RESUMO: O presente trabalho pretende apresentar uma incipiente análise a respeito dos aspectos jurídicos relativos à contratação de advogados pelos conselhos de fiscalização profissional, os quais são considerados autarquias sui generis, com personalidade de direito público, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Para tanto, serão apresentados os entendimentos da Suprema Corte acerca da categorização de tais entidades, bem como qual o regime jurídico de pessoal a ser por elas adotado. Nessa senda, discutir-se-á acerca da necessidade de realização de concurso público pra a contratação de pessoal nessas entidades. Também será apresentado o posicionamento do Tribunal de Contas da União sobre a matéria, enfatizando-se as discussões acerca da contratação de pessoal advogado e/ou assessor jurídico. Desse modo, serão explicitadas as razões jurídicas pelas quais a contratação de advogado pelos conselhos profissionais deve ser precedida de concurso público.
Palavras-chave: Direito Administrativo. Concurso Público. Conselhos Profisionais.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da Natureza Jurídica dos Conselhos Federais de Fiscalização Profissional. 3. Da Exigência Constitucional de Realização de Concurso Público pelos Conselhos. 4. Da Recente Definição do Regime Jurídico de Pessoal dos Conselhos Profissionais pelo STF. 5. Do “Emprego em Comissão” nos Conselhos de Fiscalização Profissional. 6. Dos Limites constitucionais à Contratação por Comissionamento de Advogado para o Exercício de Funções Típicas e Permanentes no Âmbito dos Conselhos Profissionais. 7. Do Posicionamento do TCU Acerca da Matéria. 8. Considerações Finais. 9. Referências.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em seu artigo 37, notadamente no inciso II, consagra a exigência da realização de concurso público para o preenchimento de cargos e empregos públicos na Administração Pública como um dos eixos estruturantes da moralidade e da impessoalidade na Administração. Nessa senda, estabelece que a excepcionalidade ao concurso público pode se efetivar apenas quando da contratação de pessoal para o preenchimento de funções temporárias de excepcional interesse público, assim como nos casos de preenchimentos de cargos comissionados.
Os conselhos de fiscalização profissional se apresentam como entidades que realizam atividade típica de Estado, qual seja, a fiscalização da atividade profissional, que inclui o exercício dos poderes disciplinar e de polícia, bem como a cobrança e a execução judicial das contribuições de seus membros. Ao disciplinar tais órgãos, a Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, estabeleceu que deveria ser atribuída personalidade jurídica de direito privado a tais entidades, preenchendo uma lacuna deixada pela Constituição Federal de 1988, que não trouxe qualquer dispositivo acerca da natureza e do regime jurídico dos conselhos profissionais. Entretanto, a jurisprudência da Suprema Corte, considerando o caráter público das atividades desempenhadas por essas instituições, definiu que os conselhos profissionais são possuidores de personalidade de direito público. Ainda, por não integrarem a estrutura orgânica da Administração Pública e por desenvolverem atividades que não podem ser delegadas ao particular, tais entidades foram consideradas pelo Supremo Tribunal Federal como autarquias sui generis.
Nesse diapasão, exsurge o debate acerca do regime jurídico a ser adotado quando da contratação de pessoal pelos conselhos profissionais, superado por recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que pacificou a celeuma no sentido da aplicabilidade do regime celetista ao quadro de pessoal desses órgãos, por meio do julgamento conjunto da ADC 36, ajuizada pelo Partido da República, da ADI 5367 e da ADPF 367, ambas propostas pela Procuradoria-Geral da República.
Sob tal perspectiva, considerando a exigência constitucional do concurso público e a aplicabilidade do regime celetista ao pessoal contratado pelos conselhos de fiscalização profissional, faz-se necessária a discussão acerca dos limites impostos à contratação por comissionamento nessas entidades, precipuamente no que diz respeito à limitação da contratação por comissionamento de advogado para o exercício de atribuições técnicas e permanentes da área jurídica.
Desta feita, pretende-se analisar, neste arrazoado, com acurácia, a aplicabilidade da exigência constitucional de concurso público às contratações de advogados pelos conselhos de fiscalização profissional.
2 DA NATUREZA JURÍDICA DOS CONSELHOS FEDERAIS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL
Os conselhos de fiscalização das atividades profissionais são entidades destinadas a realizar o controle e a fiscalização das profissões regulamentadas. Nesse contexto, tais conselhos regulamentam a atividade profissional, bem como fiscalizam o exercício das profissões a fim de garantir que o serviço seja prestado à sociedade com ética, eficiência e legitimidade.
