JÉSSICA CAVALCANTI BARROS RIBEIRO[1]
(coautora)
Resumo: O objetivo do artigo é estudar a perspectiva histórica e funcional do positivismo jurídico. Utiliza-se fundamentação teórica com base em Escolas da hermenêutica jurídica. Trata-se de uma pesquisa descritiva, cujo método empregado é o dedutivo. É dedutivo porque é um processo de análise da informação que utiliza livros e artigos científicos para obter uma conclusão a respeito do problema. O trabalho foi realizado por meio de pesquisas bibliográficas na área de Direito, mais precisamente na área de hermenêutica e filosofia do direito.
Palavras-Chave: Positivismo Jurídico. Jusnaturalismo. Hermenêutica Jurídica.
Abstract: The aim of the article is to study the historical and functional perspective of legal positivism. Theoretical basis is used on Schools of legal fermeneutics. It is a descriptive research, the deductive method used. It is deductive because it is an information analysis process that uses books and scientific articles to reach a conclusion about the problem. The work was carried out through bibliographic research in the area of Law, more precisely in the area of hermeneutics and philosophy of law.
Keywords: Legal Positivism. Jusnaturalism. Legal Hermeneutics.
1. INTRODUÇÃO
O Positivismo Jurídico, como importante instituto da Ciência Jurídica, vem sofrendo severas críticas, ao ponto de acarretar a instalação de uma crise de tal fenômeno jurídico. Dessa forma, é necessário desenvolver uma apreciação histórica da formação do positivismo jurídico, bem como de algumas ideias fundamentais sobre o direito que dominaram o mundo jurídico, tal como a ideia de direito natural, ou jusnaturalismo.
Com efeito, apresentar-se-á conceitos, tanto de Positivismo Jurídico, quanto de jusnaturalismo/direito natural, mediante o destaque de suas características centrais
Poucos juristas modernos admitem serem alcunhados de juspositivistas, haja vista que o modelo disciplinar assumiu uma aura de ultrapassado e de vazio de conteúdo legítimo – contudo, menos ainda (salvo, logicamente, os estudiosos do tema) tem clara noção do que efetivamente consiste em aceitar os postulados de tal padrão científico.
Assim, serão traçadas considerações preliminares acerca da análise histórica do Positivismo Jurídico, justamente para dissolver imagens equivocadas acerca de tal padrão teórico. Posteriormente, efetua-se a apresentação da perspectiva funcional do positivismo jurídico, com vistas ao esclarecimento das peculiaridades que o identificam, nos aspectos mais importantes para o cientista jurídico.
2. DISTINÇÃO ENTRE O DIREITO NATURAL E O DIREITO POSITIVO
Podemos afirmar que o reconhecimento da existência de um direito natural, distinto do direito positivo, acompanha a formação histórica do direito. Desde a antiguidade, esse pensamento, com formulações diferentes, dominou as especulações filosóficas, éticas e jurídicas sobre o tema (Betioli, 2011, p.519). Inicialmente, tomamos como ponto de partida a análise do direito natural, em contraponto ao direito positivo, para melhor esclarecimento do que seja o positivismo jurídico.
A expressão “positivismo jurídico” deriva da locução “direito positivo” contraposta ao direito natural. Toda a tradição do pensamento jurídico ocidental é dominada pela distinção entre “direito positivo” e “direito natural” (Bobbio, 2006, p.15). O motivo fundamental que canaliza o pensamento ao Direito Natural é a permanente aspiração de justiça que acompanha o homem. Este, em todos os tempos e lugares, não se satisfaz apenas com a ordem jurídica institucionalizada. O homem sempre busca encontrar a legitimidade das ordens que lhes são impostas (Nader, 2012, p. 373).
O raciocínio que nos conduz à ideia do Direito Natural parte do pressuposto de que todo ser é dotado de uma natureza e de um fim. O adjetivo natural, agregado à palavra direito, indica que a ordem de princípios não é criada pelo homem, mas expressa algo revelado pela própria natureza (Nader, 2012, p. 375). Portanto, a dicotomia entre direito natural e direito positivo é antiga, sobretudo encontrada no direito romano, na figura do jus gentium e jus civile, que correspondem à nossa distinção entre direito natural e direito positivo, visto que o primeiro se refere à natureza (naturalis ratio), e o segundo às estatuições do populus (Bobbio, 2006, p. 18).
