GUILHERME AUGUSTO MARTINS SANTOS
(orientador)[1]
RESUMO: o abandono afetivo inverso é o descaso, insensibilidade e negligência dos descendentes para com os ascendentes na velhice, que é a fase mais vulnerável da vida de um indivíduo. Essa é uma realidade no Brasil, entretanto não está positivada no ordenamento jurídico brasileiro, por falta de atuação dos Poderes Legislativos e Judiciários. Diante disso, são questionados os direitos, deveres e consequências desse fato jurídico, e na ausência desta normatização, qual é o papel do Judiciário. Como objetivo geral buscamos abordar a (im)possibilidade da exclusão da sucessão por abandono afetivo inverso. Para a realização do estudo e solucionar o problema de pesquisa, serão utilizados os métodos científicos indutivo, observacional e comparativo. Verificou-se que os Poderes Legislativo e Judiciário têm atuado no tocante ao tema, levando em consideração a afetividade como um valor jurídico, que nos leva a ter um olhar científico do afeto no Direito das Famílias.
Palavras-chave: Abandono afetivo inverso; Deserdação; Idosos.
ABSTRACT: inverse affective abandonment is the neglect, insensitivity and neglect of descendants to the ascendants in old age, which is the most vulnerable phase of an individual's life. This is a reality in Brazil, however it is not positive in the Brazilian legal system, due to the lack of action of the Legislative and Judicial Powers. Therefore, the rights, duties and consequences of this legal fact are questioned, and in the absence of this standardization, what is the role of the judiciary. As a general objective, we seek to address the (im)possibility of the exclusion of succession by inverse affective abandonment. To carry out the study and solve the research problem, inductive, observational and comparative scientific methods will be used. It was found that the Legislative and Judicial Branches have acted on the subject, taking into account affectivity as a legal value, which leads us to have a scientific view of affection in family law.
Keywords: Inverse affective abandonment; Desertion; Elderly.
Sumário: Introdução. 1. 1. O idoso e o ordenamento jurídico brasileiro. 1.1. Afetividade como Valor Jurídico. 2. Abandono afetivo inverso. 2.1 Afeto e dever de cuidar. 2.2 Desbiologização da paternidade. 2.3 Abandono afetivo inverso (construção teórica/jurídica do abandono afetivo inverso). 3. Sucessão. 3.1 Indignidade. 3.2 Deserdação. 3.3 Precedentes Judiciais acerca do tema. CONCLUSÃO. Referências.
INTRODUÇÃO
O alargamento do índice populacional dos idosos é uma nova realidade nacional e comessa evolução, a classe tem exigido adequações à nova situação demográfica no Brasil. A expectativa de vida tem aumentado, as taxas de natalidade diminuído e surgiu-se, assim, confrontos de gerações diante do novo cenário social.
Diante disto, a vulnerabilidade dos indivíduos e das relações estão em foco, visto que o afeto vem ganhando cada dia mais importância nas relações sociais e jurídicas atrelado à influência que esse comportamento exerce, mais especificamente, no núcleo familiar.
Os conceitos no Direito das Famílias estão em processo de mudanças e consequentemente, o Direito das Sucessões necessita acompanhar essas evoluções, já que os dois institutos abrangem o início, o meio e o fim da vida do indivíduo e suas relações.
Novas teses estão sendo criadas, devido às demandas, cada vez mais frequentes, que a sociedade tem exigido. O abandono afetivo inverso, que é o descaso, insensibilidade e negligência dos descendentes para com os ascendentes na velhice, que é a fase mais vulnerável da vida de um indivíduo, é um exemplo de demanda atual. Essa é uma realidade que existe há muito tempo, mas não está positivada no ordenamento jurídico brasileiro, por falta de atuação dos Poderes Legislativos e Judiciários.
Diante desse fato, é questionado nas discussões, qual a penalidade que os descendentes deverão sofrer diante de uma situação que deveria ser analisada com compaixão pela sociedade e representantes dela. A possibilidade de exclusão da sucessão seria uma alternativa para este problema, porém temos um impedimento, que é o que a maioria dos tribunais têm alegado nessas situações: o rol taxativo dos artigos 1.961 a 1.965 do Código Civil Brasileiro.
Na legislação brasileira, o abandono afetivo é também tipificado como crime. Temos, atualmente, tramitando no Congresso Nacional, Projeto de Lei que amplia tais causas e normatiza tais possibilidades.
Diante de tais situações, é questionado pelo Judiciário e sociedade, em quais hipóteses há (im)possibilidade da exclusão da sucessão por abandono afetivo inverso?
Nesse trabalho, será abordado a (im)possibilidade de exclusão da sucessão nos casos de abandono afetivo inverso, levando em consideração a ausência dessa hipótese no ordenamento jurídico e as alternativas que são disponibilizadas para a solução de problemas sociais como esse nas relações familiares.
