017, online).
Nesse sentido, a Lei nº 13.465/2017 buscou solucionar problemas vinculados aos parcelamentos ilegais e clandestinos, ocupações desordenadas e espontâneas e toda ocupação que não possuía a devida titulação registral, abarcando também os núcleos urbanos informais na zona rural, sendo esta uma inovação da lei que passou a trazer como elementar do conceito de núcleo urbano, o uso e a destinação da área, tendo como consequência a ampliação de imóveis objeto da regularização fundiária, passando a abranger também os imóveis rurais passíveis de regularização fundiária.
Nesse diapasão, a lei possui como um dos seus escopos a regularização dos núcleos urbanos informais, os quais são categorizados em informais lato sensu e informais consolidados, sendo assim conceituados:
II - núcleo urbano informal: aquele clandestino, irregular ou no qual não foi possível realizar, por qualquer modo, a titulação de seus ocupantes, ainda que atendida a legislação vigente à época de sua implantação ou regularização;
III - núcleo urbano informal consolidado: aquele de difícil reversão, considerados o tempo da ocupação, a natureza das edificações, a localização das vias de circulação e a presença de equipamentos públicos, entre outras circunstâncias a serem avaliadas pelo Município (BRASIL, 2017, online);
Assim, a lei permite a Regularização dos Núcleos Urbanos Informais através da titulação de seus ocupantes, efetivando a garantia do direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tendo como instrumento para tal, conforme artigo 13 da referida lei a Reurb-Social e Reurb-Específico:
Art. 13. A Reurb compreende duas modalidades:
I - Reurb de Interesse Social (Reurb-S) - regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal; e
II - Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) - regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese de que trata o inciso I deste artigo (BRASIL, 2017, online).
É interessante mencionar que na modalidade Social são previstas isenções de custas e emolumentos, facilitando o acesso à regularização fundiária para aqueles que não tem recursos financeiros para tal.
Nesse cenário, a Reurb surgiu no ordenamento jurídico com o intento de aumentar os mecanismos disponíveis ao Poder Público que tem como pressuposto à garantia do direito à moradia de forma adequada, diversos instrumentos, dos quais se pode citar o usucapião, a concessão de direito real de uso, a desapropriação por interesse social, a legitimação fundiária, a legitimação de posse, dentre outros.
4. A PROBLEMÁTICA ENFRENTADA PELO MUNICÍPIO DE PALMAS-TO PARA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA URBANA DE INTERESSE SOCIAL
4.1 ANTECEDENTES PARA A OCUPAÇÃO IRREGULAR EM PALMAS-TO
Das unidades federativas brasileiras, o estado do Tocantins é o mais novo, tendo sido criado em 1988 com a promulgação da Constituição Federal, após ser desmembrado do estado de Goiás. Sua capital, a cidade de Palmas é a mais nova cidade do território brasileiro, tendo sua pedra fundamental sido inaugurada em 20 de maio de 1989, “planejada” assim como Goiânia (1933) e Brasília (1960).
Conforme Silva (2010, p. 15), “Palmas, figura como um caso de transição entre a modernidade e a pós-modernidade e nos permite pensar os desdobramentos da implantação da cidade projetada no Brasil”.
Além de ser a mais nova cidade do Brasil, é também uma nova concepção regional de análise geográfica, geopolítica, sócio-econômica, urbana e ecológica. (LIRA, 2011).
Em uma pesquisa feita anteriormente, Lira (2003) destaca que o processo de construção de Palmas-TO pode ser analisado, conforme discurso da mídia regional/nacionalizada, como um novo Eldorado que se ergue no Portal da Amazônia:
A construção de Palmas vem se transformando em um dos projetos mais audaciosos na Amazônia Legal, nesse final de século. Tendo em vista que, depois da construção da UHE de Tucuruí de implantação do Projeto Grande Carajás no Estado do Pará, não se tem notícia de nenhum projeto de “importância” geopolítica, e da “importância” geoeconômica de Palmas. Sob a égide do neoliberalismo, Palmas surge no discurso da mídia regional/nacionalizada, como um novo Eldorado que se ergue no Portal da Amazônia. (LIRA, 2003 p.75).
Carvalhêdo (2009) acompanha as palavras de Lira afirmando ainda que os migrantes, moradores e loteamentos à margem da capital, principalmente caracterizados pela autoconstrução em condições de salubridade e mobilidade precárias, imaginaram Palmas como um Novo Eldorado que se ergue no Portal da Amazônia.
Santos (2010, p. 60), por sua vez, ao abordar a urbanização latina adverte que na “América Latina, onde em toda parte o termo colonização foi sinônimo de modernização e da urbanização, o primeiro impacto do sistema mundial foi acompanhado de uma tendência à organização ou reorganização do espaço”.
