Resumo: Pretende-se identificar quem seriam os possíveis autores na nova lei de abuso de autoridade e realizar um confronto do ato de divulgação de imagem de presos com o elemento subjetivo contido no artigo 1º da lei. Visa ainda demonstrar que a divulgação por si só não é ato ilegal prevista na lei.
Palavras-chave: Direito Penal. Elementos Subjetivos. Divulgação de Imagem de Presos. Lei. 13.869/2019.
Abstract: It has the intention of identifying the possible authors in the abuse of authority law and make a comparison between the act of disclosing the image of prisoners and the subjective element contained in article 1 of the law. It also aims to demonstrate that disclosure by itself is not an illegal act provided by law..
Key words: Criminal Law. Subjective Elements. Image Disclosure of Prisoners. Law 13.869/2019.
Sumário: 1. Introdução. 2. Da autoria. 3. Existe proibição da divulgação de imagens? Adequação entre os artigos 13 e 1º da Lei 13.869/2019. 4. Conclusão. 5. Referência.
1. Introdução.
Em 03 de janeiro de 2020 entrou em vigor a nova Lei nº. 13.869/19 que passou a definir os crimes de abuso de autoridade, praticados por agentes públicos, servidores ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abusem do poder que lhes tenha sido atribuídos.
Esta nova lei veio em substituição da Lei 4.898/65, que para muitos já estava obsoleta. Segundo Rogério Greco e Rogério Sanchez da Cunha, “A lei anterior, editada durante o governo militar, carecia de uma revisão mais apurada, em especial nas suas conseqüências, por demais tênues diante da gravidade das condutas. Ficava difícil aceitar que comportamentos abusivos do agente estatal pudessem ser rotulados, sem exceção, como de menor potencial ofensivo. Não faltavam vozes bradando a proteção deficiente do bem jurídico tutelado (direitos e garantias do cidadão).[1]
O Estado confere aos seus agentes poderes e atribuições, e estes a exercem em seu nome. Estes poderes e atribuições encontram suas limitações na legislação pátria. Para tanto, qualquer ato praticado por ele deve ter guarida legal. Acontece que é possível que o agente público abuse desse poder, e isto ocorre quando o agente mesmo tendo aquela atribuição legal, a faz exorbitando o que lhe é conferido.
Segundo Gustavo Scatolino e João Trindade, no Manual de Direito Administrativo, “O abuso de poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições, pratica ato visando o interesse próprio ou utiliza atos para finalidades não estabelecidas em lei. A utilização do poder deve guardar conformidade com o que a lei dispuser. Pode-se concluir, então, que o abuso do poder é conduta ilegítima do administrador, quando atua fora dos objetivos, expressa ou implicitamente, traçados na lei”[2].
Rogério Greco e Rogério Sanchez da Cunha acrescentam que “Importante frisar, ab initio, como já deixamos antever que, só se abusa daquilo que tem, ou seja, somente pratica o abuso de poder o agente que, antes, detinha o poder mas que dele abusou, conforme esclarece a última parte do caput do artigo 1º da lei em estudo, quando menciona o fato de ter o agente abusado do poder que lhe tenha sido atribuído[3].
Sendo assim, conclui-se que nos casos onde o agente público possui atribuições estabelecidas por lei e as excede, bem como nos casos onde o agente confere finalidade diversa da que lhe foi conferida, incorrerá nos crimes previstos na citada lei 13.869/2019.
2 - Da Autoria.
A lei 13.869/2019 foi criada direcionada aos agentes públicos. Mas questiona-se: Quem seriam as autoridades previstas na lei?
O parágrafo único do art. 2º define autoridade como sendo:
“todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão”.
Por sua vez, o art. 327 do Código Penal define autoridade como sendo:
Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.
Segundo Hely Lopes Meirelles, em sua obra Direito Administrativo Brasileiro, “agentes públicos são todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal. Os agentes normalmente desempenham funções do órgão distribuídas entre cargos de que são titulares, mas excepcionalmente podem exercer funções sem cargo”.[4]
Isto posto, entende-se que autoridade pública, na visão legal e doutrinária é qualquer agente que exerça a função pública, mesmo que sem remuneração e de maneira transitória.
3 – Existe proibição da divulgação de imagens? Adequação entre os artigos 13 e 1º da Lei 13.869/2019.
Com a promulgação da nova legislação tocante ao crime de abuso de autoridade, surgiu nos meios policiais que seria vedada a divulgação de imagens de presos, estando o agente passível de punição na esfera penal quando houvesse qualquer divulgação da imagem, todavia, da análise do artigo ao qual fazem referência, é preciso analisar de maneira cautelosa.
O art. 13 da lei 13.869/2019 prevê:
Art. 13. Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência, a:
I - exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública;
II - submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei;
III - (VETADO).
