LUIZA CAROLINA DA SILVA LOUSADA[1]
(coautora)
Resumo: Esta pesquisa procura analisar a homologação de falta grave consistente no cometimento de fato definido como crime doloso no curso da execução penal. De início serão analisadas algumas noções gerais da execução penal, tida como uma ciência autônoma. Teceremos ainda discussões sobre o instituto da falta grave disciplinar nos termos do art. 52 da LEP, bem como o posicionamento sedimentado pelos tribunais acerca desse tema. Pretende-se com esse estudo uma profunda análise sobre a violação ao princípio da presunção de inocência consagrada pelo texto constitucional, bem como seus impactos negativos em relação à execução da pena, no que tange a homologação de falta grave de fato definido como crime doloso no curso da execução penal.
Palavras-chave: Execução Penal. Falta Grave. Presunção de Inocência. Fato Definido Como Crime Doloso.
Abstract: This research seeks to analyze the homologation of a serious misconduct consistent with the commission of a fact defined as a willful crime in the course of criminal execution. At first, some general notions of criminal execution will be analyzed, considered as an autonomous science. We will also have discussions about the institute of serious disciplinary offense under the terms of art. 52 of the LEP, as well as the position established by the courts on this topic. This study intends to carry out a thorough analysis of the violation of the principle of the presumption of innocence enshrined in the constitutional text, as well as its negative impacts in relation to the execution of the sentence, with regard to the ratification of a serious misconduct defined as a willful crime course of criminal enforcement.
Keywords: Penal Execution. Serious fault. Presumption of Innocence. Fact Defined As Criminal Crime.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DA EXECUÇÃO PENAL E DISCIPLINA. 2.1 Conceito de Execução Penal. 2.2 Da natureza Jurídica da Execução Penal. 2.3 Da Disciplina 2.4 Das Faltas Disciplinares. 2.4.1 Das Faltas Graves. 2.5 Do Procedimento Administrativo para Apuração das Faltas Graves. 2.6 Consequências Legais da falta grave na execução penal. 3 A PRÁTICA DE FATO DEFINIDO COMO CRIME DOLOSO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA EXECUÇAO DA PENA. 3.1 Do Fato Definido Como Crime Doloso. 3.2 Da Existência de Procedimento Disciplinar e o Incidente de Homologação. 3.3 Das Consequências e Principais Críticas. 4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A EXECUÇÃO PENAL. 4.1 Princípio da Humanidade. 4.2 Princípio da Legalidade. 4.3 Princípio da Individualização da Pena. 4.4 Princípio da Individualização da Pena. 4.5 Princípio da Culpabilidade. 4.5 Princípios da Presunção de Inocência. 4.6 Da Violação ao Princípio da Presunção de Inocência no Procedimento Administrativo. 5 A DISTINÇÃO ENTRE OS FINS DA PENA E OS FINS DISCIPLINARES. 5 .1 Da finalidade da pena. 5.1.1 Teoria Absoluta ou retributiva da Pena 5.1.2 Teorias Relativas ou Preventivas da Pena. 5.1.3 Teoria Mista ou Unificadora da Pena. 5.2 Dos Fins da Sanção Disciplinar. 6 CONCLUSÃO.
1 INTRODUÇÃO
Este artigo científico procura discutir sobre um importante instituto vinculado à execução penal, a saber, a homologação de falta grave pela prática de fato definido como crime doloso, nos termos do artigo 52 da Lei de Execuções Penais, bem como suas consequências práticas que afetam o regular cumprimento da pena.
De início, convém mencionar que a execução penal pode ser definida como o momento processual em que o Estado colocará em prática o comando contido em uma decisão condenatória transitada em julgado proferida quando da fase de conhecimento. Trata-se, em síntese, de ocasião oportuna para tornar efetiva a punição e buscar a concretude da finalidade da pena.
Registre-se que a execução penal é autônoma e possui natureza jurídica mista, isto é, nela atuam dois poderes quais sejam o judiciário e o executivo. O judiciário atua para proferir comandos judiciais além de exercer a função de correição, lado outro, tem-se o executivo que toca diretamente à administração dos estabelecimentos penais.
Ao ingressar no estabelecimento penal, o condenado terá que cumprir uma série de deveres que estão acostados na Lei de Execução Penal, bem como em regulamentos locais que dispõe sobre a disciplina do preso, a título de exemplo, pode-se mencionar o artigo 44 da Lei 7.210/84 cuja disposição aponta que a disciplina do preso “consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho”.
Assim no decorrer do cumprimento da pena, o condenado deverá ostentar bom comportamento para fazer jus às recompensas e, na eventualidade de mau comportamento sofrerá com as sanções disciplinares que podem ter natureza leve, média ou grave.
O objeto deste artigo, concentra-se nas faltas disciplinares de natureza grave, isso porque, como será mencionado ao longo dessa discussão as faltas disciplinares greves geram consequências drásticas que afetam o regular cumprimento de pena, assim, faz-se necessária uma análise crítica acerca desse importante instituto que permeia centenas de pessoas privadas da liberdade.
O legislador, por exemplo, ao descrever as mais diversas infrações disciplinares graves tratou de equiparar a prática de fato definido como crime dolosos à falta disciplinar de natureza grave, devendo a autoridade do estabelecimento penal proceder com a apuração do fato por meio de procedimento administrativo disciplinar e, ato contínuo remeter ao juiz da execução para eventual decote de benefícios.
Todavia, impera salientar que por vezes a aplicação das consequências práticas do referido instituto se mostra desrazoável, vez que a confecção do procedimento administrativo disciplinar nem sempre é condizente com a realidade fática e, assim o juiz da execução poderá promover, inclusive, a regressão de regime de um fato que nem sequer possui condenação transitada em julgado, o que desde já comporta uma violação a um importante princípio constitucional, qual seja a presunção da inocência.
Acresça-se a isso, ainda, a possibilidade de uma eventual absolvição do apenado em relação ao fato que ensejou na sua regressão, assim terá a ele acometido todas as consequências jurídicas? E as penas que não comportam penas privativas de liberdade estão aptas a ensejar em regressão de regime ante o cometimento de fato definido como crime?
Como sabido a disciplina dentro dos estabelecimentos penais toca uma questão muito sensível e delicada no ordenamento jurídico e, por esse fato que tal instituto tornou-se matéria controvertida no meio doutrinário.
Diante disso, visando a concretização dessa pesquisa científica, no segundo capítulo, faremos um estudo voltado para a execução penal, conceituando-a, tecendo considerações sobre a natureza jurídica, bem como a realização de uma abordagem sobre as faltas disciplinares e suas principais consequências.
No terceiro capítulo serão mencionados e explicados o instituto da falta grave pelo fato definido como crime, partindo de uma análise doutrinária das principais consequências e relevância desse importante instituto. Já no quarto capítulo cuidaremos dos principais princípios que permeiam a execução da pena, bem como princípio da presunção de inocência que será um grande aliado à esta crítica, demonstrando a violação ao princípio da presunção de inocência.
Por fim, no quinto capítulo analisaremos as finalidades das sanções penais, assim como a finalidade das sanções disciplinares nos estabelecimento penais e de como ela é abordada no ordenamento jurídico brasileiro. Registre-se que para a conclusão desta pesquisa foi utilizada bibliografia doutrinária, assim como jurisprudências constantes no ordenamento jurídico atual.
2 DA EXECUÇÃO PENAL E DISCIPLINA
Para uma adequada compreensão do problema proposto neste artigo, torna-se necessária uma rápida exposição da execução penal e de seu sistema disciplinar.