Temos dois critérios para distinguir o direito positivo (jus civile) do direito natural (jus gentium): a) O primeiro se limita a um determinado povo, ao passo que o segundo não tem limites; b) O primeiro é posto pelo povo, isto é, por uma entidade social criada pelos homens, enquanto que o segundo é posto pela naturalis ratio (Bobbio, 2006, p. 18).
A origem do direito natural se localiza no próprio homem, em sua dimensão social, e seu conhecimento se faz pela conjugação da experiência com a razão. Durante muito tempo, o pensamento jusnaturalista esteve mergulhado na religião e concebido como de origem divina. Assim, o direito natural seria uma revelação feita por Deus aos homens (Nader, 2012, p. 376). No pensamento medieval, o direito positivo caracteriza-se por ser posto pelos homens, em contraste com o direito natural, que não é posto por esses, mas por algo (ou alguém) que está além desses, como a natureza, ou o próprio Deus (Bobbio, 2006, p. 19).
Não podemos deixar de pontuar que a mais célebre distinção entre direito natural e direito positivo no pensamento moderno é devida a Grócio, que formula tal distinção em termos de jus naturale e jus voluntarium. Para ele, o direito natural é um ditame da justa razão destinado a mostrar que um ato é moralmente torpe ou moralmente necessário, segundo seja, ou não, conforme a própria natureza racional do homem, e a mostrar que tal ato é, em consequência disto, vetado ou comandado por Deus, enquanto autor da natureza (Bobbio, 2006, p. 21). Ainda de acordo com o pensamento moderno, o Direito natural é aquele de que obtemos conhecimento através da razão, de vez que esta deriva da natureza das coisas; e o direito positivo é aquele que vimos a conhecer através de uma declaração de vontade do legislador (Bobbio, 2006, p. 22).
O doutrinador Monreal (1967, p. 97) elenca caracteres do direito natural, a saber: a) Universalidade (comum a todos os povos); b) Perpetuidade (válido para todas as épocas); c) Imutabilidade (da mesma forma que a natureza humana, o direito natural não se modifica); d) Indispensabilidade (é irrenunciável); e) Indelebilidade (não pode ser esquecido pelo homem); f) Unidade (igual para todos os homens); g) Obrigatoriedade (deve ser obedecido por todos os homens); h) Necessidade (ninguém pode viver sem o direito natural); i) Validez (seus princípios são válidos e podem ser impostos aos homens em qualquer situação em que se encontrem).
Podemos, por fim, destacar alguns critérios de distinção entre direito positivo e direito natural, trazidas por Bobbio (2006, p. 22):
a) O primeiro se baseia na antítese universalidade-particularidade: o direito natural vale em toda a parte, o positivo vale apenas em alguns lugares;
b) O segundo se baseia na antítese imutabilidade-mutabilidade: o direito natural é imutável no tempo, o positivo muda;
c) O terceiro se baseia na fonte do direito: o direito natural decorre da natureza racional do homem, o direito positivo é o estabelecido pelo Estado;
d) A quarta distinção se baseia no modo pelo qual o direito é conhecido, o modo pelo qual chega aos destinatários: o direito natural é aquele que conhecemos através da nossa razão, enquanto o direito positivo é conhecido através de uma declaração de vontade alheia (promulgação);
e) A quinta distinção concerne ao objeto dos dois direitos (ao comportamento regulado por estes): os comportamentos regulados pelo direito natural são bons ou maus por si mesmos, enquanto aqueles regulados pelo direito positivo são por si mesmos indiferentes e assumem uma certa qualificação apenas porque (e depois que) foram disciplinados de um certo modo pelo direito positivo (é justo aquilo que é ordenado, injusto o que é vetado);
f) O sexto critério é o de valoração das ações: o direito natural estabelece aquilo que é bom, o direito positivo estabelece aquilo que é útil.
3. AS ORIGENS HISTÓRICAS DO POSITIVISMO JURÍDICO
O positivismo jurídico representou uma ruptura com a visão dominante do direito natural enquanto direito. Pretende-se analisar historicamente o modo como se deu a referida ruptura, abordando o positivismo em alguns países, como Alemanha, França e Inglaterra.