Como objetivo geral buscamos abordar a (im)possibilidade da exclusão da sucessão por abandono afetivo inverso. Além de refinar o estudo com os objetivos específicos para: compreender as definições e os direitos do idoso na legislação brasileira; conceituar o abandono afetivo inverso e suas implicações; conhecer as hipóteses de deserdação na legislação brasileira; e identificar os precedentes judiciais relativos ao tema. Para a realização do estudo e solucionar o problema de pesquisa, serão utilizados os métodos científicos indutivo, observacional e comparativo.
Dessa forma, trataremos do ordenamento jurídico brasileiro, no que tange aos direitos e deveres do idosos e da valorização jurídica do princípio da afetividade. Além do abandono afetivo inverso e sua influência na vida do idoso, através do afeto como dever de cuidar, a desbiologização da paternidade e a construção teórico/jurídica do abandono afetivo inverso.
Então, falaremos das hipóteses exclusão da sucessão que estão determinados pela lei, os casos julgados que suprem as lacunas existentes na mesma e, por último, apresentaremos os projetos de leis que tramitam nas casas legislativas do Congresso Nacional e Senado Federal que tratam do tema.
1. O IDOSO E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O Estatuto do Idoso, instituído pela Lei 10.741/2003, define que idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. Sendo esse, o que goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, que lhe é assegurado por lei ou outros meios, com todas as oportunidades e facilidades que lhe garanta a preservação da sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) idoso é a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, salvo nos países desenvolvidos, nos quais a idade sobe para 65 (sessenta e cinco) anos. Essa classificação é relacionada à expectativa de vida ao nascer com a qualidade de vida que as nações proporcionam aos seus cidadãos.
Existem 28 milhões de pessoas nessa faixa etária no Brasil, o que equivale a 13% da população do país. Através da Projeção da População, divulgada em 2018 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), esse percentual tende a dobrar nas próximas décadas (BRASIL, 2018, online).
Diante desse crescimento, que vem ocorrendo, principalmente, pelo avanço científico, mudança do estilo de vida e políticas públicas é natural o surgimento de novas necessidades dessa faixa etária.
Os direitos dos idosos começaram a ser discutidos mundialmente a partir de 1970, por uma Assembleia Geral convocada pela ONU (Organização das Nações Unidas). Nessa houveram discussões sobre políticas públicas voltadas para os idosos, e nos anos seguintes a população dessa faixa etária começou a ganhar espaço mundialmente.
No Brasil, somente após a Constituição de 1988, que os Idosos, começaram verdadeiramente a serem vislumbrados. Tendo como princípio inovador, a dignidade humana, a visão de igualdade foi um marco após a Carta Magna. A Lei 10.741/2003 trouxe ainda mais inovação no que diz respeito à efetividade das políticas públicas voltadas ao idoso, e sua reinserção na sociedade, que por muito tempo foi negligenciado após a Revolução Industrial e a ideia de consumo e troca rápida.
É indiscutível que o idoso está em um patamar de vulnerabilidade. Por isso, o fortalecimento do amparo jurídico para proteção dos seus direitos deve ser uma prioridade social e política.
É importante destacar que, diante de sua fragilidade, todo ser humano é vulnerável, tratando-se de característica inerente a qualquer pessoa. Contudo, existem pessoas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade, pois possuem peculiaridades que as tornam mais frágeis e desamparadas, diferenciando-se das demais, as quais são atingidas apenas pela vulnerabilidade inerente a todos os seres humanos. Por essa razão, aqueles vulnerados de formas mais intensa merecem uma “tutela específica (concreta)” (BARBOZA, 2009, p. 110).
Os direitos dos idosos têm sido garantidos pela Constituição Federal, Estatuto do Idoso e outros diplomas legais. Porém, em casos de omissão da Lei e devido a mutabilidade do Direito, estão sendo firmados entendimentos jurisprudenciais para suprir tais lacunas. Além disso, atualmente, estão sendo tramitados, no Poder Legislativo, Projetos de Leis para melhor adequação às necessidades da realidade vivida por essa classe.
A Constituição Federal em seu artigo 230, §1 determina:
§1 A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. § 1° Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares. § 2º(...) (BRASIL, 1988).
O Estatuto do Idoso reforça essa responsabilidade no artigo 3°, aduzindo que:
É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 2003).
Em todas as fases da vida de um ser humano, a família exerce papel fundamental através do fortalecimento dos laços afetivos. Ultrapassando a estrutura da família tradicional, o afeto tem se priorizado cada dia mais nas relações sociais e jurídicas. Tão importante é ser integrante de uma família, que o Estatuto do Idoso a priorizou na tríade de responsabilidade pelo idoso na concessão de uma vida digna.
Além disso, a sociedade de forma ampla, permite uma troca de afeto e diversos sentimentos em relações interpessoais com o idoso, que facilita o não isolamento desses indivíduos na velhice.