2.1 Conceito de Execução Penal
A execução penal, segundo Guilherme Nucci, é “a fase processual em que o Estado faz valer a pretensão executória da pena, tornado efetiva a punição do agente e buscando a concretude da finalidade da sanção penal” (NUCCI, 2018, p. 17). Em linhas gerais, trata-se do momento processual em que há a colocação em prática do comando contido em uma decisão condenatória proferida quando da fase de conhecimento do processo penal.
É a própria instrumentalização do disposto no artigo 1º, primeira parte, da Lei de Execuções Penais, sob o qual caberá à execução penal efetivar as disposições da sentença ou decisão condenatória.
Imperioso salientar que para haver o título executivo judicial ensejador da formação da execução, faz-se necessário o trânsito em julgado do trato condenatório, isso porque, a própria Carta Política promulgada em 1988 assim definiu quando estabeleceu que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Nesse sentido, tem-se os dizeres de Alexandre de Moraes para quem:
A Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, consagrando a presunção de inocência, um dos princípios basilares do Estado de Direito como garantia processual penal, visando à tutela da liberdade pessoal. Dessa forma, há a necessidade de o Estado comprovar a culpabilidade do indivíduo que é constitucionalmente presumido inocente, sob pena de voltarmos ao total arbítrio estatal. (MORAES, 2002, p. 385).
Muito embora haja a previsão da aplicação do princípio da presunção de inocência, verifica-se que este não é absoluto e a depender do caso concreto poderá ser relativizado pelo uso das prisões cautelares, desde que exista uma “necessidade cautelar”, bem como o preenchimento dos requisitos e fundamentos cautelares ensejadores da prisão provisória (LOPES, 2020, p. 899).
Todavia, para fins de execução penal o início do cumprimento de pena se inicia a partir do trânsito em julgado e, considerando a existência de eventual prisão cautelar decretada durante a fase de conhecimento do processo tal período de prisão provisória poderá ser utilizado para fins de detração como determina o artigo 42 do Código Penal, havendo o cômputo do referido período quando do início da execução definitiva como tempo de pena cumprida.
2.2 Da natureza Jurídica da Execução Penal
No que tange a natureza jurídica da execução penal, atualmente, a doutrina se divide entre duas concepções. De um lado, tem-se que a natureza jurídica da execução penal possui natureza mista, vez que nela se incluem dois poderes: o Executivo e o Judiciário. Por outro lado, há quem relacione a natureza da execução penal somente no plano jurisdicional.
O que se vê na prática, majoritariamente, é um misto entre os dois poderes, vez que os incidentes da execução se desenvolvem em âmbito judicial e o cumprimento dos comandos pertinentes serão executados pela Administração Pública, sobretudo pela direção dos estabelecimentos penais.
Nessa perspectiva sobre a natureza mista está a posição de Ada Pellegrini Grinover, para quem:
A execução penal é atividade complexa, que se desenvolve, entrosadamente, nos planos jurisdicional e administrativo. Nem se desconhece que dessa atividade participam dois Poderes estatais: o Judiciário e o Executivo, por intermédio, respectivamente, dos órgãos jurisdicionais e dos estabelecimentos penais (GRINOVER,1987, p. 7).
Assim, a execução penal se constitui de um misto entre o poder executivo e o judiciário, havendo a mesma finalidade precípua de fazer valer a pretensão executória do Estado e propiciar condições harmônicas de integração social do condenado ao convívio social.
2.3 Da Disciplina
Segundo o artigo 44, caput, da Lei de Execuções Penais, a partir do ingresso do apenado ao sistema prisional suas condutas passam a ser preordenadas e “consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho” [2], havendo para tanto a imposição da disciplina também aos presos provisórios.
Para Rogério Sanches, tem-se a conduta disciplinar que se espera do condenado ao ingressar no sistema prisional:
Nos artigos 44 a 60 da LEP estão previstas normas atinentes à disciplina do preso (definitivo ou provisório), fundamentando-se em um jogo equilibrado entre o sistema de recompensas que estimula a boa conduta dos internos e uma séries de sanções para aqueles que realizam ações que ponham em risco a convivência ordenada que se requer em centro penitenciário (SANCHES, 2017, p. 66).
Para o mesmo autor, “os condenados à pena privativa de liberdade, restritiva de direitos e os presos provisórios deverão colaborar com a ordem, obedecendo às determinações emanadas das autoridades e seus agentes” (SANCHES, 2017, p. 66).
Quando do ingresso do condenado ou acusado ao início do cumprimento de pena ou da prisão este deverá ser cientificado das normas disciplinares a qual será submetido, sob pena de absolvição sobre eventual falta disciplinar que lhe for imputada. Isso porque, o comando tipificado pelo art. 46 da Lei de Execuções Penais conserva a promoção ao direito de informação sobre a legislação e os regulamentos concernentes à unidade prisional, ou seja, no âmbito puramente administrativo.
Durante o período de reclusão havendo êxito no bom comportamento disciplinar por parte do condenado o estabelecimento penal lhe concederá algumas recompensas, tais como regalias e, inclusive, elogios a fim de incentivar o bom comportamento. Tais recompensas estão tipificadas pelo artigo 56 da Lei de Execuções Penais e serão atos motivados pela Administração Pública.[3]·.
Todavia, a prática das recompensas nos estabelecimentos penais, atualmente, ocasionam na perda de direitos legítimos que simplesmente não foram reconhecidos, isso porque, como já sabido os estabelecimentos penais não conseguem oferecer o ideal e nem incorporar o mínimo para a promoção dos direitos sociais. Assim, a título de exemplo, o preso que labora dentro da unidade e comete uma infração é retirado do ambiente de trabalho, vez que o estabelecimento penal não possui vagas para todos os presos trabalharem, muito embora este seja, inclusive, um dos seus deveres.
Lado outro, o mau comportamento enseja em sanções que geram consequências no regular cumprimento da execução penal.
2.4 Das Faltas Disciplinares
Como analisado no tópico acima, quando do ingresso do apenado no sistema prisional suas condutas passam a ser preordenas e consistentes na colaboração com a ordem, visando a convivência harmônica entre outros presos e pautada nos mínimos de dignidade social, a fim de atingir o objetivo maior da pena, qual seja, a retribuição e a reinserção do apenado ao convívio social.
No entanto, a infração ao dever de disciplina constitui no plano da execução em uma série de sanções que podem ser classificadas em principais e secundárias. Quando à natureza principal, trata-se das sanções disciplinares de advertência, suspensão ou restrição de direitos e isolamento ou inclusão no regime disciplinar diferenciado. Já as secundárias tocam as perdas mais comuns tais como as regalias, rebaixamento da classificação da conduta carcerária e apreensão de valores e objetos. À exceção do regime disciplinar diferenciado (RDD) [4] todas serão aplicados por ato motivado do diretor do estabelecimento penal, sendo apenas o RDD mediante despacho judicial do juiz competente.
2.4.1 Das Faltas Graves
No que concerne às faltas disciplinares, impõe-se mencionar que elas podem ser de três naturezas, sendo as faltas leves e médias definidas pela legislação local e, tendo um rol exemplificativo a depender da localidade, e forma indireta, já que elas não possuem tantas repercussões judiciais, sendo meramente caracterizadas pela repressão. Diferente do que ocorre com as faltas de natureza grave, vez que estas possuem um rol taxativo trazido pelos artigos 50, 51 e 52 da Lei de Execuções Penais e as repercussões são relativamente prejudiciais ao regular cumprimento de pena.