Para que o direito natural perca terreno, é necessário um outro passo, é preciso que a filosofia jusnaturalista seja criticada a fundo e que as concepções jusnaturalistas, como o estado de natureza, lei natural, contrato social, desapareçam da consciência dos intelectuais estudiosos do direito (Bobbio, 2006, p. 45). A dessacralização do direito natural acontece a partir do historicismo (primeira metade do séc XIX), surgindo com a Escola Histórica do Direito. Esta escola surgiu na Alemanha, no final do séc XVIII e início do séc XIX, sendo o seu maior expoente Savigny. O principal papel da Escola Histórica foi fazer uma crítica radical ao direito natural (Bobbio, 2006, p, 45). Tal escola também teve importância ao fazer o contraponto ao iluminismo e ao racionalismo, que defendiam o direito natural. O direito natural, assim, seria como considerações filosóficas do direito, que pode não necessariamente vir do legislador (conquanto o direito positivo seja o direito posto pelo Estado), podendo ter outras fontes.
Os pontos de discordância entre a Escola Histórica de direito e o jusnaturalismo são basicamente centrados nas características da universalidade e imutabilidade. Para o historicismo, o direito é um produto da história, e como tal, vive em permanente transformação (Nader, 2012, p. 379). O fato histórico que constituiu a causa imediata do positivismo jurídico deve ser investigado nas grandes codificações ocorridas entre o fim do séc. XVIII e o início do séc. XIX, que representam a realização política do princípio da onipotência do legislador. Frente a este movimento, a escola histórica assume uma posição de clara hostilidade (Bobbio, 2006, p. 54).
O direito natural como filosofia do direito positivo, desse modo, não é mais concebido como um sistema normativo auto-suficiente, como um conjunto distinto de regras separado do sistema do direito positivo, mas sim como um conjunto de considerações filosóficas sobre o próprio direito positivo (Bobbio, 2006, p. 46).
Segundo Wendepap (2012), Antonio Frederico Justo Thibaut foi o jurista que defendeu a necessidade de se adotar a sistemática dos códigos, opondo-se ao historicismo então vigente. Thibaut aponta que uma boa legislação deve ter perfeição formal (normas claras e precisas) e perfeição substancial (normas que regulamentem todas as relações sociais), o que não seria encontrado no direito de origem germânica, no direito canônico ou no direito romano (Wendepap, 2012). Thibaut também fala que não há problemas em colocar o direito em códigos, pois são poucas as mudanças sociais em assuntos importantes, e que, embora as codificações sejam um direito único, as variações existem apenas por arbítrio dos príncipes (Wendepap, 2012).
Carlos Frederico Von Savigny apresenta uma contraposição à proposta de Thibaut de adotar as codificações na Alemanha. Sem contrariar abertamente as codificações em si, Savigny defende que o direito então vigente na Alemanha seria decadente e que, codificado, seria perpetuado (Wendepap, 2012). Antes, seria necessário o renascimento e o desenvolvimento do direito científico, isto é, das ciências jurídicas - uma das fontes do direito, assim como o direito popular e o direito legislativo (Wendepap, 2012).
Em suma, a Escola Histórica do Direito, cujo principal expoente foi Savigny, tinha como características básicas (Bobbio, 2006, p. 52):
a) A individualidade e a variedade do homem: não existe um direito único, igual para todos os tempos e para todos os lugares. O direito nasce e se desenvolve na história como todos os fenômenos sociais, e portanto, varia no tempo e no espaço.
b) A irracionalidade das forças históricas: o direito nasce imediatamente do sentimento de justiça.
c) Pessimismo antropológico: é preciso conservar o ordenamento existente e desconfiar das novas instituições e das inovações jurídicas. Se opõe ao projeto de codificar o direito germânico.
d) Amor pelo passado e sentido da tradição: valorização do costume.
A escola histórica acreditava que o direito, por definição, deve ser reflexo da realidade social. Mas a realidade evolui e a lei se mantém estática, assim o direito perde a sua força, em vez de promover o bem social, cria problemas e atravanca o progresso (Nader, 2012, p. 283). Ainda, Savigny aduz que a Alemanha de sua época não se encontra em condições culturais particularmente felizes que possibilitem uma codificação, passando, ao contrário, por um período de decadência, principalmente no que diz respeito à ciência jurídica (Bobbio, 2006, p. 61). Para ele, as fontes do direito são substancialmente três: o direito popular, o direito científico e o direito legislativo. O primeiro é próprio das sociedades na sua formação; o segundo, das sociedades mais maduras; o terceiro, das sociedades em decadência. Ele sustentava, portanto, que o único modo de reverter o plano inclinado da decadência jurídica era promover um direito científico mais vigoroso, através do trabalho dos juristas, enquanto o mais certo efeito da codificação seria o de tornar ainda mais grave a crise da ciência jurídica na Alemanha (Bobbio, 2006, p. 62).
