RESUMO: Conforme estabelece a Constituição Federal de 1988, a saúde é um direito social, de todos, ademais deve o Estado, garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Dessa forma, entende-se que o este, possui a obrigação de garantir a saúde a todos os brasileiros, de forma eficaz. Ocorre que, tendo em vista a numerosa população, nem sempre a máquina estatal logra êxito em garantir o atendimento com excelência. Portanto, conforme previsão na Lei 8080/1990, foi permitido que a iniciativa privada, poderá participar do Sistema Único de Saúde (SUS) em caráter complementar. Resta claro, portanto, que é perfeitamente possível, que um indivíduo receba atendimento médico em um hospital particular, diante da omissão de meios da rede pública para manter a integralidade da saúde, devendo nesse caso, ter o atendimento custeado pelo SUS. Passo seguinte, surgiu uma divergência, quando ocorre essa complementação através de hospital particular, será possível aplicar as normas do CDC? Diante do exposto, neste presente artigo será analisado julgado do Superior Tribunal de Justiça, acerca da questão apresentada, onde concluiu pela impossibilidade de aplicação do CDC, tendo em vista que o serviço de saúde constitui serviço público social.
PALAVRAS-CHAVE: saúde; direito social; acesso universal; impossibilidade de aplicação do CDC.
ABSTRACT: According to the 1988 Federal Constitution, health is a social right for all, in addition, the State must guarantee universal and equal access to actions and services for its promotion, protection and recovery. Thus, it is understood that the East has an obligation to ensure health for all Brazilians, effectively. It happens that, in view of the large population, a state machine is not always successful in guaranteeing excellent service. Therefore, as provided for in Law 8080/1990, the private sector was allowed to participate in the Unified Health System (SUS) on a complementary basis. It remains clear, therefore, that it is perfectly possible for an individual to receive medical care in a private hospital, due to the omission of means from the public network to maintain comprehensive health care, in which case they should have the care paid by SUS. The next step, a divergence arose, when this complementation occurs through a private hospital, will it be possible to apply the CDC rules? In view of the above, this article will be analyzed judged by the Superior Court of Justice, regarding the question presented, where it is derived from the impossibility of applying the CDC, considering that the health service constitutes a public social service.
KEYWORDS: health; social law; universal access; impossibility of applying the CDC.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Do direito à saúde. 3. Da possibilidade do estado custear tratamento em hospital particular. 4. STJ: Análise de julgado. 5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como finalidade fazer uma suscinta análise do recente julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde havia divergência sobre a possibilidade de aplicação do CDC, na hipótese de responsabilidade civil pela morte de paciente em hospital particular, mas custeado pelo SUS.
Para isso, em um primeiro momento será realizado uma abordagem acerca do direito de saúde, e da legitimidade em redes particulares firmarem convênios e atuarem de forma complementar, sendo custeadas pelos SUS, em seguida será apresentado um caso decidido pelo STJ, pontuando acerca da impossibilidade da aplicação do CDC em caso de serviço público social.
Para finalizar será avaliado a compatibilidade da decisão no atual ordenamento jurídico brasileiro, e apontado a legislação mais adequada, bem como o prazo prescricional para que a sociedade possa socorrer ao judiciário para atender os seus direitos.
Conforme dispões, a Constituição Federal de 1988, a saúde é um direito social, e garantida a todos os brasileiros, de forma integral.
Em seu artigo 196, dispõe que “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
O direito à saúde é considerado, como um dos direitos mais importantes, e dessa forma, por se permitir condições mínimas de uma vida digna, devendo, portanto, o Estado, garantir o acesso integral e universal. Adotando, portanto, o Brasil ao Sistema Único de Saúde. Todos os brasileiros possuem direito de serem atendidos na esfera da saúde, independentemente de condição social ou de contribuições.
Nas linhas do autor Aith (2019):
“O Sistema Único de Saúde – SUS é a instituição jurídica mais importante do Direito Sanitário. Podemos conceituá-lo como a instituição jurídica criada pela Constituição Federal para organizar as ações e serviços
públicos de saúde no Brasil.
O SUS é uma instituição jurídica criada pela Constituição Federal de
1988. A nossa carta define o SUS (art. 198), estabelece as suas principais
diretrizes (Art. 198, incisos I a III), expõe algumas de suas competências
(art. 200), fixa parâmetros de financiamento das ações e serviços públicos
de saúde (art. 198, parágrafos 1º a 3º) e orienta, de modo geral, a atuação
dos agentes públicos estatais para a proteção do Direito à saúde (arts. 196,
197 e 198, caput).”
Dessa forma, tem-se que a saúde é direito essencial até mesmo para a sobrevivência digna dos indivíduos. Importante dispor que houve uma reconstrução no conceito de saúde, tendo em vista que esta não se limita a ausência de doenças.
3. DA POSSIBILIDADE DO ESTADO CUSTEAR TRATAMENTO EM HOSPITAL PARTICULAR
Diante do exposto, denota-se suprema importância a prestação à saúde, indo além da limitação de doença. Por um lado, o Estado tem o dever de preservar a vida de forma integral de todos os brasileiros, por outro a máquina esbarra na limitação de assistência. É cediço que existe uma carência nos atendimentos da saúde brasileira, a infraestrutura não está preparada para a demanda crescente.
No intuito de ajudar a sanar essas limitações, é pacificado o entendimento de que nos casos em que os brasileiros recorrem às vias públicas para atender suas questões essenciais de saúde, e não conseguirem atendimento, seja por falta de profissionais, por falta de tratamento adequado ou por falta de vaga, o estado será obrigado a custear o tratamento em hospital particular.
