RESUMO: O presente estudo tem como objetivo expor a realidade do sistema prisional brasileiro, apontando a privatização como alternativa para assegurar os direitos humanos dos presos. A sanção penal tem como função ressocializar o preso para a volta à vida em sociedade. Todavia, nas condições atuais que se encontra o sistema prisional no Brasil, esse objetivo torna-se cada vez mais distante. O tema torna-se de grande relevância ao buscar mecanismos para resolver uma problemática social, econômica e política que assola nosso país. Este artigo busca responder a seguinte indagação: A privatização no sistema prisional brasileiro é uma alternativa para assegurar os direitos humanos dos presos? Visando responder a este questionamento, utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica. Após os levantamentos, conclui-se que a privatização é uma alternativa viável para reduzir a superpopulação dos presídios, asseverando ao preso o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Ressalta-se que no Brasil, apesar da pouca experiência em relação aos presídios privatizados, o índice de reincidências entre os presos que cumpriram penas nestes estabelecimentos são menores que os dos reclusos no sistema tradicional.
Palavras-chave: Privatização. Sistema Prisional. Direitos Humanos.
ABSTRACT: This study aims to expose the reality of the Brazilian prison system, pointing to privatization as an alternative to ensure the human rights of prisoners. The criminal sanction has the function of resocializing the prisoner for the return to life in society. However, under the current conditions of the prison system in Brazil, this goal becomes increasingly distant. The theme becomes of great relevance when seeking mechanisms to solve a social, economic, and political problem that plagues our country. This article seeks to answer the following question: Is privatization in the Brazilian prison system an alternative to ensure the human rights of prisoners? To answer this question, bibliographic research was used as a methodology. After the surveys, it is concluded that privatization is a viable alternative to reduce the overpopulation of prisons, asserting to the prisoner the Principle of Dignity of the Human Person. It is emphasized that in Brazil, despite the little experience in relation to privatized prisons, the rate of recidivism among prisoners who have served sentences in these establishments is lower than those of prisoners in the traditional system.
Keywords: Privatization. Prison System. Human Rights.
Sumário: 1. Introdução – 2. Sistema prisional brasileiro: uma realidade assustadora; 2.1 Realidades das prisões brasileiras; 2.2 Ineficácia da lei; 3. Privatização do sistema prisional brasileiro: possibilidades e desafios; 3.1 Experiências de privatização de presídios; 4. Privatização do sistema prisional brasileiro: uma alternativa para assegurar os direitos humanos dos presos? 5. Considerações; 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O sistema penitenciário brasileiro atualmente vive um cenário caótico, constituído pelo abandono, ausência de investimentos, superpopulação carcerária, rebeliões e presença do crime organizado, o qual controla “indiretamente” boa parte dos presídios no Brasil. Neste panorama, os presos são obrigados a cumprirem suas penas em condições humilhantes, degradantes e inadequadas.
Ressalta-se que o número de vagas criadas nos presídios, não acompanhou o crescimento acelerado do número de presos, ocasionando um déficit de vagas necessárias para atender a demanda de condenados. As celas estão, cada vez mais, lotadas e não atendem aos requisitos mínimos de dignidade assegurados pela Constituição Federal (Art. 1º, inciso III) e pela própria Lei de Execução Penal (Lei Nº 7.210/84).
Neste preâmbulo, as penas privativas de liberdade acabam perdendo a função social de ressocializar o condenado, o qual cumpre sua pena em uma cela superlotada, sem nenhum acompanhamento psicológico e tão pouco um programa para recuperá-lo.
Este artigo tem como objetivo geral expor a realidade do sistema prisional brasileiro, apontando a privatização como uma alternativa viável para assegurar os direitos humanos dos presos. Tendo como objetivos específicos: a) Conhecer a realidade das prisões brasileiras; b) Identificar os fatores que contribuem para a ineficiência das leis em garantir dignidade aos presos; c) Verificar as possibilidades e desafios para a privatização do sistema prisional brasileiro; d) Analisar as contribuições da privatização do sistema prisional como forma de garantir os direitos humanos dos presos.