Em 1804, entrou em vigor, na França, o Código de Napoleão. Trata-se de um acontecimento fundamental, que teve uma ampla repercussão e produziu uma profunda influência no desenvolvimento do pensamento jurídico moderno e contemporâneo. A codificação representa uma experiência jurídica dos últimos dois séculos típica da Europa continental. A ideia de codificação surge por obra do pensamento iluminista, na segunda metade do séc. XVIII. Portanto, há apenas dois séculos, o direito se tornou codificado, antes disso, não o era (Bobbio, 2006, p. 63).
A Escola da Exegese deve seu nome à técnica adotada pelos seus primeiros expoentes no estudo e exposição do Código de Napoleão, técnica que consiste em assumir pelo tratamento científico o mesmo sistema de distribuição da matéria seguido pelo legislador e, sem mais, em reduzir tal tratamento a um comentário, artigo, por artigo, do próprio código (Bobbio, 2006, p. 83). Esta escola adotou o método tradicional (ou clássico) de interpretação, valendo-se do meio gramatical e da lógica interna. O pensamento predominante desta escola era codicista, de supervalorização do código. Em seu teor, o código era considerado absoluto e não apresentava lacunas (Nader, 2012, p. 282).
A lei é uma realidade morfológica e sintática que deve ser, por conseguinte, estudada do ponto de vista gramatical. É da gramática que o intérprete deve partir para nos dar o sentido rigoroso de uma norma legal. Toda lei tem um significado e um alcance que não são dados pelo arbítrio imaginoso do intérprete, mas são revelados pelo exame imparcial do texto (Reale, 2010, p. 279)
A institucionalização de um código trazia respostas mais fáceis e de rápido acesso, sendo desnecessárias, nessa perspectiva, maiores buscas pelo direito em outras fontes. Os juristas tinham o legislador como autoridade, ou seja, não cabia a eles contrariá-lo, o que inclusive estava em conformidade com a separação dos poderes. Ao juiz, portanto, cabia o papel de ser “a boca da lei”, sendo impedido de criar direito, pois estaria usurpando poderes exclusivos do legislativo.
O magistrado somente aplica a lei, buscando a vontade do legislador, sem verificar se ela é boa ou não, se é justa ou injusta; não há aferição do conteúdo valorativo pelo aplicador da norma. Com essa concepção, o positivismo jurídico não foi capaz de propiciar justiça às relações sociais (Fernandes e Bicalho, 2011, p. 116).
O fato de estar “tudo” no Código traria maior segurança jurídica, já que o cidadão saberia antecipadamente que lei seria aplicada ao seu caso, evitando arbitrariedades. Politicamente, havia a pressão do regime napoleônico, que determinou o ensino do direito positivo, sem teorias gerais ou concepções jusnaturalistas (Wendepap, 2012).
Os caracteres fundamentais da escola da exegese podem ser fixados em cinco aspectos (Bobbio, 2006, p. 84):
a) Inversão das relações tradicionais entre direito natural e direito positivo: embora exista o direito natural, distinto do positivo, ele é irrelevante para o jurista enquanto não for incorporado à lei.
b) Concepção rigidamente estatal do direito: jurídicas são, exclusivamente, as normas postas pelo Estado, ou reconhecidas pelo Estado.
c) Interpretação da lei fundada na intenção do legislador: a interpretação fundada na vontade da lei se contrapõe à interpretação fundada na vontade do legislador. Enquanto o segundo método se baseia numa concepção subjetiva da vontade da lei (entendida como vontade do legislador que a pôs historicamente), o primeiro se baseia numa concepção objetiva da vontade da lei (entendida como o conteúdo normativo que a lei possui em si mesma, prescindindo das intenções dos seus autores); enquanto o segundo método liga a interpretação da lei ao momento de sua emissão e comporta, portanto, uma interpretação estática e conservadora, o primeiro método desvincula a interpretação da lei do contexto histórico no qual ela surgiu e permite uma interpretação progressiva ou evolutiva, isto é, uma interpretação que leva em conta a mudança das condições histórico-sociais (Bobbio, 2006, p.88).
d) Identificação do direito com a lei escrita, culto ao texto da lei.
e) Respeito pelo princípio da autoridade: grande autoridade da qual gozaram alguns dos primeiros comentadores do Código, cujas afirmações foram adotadas pelos juristas posteriores, como se fossem dogmas.