Conclui-se que não há controvérsias acerca da obrigação estatal de arcar com os custos supracitados. Contudo, neste artigo, será analisado acerca da divergência no que tange a aplicação de legislação, indaga-se acerca da possibilidade da aplicação do Código do Consumidor nas hipóteses em que o hospital particular atuou como complemento.
Após a prévia análise do direito à saúde no Brasil, passo para análise do recente julgado do STJ, sobre a relatoria da ministra Nancy Andrighi, na terceira turma, realizado no dia 26/05/2020, acerca da responsabilidade civil de médico, mediante erro em casos em que os custos estão sendo pleiteados pelo SUS.
O julgado, em tese tratou de um paciente que buscou os recursos das vias públicas para atendimento de saúde, e teve o atendimento direcionado a hospital particular, as expensas do poder público.
Na ocasião houve divergência a possibilidade de aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Indagou-se se seria possível a aplicação do CDC à serviços de saúde no âmbito do SUS, bem como qual seria o lapso temporal para prescrição da ação.
Diante do caso em tela, o STJ, por meio de Recurso Especial se manifestou no sentido de qualificar tal atendimento, como serviço público social, sendo, portanto, um serviço público, universal e indivisível. Dessa forma, a participação complementar de hospitais particulares na execução de saúde, não é capaz de possibilitar a aplicação do CDC.
Para finalizar, o tribunal concluiu no sentido de aplicar a Lei 9.494/1997, onde dispõe que o prazo para indenização mediante indenização de danos causados, ainda que por agentes de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, no caso de saúde, prescreverá em cinco anos.
Nas exatas palavras proferidas no acordão (2020):
“7. A participação complementar da iniciativa privada na execução de ações e serviços de saúde se formaliza mediante contrato ou convênio com a administração pública (parágrafo único do art. 24 da Lei 8.080/1990), nos termos da Lei 8.666/1990 (art. 5º da Portaria nº 2.657/2016 do Ministério da Saúde), utilizando-se como referência, para efeito de remuneração, a Tabela de Procedimentos do SUS (§ 6º do art. 3º da Portaria nº 2.657/2016 do Ministério da Saúde). 8. Quando prestado diretamente pelo Estado, no âmbito de seus hospitais ou postos de saúde, ou quando delegado à iniciativa privada, por convênio ou contrato com a administração pública, para prestá-lo às expensas do SUS, o serviço de saúde constitui serviço público social. 9. A participação complementar da iniciativa privada – seja das pessoas jurídicas, seja dos respectivos profissionais – na execução de atividades de saúde caracteriza-se como serviço público indivisível e universal (uti universi), o que afasta, por conseguinte, a incidência das regras do CDC.
10. Hipótese em que tem aplicação o art. 1º-C da Lei 9.494/97, segundo o qual prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.“
Conclui-se que em caso de erro médico, em atendimento a paciente, ainda que atendido por hospital particular, custeado pelo SUS, ocorre uma prestação de serviço público, indivisível e universal, e dessa forma não há no que se falar em aplicação do CDC, não há uma relação de consumidor, mas sim o art. 1°-C da Lei 9.494/1997 (Art. 1o-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.), sendo assim, o prazo prescricional para ação de responsabilidade civil dos médicos é quinquenal.
5. CONCLUSÃO
A decisão do STJ mencionada acima está plenamente de acordo com o ordenamento jurídico. O Direito do consumidor não deve ser aplicado para mediar relações de serviço público, indivisível e universal. Sendo, portanto, necessário aplicar o prazo prescricional quinquenal.
No caso concreto narrado embora tenha ocorrido a prestação da assistência à saúde realizado por hospitais particulares, o ônus de arcar com as despesas é do Estado, o direito segue sendo amparado e socorrido pelos cofres do país, não sendo razoável desconsiderar o serviço público para implementar as relações consumeristas.
Diante desse cenário, têm-se que é inadmissível a aplicação do CDC para regular ação de indenização em face de morte de paciente que estava sendo operado em hospital particular, de forma complementar ao SUS. E por ser uma responsabilidade civil, o prazo prescricional para ajuizamento da ação é de cinco anos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Código de Defesa de Consumidor de 1990. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm . Acesso em: 13 de out. de 2020.
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 09 de out. de 2020
BRASIL. Lei Federal nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm. Acesso em: 15 de out. de 2020
BRASIL. Lei Federal nº 9.494, de 10 de setembro de 1997.
Disciplina a aplicação da tutela antecipada contra a Fazenda Pública, altera a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9494.htm . Acesso em: 16 de out. de 2020
Aith Fernando Mussa Abujamra. Manual de Direito Sanitário com enfoque em vigilância em saúde: volume único, 1ª edição. Brasília, DF: CONASEMS, 2019.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial. Relatora: Nancy Andrighi, 26 mai. 2020 Brasília: STF. Disponível em: https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201802586154&dt_publicacao=29/05/2020.. Acesso em: 13 out. 2020.
Pós graduanda em Direitos Humanos pela Faculdade UniAmérica, pós graduanda em Direito Civil e Consumidor pela Faculdade UniAmérica, pós graduanda em Processo Civil pela faculdade UniAmérica, graduada em Direito pela Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais, advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SELLERA, Nayene Ludmila Gonçalves. Do atendimento custeado pelo sus e a impossibilidade de aplicação do CDC Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 dez 2020, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55921/do-atendimento-custeado-pelo-sus-e-a-impossibilidade-de-aplicao-do-cdc. Acesso em: 23 dez 2024.
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