A criação das faltas graves deve observar o processo legislativo, havendo em sua ausência, violação ao princípio da legalidade, posto que elas se encontram especificadas e estabelecidas pela legislação federal, não podendo a administração pública ou o judiciário criar faltas graves que não estão inseridas na Lei de Execuções Penais.
Atualmente, o ordenamento jurídico dispõe das seguintes espécies de falta disciplinar de natureza grave aos que se encontram privados da liberdade: incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina; fuga; posse, indevidamente, instrumento capaz de ofender a integridade física de outrem; provocação de acidente de trabalho; descumprimento, no regime aberto, das condições impostas; inobservar os deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39, desta Lei; tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo; recusar submeter-se ao procedimento de identificação do perfil genético.
Aos que se encontram em cumprimento de penas restritivas de direitos, constituem faltas graves (art. 51 da LEP): o descumprimento, injustificado, da restrição imposta; o retardo, injustificado, da reprimenda imposta e a inobservância dos deveres previstos nos incisos II e V, do artigo 39 da Lei de Execuções Penais e, por fim, independente do regime que esteja em cumprimento o apenado, constitui também como falta grave a prática de fato definido como crime doloso (art. 52, LEP).
2.5 Do Procedimento Administrativo para Apuração das Faltas Graves
Com a prática da falta disciplinar, ato contínuo deverá ser instaurado o procedimento para apuração da conduta faltosa, conforme determinado pelo artigo 59 da Lei de Execuções Penais.[5]
Da leitura atenta do referido dispositivo, surge uma controvérsia: o dispositivo sugere a produção de provas unilateral a fim de consubstanciar o procedimento que levará a decretação do cometimento da infração. Assim tem-se a súmula 533 do STJ, a qual prevê:
Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado (Súmula 533, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/06/2015, DJe 15/06/2015).
Com base no entendimento sumulado pelo STJ, conclui-se que para reconhecer eventual falta disciplinar será necessariamente instaurado procedimento administrativo disciplinar, sendo tal ato de atribuição exclusiva do diretor do estabelecimento prisional.
Nada obstante, esbarra-se no artigo 48, parágrafo único, da Lei de Execuções Penais, no qual há expressa previsão da submissão das faltas disciplinares de natureza grave ao Juiz da Execução para fins de regressão, decote em dias remidos, revogação de benefícios concedidos, bem como outras consequências, além de haver a fixação de requisito negativa na órbita do subjetivo, o qual será objeto do próximo tópico.
Ressalte-se que a submissão da condenação administrativa por falta grave ao crivo do judiciário não tem o condão de afastar as sanções administrativas aplicadas pelo estabelecimento penal quando da prática da conduta faltosa, isso porque, as esferas administrativa e judicial são interdependentes e autônomas entre si. Assim, a imputação de prática de falta grave no cumprimento de pena está submetida ao controle judicial pelo Juízo das Execuções, podendo ainda no uso de suas atribuições desclassificar uma falta, bem como classificar um fato gravoso desde que esteja em concomitância com o ordenamento jurídico.
Nesse sentido, tem-se o entendimento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no qual explica sobre o controle judicial sobre os atos administrativos,
O controle judicial constitui, juntamente com o princípio da legalidade, um dos fundamentos que repousa o Estado de Direito. De nada adiantaria sujeita-se a Administração Pública à lei se seus atos não pudessem ser controlados por um órgão dotado de garantias de imparcialidade que permitem apreciar e invalidar os atos ilícitos por ela praticados (DI PIETRO, 2019, p. 1655).
[...] O fundamento constitucional do sistema da unidade de jurisdição é o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que proíbe a lei de excluir da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito. Qualquer que seja o autor da lesão, mesmo o poder público, poderá o prejudicado ir às vias judiais (DI PIETRO, 2019, p. 1655).
Imperioso salientar que a realidade fática encontra uma série de entraves ao bom andamento da execução. Nesse misto entre os poderes executivo e judiciário, são raros os estabelecimentos penais que conseguem concluir com êxito os comandos em lei. Cada Estado, por exemplo, institui uma lei local que atribui as competências para a realização dos atos, mas a falta de investimentos por parte do Estado no sistema prisional coloca em xeque a própria legalidade dos atos determinados em lei.
Na prática nem todos os estabelecimentos penais conseguem de forma concreta assegurar a ampla defesa e o contraditório no procedimento disciplinar; outros não conseguem sequer concluir o procedimento e, assim, ocorre uma desmedida corrida judicial para que o judiciário possa sanear as lacunas deixadas pelas ausências de investimentos por parte dos Estados e, certamente, a falta grave é um desses pontos chaves na busca pela finalidade da pena quando o Estado não consegue a ela atribui um fim.
2.6 Consequências Legais da falta grave na execução penal
A autoridade administrativa no âmbito da sua atuação goza de autonomia para o exercício de determinados atos, que, em se tratando de execução penal, restringe-se ao lócus penitenciário. No que concerne às faltas disciplinares, ressalte-se que esta tem atribuição para aplicação de algumas sanções como já exposto acima, inclusive de isolamento preventivo sempre por ato motivado.
Todavia, embora haja delimitação à competência do juiz da execução em relação ao campo de análise das faltas disciplinares, no que pertine às faltas de natureza grave a ele é incumbida a competência para aplicar as consequências jurídicas no regular andamento da execução, que não poderão ser aplicadas pela seara administrativa.
Após o reconhecimento em juízo da falta grave, o juiz da execução aplicará as consequências jurídicas da infração ao apenado, as quais basicamente recairá sobre os seus benefícios, tais como eventual decote de dias remidos, revogação de eventuais benefícios (saída temporária e trabalho externo, por exemplo), regressão de regime, negativação quanto ao requisito subjetivo e alteração da data-base para concessão de benefícios.
O artigo 48, parágrafo único, determina que caberá ao juiz da execução, quando do reconhecimento da falta grave, promover com regressão de regime, saídas temporárias, decote de até 1/3 (um terço) dos dias eventualmente remidos e, no cumprimento de pena restritiva de direitos, a pena poderá ser convertida em privativa de liberdade[6].
Além disso, segundo a edição de n° 146 do Superior Tribunal de Justiça, poderá ainda ser indeferida a progressão de regime, o trabalho externo, o livramento condicional e, até mesmo, a extinção da penas pelo indulto ou a redução de pena pela comutação por ausência de requisito de ordem subjetiva, decorrente do reconhecimento da falta grave apurada em juízo.
A seguir algumas das teses avocadas pelo STJ que permitem o magistrado negativar o requisito de ordem subjetiva de acordo com as faltas graves homologadas:
16) A falta disciplinar de natureza grave praticada no período estabelecido pelos decretos presidenciais que tratam de benefícios executórios impede a concessão de indulto ou de comutação da pena, ainda que a penalidade tenha sido homologada após a publicação das normas. (Jurisprudências em Teses n. 146, sítio eletrônico)
Assim, por todo o exposto e diante do narrado, verifica-se que a falta grave homologada em juízo poderá prolongar o período de cárcere em determinado regime pelo simples fato de haver a negativação do requisito subjetivo pela falta grave, haja vista que no Brasil o sistema adotado toca o cumprimento de pena progressivo e para concessão dos referidos benefícios deverá o apenado, além de cumprir o requisito objetivo fixado em lei, preencher também o requisito de ordem subjetiva pautado no bom comportamento.
3 A PRÁTICA DE FATO DEFINIDO COMO CRIME DOLOSO E SUAS CONSEQUÊNCIAS NA EXECUÇAO DA PENA
Neste tópico serão apresentadas as principais características da falta disciplinar pelo cometimento de fato definido como crime doloso durante a execução da pena, bem como as suas consequências no regular andamento da execução.