Para a efetivação deste estudo utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, dialogando com as legislações vigentes referentes a temática e com os doutrinadores: BALDIM (2016); D’URSO (1999); GOMES (2002); MINHOTO (2000); MIRABETE (1993); OLIVEIRA (2002); RODRIGUES (2013); WACQUANT (2001); SILVA (2014), TOURINHO (2008), dentre outros.
2.SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: UMA REALIDADE ASSUSTADORA
A Carta Régia do Brasil, em 1769, determinou a construção da Casa de Detenção no Rio de Janeiro, considerada a primeira prisão brasileira. Nessa prisão, não havia separação de presos por tipo de crime. Ficavam juntos os primários e os reincidentes, bem como os que praticavam crimes “leves” e os criminosos mais perigosos. Somente em 1824, a Constituição determinou que as cadeias tivessem os apenados separados por tipo de crime ou pena e que fossem adaptadas para que os detentos pudessem trabalhar (BRASIL, 2009).
A determinação foi cumprida, mas por pouco tempo. No início do século 19, a cadeia do Rio de Janeira possuía presos acima do número de vagas.
Em 1890, o Código Penal previa que presos com bom comportamento, após cumprirem parte da pena, poderiam ser transferidos para presídios agrícolas. Transcorridos 127 anos, o país possui apenas 95 unidades destinadas aos presos do regime semiaberto, apesar do crescimento assustador no número de apenados.
Em 1935 o “Código Penitenciário da República” estabeleceu, além do direito de o estado punir, o dever de recuperar o detento. Em 11 de julho de 1984, foi sancionada a Lei Nº 7.210/84, que instituiu a Lei de Execução Penal (LEP), ampla, de excelente qualidade, considerada um dos melhores instrumentos jurídicos do mundo. Mas, apesar de todo aparato jurídico, o sistema prisional brasileiro se “constitui num verdadeiro inferno, por responsabilidade pura e nua da federação brasileira através da ação e omissão dos seus mais diversos agentes” (BRASIL, 2009, p. 70).
Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), o Brasil tem atualmente uma população carcerária de 773.151 presos, sendo a terceira no ranking de países com maior número de pessoas presas. Possuindo um déficit de 354 mil vagas no sistema carcerário. Se for considerado os 126.146 presos do regime semiaberto, os 253.963 presos provisórios e os mandados de prisão em aberto, em torno de 373.991, a população carcerária saltaria para mais de 1 milhão e meio de pessoas.
2.1 REALIDADES DAS PRISÕES BRASILEIRAS
As prisões brasileiras encontram-se superlotadas. O número elevado de presos provisórios aguardando julgamento e a aplicação de sentenças excessivamente punitivas a delitos menores, exauriu o sistema penitenciário, que já não tem mais condições de lidar com o número de presos que mantém.
De acordo com o Relatório da CPI do Sistema Prisional (BRASIL, 2009) em relação às modalidades de assistência a ser prestada aos presos, a maioria dos estabelecimentos penais não oferecem condições mínimas para que os mesmos vivam adequadamente. A referida CPI constatou, no ambiente carcerário, “uma realidade cruel, desumana, animalesca, ilegal, em que presos são tratados como lixo humano” (BRASIL, 2009, p. 17). Constatou ainda, um cenário de tensão, medo, repressão, torturas e violências, que se estendem aos parentes, quando das visitas nas unidades prisionais.
A realidade encontrada nos mais variados estabelecimentos penais brasileiros é de confronto com a legislação nacional e internacional, de agressão aos direitos humanos e de completa barbárie.
Segundo o Art. 10 da Lei Nº 7.210/84, a assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Essa assistência será material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa (Art. 11, da LEP). Entretanto, apesar dos dispositivos legais, esses direitos não são respeitos nas unidades prisionais.
Muitos estabelecimentos não contêm instalações apropriadas à alocação individual de presos e, quando estes são alojados coletivamente, não lhes são propiciadas condições mínimas de acomodação. Os presos são apinhados em celas escuras e sem ventilação, onde permanecem expostos a doenças potencialmente mortais, como a AIDS e a tuberculose, para as quais recebem pouco ou nenhum tratamento. Sem contar que ainda não são separados conforme seu delito, nem pena.
