RESUMO: O presente artigo visa discutir a respeito da Teoria do Transconstitucionalismo de Marcelo Neves no âmbito da repressão e prevenção do crime de lavagem de dinheiro no Brasil, diante da sua rigorosa proteção ao sigilo bancário pessoal, que traz dificuldades no tocante à obtenção de informações para propiciar a constatação de crimes financeiros e econômicos de grande sofisticação. Assim, mediante os estudos realizados, se sugere uma melhor análise sobre os elementos de diálogos legislativos, para uma possível relativização do sigilo bancário e, ao mesmo tempo, de preservação de preceitos constitucionais, como forma de adequar o Brasil às diretrizes internacionais no combate à lavagem de dinheiro, objetivando promover a efetividade necessária para combater o crime em questão. Para tanto, se utilizou o método de abordagem dedutivo e a técnica de pesquisa da documentação indireta. Tendo em vista que o crime em tela é de difícil constatação, graças ao seu modus operandi, a importância de estudos acerca do assunto determina-se pela imprescindibilidade de serem efetivadas medidas mais eficazes para preveni-lo e reprimi-lo, visto que as atuais ações implementadas pelo Brasil não estão sendo suficientes, especialmente no âmbito internacional.
PALAVRAS-CHAVES: Lavagem de Dinheiro. Cooperação internacional. Transconstitucionalismo.
ABSTRACT: This article aims to discuss the Theory of Transconstitutionalism by Marcelo Neves in the context of the repression and prevention of the crime of money laundering in Brazil, in view of his strict protection of personal banking secrecy, which brings difficulties to obtaining information to provide the verification of highly sophisticated financial and economic crimes. Thus, through the studies carried out, a better analysis of the elements of legislative dialogues is suggested for a possible relativization of banking secrecy and, at the same time, for the preservation of constitutional precepts, as a way of adapting Brazil to international guidelines in the fight against money laundering, aiming to promote the effectiveness necessary to combat the crime in question. For that, the deductive approach method and the indirect documentation research technique were used. Bearing in mind that the crime on screen is difficult to verify, the importance of studies on the subject is determined by the indispensability of more effective measures to prevent and repress it, since the current ones actions implemented by Brazil are not sufficient, especially at the international level.
KEYWORDS: Money laundering. International cooperation. Transconstitutionalism.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. DESENVOLVIMENTO 3. CONCLUSÃO 4. REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo visa discutir a respeito da Teoria do Transconstitucionalismo de Marcelo Neves e da cooperação internacional no âmbito da repressão e prevenção ao crime de lavagem de dinheiro no Brasil, diante da sua rigorosa proteção ao sigilo bancário pessoal, que traz dificuldades no tocante à obtenção de informações para propiciar a constatação de crimes financeiros e econômicos de grande sofisticação.
É de grande importância a prevenção e a repressão à lavagem de dinheiro e, por conseguinte, aos crimes a ela relacionados, uma vez que os recursos oriundos de atividades ilícitas ocasionam efeitos diretos no Estado, gerando uma diminuição dos recursos governamentais, e ainda são aplicados no financiamento de outros crimes, garantindo a sobrevivência do sistema delitivo.
A temática mostra-se relevante, pois o crime em tela traz consequências drásticas para a economia, desestabilizando-a, como também para o sistema financeiro e para diversos setores da sociedade, sendo necessário efetivar ações a fim de combatê-lo e torná-lo inviável.
Para tanto, uma das medidas implantadas pelo Brasil foi criar o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF), a qual possui o papel de produzir inteligência financeira e promover a proteção dos setores econômicos contra a lavagem de dinheiro.
Vale ressaltar que o branqueamento de capitais não atinge somente os setores jurídicos e econômicos de um país. Além de ocasionar uma perda de receitas ao Estado, devido a ocultação de valores derivados de condutas ilícitas, atinge ainda o cidadão, o qual vem a sofrer diretamente os nocivos impactos dessa prática criminosa.
Tendo em vista que o crime em tela é de difícil constatação, graças ao seu modus operandi, a importância de estudos acerca do assunto determina-se pela imprescindibilidade de serem efetivadas medidas mais eficazes para preveni-lo e reprimi-lo, visto que as atuais ações implementadas pelo Brasil não estão sendo suficientes, em especial no âmbito internacional.