3.1 Do Fato Definido Como Crime Doloso
Como sabido, ao ingressar no sistema penitenciário, o apenado possui o dever de colaborar com a ordem. Se eventualmente houver mau comportamento, sua conduta será reprimida pelas sanções disciplinares descritas pela Lei de Execuções Penais.
Diante de todas as hipóteses descritas pela Lei n. 7.210/84, o legislador em 2003, por intermédio do artigo 52 da Lei n. 7.210/84, optou por equiparar à falta grave a prática de fato definido como crime doloso no curso da execução penal. Insta mencionar que esta infração disciplinar consiste na prática de algum fato delituoso durante a execução da pena, ou seja, qualquer conduta tipificada pelo Código Penal ou legislação específica que verse sobre o cometimento de crime doloso no curso da execução penal.
Assim dispõe o artigo 52, caput, da LEP.
Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e, quando ocasionar subversão da ordem ou disciplina internas, sujeitará o preso provisório, ou condenado, nacional ou estrangeiro, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar diferenciado, com as seguintes características.
Observe-se o trocadilho utilizado pelo legislador ao utilizar a palavra “fato” e não “crime”. Isso porque, para a prática do ato de indisciplina previsto no artigo 52 da LEP basta a caracterização do fato e não a configuração legal do crime. Mas é certo que tais elementos devem ser acompanhados de algum lastro probatório para subsidiar o conhecimento da falta grave: o trato condenatório é que não se faz necessário.
3.2 Da Existência de Procedimento Disciplinar e o Incidente de Homologação
O procedimento administrativo disciplinar para apuração do fato definido como crime deve observar as mesmas regras locais que versam sobre as atividades prisionais, consubstanciada pelo direito penitenciário e editada pelos Estados da Unidade Federativa do Brasil. Já se viu que o procedimento administrativo disciplinar é imprescindível para instauração do incidente de falta grave na esfera judicial, conforme entendimento já pacificado em tribunais superiores.
Como mencionado acima, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, por meio da súmula 533[7] estabeleceu que o procedimento administrativo disciplinar é indispensável para o reconhecimento judicial da falta grave em juízo. Conclui-se, assim, que qualquer que seja a falta disciplinar deve haver o devido procedimento administrativo, assegurado o direito de defesa do apenado.
Ocorre que nem sempre é possível realizar o comando da súmula 533 do STJ, ou seja, confeccionar o procedimento administrativo, pois no decorrer da apuração podem surgir várias situações impeditivas, tais como, falhas da própria direção do estabelecimento prisional na demora em apurar a falta disciplinar, seja por ausência do sentenciado no lócus penitenciário ou pelo fato do próprio estabelecimento prisional não ter conhecimento do suposto crime cometido pelo preso dentro da unidade prisional.
Por vezes, então, os juízes da execução precisarão suprir as deficiências do procedimento disciplinar. Em recente decisão o Supremo Tribunal Federal, por meio das Jurisprudências em teses n° 941, fixou entendimento de que havendo ausência de defesa técnica durante julgamento administrativo pelo cometimento de falta grave, a audiência de justificação tendo a presença da defesa e do Ministério Público suprirá eventual ilegalidade no decorrer do procedimento[8].
Diante de tal tese, surgem, na seara da execução penal, dúvidas acerca de uma eventual supressão administrativa, isto é, se poderá haver liberdade do judiciário em buscar e apurar as faltas graves, que tecnicamente são atribuídas à Administração Pública.
Nesse sentido, tem-se ainda outro imbróglio e este toca diretamente à condenação penal, que segundo o Superior Tribunal de Justiça é dispensável para a homologação da referida falta grave. Objeto de muitas discussões doutrinárias, a dispensabilidade do título condenatório para o reconhecimento desta falta é, para muitos doutrinadores, tais como Guilherme Nucci, essencial e se assim não fosse “prejudicaria – e muito – o curso da execução. Portanto, basta o cometimento do ato, que poderá ser avaliado pelo juiz das execuções para fins de eventual regressão ou para cortar um benefício” (NUCCI, 2018, p. 83).
Todavia, percebe-se que essa questão é bem mais sensível do que se imagina. Uma reflexão simples pode mostrar que o que se espera de um processo é razoabilidade e adequação: o processo por natureza foi feito para demorar e, por isso, ostenta esse título. Não há como garantir direitos fundamentais em julgamentos imediatos, precipitados e no calor das emoções, e, se assim o fosse, estaríamos admitindo uma falha estrutural entre a lei e as conveniências.
Presumir que o condenado é culpado independente de devido processo legal ou dos ditames constitucionais é abrir espaço para violações e, não só elas, mas também acatar a ideia de que o Estado falha e somente por meio dos remendos feitos pelo judiciário é que haverá equilíbrio.
Nas sábias palavras de Aury Lopes, para quem o processo foi feito para demorar, tem-se o dilema do século: “o processo tem o seu tempo, pois deve dar oportunidade para as partes mostrarem e usarem suas armas, deve ter tempo para oportunizar a dúvida, fomentar o debate e a prudência de quem julga” (LOPES, 2019, p. 39).
Assim, é razoável afirmar que diante de tantas consequências que tocam diretamente a liberdade do apenado a medida utilizada atualmente e, intitulada como falta grave pela prática de fato definido como crime sem que haja sequer uma sentença condenatória é desproporcional ao que se tem previsto na Carta Política, relativo à culpabilidade.
3.3 Das Consequências e Principais Críticas
Como mencionado acima, a homologação de falta grave em juízo acarreta uma série de consequências ao regular cumprimento da pena, tais como regressão de regime, decote de dias eventualmente remidos, constitui fundamento idôneo para negar progressão de regime, saídas temporárias e trabalho externo, altera o marco para obtenção de progressão de regime, justifica a exigência de exame criminológico, impede a concessão do livramento condicional por ausência de requisito subjetivo e ainda é causa impeditiva da concessão de indulto ou comutação.
Não se pode olvidar que as consequências à liberdade do preso são inumeráveis, principalmente, quando se sabe que o sistema adotado pelo Brasil é progressivo, ou seja, até o fim da pena o apenado poderá estar cumprindo sua reprimenda em uma situação bem mais favorável do que quando do início do encarceramento. Dessa forma, o cuidado com o instituto da falta disciplinar deve ser cauteloso e preciso para evitar erros dantescos no decorrer do cumprimento de pena.
À vista das consequências da homologação das faltas disciplinares em juízo, colaciona-se ainda outro grave problema e este pertence à compatibilidade das penas. Sabe-se que as sanções desencadeadas pela infração disciplinar são sensíveis à liberdade do apenado, no entanto, nem sempre os crimes ou os fatos definidos como crime possuem penas privativas de liberdades como sanção, o que deixa ainda mais vulnerável a questão da prisão no Brasil.
A posse de drogas para uso próprio, por exemplo, configura falta grave nos termos do artigo 52 da Lei de Execuções Penais, isso porque, a conduta tipificada pelo artigo 28 da Lei de Drogas foi despenalizada e não descriminalizada. Contudo, da leitura atenta ao tipo legal (artigo 28 da Lei n. 11.343/06) [9], verifica-se que a pena máxima cominada é de 10 meses de prestação de serviços à comunidade, não sendo compatível com o referido delito a pena privativa de liberdade.
Diante de tal conjuntura, o apenado que está em cumprimento de pena e pratica o delito tipificado pelo artigo 28 da Lei de Drogas sofrerá com todas as consequências acima mencionadas, ainda que não tenha nenhuma pena fixada no decorrer do devido processo legal quanto ao fato que ensejou a infração. Além disso, para sua homologação o juiz da execução sequer necessitará de um título condenatório, pois basta o fato definido como crime para que se ter o reconhecimento da falta em juízo.
