RUBENS ALVES DA SILVA[1]
(orientador)
RESUMO: Este artigo descreve a questão do testemunho da vítima de estupro como fator decisivo para a condenação do acusado. Com isso o problema que fundamentou este artigo foi o testemunho da vítima de estupro que seja vulnerável pode servir unicamente como fonte de convicção para a condenação? Levando-se em consideração este questionamento genérico, indaga-se? Este testemunho de vítima de estupor que seja vulnerável pode condenar um inocente? Desta forma, este artigo teve como objetivo analisar quais os riscos de uma condenação injusta pelo crime de estupro de vulnerável fundamentada unicamente no depoimento da vítima, além de levantar a questão da relativização do depoimento da vítima em caso de estupro; evidenciar quais os riscos e probabilidade de uma condenação equivocada; e, explicar quais as consequências de uma condenação injusta e a aplicação do princípio in dubio pro reo. Este artigo encontra sua justificativa pela extrema necessidade de verificar a questão do estupro contra vulneráveis como sintoma de uma dinâmica social não estruturada, na qual todos os indivíduos encontram-se envolvidos. Nos âmbitos acadêmico, social, científico e pessoal, o artigo se justifica no fato do conhecimento está em pleno estado de desenvolvimento e aprimoramento na sociedade moderna, e isso implica a possibilidade de se encontrar, na prática, atitudes desvinculadas dos últimos achados científicos. Assim artigo foi construído em pesquisa em livros e artigos eletrônicos com o objetivo de fornecer informações práticas importantes em um estilo eficiente e acessível. Os resultados da análise indicam que o testemunho da vítima é decisivo para a concretização da culpa do acusado no Brasil.
Palavras-Chave: Estupro; Vulnerabilidade; Formação de convicção condenatória.
ABSTRACT: This article describes the issue of the testimony of the rape victim as a decisive factor in the conviction of the accused. With that, the problem that justified this article, the testimony of the rape victim who is vulnerable can only serve as a source of conviction for the conviction? Taking this generic question into account, one wonders? Can this testimony of a stupor victim who is vulnerable condemn an innocent person? Thus, this article aimed to analyze the risks of an unfair conviction for the crime of rape of the vulnerable based solely on the victim's testimony, in addition to raising the question of relativizing the victim's testimony in the case of rape; evidence the risks and likelihood of a wrong conviction; and, explain the consequences of an unjust conviction and the application of the principle in dubio pro reo. This article is justified by the extreme need to verify the issue of rape against vulnerable people as a symptom of an unstructured social dynamic, in which all individuals are involved. In the academic, social, scientific and personal spheres, the article is justified in the fact that knowledge is in full development and improvement in modern society, and this implies the possibility of finding, in practice, attitudes unrelated to the latest scientific findings. Thus the article was built on research in books and electronic articles with the aim of providing important practical information in an efficient and accessible style. The results of the analysis indicate that the victim's testimony is decisive for the realization of the accused's guilt in Brazil.
Keywords: Rape; Vulnerability; Formation of condemnatory conviction.
1 INTRODUÇÃO
O estupro sempre foi um triste legado nas sociedades. Antes entendida como despojo das mazelas sociais, a violência sexual passou a fazer parte das agruras sociais da contemporaneidade.
Desta forma, em estudo pesquisa se origina de questões que se julgam fundamentais, isto é, aquela que dialeticamente corresponde a dois (2) momentos do processo de investigação: de um lado fundamenta a direção da pesquisa e da reflexão, apontando para o seu momento de síntese; de outro, fundamenta o início da investigação no movimento de retorno para a busca da questão.
Essas questões fundamentais podem ser formuladas de maneira simples: o testemunho da vítima de estupro que seja vulnerável pode servir unicamente como fonte de convicção para a condenação? Levando-se em consideração este questionamento genérico, indaga-se? Este testemunho de vítima de estupor que seja vulnerável pode condenar um inocente?
De antemão fique evidente que não se estará distinguido o testemunho formal da vitima do não formal, nem investigando o papel histórico da prova testemunhal, embora possam surgir referências em um ou outro ponto que ajudem a explicitar o nível de influencia que este tipo de elemento probatório tem com certa realidade concreta da formação de convicção do juiz e/ou do júri.
Apenas se estará preocupado com a influencia do testemunho da vítima de estupro que seja vulnerável e a formação de convicção para o ato condenatório que pode levar a condenação de um inocente no ato intencional de fazer justiça.
Desta forma, este artigo tem por objetivo geral, analisar quais os riscos de uma condenação injusta pelo crime de estupro de vulnerável fundamentada unicamente no depoimento da vítima, além de levantar a questão da relativização do depoimento da vítima em caso de estupro; evidenciar quais os riscos e probabilidade de uma condenação equivocada; e, explicar quais as consequências de uma condenação injusta e a aplicação do princípio in dubio pro reo.
Com isso, este artigo se justifica pela extrema necessidade de verificar a questão do estupro contra vulneráveis como sintoma de uma dinâmica social não estruturada, na qual todos os indivíduos encontram-se envolvidos. Nos âmbitos acadêmico, social, científico e pessoal, o artigo se justifica no fato do conhecimento está em pleno estado de desenvolvimento e aprimoramento na sociedade moderna, e isso implica a possibilidade de se encontrar, na prática, atitudes desvinculadas dos últimos achados científicos.
A pesquisa levou em consideração os seguintes aspectos: Inferência de modelos conceituais; e, elaboração de artigo científico com os resultados da pesquisa bibliográfica. O presente estudo é de revisão bibliográfica, sendo realizado levantamento de dados nas principais bases de conhecimento (LILACS, MEDLINE, PUBMED, SCIELO, BIREME, dentre outros) e em sites de órgãos oficiais, também foram usados livros impressos.
Neste sentido, este estudo baliza-se por uma ótica diversa encontrada na bibliografia corrente do que trata do tema. Está em nível prático teórico e tem como pressuposto uso da prova testemunhal como fone única do ato condenatório, não levando em conta os antagonismos, buscando apenas apresentar a importância dessa importante elemento balizador da formação de convicção como um todo. Diante do exposto, deve-se compreender que usar a prova testemunhal como única fonte de formação de convicção para o ato condenatório, pode levar condenação de um inocente, mesmo diante da vulnerabilidade da vítima de estupro.