No tocante à responsabilidade do Estado nas políticas públicas, o autor Martinez (2005, p. 35) afirma:
As políticas governamentais e os programas particulares priorizarão sua existência no lar, junto da família natural ou adotante, exceto se esta não desfrutar de condições materiais, só então se pensando na internação nosocomial, asilar ou casa-lar. Ocorrendo essa marginalização indesejável, operar-se-á com acompanhamento permanente dos parentes mais próximos (MARTINEZ, 2005, p. 35).
É notória, assim, a importância e prioridade que a família tem para com seus integrantes, fundamentada por princípios norteadores no direito de família que determinam o poder familiar.
1.1. Afetividade como Valor Jurídico
Diante das lacunas que as mudanças sociais promovem no ordenamento jurídico, os princípios exercem papéis fundamentais. São normas que servem como bases, garantindo os direitos fundamentais, e a partir deles são criadas as garantias específicas para as vulnerabilidades existentes.
Dentre os diversos princípios que norteiam os direitos dos idosos, podemos destacar alguns que exercem influência explícita no ordenamento jurídico, que serão expostos abaixo.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é gerador de todos os outros. Deve
ser compreendido além das relações individuais, abrangendo todas as relações que existem na vida de uma pessoa. Esse princípio tem fundamento no artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal de 1988:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania III - a dignidade da pessoa humana (...) (BRASIL, 1988).
Esse princípio é norteador para o Estado e sociedade, trazendo à memória e direcionamento em como devem ser criadas e promovidas tanto as políticas públicas, quanto à valorização e tratamento da sociedade para com o idoso.
O filósofo Immanuel Kant (1988, p. 77) defende:
No Reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto, não permite equivalente, então tem ela dignidade. O que se relaciona com as inclinações e necessidades gerais do homem tem um preço venal; aquilo que, mesmo sem pressupor uma necessidade, é conforme a um certo gosto, isto é a uma satisfação no jogo livre e sem finalidade das nossas faculdades anímicas, tem um preço de afeição ou de sentimento; aquilo porém que constitui a condição só graças à qual qualquer coisa pode ser um fim em si mesma, não tem somente um valor relativo, isto é um preço, mas um valor íntimo, isto é dignidade (KANT, 1988, p. 77).
A dignidade do ser humano, como defende Kant, está acima de qualquer valor e é exatamente isso que a diferencia de todas as necessidades. Não é algo que pode ser trocado, mas sim defendido e valorizado para todos, e mais ainda para aqueles que se apresentem com maior vulnerabilidade em relação aos outros.
O Princípio da afetividade é implícito na nossa Constituição e tem papel fundamental na orientação do desenvolvimento do ser humano. Tem ganhado cada dia mais importância no direito de família, que está em constante evolução.
Diante das constantes mudanças nos arranjos familiares, a doutrina e as decisões em juízo têm constituído novas perspectivas para o assunto. Nesse sentido, Maria Berenice Dias (2007, p. 33) pontua:
Cada vez mais se reconhece que é no âmbito das relações afetivas que se estrutura a personalidade da pessoa. É a afetividade, e não a vontade, o elemento constitutivo dos vínculos interpessoais: o afeto entre as pessoas organiza e orienta o seu desenvolvimento. A busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejam o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. Esse, dos novos vértices sociais, é o mais inovador.
Apesar de ser um princípio implícito na legislação brasileira, a afetividade vem provocando mudanças e discussões no direito das famílias, pois não se confunde com o sentimento de amor. Este, é presente em todas as famílias, podendo ser de concordância ou não. Já a afetividade é revelada pela relação entre duas pessoas ou mais, a qual gera direitos e obrigações mútuos entre os mesmos.
Assim exposto, o afeto não pode ser confundido com a solidariedade. Pois, esta possibilita imposição, enquanto aquele não permite. A objetiva e subjetividade nesses casos são pontos essenciais, na medida em que a forma de análise e exigência são obtidas de formas diferentes.
2. ABANDONO AFETIVO INVERSO
2.1 Afeto e dever de cuidar
A afetividade como valor jurídico vem quebrando paradigmas no direito de família. Muito se discute sobre sua influência objetiva ou subjetiva nos casos em questão, porém é de suma importância distinguir o amor, do dever de cuidar. É necessário ter uma visão não sentimentalista, mas puramente jurídica de que o afeto é basilar nas relações familiares e, portanto, devem ser tutelados os direitos e deveres para cada integrante.
A CRFB/88 em seu art. 229, determina que: Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Verifica-se que a Constituição determina obrigações e deveres mútuos entre os integrantes de uma relação socioafetiva. O dever de cuidado é novamente potencializado com a criação do Estatuto do Idoso, que em seus arts. 2° e 3° dispõe:
Art. 2o O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Art. 3o É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 2003).
Na rede de proteção aos idosos, a família está no topo da tríade de dever de cuidado para com eles. A ação de cuidar deve ser vista, objetivamente, como princípio fundamental garantido pela Constituição Federal, visando o desenvolvimento integral do ser humano, com todas as suas vulnerabilidades.