Ante ao que foi considerado e antes de passar para o próximo tópico, faz-se necessário uma comparação com outro instituto utilizado na execução da pena, o livramento condicional. Trata-se de um benefício que permite a liberdade de forma antecipada e provisória do cárcere.
O Código Penal, por meio do art. 83, disciplina quais são as regras para a obtenção do referido benéfico e o seu período de duração equivale ao restante da pena, que também é chamado de período de prova. Decerto, o sentenciado durante o livramento condicional goza de um estado físico e promissor da sua liberdade que logo será reestabelecida por força do efetivo cumprimento da pena imposta.
Sem adentrar às características do benefício do livramento condicional, ressalte-se que em casos de violação desse benefício suas consequências são bem maiores, tais como a desconsideração do período em que esteve solto. Mas para que isso ocorra deve haver revogação do benefício que se dará por meio de decisão irrecorrível, ou seja, tendo o preso cometido fato definido como crime durante o período de prova, o benefício só será revogado após o trânsito em julgado do referido fato que ensejou na suspensão do benéfico.
Esse exemplo serve para aclarar a importância do devido processo legal, vez que as consequências da revogação do livramento tocam diretamente a liberdade e só poderá ocorrer mediante decisão transitada em julgado sobre fato, haja vista a complexidade da conduta perpetrada durante o período de prova.
Conclui-se que muito embora as razões da revogação do livramento condicional e da falta grave por cometimento de novo crime doloso tenham naturezas distintas, é perceptível que o devido processo legal, assim como os princípios constitucionais norteadores do direito penal e do processo penal integram a execução qualquer que seja o momento. A necessidade de uma condenação irrecorrível para a revogação do livramento condicional reforça a ideia de que a execução penal é compatível com o princípio da presunção de inocência e, se assim não o fosse para sua revogação não seria necessário o trânsito em julgado da condenação do crime praticado durante a vigência do referido benefício.
4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A EXECUÇÃO PENAL
A execução penal é uma ciência autônoma, isto é, regida com princípios próprios e interdependentes, sendo baseada em ditames constitucionais e garantias inspiradas no Direito Penal e no Processo Penal.
Mas o fato de ser uma ciência autônoma não a coloca em uma classificação hierárquica superior aos demais institutos, isso porque ela também deve ser submetida aos princípios preconizados pela Constituição Federal, dado o efeito erga omnes das normas estabelecidas na Carta Magna.
Para melhor compreensão deste artigo, faz-se necessária tecer algumas considerações acerca dos princípios constitucionais e alguns princípios inerentes à execução da pena.
4.1 Princípio da Humanidade
Trata-se de um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito e tem como escopo a redução dos danos produzidos pelo exercício do poder punitivo. O princípio da humanidade, em linhas gerais, consubstancia-se na construção de uma política criminal redutora de danos (ROIG, 2018, p. 18).
O referido princípio encontra-se consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, notadamente em seu artigo 5°, no qual veda qualquer tipo de tratamento desumano aos que se encontram privados da sua liberdade. Nada obstante o princípio também compõe o vasto escopo da Convenção Americana de Direitos Humanos no qual dispõe que ninguém será submetido a penas ou tratamento cruéis, desumanos e degradantes, o que demonstra a preocupação da comunidade internacional em aplicar civilidade aos privados de liberdade.
No Brasil, o princípio da humanidade está disposto pelo artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal[10] e constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, qual seja, a dignidade da pessoa humana. A Lei de Execuções Penais também tratou do princípio ao dispor nos parágrafos §§§ 1º, 2° e 3º do artigo 45 a vedação às sanções coletivas, ao emprego de cela escura e às sanções que coloquem em risco a integridade física e moral do condenado.[11]
Por todo o exposto, resta claro que o princípio da humanidade busca de forma universal a contenção dos danos produzidos pelo poder punitivo, servindo como principal pano de fundo de todos os outros princípios em que se pretende atingir a finalidade da pena, que pressupõe a promoção da dignidade social quando do seu cumprimento.
4.2 Princípio da Legalidade
O princípio da legalidade está previsto pelo art. 5°, inciso XXXIX, da Constituição Federal e repetido no artigo 1° do Código Penal, segundo o qual “não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”[12]. Registre-se que a expressão “pena” deve ser utilizada em sentido amplo, isso é, alcança tanto as penas constritivas de liberdade como as medidas segurança.
Na execução penal, o referido princípio se encontra materializado através do artigo 45 da Lei 7.10/84, o qual dispõe que “não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar”. Importante salientar que, como já mencionado, as faltas disciplinares de natureza grave constituem um rol taxativo disposto pela lei de execuções penais e não sendo admitida analogia in malam partem, sob pena de violação ao princípio da legalidade.
Dessa forma, conclui-se que o princípio da legalidade guarda relação com a seara da execução da pena, sendo sua análise imprescindível, principalmente quando do cometimento de fato definido como crime.
4.3 Princípio da Individualização da Pena
A Constituição Federal por meio do artigo 5°, inciso XLVI dispõe que a lei regulará a individualização da pena. Em suma, o referido princípio busca o tratamento igualitário entre os presos, considerando suas reais necessidades como sujeitos detentores de direitos.
Em matéria de execução da pena, o princípio da individualização, deve ser observado tanto pela administração pública quanto pelo judiciário e sua materialização desdobra a partir do olhar igualitário por parte dos poderes a fim de que seja proporcionado o cumprimento de pena independente de qual seja a classificação do sujeito.
4.4 Princípio da Culpabilidade
O princípio da culpabilidade também foi incorporado pela Lei de Execução Penal, notadamente em seu artigo 45, § 3°, segundo o qual ninguém será punido por sanções coletivas. Nada obstante a análise deste princípio não está restrita ao campo mencionado pela LEP: deve também ser observado por meio da responsabilidade penal.
Nesse sentido, menciona Rodrigo Roig:
Responsabilidade penal deve refletir um comportamento típico, antijurídico e culpável. Particularmente, a culpabilidade possui como elementos a imputabilidade, a exigibilidade de conduta diversa e a potencial consciência da ilicitude, sem as quais deve ser afastada. Para ser viável o sancionamento, é imprescindível que a responsabilidade de determinado resultado seja atribuível a alguém que atuou com dolo ou culpa. Desta percepção decorre a impossibilidade de punição pela simples ocorrência do resultado (responsabilidade objetiva), ou seja, sem que estejam caracterizados o dolo ou a culpa (ROIG, 2018, p. 34).
Dessa forma, verifica-se que o princípio da culpabilidade atua de forma decisiva quanto à questão do cometimento de falta grave, porquanto não basta o resultado, mas faz-se necessário a análise da autoria, bem como da natureza da infração, do elemento subjetivo e, principalmente, dos elementos da imputabilidade, da exigência de conduta diversa e da potencial consciência da ilicitude.
4.5 Princípios da Presunção de Inocência
Estudos mais concretos acerca do nascimento do referido princípio marcam a Revolução Francesa, quando expressamente foi declarado no art. 9º da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.
A redação dada pelo art. 9° da referida Declaração inspirou várias alterações legislativas nesse sentido, ou seja, a comunidade internacional passou a ser regida pelo referido diploma legal, o qual estabelece que “todo homem deve ser presumido inocente, e se for indispensável detê-lo, todo rigor que não seja necessário (para submeter a pessoa), deve ser severamente reprimido por lei”.
