No âmbito dos contratos das relações de consumo, assim como ocorre nos demais contratos do regime cível comum, é possível o estabelecimento de cláusula penal com multa rescisória em razão do inadimplemento total ou parcial, podendo ser estipulada conjuntamente com a obrigação, ou em ato posterior, referindo-se à inexecução completa da obrigação, à de alguma cláusula especial ou simplesmente à mora.
Em decorrência do princípio da obrigatoriedade entre as partes, os contratos, a priori, devem ser cumpridos segundo o que foi ajustado entre as partes. É o que prega o princípio do pacta sunt servanda, fazendo com que o contrato seja considerado lei entre as partes, nascendo para ser cumprido em conformidade com as cláusulas oriundas da livre manifestação de vontade dos contratantes.
Não obstante, há diversas situações supervenientes, voluntárias ou não, que podem levar ao inadimplemento parcial ou total das obrigações contratuais. Embora as partes contratantes promovam suas avenças com o intuito de cumpri-las, podem, ao longo da execução contratual, se depararem com fatos que impossibilitem ou inviabilizem a execução do contrato, total ou parcialmente. Assim, em razão dessas circunstâncias, tem sido praxe a inserção de cláusula penal com estabelecimento de multa rescisória em desfavor da parte que lhe der causa.
Embora a legislação civil ou consumerista não indique parâmetros objetivos para o ajuste do valor da multa rescisória, considerando que este ponto se insere, em princípio, na seara reservada à autonomia da vontade dos contratantes, situações concretas têm sido levadas ao Judiciário com o fito de questionar alguns excessos e abusividades em relação à estipulação de multas rescisórias, sobretudo nos contratos regidos pelas relações de consumo, onde, por presunção legal, o consumidor é considerado a parte mais frágil da relação.
Nessa perspectiva, o artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, prescreve que são nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Assim, embora haja margem de liberdade para as partes ajustarem os termos da cláusula penal e da multa rescisória nos contratos consumeristas, estas devem guardar sintonia com os ditames da razoabilidade e proporcionalidade, sob pena de serem consideradas nulas.
Nessa linha, o próprio Código Civil estabelece que o valor da cominação imposta na cláusula penal deve respeitar a razoabilidade e proporcionalidade, não podendo exceder à obrigação principal, devendo, de conseguinte, ser reduzida equitativamente pelo juiz quando for manifestamente excessiva ou se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, nos termos seguintes:
Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.
Art. 413. A penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.
Nessa linha, o Tribunal de Justiça de Alagoas, apreciando situação de um contrato de compra e venda onde havia sido estipulada multa rescisória contratual no percentual de 50% (cinquenta por cento) dos valores pagos, incidente sobre as parcelas adimplidas pelo comprador, declarou nula a referida estipulação e entendeu como razoável que a multa por rescisão correspondesse à retenção da quantia de 15% (quinze por cento) dos valores pagos pelo contratante, nos seguintes termos:
APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA. CLÁUSULAS DE IRRETRATABILIDADE E DE DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS PAGAS NO PERCENTUAL DE 50%. EXORBITÂNCIA. DECLARAÇÃO DE NULIDADE. MANTIDA. ABUSIVIDADE VERIFICADA EM AMBAS AS ESTIPULAÇÕES. FIXAÇÃO PELO JUÍZO "A QUO" DE RESTITUIÇÃO DE 85%. ADEQUAÇÃO. CONSECTÁRIOS LEGAIS. JUROS DEVIDAMENTE POSTOS EM 1% AO MÊS A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO. CORREÇÃO MONETÁRIA QUE ORA SE ESTABELECE PELO INPC A PARTIR DO DESEMBOLSO. MANUTENÇÃO DO JULGADO. MAJORAÇÃO DA VERBA SUCUMBENCIAL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (Número do Processo: 0703657-39.2016.8.02.0058; Relator (a): Des. Alcides Gusmão da Silva; Comarca: Foro de Arapiraca; Órgão julgador: 3ª Câmara Cível; Data do julgamento: 13/08/2020; Data de registro: 18/08/2020)