Desta maneira, Palmas se apresenta como novidade no contexto Latino Americano, mas no Brasil assume uma característica de velho/novo modelo de cidade. Velho em se tratando de planejamento administrativo, e novo na concepção de ter sido construída por capital “privado” e por ser também a mais nova fronteira do capital urbano no espaço brasileiro (LIRA 2011, p. 180; REIS, 2011, p. 88).
Silva (2010) contribui com a compreensão acerca do estabelecimento de Palmas como nova cidade: “Palmas apresenta uma estrutura totalmente diversa do que já foi compreendido como cidade moderna e planejada, chega mesmo a se discutir se ela foi de fato planejada ou simplesmente projetada”.
Nesse sentido, para Lira (2011, p. 198) “por ser Palmas uma cidade nova, condições que a faz diferente das outras cidades brasileiras, mas no sentido dos problemas econômicos se igualava a todos os cantos do país” Segundo este autor, “o resultado desse tipo de planejamento romântico aliado ao empreendimento ‘malicioso’, foi a transformação de Palmas em uma espécie de favela plana”, destacando também a semelhança da cidade com Brasília.
As relações entre as necessidades de criação e construção de Palmas com Goiânia e Brasília podem ser identificadas nos seguintes contextos: geográfico, econômico e político. Em relação ao geográfico, as justificativas são mais próximas das três cidades, exceto a questão de segurança nacional debitada a capital federal (OLIVEIRA, 2012).
Cabe mencionar ainda, que a cidade de Palmas foi construída em uma região sem desenvolvimento urbano e população rural, que não deveria sequer abrigar a capital do estado, visto existir outras cidades já estabelecidas que como Porto Nacional, Miracema ou Paraíso do Tocantins. Contudo, como proposta “modernista” e alegando uma possível influência política/econômica/administrativa que estas cidades sofreriam, a mais nova capital foi concebida enquanto cidade planejada e construída no antigo povoamento Canela, às margens direita do Rio Tocantins e limitada a leste pela Serra do Lajeado num quadrilátero de 38.400 hectares (CARVALHÊDO, 2009).
Historicamente, as cidades se originaram a partir de uma atividade econômica qualquer. No caso de Palmas, a cidade nasceu para uma atividade econômica específica, política administrativa, resultado de um cenário econômico estagnado e uma urbanização descontínua, multiplicando concentração de terras e acumulação do capital. A cidade foi projetada, e o escritório de arquitetura Grupo Quatro da cidade de Goiânia foi a empresa designada para elaborar seu projeto, através dos arquitetos, Walfredo Antunes e Luís Fernando Cruvinel (LIRA, 2009).
Nesse sentido, a criação do espaço urbano de Palmas converge com as considerações de Carlos (2015, p.71) ao afirmar que “o urbano é produzido através das aspirações e necessidades de uma sociedade de classes, fez dele um campo de luta onde os interesses e as batalhas se resolvem pelo jogo político das forças sociais.”
A partir disso, no que se refere ao espaço urbano da cidade de Palmas, Lira chamou atenção o fato de que em Palmas existe uma dupla cidade em termos de verbas para que ela fosse construída, uma ligada ao capital público (prédios públicos), e a outra ligada ao capital privado (construções residenciais, comerciais, lazer etc) (LIRA, 2011). Para este autor a produção do espaço urbano de Palmas, está baseado na preexistência, antes ainda ao seu plano diretor.
Em 2012, foram mapeados loteamentos considerados clandestinos, pelo poder público, na porção norte, junto às Chácaras Água Fria, nas ocupações Bom Jesus, Lago Norte e Santo Amaro, e na porção sul, nas ocupações dos setores Irmã Dulce, União Sul, córrego Machado, ribeirão Taquarussu, Canaã, Santa Fé e Jardim Taquari (BESSA et. al., 2018).
Diante do que foi apresentado, nota-se que a jovem cidade de Palmas-TO apresenta uma aparência de cidade organizada, contudo possui problemas urbanos similares aos das cidades que surgiram no período da industrialização, bem como cidades planejadas antes dela, como Goiânia e Brasília. Estas três cidades estão inseridas no Cerrado brasileiro, ambas planejadas e construídas no século XX.
4.2 A MEDIAÇÃO NA REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA
uito importante para a regularização fundiária no município de Palmas-TO foi a Lei nº 13.465/17 e sua previsão da mediação que, como se verá adiante, foi imprescindível para que fosse alcançados resultados positivos neste sentido.
A Lei nº 13.465/17 cuidou de destacar o instituto da mediação como meio hábil para solução de conflitos fundiários urbanos, a qual previu expressamente em vários dispositivos o estímulo a utilização do método consensual, elencando-o como um dos objetivos da regularização fundiária, segundo redação do artigo 10, inciso V, do diploma legal.