2 ESTUPRO
Embora a natureza social do estupro não tenha sido suficientemente estudada, a pesquisa antropológica reconheceu a existência de fatores socioculturais que promovem a agressão sexual. Culturas que apresentam um sistema de dominação de gênero contribuem para a desigualdade tanto violência social e sexual de mulheres e crianças, mais vulneráveis à vitimização sexual (BARROS, 2010).
Nesse sentido, tem-se apontado que a civilização é o que criou e promoveu o estupro, o que é reforçado pela ausência desse ato entre os animais. Em suma, é reconhecida que o estupro não é a satisfação de um impulso físico ou um instinto natural, mas sim um ato cultural (BRODT, 2010).
A magnitude do problema também não é conhecida com precisão, uma vez que as informações só estão disponíveis a partir de casos notificados, especialmente mulheres. No Brasil ocorrem cerca de 35.000 casos vítimas de estupro por ano, com uma taxa de 28,8% por 100.000 habitantes; as estimativas do número total de violações não registradas variam de duas a dez vezes esse número, de modo que isso pode chegar a 350.000 violações por ano (ESTEFAM, 2009).
Em relação às características do evento, os pesquisadores reconhecem que aproximadamente 50,00% dos agressores por estupro são conhecidos das vítimas e, muitas vezes, pertencem à família; Isso é especialmente importante em vítimas com menos de 10 anos e em jovens entre 13 e 19 anos (FUHER, 2009).
A maioria dos estupros é planejada e mais da metade envolve o uso de uma arma, geralmente uma faca, para apoio. Em termos de gravidade, em metade dos casos há indícios de traumas físicos e mais de 10,00% das vítimas necessitam de atendimento emergencial. Esse tipo de informação tem favorecido o reconhecimento da agressão não como ato sexual, mas um ato de violência (GOMES, 2012).
No caso específico do estado do Amazonas, há poucos estudos a respeito, de modo que tem sido difícil aprender mais sobre este grave fenômeno que dilacera a sociedade. A Cidade de Manaus, em particular, tem uma média de 3,3 crimes sexuais por dia. Quanto ao estupro, sua média é de 3,4 agressões diárias. Sua incidência em 2017 foi de 7,5 por 100.000 habitantes, e os bairros com as maiores as zonas da cidade com maisores incidências são a Zona Norte e Zona Leste, segundo dados da Secretária de Segurança do Amazonas (2019).
Outro aspecto que também merece reflexão é o aumento do número de vítimas do sexo fenino abixo dos 10 anos de idade, visto que o fenômeno, nesses casos, apresenta características qualitativas distintas, como o uso de violência física com maior gravidade e frequência para subjugar a vítima (FUHER, 2009).
A falta de conhecimento socioantropológico sobre essa agressão sexual tem impedido que recebesse a devida atenção e contribuído para a geração de crenças errôneas sobre sua causalidade. É o caso do comportamento ou da vestimenta da vítima, que pode ser um incitamento à agressão sexual, ou a ideia de que as crinças dpo sexo feminino costumam fazer falsas acusações de estupro com base na pressão de suas mães que querem atingir seus companhiros de qualquer forma. Em decorrência desse desconhecimento, também foram feitas avaliações falsas sobre os estupradores, apontando que são doentes mentais e que, em todos os casos, o agressor é um estranho, entre outros aspectos (ESTEFAM, 2009).
As repercussões sobre os agredidos foram determinadas por meio de estudos com vítimas de estupro em tratamento psicoterápico; basicamente disfunções sexuais, depressão, ansiedade e abuso no consumo de substâncias psicotrópicas têm sido relatados (BRODT, 2010).
Após o estupro, as vítimas mostram uma redução de 50-60% no interesse sexual. Vítimas de estupro do sexo fenino com idades abaixo dos 15 anos de idade masculino relataram problemas semelhantes (BARROS, 2010).
Os resultados do tratamento psicoterapêutico permitiram distinguir as repercussões de curto e longo prazo. Em relação ao longo prazo, estudos recentes confirmam uma maior frequência de disfunções sexuais em mulheres vítimas de abuso sexual ou estupro na infância. No curto prazo, os resultados de pesquisas sugerem que mulheres adultas que sofreram uma experiência de estupro imediatamente após o evento, apresentam sintomas depressivos, distúrbios do sono e do apetite, perda de interesse nas atividades diárias e capacidade de concentração (GOMES, 2012).
Vítimas desse delito sexual em condições de vulnerabilidade costumam apresentar crise emocional de proporções imensas, cujos sinais e sintomas se incorporam ao seu caráter e personalidade à medida que o tempo passa sem receber ajuda psicológica especializada. Esses sintomas podem ser fobias (à noite, na rua, etc.), medo dos homens (no caso das mulheres), desconfiança, depressão, sentimento de culpa, dispneia, anedonia e disfunções sexuais (BRODT, 2010).
Por este motivo, os traumas psicológicos e físicos apresentados pela vítima de estupro requerem atenção médica psiquiátrica e psicológica competente, de alta qualidade científica e humanística, por parte de profissionais de saúde (ESTEFAM, 2009).
As investigações de estupradores não revelam um perfil específico do agressor. Todos parecem ser pessoas normais, sem características que os identifiquem e, na maioria das vezes, são conhecidos, amigos ou parentes das vítimas. Quando o agressor é o companheiro habitual da mulher, esse ato é escondido muitas das vezes por medo de perder o companheiro, submetendo a criança vítima de estupro a uma situação muito constrangedora. Também existem dados sobre estupradores julgados e considerados culpados que, obviamente, não são aplicáveis a todos os criminosos sexuais. No entanto, destacam-se: 75,00% tinham menos de 30 anos, 70,00% eram casados ou viam maritalmente com as mães e, tinham baixa escolaridade, segundo dados do Ministério da Justiça (2018).