Na Inglaterra, conquanto não houvesse a tradição da codificação, dois estudiosos elaboraram estudos de teorização das codificações, Jeremy Bentham e John Austin, ambos utilitaristas (Wendepap, 2012). O primeiro fez críticas ao commom law, polemizando contra o sistema de direito então vigente, e pugnou pela codificação, como por exemplo (Bobbio, 2006, p. 97):
a) Incerteza do Common law: não se trata de um critério objetivo, mas de uma avaliação pessoal do juiz, a qual permite qualquer arbítrio.
b) Retroatividade do direito comum: enquanto que a lei é feita no presente e passa a valer para o futuro, a decisão do juiz no common law é um produto da criação do Poder Judiciário que, sem haver previamente uma norma escrita, cria uma nova norma para valer para o passado, violando a irretroatividade da lei.
c) O direito comum não é fundado no princípio da utilidade, O juiz tem o dever de resolver qualquer controvérsia que lhe seja apresentada, embora necessariamente lhe falte uma competência específica em todos os campos regulados pelo direito. Este inconveniente é, em contrapartida, eliminado com a produção legislativa do direito, visto que a redação de códigos e leis é confiada a indivíduos ou a comissões dotadas de competência específica.
d) O povo não pode controlar a produção do direito por parte dos juízes.
Austin, por sua vez, chega a fazer uma ligação entre as correntes de base do positivismo jurídico. Ele parte da divisão entre ciência da legislação (direito como deveria ser) e jurisprudência (direito vigente, como é). A jurisprudência divide-se em particular, como sendo um determinado ordenamento, e em geral, como sendo os princípios, noções, conceitos comuns a todo ordenamento (Wendepap, 2012).
Para ele, lei é uma forma típica de direito, é um comando (expressão de um desejo) geral e abstrato, que tem a equivalente sanção. As leis podem ser divinas (reveladas ou não reveladas) ou humanas (direito positivo e moralidade positiva). O direito positivo pressupõe um soberano, uma sociedade política independente (soberania como estrutura hierárquica na sociedade e que nela se esgota). A moralidade positiva é posta por um não soberano, podem ser as leis impropriamente ditas, como o costume social, e as leis propriamente ditas, que se subdividem em leis que regulam a vida dos indivíduos no estado de natureza, que regulam as relações entre os Estados, e as leis das sociedades menores, como as famílias (Wendepap, 2012). Austin ainda apresenta três princípios tidos como fundamentais do positivismo jurídico (Wendepap, 2012):
a) a afirmação de que o objeto da jurisprudência (isto é, da ciência do direito) é o direito tal como ele é e não o direito como deveria ser (concepção positivista do direito);
b) a afirmação de que a norma jurídica tem a estrutura de um comando (concepção imperativista do direito);
c) a afirmação de que o direito é posto pelo soberano da comunidade política independente – isto é, em termos modernos, pelo órgão legislativo do Estado (concepção estatal do direito).
Esse autor não nega a juridicidade do direito posto pelos juízes, pois estes criam direito estatizado, fruto de uma autoridade subordinada. Tanto o direito judiciário (produzido, portanto, por juízes) quanto o direito legislativo são de origem estatal, a diferença está no modo que cada um é produzido, pois no direito legislativo as normas são gerais e abstratas e no direito judiciário são normas particulares, para um determinado caso (Wendepap, 2012).
As codificações, segundo Austin, devem representar uma reformulação formal do direito, e não material tal como propunha Bentham, vez que se tratar de um instrumento técnico-jurídico. Em defesa das codificações, Austin entende que: todo código é incompleto, mas menos lacunar que o direito judiciário; a completude dos códigos deve ser a existência de normas aplicáveis a toda uma categoria de casos; o sistema de precedentes é ainda mais cristalizado que as codificações; a ausência de maleabilidade do código traz maior segurança jurídica; e, por fim, os códigos eliminam equívocos e ambiguidades (Wendepap, 2012).