Desse modo, a presente pesquisa fez uso do método de abordagem dedutivo, tendo sido utilizada a técnica de pesquisa da documentação indireta, por meio da qual foram obtidas as referências do trabalho, constituídas principalmente de livros, artigos científicos, dissertações, revistas e arquivos públicos (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 112).
Por fim, a pesquisa classifica-se como explicativa, porquanto visa elucidar a razão das coisas, através do registro, da análise, da classificação e da interpretação dos fenômenos observados, identificando os fatores que fizeram originá-los, aprofundando o conhecimento da realidade (PRODANOV; FREITAS, 2013, p. 53).
2 DESENVOLVIMENTO
A cooperação internacional se tornou necessária no combate ao crime organizado, bem como na garantia da preservação da transparência e da estabilidade do sistema econômico-financeiro. Na sociedade mundial de risco, sempre em transformação e com tecnologias cada dia mais avançadas, as organizações criminosas se especializam cada vez mais em obterem êxito nas suas práticas delituosas, deixando o menor rastro possível de suas condutas.
As constantes mudanças nas sociedades levam os países a adequarem seus ordenamentos jurídicos às novas realidades, sendo a cooperação internacional um dos aspectos importantes no contexto de um mundo globalizado, pois promove a aproximação das nações, através da assinatura de convenções, tratados e protocolos, objetivando solucionar diversos problemas mundiais, a exemplo da lavagem de dinheiro, uma prática ilegal verificada em vários países, muitas vezes assumindo caráter internacional.
Diante desse cenário, o Brasil assumiu compromissos internacionais relacionados ao intercâmbio de informações financeiras e ao combate à movimentação de dinheiro de origem ilícita. Contudo, o país ainda possui obstáculos na sua adequação às inovações internacionais de enfrentamento a lavagem de dinheiro, em especial no seu ordenamento jurídico, nos seus órgãos de investigação e na sua Unidade de Inteligência Financeira, o antigo COAF.
Observa-se que o Brasil ainda não atingiu os padrões internacionais de combate à lavagem de dinheiro, visto que a criação da Lei nº 9.613/1998, até o momento, não teve a eficácia esperada, porquanto o país possui uma superlotação legislativa em que a grande maioria das leis são ineficientes na correção dos problemas, especialmente na seara criminal.
Contudo, se terá uma maior eficiência no combate à lavagem de dinheiro no Brasil se este vier a promover uma maior transparência em matéria fiscal, por meio da relativização do sigilo bancário perante as administrações tributárias, ampliando-se a capacidade de fiscalização das autoridades fiscais.
Através da Teoria do Transconstitucionalismo, as nações desenvolvem métodos de cooperação e de esforços conjuntos a fim de combater o crime organizado, a lavagem de dinheiro e outros delitos que assumem caráter internacional. Com efeito, diante das inovações, levantou-se o fundamento do acesso às informações como forma de aumentar a eficiência das leis tributárias, objetivando a transparência fiscal (NEVES, 2009).
Nesse diapasão, surgiu a possibilidade de as autoridades fiscais terem acesso a informações de identificação de bens e rendas de contribuintes, ainda que essas informações fossem detidas por instituições financeiras. Dessa forma, infere-se que a excessiva proteção do sigilo bancário e fiscal existente no Brasil não se encontra em consonância com as conjecturas dos países democráticos mais desenvolvidos e empenhados em enfrentar a crescente criminalidade.
Está cada vez maior a participação de agentes públicos nos crimes antecedentes que ocasionam o branqueamento de capitais, o que contribui para que sua verificação seja ainda mais obstaculizada, principalmente pela forte presença da corrupção. Assim, quanto menor for a dificuldade em se obter registros de transações, operações bancárias e outras informações fiscais, mais facilitado se torna o processo de descoberta da ação criminosa.
É importante ser viabilizado um acesso mais célere às informações bancárias e fiscais das pessoas sujeitas aos mecanismos de controle, elencadas no art. 9º da Lei nº 9.613/1998, bem como dos agentes responsáveis por cometerem atos suspeitos de lavagem que devem ser comunicados, visando proporcionar uma rápida constatação do crime, em razão do seu modus operandi ser distinto dos demais delitos, geralmente operacionalizado com mecanismos sofisticados.