A violação é um problema de saúde pública que envolve uma perspectiva multidisciplinar: médica, jurídica, psicológica, psiquiátrica e sociológica (do serviço social e da sociologia); exige um tratamento cuidadoso, pois esse tipo de agressão sexual deixa efeitos psicológicos negativos em curto e longo prazo, como já mencionados (FUHER, 2009).
Um dos motivos pelos quais esse problema não é abordado do ponto de vista da saúde pública é a falta de dados; a principal causa pode ser a dificuldade de obtenção de informações. Este estudo busca fazer contribuições iniciais para descrever algumas das características do fenômeno no país (vítima, agressor e circunstâncias), que servirão de base para o início de futuras pesquisas sobre aspectos de causalidade e, por sua vez, permitirá estabelecer sólidos programas preventivos para este grave problema social (GOMES, 2012).
3 O DEPOIMENTO DA VÍTIMA EM CASO DE ESTUPRO
No ano de 2016, a imprensa noticiou um caso bem peculiar ocorrido nos Estados Unidos da América; um homem que passou trinta (30) anos preso foi libertado; ele era negro e foi condenado por um crime que sempre alegou não ter cometido. Foi condenado à pena de morte e, durante dez (10) anos (1987-1997) ficou no isolamento do denominado ‘corredor da morte’; só não se cumpriu a sentença, por atos apelatórios (GOMES, 2012).
De 1997 a 2009, saiu do corredor da morte, mas sua sentença não foi abolida; somente em 2009, por um ato do governador do Estado do Novo México, que aboliu a pena de morte, ele se livro da sentença fatal; sua condenação foi revertida para prisão perpétua, sem direito a condicional. Ou seja, ficar preso até sua morte. Foi preso com vinte (20) de idade e saiu somente com cinquenta (50) anos (GOMES, 2012).
Qual o crime que ele foi acusado? Estupro de uma menina de doze (12) anos deidade. Por que foi condenado? Testemunho da vítima. Não havia outro elemento probatório, a não ser um sêmen do criminoso. Como na data do estupro: 12/05/1986, não havia exame de DNA, o que valeu para o júri foi o testemunho de uma criança (12 anos) de idade, considerada uma vulnerável na acepção da palavra. Ele sempre alegou que não foi ele que cometeu o crime. Mas a polícia desconsiderou seu testemunho; a promotoria também e, como era pobre e negro, não teve um advogado capaz de reverter tal situação (GOMES, 2012).
A sentença foi a capital, até por que o depoimento da vítima foi cercado de um clima extremamente emocional. Esqueceu-se de um fato: a vítima sofre de miopia em alto grau; perdeu os seus óculos, quando foi atacada por trás, e no local onde se consumou o ato estava escuro, por já passava das dezenove (19) horas. Ela identificou o rapaz por fotografia, pois ele era um pequeno delinquente (GOMES, 2012).
No ano de 2008, um promotor do Estado do Novo México, resolveu verificar algumas provas guardadas em anos anteriores. Neste caso específico, o sêmen estava no banco de provas. O promotor mandou rever o caso e determinou a feitura do exame de DNA. Não era dele e ele foi libertado imediatamente. Ao mesmo tempo, duas providências foram tomadas, a reabertura do caso de investigação, quando finalmente, a vítima reconheceu, que não havia visto o rosto do seu agressor e que não tinha condições de identifica-lo. A outra providencia foi do Estado do Novo México que indenizou o suposto criminoso (GOMES, 2012).
Por que o juiz e o júri desconsideram elementos que poderiam mudar suas convicções para o ato condenatório? Simples: a repercussão do caso no Estado do Novo México por ser a vítima uma criança em condição de vulnerabilidade por sua condição de criança, o que fez que elementos fundamentais fossem esquecidos como a miopia da vítima; a escuridão do local; de ser atacada por trás e de estar sem óculos, o que fez valer somente o seu depoimento e sua identificação com base em álbum de fotografias da polícia. O acusado nem fazia parte do rol de possíveis criminosos sexuais; fazia parte do rol de ladrões de pequeno porte (GOMES, 2012).
O estupro contra qualquer pessoa é um crime brutal e no caso de cometimento contra vulneráveis muito pior. No ordenamento jurídico brasileiro é considerando crime hediondo e, pode-se dizer que é um problema internacional. Dos tipos de violência praticada contra o ser humano, o estupro é o delito menos denunciado, pelo menos aqui no Brasil (BARROS, 2010).
Dentre as várias razões para que isso ocorra, basta citar as principais: a sexualidade humana ainda é considerada um tabu em pleno século XXI, e quando a integridade física e sexual da pessoa é ferida de modo violento, a vítima é frequentemente estigmatizada, passando a apresentar sentimentos de culpa ou vergonha, que são mais compatíveis com o isolamento social. Soma-se a isto, o medo que a vítima sente por temer represálias do agressor que frequentemente faz ameaças, dificultando a denúncia (BRODT, 2010).
Sas e Cunningham (1995) apud Marques (2012), dois (2) pesquisadores canadenses, apresentam um modelo hipotético para o universo de casos de estupro que não é denunciado. Segundo os autores, de 100% dos casos de crianças estupradas (número desconhecido), uma porcentagem menor (número também desconhecido) contaria o fato para um membro da família, que por sua vez não denuncia à polícia.
Na legislação brasileira, o estupro é considerado crime contra os costumes e ele mudou com a edição da Lei nº. 12.015/2009, que estabeleceu uma nova visão ao estupro, o considerando um crime bárbaro, justamente por infringir os princípios da liberdade e da moralidade sexual. Através desta nova denominação “crimes contra a dignidade sexual”, quando uma pessoa é vítima e estupro o bem maior a ser tutelado é a dignidade da pessoa humana e sua liberdade sexual (MINUCCI, 2009).
Mas essa agressão merece tratamento diferenciado dos órgãos de justiça? Ou seja, pode se deixar de levar em consideração elementos subjacentes a prova o crime e se considerar apenas o testemunho da vítima? (ESTEFAM, 2009).