Art. 10. Constituem objetivos da Reurb, a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios:
V - estimular a resolução extrajudicial de conflitos, em reforço à consensualidade e à cooperação entre Estado e sociedade (BRASIL, 2017, online);
É certo que a resolução extrajudicial dos conflitos somado ao fator da consensualidade permite uma solução mais célere, democrática e equânime dos problemas, mediante a participação ativa de todos os sujeitos envolvidos no conflito. Neste sentido, a Lei nº 13.465/17 modificou o paradigma da regularização fundiária, tange à mediação.
No artigo 21 da referida lei nota-se a abertura de um caminho para a aplicação da mediação nos conflitos fundiários, o que denota que a utilização de tal método promove uma solução democrática e participativa. Tal previsão consiste na faculdade do emprego de procedimento extrajudicial de composição de conflitos nos casos em que haja alguma impugnação ao procedimento de regularização, devendo observar as disposições da Lei da Mediação n° 13.140/15 (BRANCO, 2017).
Afora disso, estipula no art. 31 a utilização do procedimento extrajudicial de composição de conflitos no caso de apresentação de impugnação em relação à titularidade do domínio dos imóveis onde se encontra o núcleo urbano informal a ser regularizado (BRANCO, 2017).
No que se refere a mediação, o artigo mais importante da Lei de Regularização Fundiária é o art. 34, o qual dispõe sobre o procedimento administrativo. Mencionado dispositivo concede a autorização aos Municípios para criação de câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, na esfera local, inclusive através de celebração de ajustes com os Tribunais de Justiça estaduais, as quais terão competência para solucionar os conflitos relacionados à Regularização fundiária por meio de solução consensual (BRANCO, 2017).
Com a possibilidade de mediação na regularização fundiária, abriu-se margem para que o município de Palmas-TO e o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins fizessem uma parceria promissora, que é apresentada abaixo.
4.3 PARCERIA ENTRE O MUNICÍPIO DE PALMAS-TO E O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO TOCANTINS
Antes que se fale em efetiva regularização fundiária no Município de Palmas-TO, é relevante informar o que previa o Plano Diretor do município, sancionado como a Lei Complementar nº 155, de 25 de dezembro de 2007 acerca do assunto.
Este Plano Diretor prevê como um de seus objetivos a promoção da regularização fundiária rural e urbana e a urbanização de áreas ocupadas, atendendo a população de baixa renda, visando à inclusão social de seus habitantes e à proteção de bens comuns como os solos e as águas, em conformidade com o estabelecido no inciso XIV, do art. 2º, do Estatuto da Cidade (LEIS MUNICIPAIS, 2007).
O mesmo Plano Diretor prevê, ainda, que:
Art. 100 O município deverá promover a regularização fundiária nos assentamentos consolidados, seja pela infra-estrutura já instalada ou pela característica permanente das construções existentes que, na data de aprovação desta Lei, estiverem ocupados por população de baixa renda, conforme análise de viabilidade técnica e urbanística (LEIS MUNICIPAIS, 2007, online).
Como marco legal, também é importante mencionar o Decreto Municipal nº 1.524, de 03 de janeiro de 2018, portanto posterior à Lei nº 13.465/17, e que instituiu o Processo Simplificado Integrado de Licenciamento Ambiental e Urbanístico, para fins de regularização fundiária. Dentre outras coisas, este decreto estabelece que a Regularização Urbana de Interesse Social (Reurb-S) dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente será admitida mediante aprovação de projeto de regularização fundiária, na forma da legislação específica (LEGISWEB, 2018).
Apesar de tais disposições legais a nível municipal, a regularização fundiária em Palmas-TO encontra seu ápice com a parceria estabelecida entre este município e o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins.
A regularização fundiária de interesse social em Palmas, é algo muito recente e pouco se fala sobre esse tema. Cenário que começou a avançar em meados de outubro de 2019, quando o Município de Palmas-TO tornou-se o 17º município a aderir ao termo de cooperação com o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, para a promoção da regularização fundiária urbana. A capital se juntou a outros municípios tocantinenses no projeto que objetivou regularizar as áreas que carecem de um amparo legal voltado a regularização e, ainda, podendo contribuir com o desafogamento do judiciário do Tocantins.
O processo de parceria do TJTO para regularização fundiária, tanto com o Estado quanto com os municípios, foi viabilizado como um termo de cooperação entre os poderes Judiciário e Executivo a fim de facilitar os trâmites para a regularização fundiária. A parceria é tocada pela Corregedoria Geral da Justiça, por meio do Núcleo de Prevenção e Regularização Fundiária (Nupref) (TJTO, 2019) e tende a ser mais um instrumento a fim de viabilizar o direito à moradia em Palmas-TO.