Essa realidade encontrada na maioria dos presídios brasileiros contraria a Lei de Execução Penal, em seu Capítulo II (Da Penitenciária), Art. 88, que expressa: “O condenado será alojado em cela individual, que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório” (BRASIL, 2019, p. 210).
A Comissão de Inquérito Parlamentar do Sistema Carcerário publicou em 2009, um estudo onde descreve a precária situação dos encarcerados brasileiros:
Nas unidades prisionais diligenciadas, constatou-se que os estados não fornecem uniformes, colchões, lençóis ou cobertores – que, na verdade, são fornecidos pelas famílias. De igual forma, os estados não fornecem material de higiene, que igualmente são levados pelos familiares ou comprados nas mercearias das cadeias a preços superfaturados.
Os estabelecimentos são escuros em razão de economia de energia elétrica. As celas e outros espaços de uso dos presos mais parecem masmorras, pelo estado de sujeira e pelo mau cheiro. A falta de água é frequente em várias unidades e racionada em outros. Como racionamento, é distribuído um limite de 6 litros por cela ao dia. Essas celas são ocupadas, em média, por trinta homens. No verão, a temperatura chega aos 35 graus. Os banhos são com água sem aquecimento, para a economia de energia elétrica. Em geral, os estabelecimentos são insalubres, sem a mínima condição de abrigar seres humanos.
A assistência jurídica é ignorada. No quesito alimentação, a qualidade e a variedade são de classificação crítica. As porções, por vezes, ação parlamentar 365 CPI do Sistema Carcerário são servidas até em sacos plásticos, constituídas de um pouco de verdura, feijão, pedaço de carne e arroz de terceira categoria (BRASIL, 2009, p. 364).
Segundo o Relatório da CPI do Sistema Penitenciário (Brasil, 2009), nos estabelecimentos penais inspecionados pela Comissão, em muitos deles, os presos não têm acesso à água e, quando o têm, o Estado não lhes disponibiliza água corrente e de boa qualidade. Igualmente, não são tomadas medidas suficientes para assegurar que a água fornecida seja limpa. Em muitos estabelecimentos, os presos bebem em canos improvisados, sujos, por onde a água escorre. Em outros, os presos armazenam água em garrafas de refrigerantes, em face da falta constante do líquido precioso. Em vários presídios, presos em celas superlotadas passam dias sem tomar banho por falta de água. Em outros, a água é controlada e disponibilizada 2 ou 3 vezes ao dia.
Muitos estabelecimentos penais são desprovidos de banheiros e pias dentro das celas e dormitórios ou próximos a esses. Quando tais instalações existem, comprometem a privacidade do preso. Não raras vezes os banheiros estão localizados em outras áreas, e nem sempre os presos têm acesso ou permissão para utilizá-los. O mesmo ocorre para as instalações destinadas ao banho.
A grande maioria das unidades prisionais é insalubre, com esgoto escorrendo pelos pátios, restos de comida amontoados, lixo por todos os lados, com a proliferação de roedores e insetos, sendo o ambiente envolto por um cheiro insuportável (BRASIL, 2009).
Para Baldin (2016), além da péssima infraestrutura proporcionada aos presos brasileiros, ainda há o terrível problema do déficit de vagas nas prisões. De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020, p. 291) o Brasil possuía em 2019, um déficit de 312.925 vagas no sistema penitenciário.
Segundo Oliveira (2002), além dos problemas estruturais, o crime organizado, a corrupção, a superlotação, a ociosidade e a baixa inteligência na administração dos estabelecimentos prisionais contribuem para o fracasso do sistema penitenciário brasileiro.
Para Silva & Tavares (2014) a degradante situação em que os apenados são submetidos demonstra que a ressocialização prevista em nossa legislação está longe de ser alcançada. O efeito, na grande maioria das vezes, é contrário, pois com um sistema tão deficiente, o condenado acabada se tornando um cidadão mais violento e revoltado com a sociedade, o que gera uma grande quantidade de reincidentes, pois o descaso com os direitos humanos e com a crítica situação a que são submetidos, acabam incentivando o retorno para o mundo da criminalidade.
Diante dessas informações, não restam dúvidas da falência do modelo prisional brasileiro e com ele o objeto ressocializador da pena privativa de liberdade.
