Notadamente nas últimas 2 décadas tem crescido no Brasil um movimento bastante incisivo que apregoa a necessidade de uma maior utilização dos métodos de resolução extrajudicial de conflitos, com ênfase em conciliação, negociação, mediação e arbitragem.
Esse cenário foi catalisado por inúmeros fatores – como o alto custo na movimentação da máquina judiciária –, mas em especial pelo gigantesco lapso temporal na tramitação de processos perante o Poder Judiciário, haja vista que a prestação jurisdicional não tem alcançado a esperada celeridade e razoável duração nas demandas que são submetidas à avaliação dos magistrados.
Sob uma perspectiva exemplificativa dessa preocupação com a lentidão do Poder Judiciário, é possível indicar desde 2010 há uma Política Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, mediante a Resolução CNJ nº 125/2010 que visa a assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade[1].
Nesse toar, é certo que o ordenamento jurídico garante às partes a prestação jurisdicional efetiva e em tempo razoável, consoante preveem os artigos 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal (CF) e 4º, 6º, 8º e 139, inciso II, do Código de Processo Civil (CPC).
Em que pese essa premissa basilar, a celeridade processual e a razoável duração do trâmite de ações devem se acoplar ao devido processo legal, a ampla defesa e ao contraditório pleno, conforme estipulam os artigos 5º, incisos LIV e LV, da CF e 7º do CPC.
Assim, é certo que esses postulados igualmente devem se aplicar aos métodos de resolução extrajudicial de conflitos – a exemplo da conciliação, negociação, mediação e arbitragem. Isto porque embora se trate de extrajudicialidade não se pode desgarrar totalmente dos princípios que regem o ordenamento jurídico brasileiro.
Obviamente que com isto não se defende uma aplicação idêntica de todas as normas jurídicas independentemente de se tratar de meio judicial ou extrajudicial, mas sim que haja campo próprio para a adaptação às peculiaridades de cada caso concreto.
A par disso, causa preocupação a constatação das pesquisas no sentido de que, há tempos, o Estado é o maior litigante nos feitos em curso perante o Poder Judiciário[2]. Diante desse quadro, órgãos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) vêm envidando vários esforços na ótica do estímulo ao uso dos métodos de resolução extrajudicial de conflitos, com ênfase em conciliação, negociação, mediação e arbitragem.
No entanto, a situação da Fazenda Pública em juízo imprescinde de uma adaptabilidade mais apurada quanto aos procedimentos a serem adotados em eventual adoção destes métodos alternativos alhures mencionados[3].
De um lado há uma inconteste necessidade de estimular a adoção dos métodos de resolução extrajudicial de conflitos, inclusive na seara dos feitos de interesse da Fazenda Pública. De outro esta também possui um arcabouço jurídico específico de natureza material e processual que envolve os seus interesses, o qual não pode ser desconsiderado pelos proponentes e executores daqueles métodos.[4]
A prática da advocacia pública possui nuances que, não raro, sequer têm aprofundamento recorrente na seara da Administração Pública. E uma das questões urgentes que afligem aos militantes dessa Função Essencial à Justiça – sem sombra de dúvidas – é a aplicação dos métodos de resolução extrajudicial de conflitos.
Recentemente, a Procuradoria Geral do Estado de Alagoas (PGE) se debruçou sobre essa questão pontual quando a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas (ARSAL) – autarquia estadual – fez divulgar no Diário Oficial do Estado de Alagoas, em 09/03/2020, a Resolução nº 4/2020 para instituir a Câmara de Negociação, Conciliação e Mediação (CNCM)[5].
Do texto da resolução constou que a CNCM teria determinadas características, por exemplo: a) a autonomia da vontade das partes como princípio (artigo 4º); b) as propostas, documentos e informações apresentadas na Câmara seriam confidenciais (artigo 8º); c) a transação por adesão que implicaria em renúncia do interessado ao direito sobre o qual se fundamenta a pretensão ou ao recurso eventualmente pendente, de natureza administrativa, relativamente aos pontos compreendidos no acordo (artigo 9º); d) seria irrecorrível o acordo entre as partes, o qual teria plena validade e vincularia as partes a partir de sua assinatura e teria força de título executivo extrajudicial; e) o descumprimento do acordo celebrado ensejaria sanções previstas no termo de acordo e ainda poderia a critério do Diretor-Presidente da ARSAL acarretar sanções administrativas, com base na legislação em vigor e atos normativos da ARSAL; e f) a eficácia da autocomposição faria coisa julgada administrativa e implicaria renúncia a todo e qualquer direito objeto da controvérsia, onde o termo homologado na forma da resolução constituiria título executivo extrajudicial (artigo 22).