Seguindo uma vertente subjetiva, o afeto se difere do dever de cuidar, porém não pode ser negligenciado sobre sua influência direta na garantia de uma estabilidade familiar, que é um dos principais objetivos do nosso ordenamento jurídico. O afeto não pode ser uma imposição, mas a ausência deste não produz o direito de abandonar.
Torna-se, portanto, o afeto como bem jurídico a ser tutelado. Nesse sentido, Madaleno (2018) defende em sua obra, que: o afeto é o que motiva os laços familiares e as relações interpessoais. Já que as pessoas se comportam e se relacionam movidas por sentimentos e pelo amor, para dar sentido e dignidade à existência humana, porque o afeto deriva da liberdade para afeição entre as pessoas, estender nos vínculos afetivos entre os casais, entre seus filhos, entre outros familiares e amigos.
No mesmo sentido, a Ministra Nancy Andrighi como relatora no Recurso Especial nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), j. 07/06/2011, Terceira Turma, Superior Tribunal de Justiça, traz uma diferenciação clara e objetiva quanto ao dever de cuidar e o afeto:
Alçando-se, no entanto, o cuidado à categoria de obrigação legal supera-se o grande empeço sempre declinado quando se discute o abandono afetivo – a impossibilidade de se obrigar a amar. Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever. (BRASIL, 2011, online).
A afetividade tem sido, cada vez mais, confirmada como um princípio basilar e vem exercendo influência direta nas relações paterno-filiais, trazendo o afeto e a desbiologização da paternidade para o Direito das famílias contemporâneo.
2.2 Desbiologização da paternidade
A paternidade no Direito de Família atual ampliou-se e, muitas vezes, suas ramificações não se encontram na mesma vertente jurídica. Se dividem em três classificações: a paternidade jurídica ou presumida (aquela imposta por alguma determinação jurídica), a paternidade biológica, científica ou genética (comprovação médica por meio de exames laboratoriais genéticos) e a paternidade socioafetiva (estabelecida pelo reconhecimento social e afetivo de uma relação).
A paternidade socioafetiva trouxe a humanização para a família, tendo o afeto como indicador em uma relação mútua de cuidado e sentimentos íntimos, que supera os limites de uma amostragem genética.
Em maio de 1979, na Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, João Baptista Villela inaugura as exposições sobre a desbiologização da paternidade, e após esse fato histórico já colhemos muitos frutos provenientes de questionamentos que nos afirmam a importância da afetividade no Direito de Família.
Nas brilhantes palavras de Villela, em seu artigo denominado Desbiologização da paternidade, define-se que
A desbiologização da paternidade, que é, ao mesmo tempo, um fato e uma vocação, rasga importantíssimas aberturas sociais. Em momento particularmente difícil, quando o mundo atravessa aguda crise de afetividade, e dentro dele o País sofre com seus milhões de crianças em abandono de diferentes graus e espécies, a consciência de que a paternidade é opção e exercício, e não mercê ou fatalidade, pode levar a uma feliz aproximação entre os que têm e precisam dar e os que não têm e carecem receber. (VILLELA, 1980, p.415-416).
Em suas palavras, Villela nos faz repensar na responsabilidade da paternidade opcional e de livre exercício, e não uma fatalidade como é vista por muitos. O afeto, nesse ponto, é marcante, pois traz à memória a sua espontaneidade e importância nas relações familiares.
Diversas referências do direito de Família nos trouxeram questionamentos e contribuições jurídicas acerca da desbiologização da paternidade, dentre eles Edson Fachin, nos ensina que o liame biológico não é suficiente para definir a paternidade:
“Se o liame biológico que liga um pai a seu filho é um dado, a paternidade pode exigir mais do que apenas laços de sangue. Afirma-se aí a paternidade sócio-afetiva que se capta juridicamente na expressão da posse do estado de filho. Embora não seja imprescindível o chamamento de filho, os cuidados na alimentação e na instrução, o carinho no tratamento (quer em público, quer na intimidade do lar) revelam no comportamento a base da paternidade. A verdade sociológica da filiação se constrói. Essa dimensão da relação paterno-filial não se explica apenas na descendência genética (...)” (Sem grifos no original) (FACHIN, 1995, p.178).
Os comportamentos, atitudes e cuidado que um pai tem com seu filho, e também o inverso, é que, de fato, indica paternidade. O conceito de família tem sido reinventado e como afirma Maria Berenice Dias (2010), para desfrutar da condição de pai e filho, e estabelecer o vínculo de parentalidade, não é somente a realidade genética que determina, mas a afirmação de quem se considera pai ou filho. E nisso, nem a situação familiar influencia na determinação de paternidade.
As evoluções ocorridas a partir do princípio da afetividade como valor jurídico, geraram muitas mudanças nos conceitos, direitos e obrigações no Direito de Família. O reconhecimento de novos arranjos familiares, a adoção e diversas transformações também alcançaram os Direitos dos Idosos, trazendo à tona sua vulnerabilidade em meio à família e sociedade.