2.2 INEFICÁCIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
O Brasil conta com um excelente aparato jurídico relativo ao Direito Penitenciário. Não faltam dispositivos legais e supralegais que visam garantir direitos aos apenados brasileiros e limitar o poder estatal sobre esses indivíduos.
A Constituição Federal em seu Art. 5º, inciso XLIX, estabelece que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. No inciso III do mesmo artigo consta, ainda, a garantia de que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.
A Lei de Execuções Penais (LEP), em seu Art. 3º determina que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”. Em seu Art. 41, incisos de I a XVI, dispõe sobre os direitos do preso:
Constituem direitos do preso:
I - alimentação suficiente e vestuário;
II - atribuição de trabalho e sua remuneração;
III - Previdência Social;
IV - constituição de pecúlio;
V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;
VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;
VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;
IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;
X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;
XI - chamamento nominal;
XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;
XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;
XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;
XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.
XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente.
Parágrafo único - Os direitos previstos nos incisos V, X e XV poderão ser suspensos ou restringidos mediante ato motivado do diretor do estabelecimento. (BRASIL, 2019, p. 202 e 203)
Existem ainda, dispositivos supralegais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969) e o Tratamento de Prisioneiros da ONU (1957) que estabelecem tratamentos mínimos que o preso deve receber por parte do poder estatal. Porém, “apesar da excelente legislação e da monumental estrutura do Estado Nacional, os presos no Brasil, em sua esmagadora maioria, recebem tratamento pior do que o concedido aos animais: como lixo humano” (BRASIL, 2009, p. 192).
Analisando o sistema prisional brasileiro, percebe-se a deficiência por parte do Estado em fornecer serviços de qualidades aos presos, demonstrando a enorme disparidade entre o ideal normativo e a realidade prática na execução penal. Neste sentido, torna-se necessário buscar alternativas para assegurar os direitos humanos dos presos previstos nos dispositivos legais supracitados.
3 PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Atualmente pode-se delinear a existência de dois modelos de privatização de presídios: o americano e o francês. No modelo americano, o Estado se retira da atividade penitenciária, permanecendo como um fiscal da lei e dos termos do contrato firmado com a empresa. No chamado modelo francês ou europeu, adotado no Brasil, a empresa fica encarregada de serviços estabelecidos no edital da licitação, tais como: a) construção de unidades prisionais; b) fornecimento de alimentação; c) prestação de assistência social, médica, odontológica, psicológica e psiquiátrica; d) educação profissionalizante, diretamente ou através de convênio com entidades estatais ou privadas; e) esporte e recreação; f) prestação de assistência jurídica.
A diferença fundamental entre os dois reside no fato de que no modelo francês a direção da prisão permanece sob o controle do Estado, terceirizando a administração dos serviços à(s) empresa(s) encarregada(s). Este modelo é também chamado de gestão mista, compartilhada ou cogestão. Nesse sentido, Silva & Tavares (2014) complementam a explicação sobre o modelo prisional francês:
Ao Estado cabe à responsabilidade pela segurança interna e externa da prisão, a indicação do diretor geral do estabelecimento e seu relacionamento com o juízo da execução penal. Já à iniciativa privada compete a organização do trabalho, da educação, do lazer, da alimentação, fornecimento de vestimentas e demais serviços relacionados ao preso, ou seja, os serviços de hotelaria. A empresa contratada receberá uma quantia por preso/dia em decorrência da prestação desses serviços (Silva & Tavares, 2014, p. 147).
No Brasil, existe um grande embate teórico entre os doutrinadores e juristas brasileiros em torno da possibilidade de privatizar as prisões brasileiras. Essa divergência ocorre em saber se dentro do nosso ordenamento jurídico seria possível o Estado delegar as administrações materiais que seriam do Poder Público, à iniciativa privada, como ocorre no modelo francês supracitado.