A Lei nº 9.613, de 03 de março de 1998, trata sobre os crimes de lavagem de dinheiro e dos mecanismos de prevenção à utilização do sistema financeiro para o cometimento de atos ilícitos. O referido diploma legal se constituiu em meio a uma conjuntura de cooperação internacional, que se deu em decorrência do entendimento de vários países acerca da necessidade de serem instituídas medidas com o objetivo de combater o branqueamento de capitais (BRASIL, 1998).
O termo lavagem de dinheiro pode ser conceituado como sendo a execução de condutas com a finalidade de incorporar dinheiro ou valores ilegalmente obtidos ao sistema econômico legal, ou, ainda, dar aparência de licitude ao produto ou benefício procedente de um ou vários delitos. Além de ocultar capitais provenientes de feitos criminosos, os atos visam o investimento ou a reinversão desses ao sistema legal, para promover a posterior integração do dinheiro na economia e encobrir sua origem ilícita (BRAGA, 2013, p. 26-27).
Objetivando afastar a associação direta dos lucros obtidos com a infração penal antecedente, a lavagem promove o disfarce das movimentações das vantagens indevidas, dificultando seu rastreamento, para colocá-lo fora do alcance das autoridades. Assim, aqueles valores que antes eram considerados “sujos”, por serem oriundos de atividades ilegais, se transformam em “dinheiro limpo”, ou seja, com aparência lícita, permitindo a disponibilização do dinheiro novamente para os agentes criminosos (BRAGA, 2013, p. 31).
Em relação aos bens jurídicos tutelados pelo crime de lavagem de dinheiro, os principais atingidos são a ordem econômico-financeira, o sistema econômico e suas instituições ou a ordem socioeconômica em seu conjunto, especialmente a licitude do ciclo ou tráfego econômico-financeiro, que propicia a circulação e a concorrência de forma livre e legal de bens, valores ou capitais (PRADO, 2019, p. 552).
O processo da lavagem de capitais pode ocorrer em etapas principais, quais sejam: a colocação (placement), em que o dinheiro líquido é introduzido no mercado financeiro; a ocultação, encobrimento ou cobertura (layering), na qual escamoteia-se sua origem ilícita e, por fim, a integração, conversão ou reciclagem (integration), que pretende reintroduzir o dinheiro reciclado ou lavado na economia legal (PRADO, 2019, p. 546-547). Cabe destacar que a lavagem de dinheiro não necessariamente seguirá as três fases citadas, podendo ocorrer apenas a etapa da integração.
De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), o crime de lavagem de dinheiro é caracterizado pelo recebimento de dinheiro em espécie, reconhecidamente ilícito, mediante mecanismos de ocultação e dissimulação da natureza, origem, localização, destinação e propriedade dos valores (AP 470/MG, Rel.: Min. Roberto Barroso, 22 abr. 2013).
Assim, referido processo se apresenta como um indiscutível fenômeno, que já não envolve quantidades ou valores insignificantes, tendo em vista que as organizações criminosas necessitam colocar nesse procedimento os bens ilicitamente gerados, dotando esse capital de aparência legal, para posteriormente tirarem proveito de maneira livre e impune (BRAGA, 2013, p. 83).
Afirma Oscar Martín Sagrado (2018, p. 8) que:
En definitiva, las razones y finalidad que llevaron a tipificar el blanqueo de capitales aparecen íntimamente ligados con la búsqueda por evitar que los bienes de origen ilícito sean incorporados al tráfico económico legal desde una doble perspectiva. De una parte, para impedir las repercusiones que el referido hecho pudiera tener en la propia economía y, de otra, para dificultar el aprovechamiento económico por el autor de la conducta delictiva previa o de un tercero de esos bienes ilícitos.
A lavagem de dinheiro, enquanto prática corruptiva objeto do direito penal econômico, tendo na sua gênese o cometimento de ilicitudes ligadas à fraude, à corrupção, à sonegação fiscal, ao tráfico de drogas, armas e pessoas, e, sobretudo, ao crime organizado, se encontra inserida no funcionamento da sociedade mundial, evoluindo, paralelamente, às relações sociais e econômicas (GIRARDI, 2018, p. 91).