2.3 Abandono afetivo inverso (construção teórica/jurídica do abandono afetivo inverso)
Abandonar significa: “desamparar; deixar de lado; não dar mais atenção ou proteção” (MICHAELIS, 2018, online).
O abandono afetivo segue nesse raciocínio, enfatizando o afeto quando um ou os dois pais não garantem convivência familiar, cuidado e respeito à criança, sendo omissos aos seus deveres, conforme previsto no art. 227 da Constituição Federal.
As obrigações dos pais para com os filhos e o inverso estão diretamente ligadas aos princípios constitucionais brasileiros, como o da dignidade da pessoa humana, garantidos a todos, mas principalmente para os mais vulneráveis.
O princípio da solidariedade familiar nos traz clareza quanto ao convívio familiar e normatização dos direitos e deveres. Ele tira o foco do individual para o coletivo, além de nos mostrar que as relações familiares são formadas por afetos e responsabilidades entre seus entes.
Neste sentido, Paulo Lôbo nos ensina:
Há solidariedade quando há afeto, cooperação, respeito, assistência, amparo, ajuda, cuidado; o direito os traz a seu plano, convertendo-os de fatos psicológicos ou anímicos em categorias jurídicas, para iluminar a regulação das condutas. Cada uma dessas expressões de solidariedade surge espontaneamente, nas relações sociais, como sentimento. Mas o direito não lida com sentimentos e sim com condutas verificáveis, que ele seleciona para normatizar. Assim, o princípio da solidariedade recebe-os como valores e os transforma em direitos e deveres exigíveis nas relações familiares. Por exemplo, o Estatuto do Idoso transformou o dever apenas moral de amparo dos idosos em dever jurídico; ou seja, o sentimento social de amparo migrou para o direito, concretizando o princípio da solidariedade. Mas, ainda quando a lei seja omissa, o juiz deve aplicar diretamente o princípio. (LÔBO, 2020, online).
Foi com a criação do Estatuto do Idoso que os deveres com esses indivíduos passaram, efetivamente, para o plano jurídico aplicável de forma real. Antes, o que era apenas moral, agora é obrigação determinada pela lei. É a partir disso, que o abandono afetivo inverso vem ganhando espaço nas discussões do direito de família.
O abandono afetivo inverso é falta de cuidado e amparo dos filhos com os pais idosos. Muito além de definir a obrigação, hoje se discute também as possibilidades de sanção desses casos. Muitas vezes, as leis existentes não alcançam e solucionam casos concretos. São nesses momentos de omissão normativa, que os princípios são aplicados pelos juízes com o objetivo de suprir uma lacuna da lei e proteção dos direitos fundamentais resguardados na Constituição Federal.
3. SUCESSÃO
A transmissão da herança aos sucessores ocorre quando da morte, ocasião em que ocorre a abertura da sucessão e transferência automática do espólio. Não é necessário manifestação dos beneficiados quanto à aceitação, entretanto o Código Civil de 2002 regulamenta hipóteses em que os herdeiros legítimos e testamentários poderão ser afastados da herança. Acerca da sucessão institui o Código Civil no Art. 1.786, “A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade” (BRASIL, 2002).
O Código Civil (2002) reconhece a sucessão legítima e sucessão testamentária. A primeira é imposta pela lei e segue uma ordem de vocação hereditária. Sendo esta composta pelos seguintes:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais (BRASIL, 2002).
Já a sucessão testamentária é determinada pela vontade individual do testador, na qual define a quem deseja destinar seus bens. É permitido ao sucessor, testar até 50% (cinquenta por cento) dos seus bens, respeitando a outra metade que é reservada obrigatoriamente aos herdeiros legítimos.
Há, no entanto, aqueles que não são legitimados a suceder e outros que são excluídos por indignidade e deserdação. A falta de legitimação é um afastamento por vontade do indivíduo, que deve ser expressa. Já a exclusão e indignidade são objetivas por desprovimento moral em alguma atitude praticada pelo herdeiro.
A indignidade é cabível para todo e qualquer herdeiro, sendo necessário ou testamentário. Os seus efeitos são pessoais e a exclusão se dará mediante sentença da ação declaratória de indignidade, no prazo de quatro anos, a contar da abertura da sucessão, como aduz o artigo 1.815, parágrafo primeiro, do Código Civil.
O artigo 1.814 do Código Civil (2002) define quem serão os excluídos da sucessão por indignidade, em rol taxativo:
São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente; II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro; III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade (BRASIL, 2002).
A indignidade decorre da prática de algum ou mais dos comportamentos elencados no artigo citado acima, por parte do herdeiro, e os motivos para tal exclusão, podem ser utilizados para deserdação.
Se os descendentes do herdeiro indigno herdem em seu lugar, o indigno não poderá ter nenhum benefício ou gerir os bens que constituem a herança. Isso anula o exercício do poder familiar que consta no artigo 1.689 do Código Civil. Além disso, também é prevista a proibição de recebimento da herança, caso o filho venha a falecer.