A norma constitucional estabelecida em 1988 com a promulgação da Constituição Federal estabeleceu uma nova configuração para a Teoria geral do processo. Este texto constitucional denominada de Constituição Cidadã, assim chamada por que foi fundamentada no Estado Democrático de Direito, garantiu aos aspectos processuais da estrutura política e jurídica da nação, justamente por que estabeleceu garantias constitucionais do processo, estabelecendo, assim a chamada jurisdição constitucional, provendo, desta forma, uma nova organização judiciária. Assim garantiu os preceito fundamentais do Estado Democrático de Direito, criando uma relação bem mais profunda com a sociedade, observado que não há sociedade sem direito e vice-versa; que o direito nasceu das necessidade de criar normas de convivência social (MARINONI, 2009).
O processo é a expressão que traduz o direito em juízo, isto é, o processo se desenrola visando à composição da lide. O referido processo é de suma importância no direito, sendo utilizado para garantir que a lei seja devidamente observada e aplicada pelo Estado, de forma a prevalecer à legalidade nos atos do Estado, ofertando segurança na relação deste com a sociedade. Por sua vez, o Estado pode buscar a tutela jurisdicional quanto detentor de direitos, utilizando-se também do processo, visando assegurar suas prerrogativas (MARINONI, 2009).
O cidadão também pode acionar o poder judiciário quando se sentir irresignado diante dos atos praticados pelo Estado ou por outrem, por meio de um processo judicial. Para Machado (2008, p. 5), esse mecanismo composto de uma “série de atos que culminam”, se necessário for, na aplicação forçada do direito violado, é denominado “processo”, ou seja, consiste no conjunto de atos administrativos e judiciais superposta mente ordenados, com o objetivo de apurar a obrigação ou descumprimento desta, tendentes dirimir controvérsias (MARINONI, 2009).
O Processo Judicial é um conjunto de atos e termos processuais que se desenvolvem perante o Poder Judiciário, onde é assegurado aos litigantes, o contraditório e a ampla defesa, e que visa dar uma decisão definitiva sobre a matéria questionada (ART.5, LV, CF). Ressalta-se que, é de suma importância, sendo utilizado para garantir que a lei seja devidamente observada e aplicada pelo Estado, de forma a prevalecer à moralidade e a legalidade, ofertando segurança nas relações sociais (MARINONI, 2009).
Desse modo, o contraditório e a ampla defesa são a base do Princípio do Devido Processo Legal. O contraditório está intimamente ligado ao direito de resposta, decorrente da bilateralidade do processo. A ampla defesa limita-se ao direito de produção e defesa de provas, sempre a observar a boa-fé e a lealdade processual (MACHADO, 2009).
Explica-se extensivamente, que o contraditório é uma forma de assegurar a ampla defesa, e por isso, sob certo aspecto, com ela se confunde. Por contraditório entende-se o procedimento no qual de relevante é praticado no Processo por uma das partes deve ser do conhecimento das partes contrárias Sobre o que diz o autor deve ser ouvido o réu, e vice-versa (MACHADO, 2009).
Sobre as provas produzidas por uma das partes deve a outra ser ouvida. E na própria produção de certas provas, como ouvida a testemunha, a realização da perícia, as partes devem ter oportunidades de atuar, contraditando uma das afirmações da outra. Assim, sobre a ampla defesa quer dizer que as partes tudo podem alegar que seja útil na defesa da prestação posta em juízo. Todos os meios lícitos de provas podem ser utilizados. O testemunho da vítima vale como prova final para a condenação de um acusado não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro, embora sirva como balizador para a investigação concluir a autoria ou não (MACHADO, 2009).
3 RISCO DE UM CONDENAÇÃO EQUIVOCADA
É importante ressaltar o conceito de fenômeno criminal. O crime existe desde que as normas foram inseridas nos padrões da sociedade. Sendo assim o crime como fenômeno sociológico possui quatro (4) dimensões:
1) não se reprova um ato porque é criminoso; ele é criminoso porque se reprova (LOPEZ-REY, 2008);
2) o crime é um fenômeno ‘normal’, pois o sentimento de aversão que evoca os atos definidos como criminoso em um dado contexto social não pode ser desenvolvido com a mesma intensidade e em todos os indivíduos (LOPEZ-REY, 2008);
3) o castigo destinado a agir sobre as pessoas honestas, cujo sentimento de solidariedade ele reforça, do que sobre os criminosos. A sanção pode ter certa eficiência dissuasiva, mas como o sentimento de aversão por um ato repreensível é fraco em certos indivíduos, não se pode supor que ela elimine o crime (LOPEZ-REY, 2008); e,
4) só há crime onde há sanção legal. Ora, só se pode levar a sanção legal para atos bem definidos pela lei. Um comportamento pode suscitar forte reprovação sem ser considerado criminoso, caso não corresponda a atos facilmente identificáveis (LOPEZ-REY, 2008).
Dentre dessas quatro (4) dimensões sociológicas do crime, pode considerar que na primeira, o estupro, a sociedade reprova ao ato e o tornou criminoso ao longo dos tempos; o fenômeno do estupro é um fenômeno anormal, já que o sentimento de aversão a tal intento o transformou em ato criminoso; a punição ou castigo se institui nos ordenamentos jurídicos brasileiros, uma vez que o crime de estupro era visto antigamente de forma bem aceitável e apenas como um descumprimento de normas legais e não como um fenômeno que, também, incluía a ordem psicológica e sociológica; e, por fim, a posse o estupro sempre foi considerado um crime em função da existência de sanção penal para tal burla das normas legais (MENDES, 2010).
Neste ponto se insere a questão dos riscos e uma condenação equivocada de um\suposto criminoso de estupro, visto que criminoso e vítima possuem as mesmas prerrogativas na teoria do processo: dar testemunhos. No caso específico, dois (2) sentimentos são eminentes na questão: o sentimento de perda da liberdade por força de uma condenação equivocada, a segunda é o sentimento repulsivo em que a vítima sente pelo ato cometido pelo suposto criminoso que pode leva-la a cometer erros (MIRANDA, 2012).