Acerca da conceituação dos conselhos profissionais, é pertinente trazer a lume as lições de Odete Medauar[1]:
Trata-se de organismos destinados, em princípio, a “administrar” o exercício de profissões regulamentadas por lei federal. São geridos por profissionais da área, eleitos por seus pares. De regra, têm estrutura federativa, com um órgão de nível nacional e órgãos de nível estadual. As leis que regulamentam profissões e criam ordens ou conselhos transferem-lhes competência para exercera fiscalização do respectivo exercício profissional e o poder disciplinar. A chamada polícia das profissões, que originariamente caberia ao poder público, é, assim, delegada às ordens profissionais que, nessa matéria, exercem atribuições típicas do poder público.”
É cediço que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 não previu de forma explícita a natureza jurídica dos conselhos de fiscalização profissional. Entretanto, o artigo 58 da Lei nº 9.649/98 definiu os conselhos profissionais, com exceção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), como entidades de direito privado por delegação do poder público, mediante autorização legislativa:
Art. 58. Os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas serão exercidos em caráter privado, por delegação do poder público, mediante autorização legislativa. (Vide ADIN nº 1.717-6)
§ 1º A organização, a estrutura e o funcionamento dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas serão disciplinados mediante decisão do plenário do conselho federal da respectiva profissão, garantindo-se que na composição deste estejam representados todos seus conselhos regionais. (Vide ADIN nº 1.717-6)
§ 2º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, dotados de personalidade jurídica de direito privado, não manterão com os órgãos da Administração Pública qualquer vínculo funcional ou hierárquico. (Vide ADIN nº 1.717-6)
§ 3º Os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista, sendo vedada qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da Administração Pública direta ou indireta.
§ 4º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são autorizados a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais devidas por pessoas físicas e jurídicas, bem como preços de serviços e multas, que constituirão receitas próprias, considerando-se título executivo extrajudicial a certidão relativa aos créditos decorrentes. (Vide ADIN nº 1.717-6)
§ 5º O controle das atividades financeiras e administrativas dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas será realizado pelos seus órgãos internos, devendo os conselhos regionais prestar contas, anualmente, ao conselho federal da respectiva profissão, e estes aos conselhos regionais. (Vide ADIN nº 1.717-6)
§ 6º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, por constituírem serviço público, gozam de imunidade tributária total em relação aos seus bens, rendas e serviços. (Vide ADIN nº 1.717-6)
§ 7º Os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas promoverão, até 30 de junho de 1998, a adaptação de seus estatutos e regimentos ao estabelecido neste artigo. (Vide ADIN nº 1.717-6)
§ 8º Compete à Justiça Federal a apreciação das controvérsias que envolvam os conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas, quando no exercício dos serviços a eles delegados, conforme disposto no caput. (Vide ADIN nº 1.717-6)
§ 9º O disposto neste artigo não se aplica à entidade de que trata a Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994.
Todavia, após intenso debate doutrinário e jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o mérito da ADI 1717, consignou que a fiscalização das profissões, por se tratar de uma atividade típica de Estado, que abrange o poder de polícia, de tributar e de punir, não pode ser delegada. Assim, o STF pacificou o entendimento no sentido do caráter público da atividade desempenhada pelos conselhos profissionais:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 58 E SEUS PARÁGRAFOS DA LEI FEDERAL Nº 9649, DE 27/05/1998, QUE TRATAM DOS SERVIÇOS DE FISCALIZAÇÃO DE PROFISSÕES REGULAMENTADAS.
1. Estando prejudicada a Ação, quanto ao § 3º do art. 58 da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, como já decidiu o Plenário, quando apreciou o pedido de medida cautelar, a Ação Direta é julgada procedente, quanto ao mais, declarando-se a inconstitucionalidade do “caput” e dos parágrafos 1º, 2º, 4º, 5º, 6º, 7º e 8º do mesmo art. 58.
2. Isso porque a interpretação conjugada dos artigos 5º, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas, como ocorre com os dispositivos impugnados.