O argumento contrário sustenta que do ponto de vista jurídico, as restrições à privatização do sistema prisional estariam dispostas na legislação brasileira. A interpretação literal da Lei de Execução Penal proíbe que a execução do sistema carcerário seja gerenciada por empresas privadas, bem como a delegação da gestão penitenciária aos particulares (RABELO; VIEGAS; RESENDE, 2015). Nesse entendimento o gerenciamento dos presídios integraria a função jurisdicional do Estado, tornando-se, assim, impossível a sua descentralização, sendo defendido por MINHOTO (2002), WACQUANT (2001), TOURINHO (2008) e MOREIRA (2015).
Ao abordar o tema privatização dos presídios, a primeira ideia que vem a mente seria a transferência do poder estatal para iniciativa privada, entretanto, seria uma concepção errônea. A ideia de privatização desenvolvida neste artigo significa que as atividades administrativas no sentido estrito permanecem por conta do poder estatal e as atividades de execução material seriam atribuídas à iniciativa privada.
Neste entendimento colabora D’Urso (1999) ao afirmar que:
A função jurisdicional, indelegável, permanece nas mãos do Estado que, por meio de seu órgão-juiz, determinará quando o homem poderá ser preso, por quanto tempo, quando e como ocorrerá à punição, numa preservação do poder de império do Estado, que é o único legitimado para o uso da força, dentro da observância da lei (D’URSO, 1999, p. 75).
Neste sentido, se posiciona Mirabete (1993), ao separar as atividades inerentes à execução penal e destacar as atividades administrativas em sentido amplo. Segundo a autora, as atividades podem ser classificadas em duas modalidades: atividades administrativas em sentido estrito (judiciárias) e atividades de execução material. As primeiras são inafastáveis e indelegáveis pelo poder estatal, incumbindo aos órgãos da execução penal. No que tange às atividades de execução material, poderiam ser atribuídas a entidades privadas.
Alguns opositores a privatização dos presídios, ressaltam em seus argumentos questões relacionadas à moralidade da gestão, segundo os quais, o objetivo da iniciativa privada no setor penitenciário será exclusivamente o lucro. Para Minhoto (2002, p. 136) “nessa nova forma de gestão, a prisão acaba se tornando um meio de controle altamente lucrativo das ilegalidades dos perdedores globais”.
No Brasil, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária propôs oficialmente, em janeiro de 1992, a adoção de prisões privadas no país. De acordo com Minhoto (2002), a proposta surgiu através da observação dessa experiência em outros países, como nos Estados Unidos, França, Inglaterra e Austrália. A proposta vinha para:
a) atender os preceitos constitucionais de tratamento digno aos presos; lançar uma política de reinserção social do condenado e assim diminuir os índices altíssimos de reincidência;
b) introduzir um modelo administrativo de gestão moderna;
c) reduzir encargos e gastos públicos;
d) desenvolver uma política de prevenção da criminalidade, ao envolver a comunidade nas tarefas de execução da pena e, certamente, diminuir a superpopulação que abarrota o sistema (MINHOTO, 2002, p.147).
A partir de então, o modelo vem sendo implantado no Brasil. Em janeiro de 2013, a primeira penitenciária em regime de parceria público-privada do país foi inaugurada, em Ribeirão das Neves, Minas Gerais. Outras iniciaram como unidades públicas e foram assumidas por uma administração privada. Nesses casos a empresa privada tem a função de administrar o presídio e o Estado fiscaliza o trabalho da empresa (MINHOTO, 2002).
Os defensores da privatização argumentam que faz muito tempo que o Estado não investe devidamente no sistema penitenciário. Refutar a privatização, de forma precipitada, é de certa forma concordar com o caos instalado nos presídios brasileiros, se constituindo em verdadeiras universidades do crime. Para essa corrente, não é necessário se preocupar com a administração do presídio por uma empresa particular, pois o Estado estará sempre vigilante para evitar desvios no acordo celebrado e a própria empresa tem o interesse em mostrar eficiência para garantir manutenção do contrato.
Vários juristas defendem que a privatização prisional é constitucional, desde que agentes penitenciários trabalhem sob as ordens de uma autoridade estatal (modelo francês). Nas palavras de D’urso (1999) a privatização prisional é:
(...) tão somente chamar e admitir a participação da sociedade, da iniciativa privada, que viria a colaborar com o Estado nessa importante e arriscada função, a de gerir nossas unidades prisionais. Ao Estado continua a função jurisdicional da pena e a remuneração do empreendedor privado. (D’urso, 1999, p.72).