Segundo Gomes (1998, p. 216) ao “conjunto de recursos e normas que regulam a execução das penas privativas de liberdade dá-se o nome de sistema penitenciário”.
O ramo do direito penal que estabelece os fundamentos e a razão de ser da pena e determina a atuação que devem ter aqueles que são incumbidos de aplicá-la é o direito penitenciário, que se fundamenta em duas grandes correntes ideológicas: a que considera a pena como forma de retribuição do crime, por imposição da justiça; e a que vê a pena como instrumento de defesa social e forma de pressão para que o criminoso pague pelo crime que cometeu e não o cometa mais (MACHADO, 2009).
E como reage o ser humano encarcerado de forma equivocada, com base somente no testemunho da vítima, embora essa esteja em condições de vulnerabilidade, quando a sanção punitiva lhe é aplicada? Como reage sua psique e suas emoções: as emoções se produzem, segundo Kirchner (2006, p. 17) em três (3) áreas: “física, ambiental e intelectual”.
Uma emoção poderia ser uma resposta a uma situação (por exemplo, medo é resposta a uma ameaça); pode também ser uma motivação (por exemplo, a raiva poderia levar qualquer ser humano a agredir); ou ainda uma finalidade em si (quando, por exemplo, age-se de certa maneira para alcançar a alegria, amar ou ser amado) (FUHER, 2009).
Cada ser humano experimenta as emoções de maneira um tanto diversa. Entretanto, é possível notar que há tendências comuns. O medo provoca sensações físicas (batidas mais rápidas do coração, suor, tensão no corpo), uma percepção de ameaça e uma certeza de perigo. Esse medo é constante em função de vários aspectos, como destaca Barreto (2006, p. 4): “As condições de vida a que os presos são submetidos e a violência existente no interior dos cárceres torna aversivo o ambiente do recluso”.
O interno tem a sensação de constante patrulhamento. A sensação de vigilância, o poder disciplinar e o medo da reação policial diante de qualquer ato intempestivo são fatores que oprimem o indivíduo e acabam por modelar uma identidade, de forma que o interno permaneça passivo. Ao recluso, resta apenas a possibilidade de ser servil e de se submeter ao sistema prisional, tornando mais eficiente a relação "docilidade-utilidade” (LABORDA, 2006).
Como se pode observar o medo, por mais que alguns condenados de forma injusta não deixem que sejam externados é uma constante atingido á área emocional física do preso. Conforme aponta Moreira (2007) que diz que o medo faz parte do cotidiano das prisões e, dele decorre uma série de transtornos emocionais de toda ordem.
Existem aqueles que, por medo, se tornam agressivos em excesso; àqueles que se tornam reclusos introspectivos; por bem, cada um tem uma reação diferente, cada um com sua sensação própria, provocada por um sistema perverso que se afirma pela punição extrema, por demonstrar que “eles merecem o que estão passando” (MOREIRA, 2007, p. 33).
As emoções começam a agir quando são estimuladas por forças e circunstâncias exteriores. A maneira como um preso injustamente percebe os estímulos determina a intensidade de sua força de lidar com a prisão. Por exemplo, dois detentos, do mesmo pavilhão, sofrem algum tipo de agressão. O primeiro age com indiferença. O segundo, não; fica com raiva e reage com a mesma intensidade. Ambos foram estimulados, mas cada um reagiu de maneira diferente (GOMES, 2012).
Desta forma se nota como a parte intelectual e mental exerce influência. E é um fator significativo no grau de intensidade e no tipo de emoção que cada um experimenta. Além do ato em si, também é importante verificar como o detento percebeu e aceitou a ação. Um detento, na solitária, poderia morrer de medo, outro não, achando que é uma situação normal para a situação em que está envolvido (BARROS, 2010).
Mas, sem dúvida, que a depressão, mesmo que escondida em comportamentos agressivos atinge os detentos, tanto na parte emocional, como na psicossocial. A depressão deixa a pessoa parada, passiva; uma sensação de perda e fracasso; e uma convicção de inutilidade, de ser sem valor (BRODT, 2010).
Assim, segundo Moreira (2007), a dor, o desgosto, a vergonha provoca muitos aspectos no campo psicossocial e emocional do detento, mesmo que eles não demonstrem, até por se trata de situações de defesa e cada situação possui os três ingredientes dos três elementos: físico, ambiental e intelectual. Quanto maior a provocação e o envolvimento mais forte será a intensidade da emoção e a consequência psicossocial.
No caso das prisões emoções e sentimentos devem ser discutidos abertamente, com franqueza e honestidade. Do contrário, geram hostilidades, que acentua a dor, e insegurança, entre os detentos (ESTEFAM, 2009).
4 CONDENAÇÃO INJUSTA E A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO REO
Uma convicção condenatória só pode ocorrer mediante provas irrefutáveis sob pena de se estar cometendo injustiça em nome da justiça. Um filme americano retrata ame essa situação: trata-se do filme doze (12) homens e uma sentença. Nos Estados Unidos um réu só pode ser condenado se houver unanimidade do Conselho de Sentença. Neste filme, que se inicia com os doze (12) membro do júri, chegando à sala aonde vão deliberar sobre um réu suspeito de assassinar o seu próprio pai.
A grande maioria dos membros do júri tem pressa em resolve logo a questão e querem logo deliberar. O primeiro jurado, então pergunta quem é a favor da condenação, esperando que todos votem pela condenação do suspeito. Mas um membro discorda e expõe seus motivos. Diz que não trata de absolver ou condenar, mas sim de discutir, pois ele tem dúvidas quanto à acusação. Está estabelecido o princípio in dubio pro reo. Ao longo do filme Le consegue reverter o quadro inicial de condenação e quando todos estão cansados e convencido de sua inocência, mas uma vez, este membro do Conselho de Sentença, vota, agora, contra a absolvição do réu estabelecendo o princípio in dubio pro societate.
O termo in dubio significa em dúvida; Aqui a dúvida leva a condenação (in dubio pro societate) ou absolvição (in dubio pro reo). A dúvida quando prevalece pode pender para um ou outro lado.