3. Decisão unânime.
(STF. ADI 1.717-6/DF. Tribunal Pleno. Rel. Min. Sydney Sanches. Data de Julgamento: 07/11/2002)
A partir das lições esposadas no julgado supramencionado, infere-se a natureza autárquica dos conselhos profissionais pelo caráter público da atividade por eles desenvolvida. Percebe-se, ainda, da análise do julgado, que foi declarada a inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei nº 9.649, de 27.05.1998, que atribuíam personalidade jurídica de direito privado aos conselhos profissionais.
Desse modo, considerando a Teoria Moderna do Direito Administrativo e a sólida jurisprudência pátria, é possível afirmar que os conselhos de fiscalização da atividade profissional são considerados autarquias, sendo classificados como pessoas jurídicas de direito público. Nesse sentido encontra-se a jurisprudência do STF:
Mandado de Segurança.
- Os Conselhos Regionais de Medicina, como sucede com o Conselho Federal, são autarquias federais, sujeitas a prestação de contas ao Tribunal de Contas da União por força do disposto no inciso II do artigo 71 da atual Constituição.
- Improcedência das alegações de ilegalidade quanto à imposição, pelo TCU, de multa e de afastamento temporário do exercício da Presidência ao Presidente do Conselho Regional de Medicina em causa.
Mandado de Segurança indeferido.
(STF. MS 22.643-9/SC. Tribunal Pleno. Min. Moreira Alves. Data de julgamento: 06/08/1998)
Por oportuno, é pertinente ressaltar que o anteprojeto da nova lei orgânica da Administração Pública reconhece a personalidade de direito público dos conselhos de fiscalização profissional, embora não atribua natureza autárquica a tais entidades, reservando a elas o caráter de entidades paraestatais.
Acerca da matéria, cumpre consignar as valiosas lições do Ministro Alexandre de Moraes, ao explicitar a natureza de autarquia sui generis dos conselhos de fiscalização profissional, no julgamento conjunto da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 36, da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5367 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 367, ocorrido em 04 de setembro de 2020:
Os Conselhos profissionais gozam de ampla autonomia e independência; eles não estão submetidos ao controle institucional, político, administrativo de um ministério ou da Presidência da República, ou seja, eles não estão na estrutura orgânica do Estado. Seus recursos financeiros não estão previstos, como salientou o Ministro Marco Aurélio, na lei orçamentária. Eles não têm e não recebem ingerência do Estado nos aspectos mais relevantes da sua estrutura – indicação de seus dirigentes, aprovação e fiscalização da sua própria programação financeira ou mesmo a existência, podemos chamar, de um orçamento interno. Eles não se submetem, como todos os demais órgãos do Estado, à aprovação de sua programação orçamentária, mediante lei orçamentária, pelo Congresso Nacional. Não há nenhuma ingerência na fixação de despesas de pessoal e de administração.
Os recursos dessas entidades são provenientes de contribuições parafiscais pagas pela respectiva categoria. Não são destinados recursos orçamentários da União, suas despesas, como disse, não são fixadas pela lei orçamentária anual. Há, então, essa natureza sui generis, que, por mais que se encaixe, como fez o Supremo Tribunal Federal, anteriormente, na categoria de autarquia, seria uma autarquia sui generis, o que não é novidade no sistema administrativo brasileiro: as agências reguladoras também foram reconhecidas como autarquias sui generis. Aqui, no caso dos Conselhos profissionais, teríamos uma espécie mais híbrida ainda.
Nesse contexto, é certo que os conselhos de fiscalização profissional não integram a estrutura orgânica da Administração Pública, todavia devem observar as regras que conduzem o funcionamento dos órgãos e entidades que exercem a função administrativa de Estado, uma vez que possuem personalidade jurídica de direito público.
Assim, por desenvolverem atividade típica de Estado e por possuírem personalidade jurídica de direito público, os princípios e as normas constitucionais que regem a atuação da Administração Pública devem pautar a atuação dos conselhos de fiscalização profissional, notadamente as exigências de espectro constitucional consubstanciadas na obrigatoriedade de licitar e de realizar concurso público.
3 DA EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE REALIZAÇÃO DE CONCURSO PÚBLICO PELOS CONSELHOS PROFISSIONAIS
Considerando o caráter jurídico de autarquia sui generis dos conselhos de fiscalização profissional, que são criados por lei e possuem personalidade jurídica de direito público, exercendo uma atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercício profissional, há de se concluir pela obrigatoriedade da aplicação da regra prevista no artigo 37, II, da CF, que estabelece a exigência de concurso público para o provimento de cargos e/ou empregos públicos.