Rodrigues (2013) cita de forma resumida, os exemplos dos vários estados brasileiros que adotaram a terceirização de alguns dos serviços da administração ou da execução das penas privativas de liberdade:
- No Estado do Ceará, a Penitenciária Regional do Cariri, Sobral e Fortaleza foram terceirizadas;
- A Penitenciaria edificada no município de Valença no estado da Bahia, é gerida por empresa privada;
- No estado do Amazonas também existem penitenciárias terceirizadas;
- No estado de Santa Catarina há implantação de serviços penitenciários com parcerias públicas e privadas;
- O governo do Estado do Pernambuco implantou a terceirização com parcerias entre as empresas públicas e privadas, para construção e gestão de presídios;
- No Espírito Santo, o governo do Estado também privatizou a administração de um presídio (RODRIGUES, 2013, p.17).
No Brasil, 16 unidades prisionais já adotam a privatização dos serviços penitenciários, onde aproximadamente 9 mil detentos estão sob a administração de empresas da iniciativa privada, além de contratações feitas por meio das parcerias públicas e privadas e/ou terceirização, onde empresas prestam alguns serviços para a unidade prisional, sob a gerência direta da administração pública.
3.1 EXPERIÊNCIAS DE PRIVATIZAÇÃO DE PRESÍDIOS
Experiências de privatização de presídios têm sido implementadas ao redor do mundo desde a década de 80, países como Inglaterra, Escócia, País de Gales, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Israel, França, Alemanha, Chile, Brasil, México, Irlanda, Bulgária, Hong Kong (China), República Tcheca, Bélgica, Holanda, Porto Rico, Canadá e Peru têm permitido diferentes graus de participação privada nas atividades penitenciárias.
No Brasil, impera no campo da privatização de presídios o modelo de terceirização ou cogestão dos serviços penitenciários. A base legal para os contratos de terceirização é a Lei de Licitações (Lei Nº 8.666/93). Neste sistema, o Estado entrega por um período de um a cinco anos uma prisão já construída para uma empresa, que fica encarregada de toda a administração interna, da cozinha aos agentes penitenciários.
A primeira experiência de administração prisional com relevante participação da iniciativa privada (já que há muito tempo havia experiências com o fornecimento da alimentação por empresas e cooperativas), data de 12 de novembro de 1999, dia em que foi inaugurada a Prisão Industrial de Guarapuava (PIG), localizada no Município de Guarapuava, distante 265 km de Curitiba.
Em Guarapuava, foram terceirizadas atividades como alimentação, vestuário, higiene, assistência médica, psicológica e odontológica, bem como a segurança interna e a assistência jurídica. Estas incumbências ficaram a cargo da Humanitas Administração Prisional S/C, subsidiária da empresa Pires Serviços de Segurança.
O governo do Paraná ficou, por sua vez, encarregado da nomeação do diretor, do vice-diretor e do diretor de disciplina, que supervisionam a qualidade de trabalho da empresa contratada e fazem valer o cumprimento da Lei de Execuções Penais (OSÓRIO & VIZZOTTO, 2005). Como consequência do êxito obtido com a experiência de cogestão em Guarapuava, o governo optou por expandir tal modelo para outros cinco estabelecimentos penais: Casa de Custódia de Curitiba, Casa de Custódia de Londrina, Penitenciária Estadual de Piraquara, Penitenciária Estadual de Foz do Iguaçu e Penitenciária Industrial de Cascavel.
Outro exemplo se encontra no Ceará. Dos 11 mil detentos do Estado, 1.549 são mantidos por empresas. O maior dos estabelecimentos cearenses com serviços terceirizados é a Penitenciária Industrial Regional do Cariri, localizada em Juazeiro do Norte.
A respeito das experiências no Paraná e no Ceará, afirma Gomes (2002):
[...] temos duas experiências no país de terceirização, terceirizou-se apenas alguns setores, algumas tarefas. Essas experiências foram no Paraná e no Ceará, experiências muito positivas. Terceirizaram os serviços de segurança, alimentação, trabalho, etc. Há uma empresa cuidando da alimentação de todos, dando trabalho e remunerando nesses presídios, que possuem cerca de 250 presos cada um. O preso está se sentindo mais humano, está fazendo pecúlio, mandando para a família e então está se sentindo útil, humano. Óbvio que este é o caminho. Sou favorável à terceirização dos presídios (GOMES, 2002, p. 23).