No âmbito internacional, a aplicação desse princípio seu deu por meio do Pacto José da Costa Rica de 1969, sendo que foi determinada a sua incorporação ao ordenamento jurídico interno através do Congresso Nacional em 1992, o qual possui status de norma infraconstitucional. Ressalte-se ainda que a aplicação deste princípio se deu também pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Decreto n° 592/92).
No Brasil, o referido princípio decorre do artigo 5°, LVII, da CF, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Apesar de soar paradoxal o princípio da presunção de inocência na execução penal – vez que já se tem a condenação – este é aplicável a pessoas já definitivamente condenadas, sobretudo quando estas são submetidas a processo administrativo em virtude de suposta prática de falta disciplinar (ROIG, 2018, p. 40).[13]
4.6 Da Violação ao Princípio da Presunção de Inocência no Procedimento Administrativo
A Constituição brasileira consagrou a presunção de inocência em seu art. 5°, inciso LVII, estabelecendo que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, o que, a princípio, trata-se de um movimento recente correspondente a um processo penal democrático.
A aplicação desse princípio na seara da execução penal é controversa, porque, por se tratar de pessoas condenadas, é patente e notório a existência de indícios de culpabilidade, especialmente, no que concerne à falta grave, ocasião em tal princípio não vigora.
Não há motivos razoáveis que possam explicar a não aplicação do referido princípio, haja vista que ele decorre da Carta Política e deve ser aplicado também à execução penal como supramencionado, especialmente no que se refere à apuração de falta disciplinar, pois não pode haver prevalência de mera presunção de fatos e se assim admitisse estar-se-ia totalmente contrário ao que determina a Constituição.
Vale lembrar que anterior à vigência da Carta Magna (1988), o Brasil dispunha de uma Constituição regida nos moldes do modelo político autoritário formado em virtude do golpe de 1964. É patente e notório que uma Constituição regida sobre preceitos tiranos também corresponde a um processo penal tirano que não visa guarnecer garantias fundamentais inerentes para a construção de uma sociedade igualitária.
Tal como menciona James Goldschmidt:
Os princípios da política criminal de uma nação não são outra coisa que segmentos de sua política estatal em geral. Pode-se dizer que a estrutura do processo penal de uma nação não é senão o termômetro dos elementos corporativos ou autoritários de sua Constituição (GOLDSCHIMIDT, 2018, p. 67).
Imperioso salientar que a Lei de Execuções Penais foi criada em 1984, quando ainda éramos regidos por um Governo autoritário. Princípios, tais como a presunção de inocência apenas permeou o ordenamento jurídico após o processo de redemocratização, ou seja, com o surgindo de uma nova constituinte em 1988. Muito embora a Lei n.7.210/84, ao longo desses anos, tenha passado por modificações, ainda é possível encontrar resquícios de um processo penal tirano.
À título de exemplo, tem-se a regressão de regime cautelar nos termos do artigo 118, inciso I, da LEP ocasião em que o preso poderá ser transferido para outro regime mais rigoroso quando praticar fato definido como crime ou falta grave. Verifica-se que para haver a decretação (cautelar) da regressão de regime basta a notícia de cometimento de falta grave ou a prática de fato definido como crime doloso, sem que sequer haja a devida apuração do fato[14].
Em linhas gerais, trata-se da necessidade de um julgamento imediato, precipitado e no calor da emoção, motivado pela notícia de suposta falta grave ou cometimento de novo crime doloso, sem que sequer haja a devida apuração, momento oportuno em que o judiciário se reveste e conclui que a pena não atingiu a finalidade esperada.
Todavia, ainda que haja argumentos favoráveis à tal concepção ativista, verifica-se que esta se encontra inteiramente divorciada dos preceitos constitucionais. O constituinte ao definir e fundamentar o princípio da presunção de inocência não o distribuiu para discricionariedade do judiciário: o referido princípio deve ser, sim, aplicado ao preso quando da apuração de falta grave, notadamente quando este se encontra sob a tutela do Estado, o qual deveria guarnecer e cumprir com a finalidade da pena.
Sob essa perspectiva, tem-se a conclamação do princípio da presunção de inocência no Estado Democrático de Direito. Para Aury Lopes:
Princípio que primeiro impera no processo penal é o da proteção dos inocentes (débil), ou seja, o processo penal como direito protetor dos inocentes (e todos a ele submetidos o são, pois só perdem esse status após a sentença condenatória transitar em julgado), pois esse é o dever que emerge da presunção constitucional de inocência prevista no art. 5º, LVII, da Constituição (LOPES, 2019, p. 30).
Assim, não há razoabilidade para não haver a aplicação do referido princípio, vez que dele decorre o fundamento central da existência do Estado Democrático de Direito.
5 A DISTINÇÃO ENTRE OS FINS DA PENA E OS FINS DISCIPLINARES
Para melhor compreensão deste tópico é imprescindível uma análise sobre a finalidade das penas, bem como dos fins disciplinares, trazendo à baila uma importante discussão acerca das diferenças entre as finalidades supramencionadas, que, ao final deste artigo, servirá de escopo para uma análise crítica do reconhecimento de falta grave pela prática de fato definido como crime no curso da execução penal.
5 .1 Da finalidade da pena
Como já mencionado acima, cabe à execução penal efetivar as disposições da sentença ou decisão criminal. É o que determina a 1ª parte do art. 1º da Lei de Execuções Penais e, sob a perspectiva do mesmo artigo, tem-se ainda a promoção de condições adequadas a garantir a harmônica integração social do condenado, o que remete a uma análise pormenorizada das finalidades da pena.
Assim dispõe o art. 1° da Lei de Execuções Penais,
Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.
De início convém ressaltar que o Estado surge da necessidade de organizar e regulamentar a convivência humana em sociedade, tendo como meio a utilização da pena para proteger eventuais lesões a bens jurídicos, tais como a vida, dignidade humana, a honra, patrimônio e outros.
Assim, concebe-se que, marcado pelo contexto histórico, social, cultural e político, o Estado permeia todas as relações sociais e, de forma organizada e regulamentada, tutela a vida em sociedade buscando meios para garantir a harmonia entre os povos.
E é nesse sentido que as teorias da pena podem ser explicadas.
5.1.1 Teoria Absoluta ou retributiva da Pena
A teoria absoluta ou retributiva da pena se caracteriza, essencialmente, na justa retribuição ao mal perpetrado, ou seja, trata-se de um castigo imposto pelo próprio Estado para aquele que deturpa a ordem e desarmoniza a convivência humana na medida do mal causado.
Assim ensina Cezar Roberto Bitencourt:
A característica essencial das teorias absolutas consiste em conceber a pena como um mal, um castigo, como retribuição ao mal causado através do delito, de modo que sua imposição estaria justificada, não como meio para o alcance de fins futuros, mas pelo valor axiológico intrínseco de punir o fato passado: quia peccatum. Por isso também são conhecidas como teorias retributivas. (BITENCOURT, 2012, p. 55)
Para essa teoria a pena é um fim em si mesmo, ou seja, limitada ao castigo e repreensão da conduta delituosa. Uma das grandes discussões acerca da referida teoria consiste na ausência de uma justificativa plausível para tal retribuição. Ora, se vivemos em Estado Democrático de Direito que tem por objetivo a promoção da dignidade social, não faz sentido existir uma pena baseada apenas na retribuição sem buscar um fim específico.
5.1.2 Teorias Relativas ou Preventivas da Pena
Diferentemente da teoria absoluta em que se busca a justa retribuição do mal causado, as teorias relativas ou preventivas inauguram um novo formato para os fins da pena, os quais estão estabelecidos na prevenção, na finalidade de evitar a reiteração da prática delituosa. A finalidade preventiva da pena, atualmente, está dividida entre a prevenção geral (positiva e negativa) e a prevenção especial (negativa e preventiva).