Assim, tais órgãos devem atuar em consonância com os princípios constitucionais, inclusive quanto à necessidade de concurso público para provimento de seu quadro de pessoal. Nesse sentido já se manifestou o Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO. ART. 37, II, DA CF. NATUREZA JURÍDICA. AUTARQUIA. FISCALIZAÇÃO. ATIVIDADE TÍPICA DE ESTADO.
1. Os conselhos de fiscalização profissional, posto autarquias criadas por lei e ostentando personalidade jurídica de direito público, exercendo atividade tipicamente pública, qual seja, a fiscalização do exercício profissional, submetem-se às regras encartadas no artigo 37, inciso II, da CB/88, quando da contratação de servidores.
2. Os conselhos de fiscalização profissional têm natureza jurídica de autarquias, consoante decidido no MS 22.643, ocasião na qual restou consignado que: (i) estas entidades são criadas por lei, tendo personalidade jurídica de direito público com autonomia administrativa e financeira; (ii) exercem a atividade de fiscalização de exercício profissional que, como decorre do disposto nos artigos 5º, XIII, 21, XXIV, é atividade tipicamente pública; (iii) têm o dever de prestar contas ao Tribunal de Contas da União.
3. A fiscalização das profissões, por se tratar de uma atividade típica de Estado, que abrange o poder de polícia, de tributar e de punir, não pode ser delegada (ADI 1.717), excetuando-se a Ordem dos Advogados do Brasil (ADI 3.026).
(STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO 539.224/CE. Rel. Min. Luiz Fux. Órgão Julgador: Primeira Turma. Data de Publicação: 18/06/2012. Grifos nossos.)
Necessário se faz registrar que, desde o julgamento pelo Tribunal Pleno do STF da Medida Cautelar na ADI 1717/DF, cujo acórdão foi publicado no dia 25/02/2000, inexiste divergência quanto à natureza autárquica dos conselhos profissionais, estando o ingresso de seus servidores condicionados à aprovação em concurso público de provas e títulos.
Cumpre ressaltar que a inobservância da exigência de concurso público no ato de contratação de seus servidores pode implicar, inclusive, a nulidade do ato e a aplicação de sanção à autoridade responsável, em conformidade com o disposto na Lei de Improbidade Administrativa. Sobre a temática, importar registrar ensinamento de Emerson Garcia[2]: “[...] o preceito constitucional deve ser integrado com a Lei 8.429/92, sujeitando o agente, da administração direta ou indireta, à tipologia estatuída no art. 11, caput, deste diploma legal, sempre que realizar contratações para o preenchimento de cargos que exigem a aprovação prévia em concurso público, sem a sua realização.”
Desta feita, devem ser observados os preceitos constitucionais pelos conselhos profissionais quando da implementação de sua estrutura de pessoal, observando-se o que determina o artigo 37, II, da CF/88. Sendo assim, resta claro que, para a efetivação da contratação de servidores, os Conselhos de Fiscalização Profissional devem obediência ao que determina a Constituição Federal acerca do concurso público. Assim se posiciona a jurisprudência pátria recente:
AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSELHO DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. ADMISSÃO DE PESSOAL SEM CONCURSO PÚBLICO. NULIDADE. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.717. EFEITOS EX TUNC. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.
(STF. RE 1193345 ED-AgR/SP. Órgão Julgador: Primeira Turma. Rel.: Min. Luiz Fux. Data de publicação: 05/12/2019.)
Outrossim, sabe-se que os Conselhos Profissionais organizam sua estrutura e funcionamento por intermédio de Resoluções e Decisões de Plenária e atos administrativos internos. Nessa senda, os atos administrativos normativos internos voltados à organização da estrutura de pessoal do órgão devem estar pautados na ordem constitucional vigente, não podendo tais instrumentos normativos serem utilizados para regulamentar situações inconstitucionais, a exemplo de contratações por terceirização ou comissionamento não permitidas pela ordem jurídica vigente.
4 DA RECENTE DEFINIÇÃO DO REGIME JURÍDICO DE PESSOAL DOS CONSELHOS PROFISSIONAIS PELO STF
Durante longos anos foram estabelecidas discussões emblemáticas acerca do regime jurídico de pessoal a ser adotado pelos conselhos profissionais. Corroborando tais divergências, foram protocoladas no STF a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 36, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5367 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 367, todas versando sobre a matéira.