Em Colatina, no estado do Espírito Santos, o Instituto Nacional de Administração de Penitenciária (INAP) administra a Penitenciária de Segurança Média de Colatina. Cada detento ao ingressar na penitenciária recebe um kit contendo com roupas de verão e inverno, sapatos, meias, cuecas, aparelhos de barbear, sabão, sabonete, escova de dente e creme dental.
No Brasil, há um único presídio construído em sistema de Parceria Público-Privada (PPP). Em seus três anos de existência, nunca houve motim, rebelião ou mortes violentas - e contam-se duas fugas. O complexo está localizado em Ribeirão das Neves, Região Metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais, abrigando 2.016 detentos, distribuídos em três unidades: duas para regime fechado e uma para regime semiaberto.
O governo de Minas paga R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais) mensais per capita à empresa GPA (Gestores Prisionais Associados), que administra o complexo. Mas somente a metade do valor R$ 1.750,00 (um mil, setecentos e cinquenta reais) refere-se ao custo do preso e à manutenção da cadeia. A outra metade é reembolso pelos investimentos na construção do complexo, erguido e equipado pela iniciativa privada, ao custo de R$ 280.000.000,00 (duzentos e oitenta milhões). O presídio conta com instalações médicas e odontológicas, salas de aula, oficinais de trabalho e áreas de lazer.
Neste complexo penitenciário, 2.000 (dois mil) presos têm atividades educacionais. As aulas vão da educação fundamental, passando pelo ensino técnico e universitário. Há 80 matriculados em cursos do Pronatec e 32 fazem faculdade à distância. Outros 60 seguem cursos religiosos.
O presídio oferece 349 vagas de empregos, proporcionadas por 17 empresas. Se não tiver atividades, o detento em regime fechado só pode ficar duas horas no pátio. Por isso, livros, aulas e ofertas de empregos são procurados.
O complexo é regido pela Lei das PPPs. O modelo é um tipo de privatização e não uma cogestão, como em Manaus, onde os serviços foram terceirizados para uma empresa, pela Lei das Licitações. Em Minas, os parceiros privados são responsáveis por todas as obras e melhorias no complexo, pela prestação de serviços e pelo trato direto com os usuários do sistema.
Não há carcereiros, mas monitores, que trabalham com colete, sem armas letais. Os policiais, com armamento pesado, estão nas muralhas e no entorno do complexo. A segurança, em qualquer ocorrência, é feita pela PM, que faz a escolta dos presos — ações previstas no contrato da PPP. Os administradores têm de prestar contas bimestrais ao governo e são avaliados permanentemente: tendo de manter o bom desempenho em 380 indicadores avaliados por consultoria independente. Em caso de irregularidades, estão sujeitos a multas, suspensão de pagamentos e podem até perder a concessão.
No Brasil, atualmente, são 16 as instituições prisionais (entre penitenciárias, presídios e casas de custódia) com atividades terceirizadas a empresas privadas.
4 PRIVATIZAÇÃO DO SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO: UMA ALTERNATIVA PARA ASSEGURAR OS DIREITOS HUMANOS DOS PRESOS?
A prisão é um instrumento para a ressocialização do condenado, para que cumprindo a pena, seja reeducado e volte a viver em harmonia em sociedade. Mas diante dos múltiplos problemas encontrados no atual sistema penitenciário brasileiro, estamos distantes de atingir os verdadeiros objetivos do Estado, não restam dúvidas de que o Sistema Penitenciário, para atingir o fim a que se destina, tem que ser reformulado, pois a situação atual é insustentável.
Os presos são sujeitos de direitos, sendo obrigação do Estado, promover a reabilitação, em instituições apropriadas, com o mínimo de dignidade. A estrutura física das instituições prisionais e a forma das relações devem ser repensadas, a fim de assegurar a disciplina e o exercício dos direitos individuais e sociais fundamentais decorrentes da cidadania dos mesmos.