No Estado Democrático de Direito a presunção da inocência é princípio basilar. Este princípio nasceu na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Ele ficou consignado no art. 9, que dizia que ninguém é obrigado a fornecer provas de sua inocência, por ser esta presumida; de outro; a outra se referia que ao ser preso esta só poderia ser concebida diante da absoluta necessidade. A partir deste momento (GOMES, 1998).
Este princípio se expandiu para todos os ordenamentos jurídicos na civilização ocidental e, se coadunava perfeitamente com os ideias da Revolução Francesa e da Revolução Americana. Deste princípio de presunção da inocência nasce o in dubio pro reo. Ou seja, segundo Jardim (2002) diz que o ônus da prova cabe ao órgão acusador como uma maneira de eliminar qualquer ocorrência de dúvida.
A dúvida é um elemento que não pode existir em um processo; para condenar ou absolver alguém é necessário à certeza absoluta sob pena de se inferir condenação ou absolvição injusta. Nos dois (2) dos mais famosos julgamentos da história da civilização a dúvida foi um elemento subjacente. No Julgamento de Jesus Cristo, o governador Romano Pôncio Pilatos, deixa bem evidente a expressão “duvida”, quando diz claramente que não ter certeza da culpa do réu (Jesus Cristo), e lava as mãos, sobre sua sentença condenatória, ou seja, o governador romano condenou com dúvida e, certamente, fez injustiça.
Em outro julgamento muito famoso, “o julgamento de Nuremerg”, em que os Nazistas alemães, sentaram no bancos dos réus, para erem julgados pelas atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial, a dúvida, inexiste, justamente por que se conseguiu provar, pelos testemunho das vítimas e pela extensa documentação que o crimes foram cometidos. Os acusados tentaram justificar que eram militares e cumpriam ordens superiores, Outros justificaram que os subalternos entenderam mal suas ordens. Mas, em ambos, os promotores conseguiram provar pela “Teoria do Domínio do Fato”[2] que os crimes poderiam ser perfeitamente evitados mesmo eles sendo militares.
Assim, no julgamento de Jesus Cristo, a dúvida foi elemento subjacente na sentença condenatória e o julgamento de Nuremberg, dúvida nunca existiu, seno assim uma variável que não permitiu que a sentença fosse injusta, como no julgamento de Jesus Cristo. Na história da humanidade têm-se muitos exemplos de julgamentos em que a dúvida esteve presente – in dubio pro reo ou in dubio pro societate, que não necessitam ser citados. Mas o in dubio pro reo é um princípio constitucional. Já o in dubio pro societate é um termo muito discutido pelos doutrinadores. E por quê? Para eles, a dúvida, quando existir, deve sempre prevalecer o sentido contrário do in dubio pro societate, ou seja, deve prevalecer o in dubio pro reo e não contrário. Para muitos operadores do direito o in dubio pro societate nasceu nos tribunais brasileiros que não encontra nenhum respaldo na doutrina do direito, já que na dúvida, o réu deverá ser absolvido.
Para Madeira “a jurisprudência entende que há casos que se admite o in dubio pro societate como é o caso do recebimento da denúncia, mas não na sentença condenatória (RHC 74510/MS rel Min Ribeiro Dantas j. 20.04.17)”.
Há caos, no Brasil da aplicação deste princípio, mas muitos doutrinadores o consideram um resquício da concepção fascista em processos penais, não encontrando apro nos textos constitucionais, aonde prevalece sempre o sentido contrário dúvida o in dubio pro reo.
Não se pode condenar alguém com provas frágeis. Provas irrefutáveis são à base do direito penal. Ou seja, não e pode conceber o in dubio pro societate sem base concreta. Assim em um Estado Democrático de Direito as bases para a formação da convicção devem ser bem sólidas, não existindo no direito brasileiro o in dubio pro societate, como princípio constitucional sendo este uma inovação com o claro objetivo de fomentar provas frágeis.
Um dos exemplos mais famosos do levantamento de provas irrefutáveis está na polícia federal americana - o Federal Bureau of Investigation – FBI que utiliza a inteligência policial para formatar provas irrefutáveis contra criminosos de todas as espécies. Um exemplo famoso é o caso do Agente federal Joseph D. Pistone que se infiltrou, nos anos de 1970, na Máfia Americana com o nome fictício de Donie Brasco e, lá permaneceu por cerca de cinco (5) anos, levantando informações que no futuro foram decisivas para o aniquilamento da máfia nos Estados Unidos (PISTONE, 1994).
Na França a polícia de inteligência que hoje adquiriu contexto internacional – é a Organização Internacional de Polícia Criminal – INTERPOL que exercita a atividade de inteligência policial em várias frentes de crimes e cujo caso mais famoso foi à descoberta de um possível atentado contra o então presidente francês Charles de Gaulle em 1962, que culminou com a intervenção da referida instituição com a morte do terrorista. Essa ação foi eternizada no filme ‘O dia do Chacal’ (LEBEL, 1070).
São três (3) tipos de provas que o ordenamento jurídico brasileiro admite: a primeira é a prova testemunhal de que quem sofreu ou presenciou a ação criminal. É uma prova pessoal que necessita se comprovada tanto para condenar como para absorver; a segunda é a prova documental, ou seja, quando são apresentados documentos que comprovam ou não a ação criminal; e a terceira é a prova pericial, quando as provas testemunhais e/ou documentais são submetidas a uma ação científica que poderá confirmar ou refutar a prova testemunhal e/ou documental. No caso específico do estupor contra vulnerável se faz necessário que não só aprova testemunhal se faça presente na investigação. Tem-se que buscar documentos, como filmagens, por exemplo, da ação criminal e/ou prova pericial com exames de esmem ou DNA do acusado para se verificar a existência do fato (GOMES, 1998).
Quando é considerado somente a prova testemunhal da vitimam geralmente se esquece dum fator decisivo: a forte emoção em que a vítima, (assunto que será tratado no item 4, deste estudo). Já que ela está sob forte emoção o ato violento que sofreu, o que pode, certamente, mexer com sua capacidade de discernimento e levar a condenação de um inocente.