Fruto dessa parceria, foi publico o Decreto Municipal nº 1.804, de 21 de outubro de 2019, que classifica, para fins de regularização fundiária urbana de interesse social, o núcleo urbano informal localizado no Loteamento Jardim Canaã, localizado no Município de Palmas-TO (JUSBRASIL, 2019).
Já em julho de 2020 foi publicado edital que intimava terceiros interessados que pudessem se manifestar contra a regularização fundiária no Loteamento Jardim Canaã, o que evidencia que não houve ainda a finalização do processo de regularização deste setor (JUSBRASIL, 2020).
Por outro lado, o que ressai de todo o exposto é que a Lei nº 13.465/17 foi necessária, assim como a legislação municipal acima mencionada, para que se colocasse em prática alguns projetos de regularização fundiária, como é o caso do Jardim Canaã, que apesar de não finalizado, tem sido levado adiante.
4.CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito à propriedade é considerado um direito fundamental, elencado na Constituição Federal de 1998, pelo qual se permite ao seu proprietário o uso, gozo e disposição desta. No entanto, o exercício deste direito é limitado, pois se encontra restringido ao cumprimento de várias prerrogativas, dentre elas a de submeter sua propriedade ao cumprimento de uma função social, portanto, ao proprietário é atribuído o dever de exercer seu direito em consonância com as normas legais, especialmente as de cunho ambiental, almejando o interesse coletivo.
O cumprimento da função social da propriedade, segundo os moldes constitucionais, não remete ideia de limitação, mas sim, de conteúdo inerente a propriedade. Desta maneira, entende-se que tal cumprimento é um instituto pelo qual o dono da propriedade é responsável, haja vista tratar-se de um meio pelo qual este satisfaz seus interesses, sem menosprezar o interesse público, prevalecendo o último em detrimento do interesse privado.
Assim, evidenciou-se, por meio da análise dos direitos fundamentais à moradia, de propriedade e de posse, bem como das teorias do direito civil, que a discussão deve ser pautada sob a égide da constitucionalização desse ramo do direito e com enfoque na teoria sociológica da posse, o que denota, para além da função social da propriedade, a funcionalidade da posse, considerada como um direito autônomo e, portanto, merecedor de reconhecimento
Observa-se que o desenvolvimento urbano de forma irregular acarreta uma questão social que caracteriza o processo de urbanização das cidades brasileiras, de forma desorganizada reforçando as diferenças sociais e de classes, além de reafirmar o histórico de domínio relacionado ao poder e ao acúmulo de bens por parte das classes dominantes. Portanto o sistema socioeconômico colaborou para que o acesso ao solo urbano ocorresse de modo irregular reforçando as desigualdades que aumenta o deficit habitacional.
No que se refere a Palmas-TO, muito dessa ocupação irregular advém de processos que se intensificaram no tempo e no espaço no início e no decorrer da implantação dessa cidade, ocorridos, no final do século XX, que levaram a uma desordenada expansão urbana periférica da cidade, à medida de seu crescimento, e que continua a se devolver até os dias atuais.
Neste sentido foi apresentado o instituto da Regularização Fundiária, instrumento este passível de dar cumprimento prático ao direito à moradia por meio da Lei nº 13.465/17, sancionada com a finalidade de dar efetivação à titulação de ocupações, bem como inserir os núcleos urbanos informais ao ordenamento territorial urbano.
Esta lei foi importante principalmente na regulamentação da mediação como meio hábil para solução de conflitos fundiários urbanos, a qual previu expressamente em vários dispositivos o estímulo a utilização do método consensual, elencando-o como um dos objetivos da regularização fundiária.
Tal disposição legal veio possibilitar que, em meados de outubro de 2019, o Município de Palmas-TO se tornasse o 17º município a aderir ao termo de cooperação com o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, para a promoção da regularização fundiária urbana, sendo este um grande passo na resolução da problemática das ocupações irregulares em Palmas-TO, contribuindo para a materialização do direito à moradia.
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[1] MOTA, Karine Alves Gonçalves. Mestre e Professora de Direito na Faculdade Serra do Carmo. E-mail:[email protected]
Graduando em Direito e empresário pela Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JANIO VIEIRA DE ASSUMçãO, . Regularização fundiária urbana de interesse social em Palmas-TO Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2020, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55849/regularizao-fundiria-urbana-de-interesse-social-em-palmas-to. Acesso em: 24 nov 2024.
Por: DANILO BEZERRA DE CASTRO
Por: Vanessa Zimpel
Por: MARCIANO ALVES SOUZA
Por: Sarah Jany Barbosa de Araujo
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