Cateb (2015, p. 135) ensina que a “deserdação é um ato jurídico, privativo do autor da herança, no qual, por meio de sua manifestação de vontade externada em disposição testamentária, o testador exclui determinado herdeiro necessário do processo sucessório, privando-o de sua legítima.”
Assim, diferencia-se os dois institutos, pois, na deserdação, pela vontade do testador, que já adianta o seu desejo de que o ofensor seja afastado da sua herança, já na indignidade essa vontade é presumida pelo legislador. O artigo 1.961 do Código Civil determina que, a deserdação só se aplica aos herdeiros necessários. Todos os comportamentos citados anteriormente no artigo 1.814 do Código Civil são, também, causas para deserdação, que deve ser declarada expressamente no testamento.
Nos casos de deserdação, o Código Civil (2002) complementa as hipóteses para os descendentes por iniciativa dos ascendentes nos artigos 1.962 e 1.963:
Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I - ofensa física; II - injúria grave; III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto; IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:
I - ofensa física; II - injúria grave; III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta; IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade (BRASIL, 2002).
É necessário que a causa que justifica a deserdação já exista no momento da celebração do testamento, não pode abranger coisas futuras ou não comprovadas. Tal situação deve ser comprovada através de ação declaratória de deserdação, em até quatro anos, a contar da conclusão da ação de registro de testamento.
A privação da herança por motivos de deserdação só se efetiva com sentença judicial em ação própria, iniciada pelo interessado na exclusão contra o deserdado. Deve ser ajuizada após a abertura da sucessão, ocasião que será confirmada a exclusão mencionada no testamento. Isso não impede os deserdados ingressarem ação com intuito de provar o não cabimento de sua deserdação.
Segundo Lôbo (2008, p.204):
A consequência da deserdação, confirmada em juízo, em relação aos demais herdeiros, é a chamada dos descendentes do herdeiro necessário deserdado, que adquirem a respectiva parte da herança em seu lugar, em virtude do direito de representação. Se não tiver descendentes, sua parte na herança será acrescida aos demais herdeiros de idêntico grau ao seu (por exemplo, seus irmãos). Se for o único herdeiro e não tiver descendentes, a herança seguirá a ordem de vocação, a saber: I) aos ascendentes; II) aos parentes colaterais; e III) à Fazenda Pública. Por fim, cumpre salientar que o seu cônjuge ou companheiro não o substitui, porque não detém o direito de representação e o deserdado nada herdou.
Não há uma lei específica que determina as consequências jurídicas nos casos de abandono afetivo inverso. Entretanto, os tribunais têm decidido com inovação no tema e nos traz a uma realidade do Direito de Família e Sucessões contemporâneo que há algum tempo já existe. O que mais temos hoje, no tocante a esse tema, é a responsabilização civil. Mas, já existem decisões que defendem e determinam a deserdação como uma hipótese de sanção para o abandono afetivo inverso.
Farias e Rosenvald (2018, p. 154) afirmam: “Tanto a indignidade quanto a deserdação constituem uma sanção civil, uma pena de natureza cível, aplicada àquele que se comportou mal em relação ao autor da herança, impondo como consequência a perda do direito subjetivo de receber o patrimônio transferido pela morte do titular.”
Diversos doutrinadores defendem a tese de que deve haver essa responsabilização relativa à herança. Existem também dois projetos de leis que estão em tramitação nos poderes legislativos para regular essa matéria.
Tramita na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado um projeto de lei de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS) que visa penalizar os filhos em casos de abandono afetivo. O PL 4.229/2019 prevê uma alteração no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), determinando a reparação por danos.
Já a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa Idosa aprovou a proposta que altera o Código Civil (10.406/02) para incluir entre os casos de deserdação, o abandono afetivo inverso. O Projeto de Lei 3145/15, do deputado Vicentinho Júnior (PR-TO), a deserdação será aplicada tanto para o abandono de idosos por filhos e netos quanto para o abandono de filhos e netos por pais e avós.
Enquanto não há uma aprovação de lei específica que trate o tema, os Tribunais brasileiros se baseiam nos princípios e tem julgado os casos que surgem, com a intenção de suprir uma lacuna da lei.
Gonçalves (2016, p. 80), em sua obra, define que:
Interpretação jurisprudencial ou judicial é a fixada pelos tribunais. Embora não tenha força vinculante, influencia grandemente os julgamentos nas instâncias inferiores. As súmulas vinculantes eram preconizadas como uma forma de reduzir a avalanche de processos que sobrecarrega os tribunais do País e acarreta a demora dos julgamentos.