A intervenção penal da lavagem de capitais se justifica por esta ameaçar os interesses estratégicos, políticos e econômicos de diversos países, podendo privar o Estado dos recursos financeiros necessários a seu desenvolvimento de forma sustentável, afetando a confiança dos cidadãos na capacidade de seus dirigentes promoverem a justiça fiscal (BRASIL, 2019).
Por conseguinte, com o avanço tecnológico e a globalização, adveio um processo irreversível de internacionalização de mercados, movimentação de capitais e pessoas, como também de facilidades na realização de aplicações financeiras por empresas ou indivíduos em bancos de qualquer lugar do mundo. Juntamente a isso, houve uma crescente facilidade para a prática da lavagem de dinheiro, a qual se tornou um crime de caráter internacional, vindo a desestabilizar sistemas financeiros e comprometer várias atividades econômicas (LAKS, 2017, p. 102).
Com a finalidade de promover sua adesão no esforço global de enfrentamento ao referido crime, cerca de dez anos após a Convenção de Viena de 1988, o Brasil editou a Lei nº 9.613/98 no ano de 2012. Nesse sentido, a Lei nº 12.683/12 tratou acerca da lavagem de dinheiro e dos mecanismos de prevenção à utilização do sistema financeiro para o cometimento de ilícitos, criando ainda a atual Unidade de Inteligência Financeira (BRASIL, 2012).
Atualmente, a referida lei tipifica o crime em questão em seu art. 1º, o qual afirma que pratica a ação criminosa quem “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal” (BRASIL, 2012).
Todavia, é importante frisar que:
Nem todas as condutas de “ocultar” e/ou “dissimular” configuram a lavagem de dinheiro. É preciso constatar o seu elemento subjetivo. Essas ações devem necessariamente demonstrar a intenção de o agente esconder a origem ilícita do dinheiro (bens, direitos e valores). A simples movimentação de valores ou bens, com o intuito de utilizá-los, desfrutar-lhes ou mesmo acomodá-los, mas sem intenção de escondê-los, não configura o delito (MENDRONI, 2018, p. 92).
Visando combater a lavagem de dinheiro, o Brasil possui programas e órgãos dedicados a este fim, como a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA), a atual Unidade de Inteligência Financeira (UIF), pertencente ao Banco Central, o próprio Banco Central, a Receita Federal, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Polícia Judiciária e Investigativa, o Ministério Público, entre outros.
Entretanto, o crime em tela apresenta características variadas e peculiares, as quais são constantemente aperfeiçoadas e exploradas em novas oportunidades de ganhos ilícitos, o que coloca as organizações criminosas muitas vezes um passo à frente das medidas legislativas para combatê-lo, provocando, assim, a necessidade do surgimento de novas exigências para impulsionar uma reação jurídico-penal eficiente (BRASIL, 2019).
Isso porque o momento atual está marcado pela sociedade de risco, expressão atribuída a Ulrich Beck, em que as ameaças não se restringem mais aquelas naturais, as quais desde sempre acompanharam a humanidade, pois se observa que nos dias atuais surgem novos riscos criados pelo próprio desenvolvimento humano e ainda são potencializados pelo fenômeno da globalização (BECK, 2011).
Assim, pode-se afirmar que a lavagem de dinheiro consiste em uma prática criminosa da pós-modernidade, a qual transcende a individualidade dos países e regiões, assumindo uma escala global. Consequentemente, essas peculiaridades impõem que se revise não só a relação entre Estado e Sociedade, mas também a própria relação entre os Estados e os mecanismos para combater o crime organizado e a macrocriminalidade econômica (GIRARDI, 2018, p. 14).
Logo, a tendência de prevenção e repressão à lavagem de capitais atualmente verificada no plano internacional se apoia no sentido do aumento do rigor e controle no combate à evasão fiscal e da crescente implementação de acordos internacionais ou multilaterais para a cooperação no combate à fraude fiscal, o que pode representar indícios do surgimento de uma nova ordem jurídica global, denominada de Transconstitucionalismo (LAKS, 2017, p. 102).
Os movimentos de cooperação internacional de combate ao cometimento de ilícitos dessa natureza mostram que a tendência atual consiste no compartilhamento de informações financeiras dos contribuintes com as administrações tributárias. Dessa forma, as legislações estão se empenhando no enfrentamento da evasão fiscal e no combate a diversas práticas criminosas internacionais, entre elas a lavagem de dinheiro.