Para Cézar Roberto Bitencourt as teorias da prevenção geral têm como finalidade “a prevenção de delitos incidindo sobre os membros da coletividade social” (BITENCOURT, 2012, p. 57) e para o seu alcance elas podem ser classificadas em duas versões: a prevenção geral negativa consiste na dissuasão dos possíveis criminosos da prática de futuros delitos. Em verdade, essa vertente da prevenção geral consiste na força que a pena possui e que permite a manutenção da ordem perante a sociedade. Já a prevenção geral positiva anuncia e reforça a fidelidade que todos os cidadãos possuem com a ordem social ao qual pertencem, ou seja, finalidade estritamente pedagógica e de reafirmação do sistema normativo.
A prevenção especial nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt “procura evitar a prática do delito, mas, ao contrário da prevenção geral, dirige-se exclusivamente ao delinquente em particular, objetivando que este não volte a delinquir”. Essencialmente essa vertente está dirigida ao delinquente que se encontra sob tutela do Estado, e, de pronto, não se pode confundi-la comas sanções penais impostas dentro do estabelecimento penal que visam guarnecer a integridade física do apenado e o estabelecimento da ordem no lócus penitenciário.
5.1.3 Teoria Mista ou Unificadora da Pena
A teoria mista ou unificadora da pena consiste na tentativa de agrupamento da teoria absoluta e relativa em um único conceito para se definir a finalidade da pena, ou seja, tal teoria busca a aplicação da retribuição da pena em um fim em si mesma, bem como da prevenção, evitando-se assim a reiteração da prática delitiva. O Código Penal Brasileiro, por exemplo, adotou a teoria unitária baseada na contraposição entre retribuição e prevenção.
Para Rogério Greco:
[…] Nosso Código Penal, por intermédio do artigo 59, diz que as penas devem ser necessárias e suficientes à reprovação e prevenção do crime. Assim, de acordo com a nossa legislação penal, entendemos que a pena deve reprovar o mal produzido pela conduta praticada pelo agente, bem como prevenir futuras infrações penais (GRECO, 2017, p. 197).
Como se vê, o Código Penal Brasileiro adotou a teoria mista ou unificadora da pena e, em linhas gerais, busca-se com a pena a absoluta repreensão do crime, bem como ainda requer a não reiteração do delito praticado.
5.2 Dos Fins da Sanção Disciplinar
A sanção disciplinar no curso da execução penal tem como finalidade a busca pelo estabelecimento da ordem dentro do lócus penitenciário, pois, como sabido, ao ingressar no sistema prisional o acautelado deverá cumprir uma série de regramentos que tornará o convívio com outros presos ou agentes públicos suportável.
Como já mencionado acima, a fim de zelar pelo bom cumprimento da pena, o preso também precisa agir de acordo com os ditames legais impostos dentro do estabelecimento penal, dispostos na lei de execuções penais e em regulamentos locais, pois a ausência de “bom comportamento” implicará na perda de benefícios.
Ocorre que a finalidade da sanção disciplinar só possui efeitos práticos enquanto o apenado está em cumprimento de sua reprimenda, o que, diferentemente, ocorre com o apenado que já cumpriu a sua pena. Muito embora a Lei de Execuções Penais em seu art. 1º, segunda parte tenha disposto que a execução penal deverá “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” esta não se confunde com a finalidade da pena, o que se espera com ela é uma pena justa baseada em ditames legais.
Dessa forma, conclui-se que a finalidade da pena possui alcance imediato e para todas as pessoas, sejam delinquentes ou não, já a sanção disciplinar penal, por outro lado não possui esse alcance, pois está restrita aos que estão em cumprimento de pena, notadamente aos que estão no estabelecimento prisional, vez que conforme estabelece a Lei de Execuções penais o poder disciplinar será exercido pela autoridade administrativa.
A título de exemplo, pensem na situação de um agente público que faz a intermediação ou facilita a entrada de aparelho telefônico (objeto ilícito) no estabelecimento penal, cometendo o crime tipificado no art. 349-A do CP. A ele será fixada uma reprimenda baseada nas finalidades da pena para evitar a reiteração criminosa, bem como proporcionar uma justa retribuição ao delito praticado, mas observe que este não sofrerá com as sanções disciplinares dispostas na Lei de Execuções Penais, afinal ele não está tendo uma pena executada pelo judiciário[15].
Dessa forma, verifica-se a incongruência entre a homologação de falta grave pelo cometimento de novo crime na execução penal, uma vez que a prática delitiva em si aponta a ineficácia da finalidade da pena atribuída ao sujeito deturpador da ordem. Ademais, a falta grave não tem o condão de reestabelecer tal finalidade, vez que esta está intrinsecamente ligada à ordem dentro do lócus penitenciário e ao cumprimento de pena.
E embora, o cometimento de novo crime seja grave para execução da pena, o que carece revisão são os métodos utilizados pelo Estado no combate ao crime, principalmente no se refere a impunidade, não tendo a falta grave o escopo necessário para repreensão de novos delitos, ainda, que ela possua grandes repercussões.
A equiparação à falta grave sobre o fato doloso definido como crime cometido quando do cumprimento de pena, ainda, pode representar uma punição “bis in idem”, ou seja, pautada na repetição punitiva, vez que quando da fixação daquela pena pelo prática de novo crime serão observadas todas as finalidades a elas intrínsecas, contudo uma regressão de regime, por exemplo, aumenta o período no cárcere além de ser um fator definitivo para atestar a insuficiência do Estado, no que concerne à promoção do papel ressocializador das penas imputadas.
O que se oberva do artigo 52 da Lei de Execuções Penais, é uma tentativa mal sucedida do legislador para tentar suprir com a ineficiência do sistema prisional no Brasil, e a não observância de princípios tais como a presunção de inocência atesta ainda mais essa tentativa fracassada de atribuir à sanção indisciplinar um efeito preventivo e retributivo que só as penas possuem cominadas pelo Código Penal possuem, e tal fato ainda se agrava quando o Estado deixa de observar princípios e procedimentos tão importantes para que se tenha uma condenação.
6 CONCLUSÃO
Por todo o exposto, conclui-se que a execução penal é um importante ramo das ciências penais e que a disciplina no lócus penitenciário é fundamental para o estabelecimento da convivência harmônica. Assim as sanções disciplinares no curso da execução da pena se tornam essenciais e aliadas na busca constante pelo regular cumprimento de pena.
Contudo, a ausência do Estado na gestão exemplar dos estabelecimentos penais não pode interferir na finalidade dos institutos da execução penal, pois, como mencionado, as sanções disciplinares aplicadas dentro do estabelecimento penal visam o reestabelecimento da ordem e do cumprimento de todos os deveres inerentes ao preso a partir do ingresso no estabelecimento penal.
Situação diversa ocorre quando o assunto é finalidade das penas, cujo principal escopo está no que se pretende com a fixação daquelas penas e tal premissa deve estar intrinsecamente interligada ao projeto de retribuição e prevenção para o retorno efetivo do preso.
Dessa forma, verifica-se a incongruência entre a utilização da homologação de falta grave pelo fato definido como crime doloso no decorrer da execução da pena como um instrumento capaz de promover e evitar a delinquência, visto que a finalidade da sanção disciplinar se instrumentaliza dentro do lócus penitenciário.