4. CARACTERÍSTICAS DO POSITIVISMO JURÍDICO
O positivismo jurídico repele o direito natural como um não direito, excluindo-o como objeto da ciência jurídica. O chamado positivismo jurídico representa o conjunto de teorias para as quais só seria propriamente direito o positivo. Positivo significa posto pelo homem, e não dado ao homem (Betioli, 2011, p. 523).
O Positivismo Jurídico apresenta sete pontos ou problemas, conforme aponta Bobbio (2006, p. 131). O primeiro problema diz respeito ao modo de abordar, de encarar o direito: o positivismo jurídico responde a este problema considerando o direito como um fato e não como um valor. O direito é considerado como um conjunto de fatos, de fenômenos ou de dados sociais em tudo análogos àqueles do mundo natural; o jurista, portanto, deve estudar o direito do mesmo modo que o cientista estuda a realidade, isto é, abstendo-se de qualquer formulação de juízo de valor (Bobbio, 2006, 131). Na linguagem juspositivista, o termo “direito” é avalorativo. Quando o cientista investiga o direito, deve expurgá-lo de tudo que não é objetivo, analisando apenas aquilo que lhe garante positividade, que se enquadra na racionalidade científica almejada. Assim, um cientista não poderia descrever a validade de uma determinada norma jurídica por ser boa ou má, por causa da relatividade desse juízo. Tampouco reconhecer o direito a partir da moralidade, o que seria um contrassenso, analisar uma prática social objetiva por intermédio de um olhar subjetivo e, por isso, consequentemente, relativo (Streck e Matos, 2014, p. 131).
O segundo problema diz respeito à definição do direito: o juspositivismo define o direito em função do elemento de coação. É considerado direito o que vige como tal numa determinada sociedade, ou seja, as normas valem por meio da força (Bobbio, 2006, p. 132).
O terceiro problema diz respeito às fontes do direito: o positivismo jurídico considera a lei como fonte preeminente do direito (Bobbio, 2006, p.132). Kelsen é o estudioso que se dedicou mais profundamente ao tema do Ordenamento Jurídico, sendo dele a proposição de que o complexo jurídico é formado por um conjunto de imperativos escalonados hierarquicamente, segundo parâmetros de validade formal, cujo posto máximo é ocupado pela Norma Fundamental (JÚNIOR, 2013, p. 135).
O quarto ponto diz respeito à teoria da norma jurídica: o positivismo jurídico considera a norma como um comando, formulando a teoria imperativista do direito (BOBBIO, 2006, p. 132).
O quinto ponto diz respeito à teoria do ordenamento jurídico, que considera a estrutura não mais da norma isoladamente tomada, mas do conjunto de normas jurídicas vigentes numa sociedade. O positivismo jurídico sustenta a teoria da coerência e da completude do ordenamento jurídico (BOBBIO, 2006, 133).
Outrossim, sob a ótica juspositivista, o Ordenamento Jurídico consubstancia o conjunto unitário, coerente e completo de todas as Regras Jurídicas já devidamente fixadas pela autoridade formalmente legitimada. Ao aplicador, bastaria se socorrer deste manancial de respostas pré-fixadas pelo órgão produtor do Direito para descobrir a solução dos casos concretos, consoante métodos interpretativos elaborados pelos Juristas. E, em caso de ambiguidades, lacunas ou antinomias, seria necessário se socorrer de critérios devidamente preestabelecidos, de modo a reservar a incidência de padrões de julgamento externos somente em casos especificamente autorizados (Zanon Jr., 2013, p. 136).
O sexto ponto diz respeito ao problema da interpretação: o positivismo jurídico sustenta a teoria da interpretação mecanicista, em que prevalece o elemento declarativo sobre o produto criativo do direito (Bobbio, 2006, p. 133). A Decisão Jurídica é tomada através do procedimento lógico dedutivo de subsunção, mediante o qual o juiz enquadra os fatos que lhe são apresentados dentro dos moldes de uma disposição normativa, socorrendo-se da sua própria discricionariedade em casos difíceis (Zanon Jr., 2013, p. 140).
Por último, o sétimo ponto diz respeito à teoria da obediência absoluta à lei (Bobbio, 2006, p. 133), em que a lei é a fonte absoluta do direito.