Em outra situação, o mesmo Tribunal, apreciando questão referente à multa rescisória por cancelamento de reserva de viagem, reconheceu a abusividade em desfavor do consumidor na cláusula penal que estipulou a retenção de valores referentes à multa e à taxa de intermediação cumulativos em valores superiores a 25% (vinte e cinco por cento) do valor do contrato, conforme se vê da ementa abaixo transcrita:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSUMIDOR CONTRATO. CANCELAMENTO DE VIAGEM. MULTA CONTRATUAL. ABUSIVIDADE. CAUÇÃO. DISPENSA EM FACE DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. 1. Verifica-se a existência do fumus boni iuris uma vez que indício de abusividade em desfavor da consumidora, ora agravante, a teor do que dispõe art. 51, inciso IV, do Código do Consumidor, na cláusula penal que estipulou a retenção de valores referentes à multa e à taxa de intermedição cumulativos em valor superiores a 25% (vinte e cinco por cento) do valor do contrato. 2. A vedação da tutela de urgência, sob o pálio da inexistência de caução deve ser mitigada, ou mesmo dispensada, quando a parte for beneficiária da assistência judiciária, revelando-se incongruente e desproporcional condicionar a da tutela de urgência ao oferecimento de caução 3. O fim precípuo da exigência de caução consiste em ressarcir eventuais danos que a outra parte pode vir a sofrer no curso do processo. Na hipótese a ré, ora agravada, é empresa com economia expressiva, com atuação em todo o país, e, por esta razão, a ausência de caução em valor irrelevante frente ao seu porte econômico não tem o condão de comprometer a sua saúde financeira ou causar embaraço em suas atividades. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. (Número do Processo: 0801119-05.2018.8.02.0000; Relator (a): Des. Klever Rêgo Loureiro; Comarca: Foro de Maceió; Órgão julgador: 2ª Câmara Cível; Data do julgamento: 12/02/2020; Data de registro: 13/02/2020)
Então, é possível perceber que, embora o princípio da autonomia esteja na essência do direito contratual, essa autonomia não pode servir para criar situações abusivas em que a inexecução do contrato, muitas vezes, pode ser mais onerosa do que o valor próprio contrato. Havendo excessos, a serem considerados no contexto de casa caso concreto, cabe ao Poder Judiciário apará-los, de modo a reestabelecer o equilíbrio da relação.
Neste toar, o Código de Defesa do Consumidor estabelece que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, in verbis:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
(...)
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:
I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Nestes termos, embora o ordenamento não imponha percentuais previamente estabelecidos para a cominação de multa rescisória, oferta, indubitavelmente, mecanismos para que o Poder Judiciário, diante do contexto do caso concreto, aprecie eventual excesso no que se refere à multa rescisória inicialmente ajustada entre os contratantes, anulando, se for o caso, a cláusula que se revele desarrazoada e desproporcional.
Assim, as cláusulas penais e as multas rescisórias, sobretudo nos contratos das relações de consumo, precisam ser ajustas com moderação e sem excessos, levando em consideração as particularidades de cada avença, não podendo, em consequência, representar um gravame desproporcional à obrigação principal, sob pena de serem consideradas nulas.
Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Trad. Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno Sudatti. Bauru, SP: Edipro, 2001.
_______.Teoria do Ordenamento Jurídico. Trad. Maria celeste Cordeiro Leite dos Santos.10ª ed. Brasília: Editora UNB, 1999.
FILHO, Rodolfo Pamplona; GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil, Volume II – Das Obrigações. 4ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004.
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência. 12ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2003.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do Direito Civil. Volume III - Contratos. ed 12º. Rio de Janeiro: ED. Forense, 2005
Procurador do Estado de Alagoas, ex-Procurador do Estado de Pernambuco, ex-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Cataria, Pós-Graduado em Direito Administrativo e Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDROSA, Danilo França Falcão. A multa rescisória e seus limites nos contratos consumeristas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2020, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55917/a-multa-rescisria-e-seus-limites-nos-contratos-consumeristas. Acesso em: 23 dez 2024.
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