Acresça-se a isso o fato importante que permeia as questões penais, notadamente no que (não) se tem de estabelecimentos penais no Brasil. É sabido que o Código Penal brasileiro tratou de estabelecer, por meio do artigo 33, os tipos de estabelecimentos penais para cada regime. Em linhas gerais, é consabido que o Estado não consegue ofertar de forma vasta este estabelecimentos adequados em todas as unidades federativas do país, o que acaba criando várias excepcionalidades ao cumprimento da pena. Foi o que ocorreu em 2020 ante a situação calamitosa vivida (pandemia do COVID-19), em que vários presos passaram a cumprir pena em prisão domiciliar estando em regime semiaberto e aberto, ou em alguns casos no regime fechado.
Nesse sentido as faltas disciplinares perdem a finalidade que estaria alocada no cumprimento de pena em estabelecimentos penais, o que acarreta no ativismo judicial na busca incansável pela finalidade que se espera de uma pena fixada e, isso só ocorre porque o Estado não consegue promover incentivos suficientes no combate à impunidade e também na existência de estabelecimentos adequados que possam atingir a finalidade tão buscada com a imposição de uma reprimenda.
Saliente-se, ainda, que, sob a perspectiva do Estado Democrático de Direito, a não observância de princípios constitucionais comporta uma grave violação à Carta Política, tal como ocorre com as faltas tipificadas pelo artigo 52 da Lei de Execuções penais, pois, conforme entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a homologação de falta grave decorrente de fato definido como crime independe de transito em julgado, ou sequer uma condenação.
Vale lembrar que as faltas graves em sede de execução penal comportam em drásticas consequências ao cumprimento da pena, tais como regressão de regime, decote de dias eventualmente remidos, constitui fundamento idôneo para negar progressão de regime, saídas temporárias e trabalho externo, altera o marco para obtenção de progressão de regime, justifica a exigência de exame criminológico, impede a concessão do livramento condicional por ausência de requisito subjetivo e ainda é causa impeditiva da concessão de indulto ou comutação.
Dessa forma, considerando as várias consequências em sede de execução penal, a homologação de falta grave pelo fato definido como crime sem antes haver o trânsito em julgado repercutirá de forma negativa no cumprimento do apenado, vez que deixa de observar o princípio da presunção de inocência, partindo de um julgamento precipitado que não tem a certeza mínima de indícios de autoria e materialidade. E aliado isso, havendo uma eventual absolvição referente ao fato criminoso que ensejou no reconhecimento da falta grave, o efeito prático se dará apenas em excluir a falta, mas e o tempo que o apenado ficou em regime mais grave? Poderá ser computado?
Tal como na fase de conhecimento, são temerárias condenações precipitadas na execução penal, afinal envolvem questões que afetam a liberdade e podem ter repercussões ainda maiores, considerada a ineficiência do Estado, na consciência do apenado.
Além disso, há ainda os casos em que o fato previsto como crime doloso não comporta sequer pena privativa de liberdade, o que de pronto demonstra a incongruência do instituto que não abarca as situações jurídicas como um todo: como efetuar uma regressão de regime de uma fato que não comporta a prisão privativa de liberdade? Seria criar situações jurídicas inexistentes no ordenamento pátrio, assim como promover uma situação mais gravosa para o apenado.
E, sob a égide dos institutos penais, é perceptível tamanha incongruência quando comparadas as consequências das faltas disciplinares de natureza grave às consequências imposta no livramento condicional, para o qual, segundo normatização do Código Penal, é imprescindível o trânsito em julgado do novo crime cometido durante o período de provas.
Ante ao exposto, tem-se sob uma análise crítica do artigo 52 da Lei de Execução Penal uma falha do legislador ao permitir um vasto rol de consequências sem ao menos ter o mínimo de certeza que se espera de uma condenação. Mas tal ato mostra-se recorrente no ordenamento jurídico brasileiro: a busca por julgamentos precipitados e no calor da emoção, a fim de satisfazer o clamor social e de aliviar as atribuições do que se espera do Estado Democrático de Direito.
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[1] *Acadêmica em Direito pelo Centro Universitário Una. Email: [email protected]
[2] Assim dispõe o art. 44, caput, da LEP: “A disciplina consiste na colaboração com a ordem, na obediência às determinações das autoridades e seus agentes e no desempenho do trabalho”.
[3] Assim dispõe o art. 56 da LEP: São recompensas: “I - o elogio; II - a concessão de regalias”.
[4] Rodrigo Roig explica que a partir de sua modificação pela Lei n. 10.792/2003, a Lei de Execução Penal passou a admitir a inclusão de presos no Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), gestado dois anos antes em São Paulo, por meio da Resolução SAP n. 26/2001, com a “promessa” de ser grande instrumento de enfrentamento da criminalidade organizada. O Regime Disciplinar Diferenciado possui a natureza de sanção disciplinar e, como se sabe, caracteriza-se pela duração máxima de 360 dias (sem prejuízo de repetição pela reiteração, até o limite de 1/6 da pena aplicada). Quanto à duração do RDD, há manifestação do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que é desproporcional a sua imposição no prazo máximo de duração, de 360 dias, sem uma individualização da sanção adequadamente motivada (STJ, HC 89935/BA, 6ª T., j. 6-5-2008). O RDD também se notabiliza pelo recolhimento em cela individual, pela limitação de visitas semanais (ROIG, 2018, p. 121).
[5] Assim dispõe o art. 59 da LEP: “Praticada a falta disciplinar, deverá ser instaurado o procedimento para sua apuração, conforme regulamento, assegurado o direito de defesa”.
[6] In verbis Art. 48 da LEP “Na execução das penas restritivas de direitos, o poder disciplinar será exercido pela autoridade administrativa a que estiver sujeito o condenado”. Parágrafo único. Nas faltas graves, a autoridade representará ao Juiz da execução para os fins dos artigos 118, inciso I, 125, 127, 181, §§ 1º, letra d, e 2º desta Lei”.
[7] In verbis: “Para o reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por advogado constituído ou defensor público nomeado”.
[8] Assim dispõe a Jurisprudência em tese de n. 941: “Possibilidade de afastar-se o prévio procedimento administativo disciplinar – PAD, ou suprir sua eventual deficiência técnica, na hipótese de oitiva do condenado em audiência de justificação no juízo da execução penal, realizada na presença do ministério público ou defensor”.
[9] In verbis:Art. 28 da Lei de Drogas “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas”:
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 4º Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
[10] Assim dispõe o Art. 1º da CF “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana”.
[11] In verbis: Art. 45 da LEP “Não haverá falta nem sanção disciplinar sem expressa e anterior previsão legal ou regulamentar. § 1º As sanções não poderão colocar em perigo a integridade física e moral do condenado. § 2º É vedado o emprego de cela escura. § 3º São vedadas as sanções coletivas”.
[12] In verbis art. 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
Dispõe ainda o art. 1° do Código Penal “Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
[13]Assim dispõe o art. 5°, inciso LVII, da CF “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
[14] Dispõe o art. 118, inciso I, da LEP: “Art. 118. A execução da pena privativa de liberdade ficará sujeita à forma regressiva, com a transferência para qualquer dos regimes mais rigorosos, quando o condenado:I - praticar fato definido como crime doloso ou falta grave;
[15] Dispõe o art. 349-A do Código Penal “Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional”.
Advogada. Especialista em Direito Público. Pesquisadora acadêmica.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COUTO, Andreza Sena. A falta grave decorrente de fato definido como crime doloso no curso da execução penal: uma análise crítica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 dez 2020, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55960/a-falta-grave-decorrente-de-fato-definido-como-crime-doloso-no-curso-da-execuo-penal-uma-anlise-crtica. Acesso em: 23 dez 2024.
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