Os apenados devem ter assegurados todos os seus direitos não atingidos pela sentença condenatória e todos aqueles previstos pela Lei de Execução Penal e pelo ordenamento jurídico brasileiro. A privatização do sistema penitenciário mostra-se como uma alternativa de restabelecer uma política de segurança eficaz e integrada, visando atingir um modelo prisional ideal, dentro das diretrizes da política de humanização, de controle da criminalidade e de ressocialização efetiva do detento, respeitando os direitos humanos e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Embora a proposta de privatização das penitenciárias, ainda seja uma novidade para muitos e um tema controverso para outros, deve ser utilizada como uma alternativa para a crise que afeta o sistema prisional, visto que o modelo atual já demonstrou seu fracasso para com a ressocialização do apenado, bem como o total desrespeito com os direitos humanos dos presos.
A privatização dos presídios tem se mostrado a solução mais palpável para assegurar uma utilização eficiente da grande quantia pública dispendida. Embora haja inúmeras críticas, devemos ser plausíveis em admitir que a situação estarrecedora de nossas prisões já passou do tempo de ser mudada. A população corre risco com este modelo prisional cuja gestão é ineficiente e desequilibrada, ambiente propício para a fertilização e desenvolvimento do crime. Por certo as medidas a serem implantadas devem condizer com a realidade nacional e serem objeto de acompanhamento intenso por parte do Estado.
O Estado deve administrar a política penitenciária com inteligência, sem deixar que preconceitos ideológicos rejeitem algo que vem trazendo mudanças significativas no modo como se vê a administração penitenciária no Brasil.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da história sempre houve a necessidade de se punir de alguma maneira condutas tidas como indesejáveis. Como decorrência desta necessidade histórica, a prisão acabou por se desenvolver como uma instituição em permanente construção e avaliação. Ao analisar a questão penitenciária, não se deve desta maneira, partir da premissa de que as prisões chegaram a determinado estágio de desenvolvimento institucional a partir do qual certos paradigmas não devem ser questionados. Conforme demonstrado neste artigo, o paradigma da gestão estatal das penitenciárias pode e deve ser questionado.
Não se pode negar a falência do sistema penitenciário brasileiro. É tempo, portanto, de repensar novas formas de atuação face ao problema que assola o sistema. Experiências exitosas postas em prática no Brasil afora devem ser estudadas e levadas em consideração. O Estado deve conduzir a política penitenciária com inteligência, sem deixar que preconceitos ideológicos descartem a priori algo que vem trazendo mudanças significativas no modo como se vê a administração penitenciária no Brasil.
É claro que a Parceria Público-Privada e o regime de terceirização têm suas fragilidades. É justamente por isso que a sociedade e o Poder Público devem estar atentos para que as disposições contratuais sejam estabelecidas de maneira clara, elencando as metas a serem cumpridas bem como as obrigações das partes, fiscalizando de perto e zelando pelo seu cumprimento.
Seria temerário, portanto, afirmar que o fornecimento privado de serviços penitenciários é um remédio universal para todos os problemas encontrados nas prisões. Pode não obstante, colaborar com a solução dos problemas causados pelo descaso histórico com que os estabelecimentos prisionais vêm sendo tratados. Tal atitude tem se mostrado cada vez mais insustentável – e os “clientes assíduos” do sistema penal teimam em seguir nos lembrando deste fato.
É necessário, também, o aprofundamento de estudos que deem conta de comparações entre as prisões geridas pelo Estado e por empresas no que tange aos custos e à qualidade do serviço prestado. Desta maneira, contratos poderão ser redigidos conforme parâmetros razoáveis de qualidade e preço, possibilitando uma maior eficiência do gasto público.
A forma como é utilizada a intervenção penal no Brasil deve, também, ser objeto de reflexão. A pena privativa de liberdade quando aplicada a indivíduos que não oferecem ameaça concreta à sociedade acaba sendo, além de uma punição desproporcional ao infrator pelo delito cometido, uma dura punição ao contribuinte.
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Especialista em Direito Público pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e em Direito Penal e Processual Penal pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA). É Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJ-AM).
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