Nessa conjectura, a transparência surge como princípio para a superação das ambivalências da sociedade de risco. Com isso, o princípio da transparência, significando clareza, abertura e simplicidade, vincula o Estado e a Sociedade, se transformando em um importante instrumento para a superação dos riscos fiscais provocados pela globalização (TORRES, 2011, p. 147-159).
A transparência na atividade financeira, consubstanciada na clareza orçamentária, na responsabilidade fiscal, no respeito aos direitos fundamentais do contribuinte, no aperfeiçoamento da comunicação social e no combate à corrupção dos agentes públicos, em contraponto à transparência na conduta do contribuinte garantida pelas normas antielisivas, pelas regras anti-sigilo bancário e pelo combate à corrupção ativa, pode conduzir à minimização dos riscos fiscais do Estado Democrático de Direito (TORRES, 2011, p. 147-159).
Entretanto, o Brasil ainda apresenta um rigoroso sistema constitucional que impede a transparência e dificulta a obtenção de informações para facilitar o processo de constatação de crimes financeiros e econômicos de grande sofisticação, em razão da rigidez dos princípios da intimidade e do sigilo de dados, elencados no art. 5º, incisos X e XII, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
Porém, o sigilo bancário não compõe o conjunto de dados sensíveis do indivíduo, quais sejam, aqueles que mais diretamente se ligam à sua personalidade, como os que revelam sua origem racial ou étnica, suas opiniões políticas e convicções religiosas ou filosóficas, sua filiação sindical, seus dados genéticos, biométricos, relacionados com sua saúde e relativos à sua vida sexual ou orientação sexual.
Destarte, cada vez mais se caminha, por razões jurídicas ou de ordem prática, para a garantia de uma troca segura de informações entre os órgãos de controle, bancos e até mesmo Estados soberanos, afastar a ultrapassada noção de interdição total do acesso aos dados acobertados por sigilo bancário ou fiscal (ADI 2.859/DF, Rel.: Min. Dias Toffoli, 24 fev. 2016).
Ressalta-se que o Brasil faz parte do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI), uma organização intergovernamental estabelecida no ano de 1989 por iniciativa dos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pela qual se desenvolvem políticas nacionais e internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (CVM, 2019).
Com efeito, o Brasil deve seguir as 40 Recomendações do GAFI, um guia para que “países adotem padrões e promovam a efetiva implementação de medidas legais, regulatórias e operacionais” para combater a lavagem de dinheiro, bem como outras ameaças à integridade do sistema financeiro, além do financiamento do terrorismo e da proliferação de armas de destruição em massa (CGU, 2019).
Por outro lado, verifica-se que há uma crise contemporânea do conceito de soberania, envolvendo a dificuldade de conciliar essa concepção do Estado com a ordem internacional. Todavia, a crise da soberania se antecede à crise do próprio Estado nacional, historicamente incumbido da unificação nacional e da pacificação interna, cuja identidade e função precisam ser repensadas à luz das relações internacionais, com o deslocamento, para o plano internacional, das sedes do constitucionalismo tradicionalmente ligadas ao Estado (GIRARDI, 2018, p. 17).
Assim, a abertura do direito constitucional para além do Estado se mostra importante diante do cenário atual, tendo em vista que a transterritorialização dos problemas jurídico-constitucionais e as diversas ordens para as quais eles são relevantes torna necessário o incremento de uma teoria e uma dogmática do direito transconstitucional (NEVES, 2009, p. 131).
O Transconstitucionalismo específico entre ordem internacional e ordem estatal apresenta-se na forma de uma “Constituição” em que se liga a responsabilidade do Estado perante o seu contexto social interno e a sua “responsabilidade interestatal”. Logo, a desarmonia dos problemas constitucionais permaneceria desestruturada se cada ordem jurídica pretendesse enfrentá-los isoladamente a cada caso. Portanto, impõe-se um “diálogo” ou uma “conversação” transconstitucional (NEVES, 2009, p. 135-136).