5. CRÍTICAS AO POSITIVISMO JURÍDICO
Segundo Bobbio, pode-se distinguir o positivismo jurídico em três aspectos diferentes: a) como método para o estudo do direito, b) como teoria do direito, c) como ideologia do direito (Bobbio, 2006, p. 234). A distinção desses três aspectos encontra a sua aplicação na crítica ao positivismo jurídico. Dependendo do aspecto do positivismo jurídico que é submetido a crítica, esta será de fato, de natureza diferente (Bobbio, 2006, p. 235).
Com relação ao método positivista, a crítica se funda num juízo de conveniência. De fato, o método não é senão um meio para atingir um determinado fim e, portando, se trata de avaliar se tal meio é idôneo para atingir o fim em questão, a saber, avaliar precisamente conveniência do próprio meio (Bobbio, 2006, p. 235). Se se toma para exame a teoria juspositivista, a crítica se baseia num juízo de verdade ou falsidade, visto que a teoria quer descrever a realidade e a sua avaliação consiste em verificar se há correspondência entre teoria e realidade (Bobbio, 2006, p. 235).
No positivismo jurídico como teoria, critica-se o fato de um ordenamento jurídico não ser necessariamente coerente, porque podem coexistir no âmbito do mesmo ordenamento duas normas incompatíveis e serem ambas válidas (a compatibilidade não é um critério de validade). Critica-se também o fato de um ordenamento jurídico não ser necessariamente completo, e também o fato da interpretação do direito, feita pelo juiz, não consistir jamais na simples aplicação da lei com base num procedimento puramente lógico (Bobbio, 2006, p. 237).
Com relação ao positivismo jurídico como método, como a ciência consiste na descrição avaliatória da realidade, o método positivista é pura e simplesmente o método científico e, portanto, é necessário adotá-lo caso se queira fazer ciência jurídica ou teoria do direito. Se não for adotado, não será ciência, mas filosofia ou ideologia do direito (Bobbio, 2006, p. 238).
Quanto ao positivismo jurídico como ideologia, Bobbio diz que a ideia de que a lei deve ser obedecida significava, sob regimes passados, defender a liberdade individual lesada pelos abusos do poder político que não respeitava a lei, já que o dever de obedecer à lei diz respeito não só aos cidadãos, mas também aos órgãos do Estado (Bobbio, 2006, p. 236). Entretanto, se acaso tomarmos para exame a ideologia positivista, a crítica se funda num juízo de valor, pois a ideologia não descreve a realidade, mas procura influir nesta e, portanto, da ideologia não se pode dizer que é verdadeira ou falsa, mas se deve dizer se é boa ou má (justa ou injusta, etc); e o modo mais eficaz de criticar uma ideologia consiste em demonstrar que ela dá lugar a uma realidade contrária aos valores comumente aceitos (Bobbio, 2006, p. 235).
Os exemplos mais citados de Direito injusto foram o Direito nazista e o Direito Sul-Africano do apartheid. Duas considerações aqui merecem ser feitas: a primeira é a de que, ao considerar estas normas como Direito, o positivismo não está concordando com o seu conteúdo, sendo perfeitamente possível que se “qualifiquem as normas cujo conteúdo se pareçam inaceitáveis como injustas, imorais, infundadas ou ilegítimas, e mesmo se preguem resistência a elas” (Machado, 2008, P. 344), o que não se pode é negar o caráter jurídico delas; em segundo lugar deve-se frisar que, a não ser em casos extremos como estes, é de muita dificuldade que se faça uma análise valorativa do conteúdo de uma norma com base em uma ideia de justiça. Dessa forma, no próximo tópico deste trabalho, será analisado, de forma crítica, a perspectiva funcional do positivismo na ciência do direito, e do positivismo enquanto ideologia, no caso brasileiro, a partir da visão do direito alternativo.
6. PERSPECTIVA FUNCIONAL DO POSITIVISMO NA CIÊNCIA DO DIREITO
Decerto que, para além de uma mera corrente doutrinária, o positivismo exerce uma função importante no estudo do Direito, possuindo uma perspectiva funcional no nosso ordenamento e sendo um “termômetro” para a aplicação do direito. Tem-se, como caso a ser analisado, o uso de “codificações paralelas” no Brasil, em especial, em comunidades onde o “direito estatal” (direito positivo) “não chega”, ou seja, lugares em que nenhum ou quase nenhum órgão do poder público é instalado.