Os juízes brasileiros têm decidido de formas diversas quanto à possibilidade de deserdação nos casos de abandono afetivo inverso. Há divergências jurisprudenciais e doutrinárias quanto ao tema, pois não consta essa hipótese no rol taxativo no que tange ao tema no Código Civil.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na Apelação Cível 1.0707.01.033170- 0/001, Rel. Des. Maurício Barros, j. 5/09/2006, 6ª Câmara Cível, entendeu, neste caso, que a deserdação era cabível:
EMENTA: CIVIL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE CAUSAS DE DESERDAÇÃO - CAUSAS APONTADAS NO TESTAMENTO E COMPROVADAS PELA PROVA TESTEMUNHAL – PEDIDO IMPROCEDENTE – SENTENÇA REFORMADA. EXCLUSÃO DOS HERDEIROS DOS DESERDADOS DO TESTAMENTO –IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO. 1- Tendo o falecido exarado em testamento a firme disposição de deserdar os filhos, apontando as causas da deserdação, e havendo comprovação desses fatos, deve ser mantida a disposição de última vontade do testador. 2- É incabível a discussão afeta à exclusão dos filhos dos deserdados do testamento, porque ausente legitimação dos autores para tal pleito, nos termos do art. 6º do CPC (MINAS GERAIS, 2006, online).
Neste caso, um pai acometido de câncer, não recebeu auxílio e suporte da família no ápice de sua vulnerabilidade. Para o desembargador, há a possibilidade de deserdação para filhos que não dão assistência moral e material e tratam com descaso e insensibilidade, configurando, de fato, o abandono afetivo inverso.
O Superior Tribunal de Justiça STJ em Agravo em Recurso AREsp 1060853 MS 2017/0041168-1, decidiu improcedente a reforma da decisão que inadmitiu o recurso especial. Este pedido vem contra um acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que anulou a cláusula de deserdação por ausência de provas:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.060.853 - MS (2017/0041168-1) RELATOR : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA AGRAVANTE : VANDERSON DE SOUZA ADVOGADOS : LEONILDO JOSÉ DA CUNHA - MS007809 CILMA DA CUNHA PANIAGO - MS007810 AGRAVADO : ADÃO DE SOUZA ADVOGADOS : LEONARDO COSTA DA ROSA - MS010021 MARCOS PAULO PINHEIRO DA SILVA SAIFERT - MS018850 DECISÃO Trata-se de agravo interposto por VANDERSON DE SOUZA contra decisão que inadmitiu o recurso especial. O apelo extremo insurge-se contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul assim ementado: "APELAÇÃO CÍVEL - DESERDAÇÃO - JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE - NÃO CONHECIMENTO POR AUSÊNCIA DE ATAQUE A TODOS OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA - REJEITADO - MÉRITO - PRETENSO DESAMPARO DO ASCENDENTE COM GRAVE ENFERMIDADE - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA HIPÓTESE LEGAL - CLÁUSULA DE DESERDAÇÃO EM TESTAMENTO DECLARADA NULA - SENTENÇA MANTIDA - FIXAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA RECURSAL - PUBLICAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA SOB A ÉGIDE DO NOVO CPC - NECESSIDADE DE REMUNERAÇÃO DO PROFISSIONAL DA ADVOCACIA PELO TRABALHO ADICIONAL REALIZADO - MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA DEVIDA - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I. Se o apelante logrou demonstrar seu inconformismo nas razões recursais, tendo impugnado o mérito da decisão judicial que, ao final, declarou nula a cláusula de deserdação, afigura-se possível conhecer do recurso. II. Se o requerente não logrou demonstrar ter havido desamparo pelo requerido ao ascendente com grave enfermidade, mas um natural distanciamento do pai para com o filho cm razão de novas núpcias, impõe-se manter irretocável a sentença que anulou a cláusula de deserdação prevista cm testamento público. III. Ao estabelecer a majoração da verba honorária em sede recursal, observado o limite fixado pelos §§ 2º e 6º do art. 85, o novo CPC busca, alem de remunerar o profissional da advocacia do trabalho realizado em sede recursal, já que a decisão recorrida arbitrará honorários pelo trabalho até então realizado, desestimular a interposição de recursos infundados ou protelatórios" (e-STJ fl. 189). Nas razões do especial, o recorrente, além de dissídio jurisprudencial aponta violação dos artigos 1857 e 1962, IV, do Código Civil. Alega, em síntese, que: a) "embora válido o testamento, entenderam por anular a cláusula que versa sobre a deserdação do recorrido, isso vem ao arrepio da lei que dispõe sobre a liberalidade da pessoa deixar seus bens a quem entender merecedor, à efetivamente fazer valer sua última vontade" (e-STJ fl. 218); b) cumpre observar que o artigo 1962 do Código Civil trata o abandono de forma ampla, não mencionando a forma do abandono, e não fazendo distinção entre o abandono material ou afetivo, moral. c) o abandono afetivo e o querer do testador, por si só, justifica a deserdação. Requer o provimento do recurso. É o relatório. DECIDO. Presentes os pressupostos de admissibilidade do agravo, passa-se à análise do recurso especial. O recurso não merece prosperar. Verifica-se que a matéria versada no art. 1857, do Código Civil, não foi objeto de debate pelo Tribunal de origem, sequer de modo implícito, e não foram opostos embargos declaratórios com a finalidade de sanar omissão porventura existente. Por esse motivo, ausente o requisito do prequestionamento, incide o disposto na Súmula nº 282/STF: "É inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada". [...] (BRASIL, 2017, online).