Segundo Neves (2009, p. 131):
As ordens estatais, internacionais, supranacionais, transnacionais e locais, são incapazes de oferecer, isoladamente, respostas complexamente adequadas para os problemas normativos da sociedade mundial. Os modelos de constitucionalismo internacional, supranacional ou transnacional, como alternativas à fragilidade do constitucionalismo estatal para enfrentar os graves problemas da sociedade mundial, levam a perspectivas parciais e unilaterais, não oferecendo, quando considerados isoladamente, soluções adequadas para os problemas constitucionais do presente. O transconstitucionalismo, como modelo de entrelaçamento que serve à racionalidade transversal entre ordens jurídicas diversas, abre-se a uma pluralidade de perspectivas para a solução de problemas constitucionais, melhor adequando-se às relações entre ordens jurídicas do sistema jurídico heterárquico da sociedade mundial.
A noção que associava a soberania do Estado a um poder supremo exercido sobre determinando território e população está ultrapassada. Atualmente, a ideia corresponde a uma conjuntura de cooperação internacional em prol de finalidades comuns, ressignificando o poderio do Estado como membro da comunidade que é o sistema internacional, constituindo sua participação efetiva dentro dessa comunidade um verdadeiro ato de soberania (GIRARDI, 2018, p. 24).
A partir da nova delimitação da soberania, a cooperação internacional se justifica pela necessidade de o Estado contribuir para a paz e para o progresso da humanidade, sendo uma ferramenta importante ao próprio exercício das funções soberanas dos países, como no momento de promover um eficiente combate ao crime organizado e desenvolver a estabilidade do sistema econômico-financeiro (GIRARDI, 2018, p. 15).
É próprio do Estado constitucional cooperativo realizar uma abertura para as relações internacionais e para os Direitos Humanos, – com efeito de impor medidas eficientes no âmbito interno – bem como ter um potencial constitucional ativo, voltado para a realização internacional conjunta de tarefas (GIRARDI, 2018, p. 21).
Portanto, diante da macrocriminalidade econômica e da sofisticação presente nas organizações criminosas, se faz necessário que o Brasil esteja aberto à cooperação internacional para se adequar às diretrizes mundiais e constituir mecanismos mais eficazes de combate ao crime de lavagem de dinheiro.
4 CONCLUSÃO
A partir do presente trabalho, se objetivou discutir a respeito da Teoria do Transconstitucionalismo (NEVES, 2009) no âmbito da repressão e prevenção do crime de lavagem de dinheiro no Brasil, teoria que preconiza a abertura do direito constitucional para além do Estado, devido a transterritorialização dos problemas jurídico-constitucionais presentes no mundo atual.
Sendo assim, mediante os estudos realizados, se sugere uma melhor análise sobre os elementos de diálogos legislativos, para uma possível relativização do sigilo bancário e, ao mesmo tempo, de preservação de preceitos constitucionais, como forma de adequar o Brasil às diretrizes internacionais no combate à lavagem de dinheiro, visando promover a efetividade necessária.
A hipótese que mais se afigura ao presente caso é relacionar os ditames do Transconstitucionalismo com as práticas de combate ao branqueamento de capitais, a fim de solucionar o problema jurídico-constitucional da excessiva proteção ao sigilo bancário no Brasil, que se mostra como um impedimento no seu avanço em prevenir e reprimir referido crime, devendo se amoldar aos preceitos internacionais na busca de um monitoramento mais eficiente e na viabilização de um efetivo e célere acesso às informações relativas aos bens, rendas e transações de contribuintes, possibilitando a melhor constatação de crimes econômicos.
Ademais, os mecanismos de controle e fiscalização de dados financeiros devem ser aprimorados, em virtude de o modus operandi da lavagem de dinheiro e dos crimes dessa natureza ser cada dia mais sofisticado pelos criminosos. Observa-se que apenas a implementação de órgãos, de sistemas e de uma legislação que objetivem o combate à lavagem de dinheiro não está sendo suficiente para preveni-la e reprimi-la, pois é necessário promover uma efetividade.
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Graduada em Direito e pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, THAIS FARIAS DE. O crime de lavagem de dinheiro: combate e repressão na perspectiva das diretrizes de cooperação internacional e dos fundamentos do transconstitucionalismo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jan 2021, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56052/o-crime-de-lavagem-de-dinheiro-combate-e-represso-na-perspectiva-das-diretrizes-de-cooperao-internacional-e-dos-fundamentos-do-transconstitucionalismo. Acesso em: 23 dez 2024.
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