Nesse sentido, de plano houve resistência justificável da PGE quanto a esta resolução, por diversos motivos. Primeiro porque tal ato normativo não foi objeto de prévio parecer jurídico da Procuradoria Geral quanto a sua constitucionalidade e legalidade. Segundo em função da matéria veiculada na resolução, a qual, ao menos em tese, exigiria a edição de lei em sentido formal delimitando os contornos do funcionamento da CNCM. Terceiro porque já existiria a Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos (CPRAC) no âmbito da PGE, criada pela Lei Complementar Estadual nº 47/2018 que alterou a Lei Complementar Estadual nº 07/1991 – Lei Orgânica da PGE[6]. Entre outras justificativas, tudo isto motivou a determinação da PGE que fulminou a referida resolução, consoante publicado no Diário Oficial do Estado de 27/03/2020 e 05/05/2020, respectivamente:
PROCESSO: E:01204.0000001037/2020 - INTERESSADO: @nome_interessado@ - ASSUNTO: Demanda Externa: Órgãos Governamentais Estaduais DESPACHO PGE/GAB N° 775/2020 - Ciente do conteúdo do Despacho PGE PJ 2916221, acolho seus fundamentos jurídicos e as sugestões propostas nas letras “a”, “b” e “c” do referido Despacho. Acrescento ainda, que a criação de órgão, no caso, da Câmara de Negociação, Conciliação e Mediação – CNCM, mediante Portaria viola frontalmente a Constituição Federal, que exige a edição de lei para a criação e extinção de órgãos da administração pública (art. 48, XI [1]). No tocante à ARSAL, toda sua estrutura orgânica é delineada pela Lei Estadual nº 6.267, de 20 de setembro de 2001, não sendo lícito à portaria criar órgão interno nessa estrutura, com competências e atribuições próprias. Há que se destacar que “portaria”, como reconhece a doutrina administrativista, é ato administrativo interno, destinado meramente à organização da atividade administrativa ou de seus órgãos [2], à expedição de determinações gerais ou especiais aos subordinados ou, ainda, à designação de servidores para funções e cargos secundários. [3] Não se presta, à toda evidência, à criação de órgão no âmbito da Administração Pública. À Câmara de Câmara de Prevenção e Resolução Administrativa de Conflitos da Procuradoria Geral do Estado para ciência quanto a letra “c” do Despacho PGE PJ 2916221, e à ARSAL para ciência e adoção das providências constantes das letras “a” e “b” do mesmo Despacho.
RESOLUÇÃO ARSAL Nº 13, DE 4 DE MAIO DE 2020.
Dispõe sobre a revogação da Resolução ARSAL n.º4, de 2 de março de 2020, que institui a Câmara de Negociação, Conciliação e Mediação, no âmbito da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas - ARSAL, como meio de solução de conflitos.
O Diretor-Presidente da Agência Reguladora dos Serviços Públicos do Estado de Alagoas - ARSAL, com base na competência que lhe foi atribuída pela Lei Ordinária n.º 6.267, de 20 de setembro de 2001, alterada pela Lei n.º 7.151, de 5 de maio de 2010, e pela Lei n.º 7.566, de 9 de dezembro de 2013, tendo em vista o que consta no Processo Administrativo nº. E: 49070-0000001585/2020 e; AO CONSIDERAR que está sendo desenvolvido o anteprojeto de Lei de consolidação e atualização da estrutura e funcionamento da ARSAL, em que foi inserida na composição da estrutura da ARSAL uma gerência específica destinada à prevenção e resolução de conflitos administrativos, disciplinando seu funcionamento e objetivos, RESOLVE:
Art. 1º - Revogar a Resolução ARSAL n.º4, de 2 de março de 2020, que instituiu a Câmara de Negociação, Conciliação e Mediação, no âmbito da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas - ARSAL.
Art. 2º - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário.
[...][7]
Frente a essas reflexões acima é possível concluir que os métodos de resolução extrajudicial de conflitos – com ênfase em conciliação, negociação, mediação e arbitragem – merecem incentivo constante no campo da advocacia pública – até pelo histórico de litigância contumaz da Fazenda Pública. No entanto, exige-se que haja uma devida adaptação dos procedimentos aos direitos, deveres e prerrogativas dos entes públicos e, em especial, uma proteção efetiva aos direitos indisponíveis[8].
[1] BRASIL. Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Disponível em: <https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/156>. Acesso em: 08 dez. 2020.
[2] Revista Consultor Jurídico – CONJUR. Poder Litigante – Volume de processos envolvendo o Estado prejudicam acesso do cidadão à Justiça. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-ago-10/volume-acoes-envolvendo-estado-prejudicam-acesso-justica>. Acesso em: 08 dez. 2020.
[3] DAVI, Kaline Ferreira. Solução de Litígios pela Administração Pública sem intervenção do Judiciário. Revista da AGU, Brasília, DF, ano VII, n. 16, p. 183, 2008.
[4] MEDINA, Eduardo Borges de Mattos. Meios alternativos de solução de conflitos: o cidadão na administração da justiça. Porto Alegre: Fabris, 2004.
[5] BRASIL. Imprensa Oficial do Estado de Alagoas. Disponível em: <http://www.imprensaoficialal.com.br/diario-oficial/>. Acesso em: 08 dez. 2020.
[6] BRASIL. Gabinete Civil. Disponível em: <http://www.imprensaoficialal.com.br/diario-oficial/>. Acesso em: 08 dez. 2020.
[7] BRASIL. Imprensa Oficial do Estado de Alagoas. Disponível em: <http://www.imprensaoficialal.com.br/diario-oficial/>. Acesso em: 08 dez. 2020.
[8] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
Procurador do Estado de Alagoas. Advogado. Consultor Jurídico. Ex-Conselheiro do Conselho Estadual de Segurança Pública de Alagoas. Ex-Membro de Comissões e Cursos de Formação de Concursos Públicos em Alagoas. Ex-Membro do Grupo Estadual de Fomento, Formulação, Articulação e Monitoramento de Políticas Públicas em Alagoas. Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Ex-Estagiário da Justiça Federal em Alagoas. Ex-Estagiário da Procuradoria Regional do Trabalho em Alagoas. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALHEIROS, Elder Soares da Silva. Análise jurídica da resolução ARSAL nº4/2020 que instituiu a Câmara de Negociação, Conciliação e Mediação no âmbito da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas – ARSAL Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 dez 2020, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55900/anlise-jurdica-da-resoluo-arsal-n4-2020-que-instituiu-a-cmara-de-negociao-conciliao-e-mediao-no-mbito-da-agncia-reguladora-de-servios-pblicos-do-estado-de-alagoas-arsal. Acesso em: 23 dez 2024.
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