A necessidade de provas mostra-se crucial para decisão dos Tribunais, haja vista que ensejaria uma interpretação extensiva da lei. Pois, as hipóteses de deserdação no ordenamento jurídico são de rol taxativo.
Para o desembargador Marco André Nogueira Hanson, a ampliação de hipóteses de deserdação não deve ocorrer baseado em analogias ou princípios constitucionais. Sendo seguido, assim, o rol taxativo que a lei impõe:
E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – DESERDAÇÃO – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE – NÃO CONHECIMENTO POR AUSÊNCIA DE ATAQUE A TODOS OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA – REJEITADO – MÉRITO – PRETENSO DESAMPARO DO ASCENDENTE COM GRAVE ENFERMIDADE – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA HIPÓTESE LEGAL – CLÁUSULA DE DESERDAÇÃO EM TESTAMENTO DECLARADA NULA – SENTENÇA MANTIDA – FIXAÇÃO DA SUCUMBÊNCIA RECURSAL – PUBLICAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA SOB A ÉGIDE DO NOVO CPC – NECESSIDADE DE REMUNERAÇÃO DO PROFISSIONAL DA ADVOCACIA PELO TRABALHO ADICIONAL REALIZADO – MAJORAÇÃO DA VERBA HONORÁRIA DEVIDA – RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. I. Se o apelante logrou demonstrar seu inconformismo nas razões recursais, tendo impugnado o mérito da decisão judicial que, ao final, declarou nula a cláusula de deserdação, afigura-se possível conhecer do recurso. II. Se o requerente não logrou demonstrar ter havido desamparo pelo requerido ao ascendente com grave enfermidade, mas um natural distanciamento do pai para com o filho em razão de novas núpcias, impõe-se manter irretocável a sentença que anulou a cláusula de deserdação prevista em testamento público. III. Ao estabelecer a majoração da verba honorária em sede recursal, observado o limite fixado pelos §§2º e 6º do art. 85, o novo CPC busca, além de remunerar o profissional da advocacia do trabalho realizado em sede recursal, já que a decisão recorrida arbitrará honorários pelo trabalho até então realizado, desestimular a interposição de recursos infundados ou protelatórios. (MATO GROSSO DO SUL, 2016, online).
Venosa (2017), em sua obra, segue com o mesmo entendimento da maioria dos Tribunais, defendendo que não pode haver deserdação além do que está previsto no rol taxativo da lei. Mesmo que, a relação entre os indivíduos envolvia sérios problemas de ordem moral, ética, social ou religiosa, a questão não poderá afastar o sucessor.
Em sentido contrário, Dias (2008, p. 59), defende: “Ademais, o direito civil, e, mais precisamente, o direito de família, consoante interpretação civil-constitucional, há tempos já caminha no sentido de privilegiar a proteção às relações socioafetivas, em detrimento das puramente biológicas ou formais.”
É notória a evolução da sociedade no tocante à importância dos laços afetivos nas relações. Quando temos tantas demandas da sociedade no Judiciário, requerendo análises diferentes quanto ao que já está ultrapassado, é necessário que haja discussão quanto ao tema.
Haja vista que o Judiciário tem se posicionado contra a interpretação extensiva da lei, cabe ao Poder Legislativo, investido no poder que lhe é proporcionado, discutir e possivelmente alterar a lei, para que o Direito evolua juntamente a sociedade.
CONCLUSÃO
A partir de todo estudo, ficou clara a compreensão do conceito de abandono afetivo inverso, algo que é uma realidade há muitos anos, porém somente a partir da criação do Estatuto do Idoso passou a ser discutido os direitos e deveres com os Idosos.
Com relação às hipóteses de deserdação na legislação brasileiro, ficou claro a necessidade de atualização normativa, visto que já existem projetos de leis que tratam do tema, e merecem toda urgência quanto à discussão e votação.
Observou-se que o Judiciário tem decidido de formas contraditórias, quanto à possibilidade de deserdação nos casos de abandono afetivo inverso. Entretanto, o tema tem sido assunto de debate entre diversos doutrinadores e os magistrados têm analisado cada caso com a visão científica necessária que o afeto exerce no Direito das Famílias.
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[1] Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. Professor de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins. Advogado. E-mail: [email protected]
Acadêmica de Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, jakeline heville duarte. A (im)possibilidade da exclusão da sucessão por abandono afetivo inverso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez 2020, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/55974/a-im-possibilidade-da-excluso-da-sucesso-por-abandono-afetivo-inverso. Acesso em: 23 dez 2024.
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