As questões relacionadas com o fenômeno dos menores vítimas de abuso sexual estão hoje entre as mais debatidas em nossa sociedade. Juristas, sociólogos, psicólogos e moralistas, mas também o chamado modelo de rua sempre buscou entender por que homens e mulheres adotam comportamentos contrários ao que é comumente considerado moral e justo, segundo um código unanimemente aceito por diferentes culturas.
O mundo da infância permaneceu por muito tempo desconhecido: durante séculos a criança foi considerada destituída de cultura e incapaz de atividade intelectual. Na era moderna, porém, as revoluções científicas e o surgimento de uma nova visão do conhecimento levaram à descoberta de infância, significando que a criança não é um adulto imperfeito, mas um sujeito ativo, participando de seu próprio desenvolvimento, ao qual a cultura adulta não deve continuar a ser imposta.
No século XX, assistiu-se à aproximação e exploração de Planeta da infância, e um mundo inédito por muito tempo encontrou uma voz. Há poucos anos, portanto, devido a um preocupante desenvolvimento do fenômeno da pedofilia, principalmente depois que a introdução da Internet despertou no mundo, a ideia desses comportamentos segundo um método científico, o mais livre possível, livre de avaliações morais, começou a surgir.
Essa tentativa nem sempre foi implementada de forma adequada, e mesmo estudos que se pretendiam rigorosamente científicos, em análises subsequentes, revelaram a marca de julgamentos de valor implícitos e muitas vezes inconscientes. Talvez também por esta razão, o estudo dos factos relativos aos menores como vítimas de abuso sexual raramente foi acompanhado de uma análise aprofundada das questões relativas às reações que a parte mais conformista do sistema social desencadeia em relação a comportamentos em desacordo com valores e normas.
A extrema difusão do início do abuso sexual e da exploração de menores pode ser rastreada até múltiplas fontes sociológicas. De fato, alguns dados significativos emergem entre estes últimos que revelam que entre 1730 e 1789 25% das vítimas de julgamentos de estupro não chegavam aos 10 anos. Também estão incluídas as crenças populares.
O depoimento é substancial, pois, apresenta um caso concreto de condenação, com base somente no depoimento da vítima de um crime de estupro. Coulouris (2010) diz com propriedade que o depoimento da vítima é o elemento balizador da inicial, mas ao seu lado deve ocorrer um série de indagações que fazem parte do contexto investigativo inicial. Esses questionamentos fazem parte de um formulário padronizado que deve ser aplicado. São essas as indagações, segundo Coulouris (2010, p.16):
1- Aconteceu a conjunção carnal?
2 - Qual a data provável que isso ocorreu?
3 – a paciente era virgem?
4 – O ato foi cometido com violência?
5 – A violência foi cometida através de que meio?
6 – A violência incapacitou a paciente por mais de trinta (30) dias para a realização de suas atividades habituais, ou causou debilidade permanente ou enfermidade sem cura, ou algum tipo de deformidade permanente ou aborto?
7 – A paciente é deficiente metal ou alienada?
8 – A paciente foi impossibilitada de se defender?
Assim fica evidente que ao lado do depoimento da vítima como fonte da inicial alguns procedimentos subjacentes são de extrema importância na instrução da investigação e processual com o objetivo de estabelecer uma conexão do depoimento da vítima com a comprovação deste depoimento. Quando pergunta: Aconteceu a conjunção carnal, se está inferindo que outros elementos probatórios necessitam ser realizados, para comprovar ou não tal fato. Esse exame é o denominado exame de conjunção carnal, quando um perito infere procedimentos par verificar a existência ou não desta possibilidade. Para Mendes (2014), o exame de conjunção carnal é fator preponderante em casos de estupro, principalmente contra vulneráveis por que comprava ou não a existência do fato. Ao seu ado, segundo Mendes (2014) se faz necessário o exame de sêmen e/ou de DNA, com o objetivo de descobrir se o acusado é o verdadeiro cometedor do crime.
O segundo questionamento do formulário padrão que deve ser aplicado, ao depoimento da vítima de estupro é: qual a data provável que isso ocorreu? Ou seja, deve-se confrontar a data em que a vítima afirma que sofreu a violência com os exames de conjunção carnal e/o sêmen que são capazes de inferir a data provável do ocorrido. Para Mendes (2014), essa relação é direta, justamente por que os exames apresentam a data exata do ocorrido podendo comprovar ou não o depoimento da vítima.
Em seguida se indaga: a paciente era virgem? A indagação é de suma importância, pode comprovar que o ato foi violento e sem consentimento, como a maioria dos estupradores afirma, que cometeu o ato com consentimento da vítima. A condicionalidade da virgindade pode comprovar o estupro, pelos exames que são realizados na vítima, já que esses exames são elementos basilares para dizer se a vítima era virgem ou não antes do ato.
A quarta indagação se refere ao seguinte fato: o ato foi cometido com violência? Exames de corpo de delito, de conjunção carnal podem perfeitamente comprovar esse elemento subjacente à instrução da investigação ou a instrução processual, já que os atos violentos são perfeitamente comprováveis pela perícia. Ao mesmo tempo, desta quarta indagação, caso se comprova o ato de violência para o cometimento do crime, se indaga: a violência foi cometida através de que meio? O que os exames periciais podem perfeitamente comprovar ou não em contraponto positivo ou negativo ao depoimento da vítima.
Em um sexto questionamento se indaga: a violência incapacitou a paciente por mais de trinta (30) dias para a realização de suas atividades habituais, ou causou debilidade permanente ou enfermidade sem cura, ou algum tipo de deformidade permanente ou aborto?
Ou seja, se ao ato violento provocou danos físicos ou psicológicos a vítima, o que também pode se comprovado ou não pelos exames periciais. Por fim duas (2) indagações devem ser realizadas, segundo Coulouris (2010): a paciente é deficiente metal ou alienada?