Sendo assim, cometeria o crime aquele agente público que praticasse qualquer dos atos tipificados no artigo 13 e seus incisos, todavia, faz-se necessária uma análise sistemática com o parágrafo 1º do artigo 1º, vejamos:
Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
§ 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal. (grifo nosso)
§ 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade.
Da simples leitura do parágrafo 1º, já se observa que a própria lei exige que para a prática de crime previsto na legislação, tem o autor que praticá-lo com uma finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar-se, ou a terceiros, ou também praticá-los com intenção de capricho ou satisfação pessoal.
Renne do Ó Souza, em sua obra Comentários à Nova Lei de Abuso de Autoridade, explica que “Todos os crimes previstos ma Lei 13.869/2019 são dolosos. A lei, porém, consagrando o entendimento predominante ainda sob à vigência da Lei 4898/1965, prevê expressamente no §1º do art. 1º a necessidade de ser demonstrada finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”.[5]
Essas finalidades específicas citadas no artigo 1º da lei são os chamados elementos subjetivos, que não se confundem com o dolo propriamente dito.
É comum quando da leitura do artigo, falar-se em dolo específico para a prática delitiva, todavia, a utilização é equivocada, vejamos:
Rogério Greco, em sua obra Código Penal Comentado, explica que “fazia-se, quando prevalecia a teoria natural da ação, a distinção entre dolo genérico e dolo específico. Dizia-se que o dolo genérico era aquele em que, no tipo penal, não havia indicativo algum de elemento subjetivo do agente ou, melhor dizendo, não havia indicação alguma da finalidade da conduta do agente. Dolo específico, a seu turno, era aquele em que, no tipo penal, podia ser identificado o que denominamos de especial fim de agir. Contudo, uma vez adotada a teoria finalista da ação, podemos dizer que em todo o tipo penal há uma finalidade que difere de outro, embora não seja tão evidente quando o próprio artigo se preocupa em direcionar a conduta do agente, trazendo expressões dela indicativas. Isso, porque, de acordo com a referida teoria, a ação é o exercício de uma atividade final, ou seja, toda a conduta é finalisticamente dirigida à produção de um resultado qualquer, não importando se a intenção do agente é mais ou menos evidenciada no tipo penal”.[6]
Sendo assim, da explicação acima, verifica-se que não basta tão somente a presença do dolo, não sendo por si só capaz de perfazer o crime, e sim a finalidade específica citada na lei, para guiar a vontade do agente público.
As finalidades específicas citadas na lei são a vontade de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
4 – Conclusão.
Sendo assim, para que o agente público pratique quaisquer dos crimes previstos na lei de abuso de autoridade, dentre ele a exibição pública de presos, deverá agir conforme determinado no parágrafo 1º do artigo 1º, ou seja, com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal, portanto, caso não reste demonstrado que o agente público, neste caso o profissional de segurança pública, tenha agido com estas finalidades específicas (elemento subjetivo do tipo), o fato será atípico.
5 – Referências Bibliográficas.
______. Lei nº. 13.869/19, de 05 de setembro de 2019. Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade; altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm>. Acessado em 15 de outubro de 2020.
________. Decreto Lei 2848, de 07 de dezembro de 1940. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm>. Acessado em 15 de outubro de 2020.
GRECO, Rogério; CUNHA, Rogério Sanches. Abuso de Autoridade. 1ª Ed. Salvador: Juspodivm.2019.
SCATOLINO, Gustavo e TRINDADE, João. Manual de Direito Administrativo. 2ªEd. Salvador: Juspodivm.2014.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Admistrativo Brasileito, 19ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1994.
SOUZA. Renne de Ó. Comentários à Nova Lei de Abuso de Autoridade. 1ª Ed. Salvador: Juspodivm. 2020.
[1] Greco, Rogério; Cunha, Rogério Sanches. Abuso de Autoridade. 1ª Ed. Salvador:Juspodivm.2019. p.12.
[2] Scatolino, Gustavo e Trindade, João. Manual de Direito Administrativo. 2ªEd. Salvador:Juspodivm.2014. p.79.
[3] Greco, Rogério; Cunha, Rogério Sanches. Abuso de Autoridade. 1ª Ed. Salvador:Juspodivm.2019. p.16
[4] Meirelles, Hely Lopes. Direito Admistrativo Brasileito, 19ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1994. P. 71.
[5] Souza. Renne de Ó. Comentários à Nova Lei de Abuso de Autoridade. 1ª Ed. Salvador:Juspodivm. 2020. P. 17.
[6] Greco, Rogério. Código Penal: Comentado. Niteroi, RJ:Impetus, 11ª Ed. 2017. P.324.
Delegado de Policia . Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal. Bacharel em Direito pela UNICAP-PE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LINS, Diego Cavalcanti de Albuquerque Acioli. Divulgação de Imagens de Preso Diante da nova Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019). Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2020, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55857/divulgao-de-imagens-de-preso-diante-da-nova-lei-de-abuso-de-autoridade-lei-13-869-2019. Acesso em: 23 dez 2024.
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