Se a máxima “onde existe o homem, há sociedade; onde existe sociedade, há direito”, dita por Ulpiano, for verdadeira, então, nas localidades onde o Estado não possui representantes, nem oferece os seus serviços e a sua regulamentação, haverá uma codificação paralela (direito costumeiro) criada pelas pessoas que vivem nestas comunidades. Esta formulação de uma codificação extraoficial/paralela pode se assemelhar ao direito estatal ou ser dispare em relação a ele. Assim, há, no direito, na sociologia jurídica e na filosofia do direito, a discussão se a estas codificações deve ser dado algum grau de legitimidade.
Para a doutrina que acredita ser o “direito alternativo” um direito legítimo, estas normas possuirão vigência (no âmbito da comunidade) tanto quanto as normas positivadas pelo ente estatal. Já para a doutrina que confere ao direito positivo (direito posto pelo Estado) a única legitimidade possível, o “direito alternativo” seria inválido, contra legem, e mero costume sem qualquer força de norma.
Conforme explanado neste trabalho, o direito natural é aquele que é fruto imanente de uma razão, a qual todos os seres humanos possuem, ou ainda que foi entregue aos humanos por força divina. Dessa forma, este ordenamento extraoficial se assemelha ao direito natural na medida que as pessoas que o cumprem/o fazem cumprir alegam estar seguindo a razão dos homens, alegam que “sempre foi assim e sempre será”, pois é o “mais justo a ser feito” e o “mais racional”. Em uma primeira análise, aqueles que fizessem um exame superficial poderiam concordar com este “direito alternativo”, seguindo a linha de pensamento daqueles que defendem o direito alternativo como um direito legítimo.
É de se notar, entretanto, que muitas destas codificações extraestatais preveem sanções para o descumprimento de determinadas normas, como penas de linchamento, mutilação, tortura, lesões físicas ou morte (sanções que estão para além das punições estatais). Estas penas, sem dúvida, afrontam o ordenamento jurídico (e positivo) vigente, e, em especial, violam o direito constitucional, que proíbe penas cruéis e degradantes, e o direito penal, que possui como princípio a ilegalidade das penas sem previsão expressa em lei prévia.
Dessa forma, o positivismo jurídico, ao dizer que é justo o que é posto como norma, e injusto o que a norma positivada proíbe, não está somente operando como corrente/linha ideológica, mas funcionando como marco legal mínimo do que pode ser tido ou não como norma.
7. CONCLUSÃO
Considerando o exposto, pode-se confirmar o conceito antes oferecido, no sentido de que o Positivismo Jurídico é o Paradigma da Ciência Jurídica, caracterizado, principalmente, pela separação entre Direito e Moral; formação do Ordenamento Jurídico exclusivamente (ou prevalecentemente) por Regras positivadas; construção de um sistema jurídico escalonado só pelo critério de validade formal; aplicação do Direito posto mediante subsunção; e discricionariedade judicial (judicial discretion ou interstitial legislation) para resolução dos chamados casos difíceis (hard cases).
De acordo com tal conceito operacional, as quatro plataformas centrais da teoria do Direito positivista são caracterizadas da seguinte forma: a) as Fontes Jurídicas são exclusivamente os Textos Normativos elaborados pela autoridade competente (legislação e precedentes, conforme a vinculação ao civil law ou ao common law), salvo autorização normativa expressa para o acesso a outros elementos; b) as Normas são apenas as Regras Jurídicas devidamente positivadas (ou, ao menos preponderantemente, acaso expressamente admitido o recurso a outros padrões de julgamento, como já mencionado); c) o Ordenamento Jurídico corresponde a uma pirâmide de imperativos legais, escalonados hierarquicamente de acordo com critérios formais de validade, cujo ápice é a Norma fundamental pressuposta; e, d) a Decisão Jurídica é tomada através do procedimento lógico dedutivo de subsunção, mediante o qual o juiz enquadra os fatos que lhe são apresentados dentro dos moldes de uma disposição normativa, socorrendo-se da sua própria discricionariedade em casos difíceis.
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[1]Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Cândido Mendes, Especialista em Direito Penal pela Faculdade Damásio, Bacharela em Direito pela Universidade do Estado da Bahia, professora de direito penal e direito constitucional da Autarquia Educacional do Vale do São Francisco - AEVSF, advogada.
Especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio, Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco, advogado
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTANA, Guilherme Sabino Nascimento Sidrônio de. Perspectiva histórica e funcional do positivismo na ciência do Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 dez 2020, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55958/perspectiva-histrica-e-funcional-do-positivismo-na-cincia-do-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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