E, a paciente foi impossibilitada de se defender? Na questão sobre a deficiência metal e alienação se busca estabelecer a questão da vulnerabilidade da vítima, embora no ordenamento jurídico brasileiro essa não seja a única especificidade da vulnerabilidade, mas é muito importante. E um exame de natureza psicológica garante essas especificidades. Já quanto à questão da defesa, é também importante se comprovar ou não, a existência ou não de meios de defesa.
Não se pode somente considerar o depoimento da vítima, já que essa esta cercada de emoção pela violência sofrida. E essa emoção favorece a compreensão de suas atitudes como sendo expressão da sua emoção em relação a si próprio e ao outro nas diferentes situações de vida (amizade, namoro, relações hierárquicas, conflitos de ideias e ações,...).
As emoções produzem estados que envolvem três (3) áreas: física, ambiental e intelectual. Uma emoção poderia ser uma resposta a uma situação, no caso o estupro é essa situação; pode também ser uma motivação, (por exemplo, a raiva provocada pela violência sofrida); ou ainda uma finalidade em si (quando, por exemplo, quando se age de certa maneira para alcançar algum objetivo , no caso de estupro encontrar o culpado).
Sobre as questões sobre emoções e sentimentos que envolvem uma pessoa vitima de estupro percebe-se o óbvio: cada ser humano experimenta as emoções de maneira um tanto diversa. Entretanto, é possível notar as tendências comuns. O medo provoca sensações físicas, uma percepção de ameaça e uma certeza de perigo.
Assim, as emoções começam a agir quando são estimuladas por forças e circunstâncias. A maneira como uma vítima de estupro percebe os estímulos determina a intensidade de sua atuação.
A raiva mexe com todos. Ninguém escapa de seu toque. Só que alguns controlam mais os seus efeitos, não permitindo que tome conta da sua vida. Nunca ter raiva, em nenhum momento, seria ser comparado a uma múmia, alguém completamente apático e mole. Até Jesus ficou indignado quando viu a falsidade e a hipocrisia dos fariseus, ou seja, nem Jesus, conseguiu tal feito, principalmente, por ser completamente irritante lidar com gente amoral, falsa, que prega o que não é que se vale de artifícios falsos. No caso específico de uma vítima de estupro a raiva é proeminente. Ela é segundo Kirchner (2010, p. 133), por analogia, pode ser estimulada por quatro motivos:
1º) a pessoa pode ser está frustrada por que um desejo não foi alcançado. Uma pessoa agredida sente-se frustrada em sua condicionalidade individual Essa frustração está diretamente ligada aos preceitos básicos de quem ninguém pode sofrer qualquer tipo de agressão, ou ainda pode está diretamente ligada à questão da justiça social.
2º) ameaça ou ataque contra a autoestima.
3º) a presença de um ato injusto.
4º) alguém tentou prejudicá-la. Aqui os adolescentes sempre acham um culpado para suas atitudes: na família, na escola, na rua etc.
Estes aspectos são fundamentais para se considerar o depoimento da vítima de estupro como único elemento de prova já que esse depoimento nasce de uma mudança das convicções que se forma sobre si mesma.
Com isso fica evidente que o depoimento da vítima de estupro está cercado de emoções que podem levar a uma acusação injusta, levando o acusado a uma condenação equivocada, além do fato que o estupro é um crime hediondo no ordenamento jurídico nacional e crime inafiançável, o que leva ao acusado a execração pública e notadamente a punições violentas no ambiente prisional, trazendo transtornos irreversíveis a sua vida.
5 CONCLUSÃO
O estupro é um crime hediondo e inafiançável no ordenamento jurídico brasileiro e, altamente condenado no seio da sociedade. Cometido contra vulnerável, se torna mais repugnante ainda. Mas esse fato pode retirar direitos do acusado? A resposta a esse questionamento foi à base da construção deste estudo, de caráter acadêmico.
A doutrina brasileira não admite o in dubio pro societate, considerado uma inovação criativa no direito brasileiro, sendo inteiramente contrário aos princípios do estado Democrático de Direito que só admite o in dubio pro reo, ou seja, a presunção da inocência é princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro.
Assim com relação ao primeiro objetivo específico de levantar a questão da relativização do depoimento da vítima em caso de estupro, ficou evidenciado que este depoimento, embora sirva de inicial, não pode ser considerado como único elemento probatório, mesmo no caso de estupro contra vulnerável, seno os outros elementos probatórios de suma importância nos casos de estupro, também.
No segundo objetivo específico de evidenciar quais os riscos e probabilidade de uma condenação equivocada, ficou evidenciado que os riscos já começam com a acusação, quando o acusado é submetido à execração pública e, se preso, submetido a todo tipo de agrura no ambiente prisional, podendo adquirir danos irreversíveis no âmbito físico como também, e principalmente no psicológico.
No terceiro objetivo específico de explicar quais as consequências de uma condenação injusta e a aplicação do princípio in dubio pro reo, essa se evidenciou em dois (2) planos. No primeiro, o acusado fica marcado, por mais que seja inocentado depois, já que a repercussão do caso é bem maior do que quando ele é inocentado; no segundo, é de que o danos físicos e psicológicos muitas vezes se tornam irreversíveis.
Assim como objetivo geral de analisar quais os riscos de uma condenação injusta pelo crime de estupro de vulnerável fundamentada unicamente no depoimento da vítima, ficou patente que a prova testemunhal não pode ser o único elemento probatório considerado, embora nestes casos de estupro contra vulnerável, diante da violência do crime, pouco se atenha esse fato.
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[1] Mestre em Direito do Trabalho Faculdade de Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas em 2013 e professor do curso de Direito do CEULM/ULBRA, Manaus-AM, [email protected]
[2] A Teoria do Domínio do Fato desconsidera que o autor de um crime é um mero coadjuvante na ação criminal, ou seja, mesmo não tendo, praticado a ação criminal, ele a ordenou e tomou a decisão central do cometimento do crime.
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM – Manaus, AM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NONATO, Wendel Melgueiro. O estupro e os riscos da condenação do inocente baseada unicamente na palavra da vítima Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2020, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55933/o-estupro-e-os-riscos-da-condenao-do-inocente-baseada-unicamente-na-palavra-da-vtima. Acesso em: 23 dez 2024.
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