Diante de tal moldura fático-jurídica, no último dia 04 de setembro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual, considerou constitucional a contratação de pessoal sob o regime da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em conselhos profissionais, por meio do julgamento conjunto das ações supramencionadas, declarando a constitucionalidade do artigo 58, parágrafo 3º, da Lei 9.649/1998, que prevê que os empregados dos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas são regidos pela legislação trabalhista e veda qualquer forma de transposição, transferência ou deslocamento para o quadro da administração pública direta ou indireta.
Assim, salvo novo entendimento em sentido diverso, não restam mais dúvidas acerca da aplicabilidade do regime celetista ao pessoal dos conselhos profissionais.
5 DO “EMPREGO EM COMISSÃO” NOS CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL
De acordo com o texto constitucional, a contratação sem concurso público deve se destinar apenas a mitigar deficiência de pessoal ou necessidade temporária do órgão, ou ser utilizada para o exercício de atividade exclusiva de direção, chefia ou assessoramento, ou seja, pode ser caracterizada como contratação administrativa temporária ou como contratação por comissionamento.
Nessas hipóteses, a Constituição Federal estabelece a possibilidade de criação de cargos comissionados e de funções públicas temporárias, previstas, respectivamente, no artigo 37, II e V, e IX.
No caso das contratações por comissionamento, o artigo 37, incisos II e V, da CF, preleciona que as atribuições de tais cargos devem se restringir apenas às atividades de chefia, direção e assessoramento. Para a caracterização e possibilidade de existência de cargo comissionado, torna-se imprescindível a definição, de forma clara, de suas atribuições, consubstanciadas, fundamentalmente, em funções de direção, chefia e assessoramento superior.
Assim, importa destacar que o texto constitucional é claro ao asseverar que os cargos comissionados devem ser criados por lei, com atribuições claras e precisas, para as funções exclusivas de direção, chefia e assessoramento. Nesse sentido encontra-se recente jurisprudência do STF, na qual foi fixada a seguinte tese de repercussão geral, publicada em 22 de maio de 2019:
Criação de cargos em comissão. Requisitos estabelecidos pela Constituição Federal. Estrita observância para que se legitime o regime excepcional de livre nomeação e exoneração. Repercussão geral reconhecida. Reafirmação da jurisprudência da Corte sobre o tema.
1. A criação de cargos em comissão é exceção à regra de ingresso no serviço público mediante concurso público de provas e títulos e somente se justifica quando presentes os pressupostos constitucionais para sua instituição.
2. Consoante a jurisprudência da Corte, a criação de cargos em comissão pressupõe: a) que os cargos se destinem ao exercício de funções de direção, chefia ou assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais; b) necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado; c) que o número de cargos comissionados criados guarde proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os institui; e
d) que as atribuições dos cargos em comissão estejam descritas de forma clara e objetiva na própria lei que os cria.
3. Há repercussão geral da matéria constitucional aventada, ratificando-se a pacífica jurisprudência do Tribunal sobre o tema. Em consequência disso, nega-se provimento ao recurso extraordinário.
4. Fixada a seguinte tese: a) A criação de cargos em comissão somente se justifica para o exercício de funções de direção, chefia e assessoramento, não se prestando ao desempenho de atividades burocráticas, técnicas ou operacionais;
b) tal criação deve pressupor a necessária relação de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado;
c) o número de cargos comissionados criados deve guardar proporcionalidade com a necessidade que eles visam suprir e com o número de servidores ocupantes de cargos efetivos no ente federativo que os criar; e
d) as atribuições dos cargos em comissão devem estar descritas, de forma clara e objetiva, na própria lei que os instituir.
(STF. RE 1041210. Plenário Virtual. Rel. Min. Dias Tofolli. Data de Públicação: 22/05/2019. Grifos nossos.)
Em verdade, as atividades do cargo comissionado devem estar voltadas à chefia e direção de departamentos e setores e ao cumprimento e implementação das diretrizes do órgão, de acordo com a política de administração adotada pelos seus dirigentes. Além disso, devem ser destinadas ao assessoramento dos níveis hierárquicos administrativos mais altos no âmbito interno do órgão. Por tais razões, possuem como requisito indispensável a relação de confiança entre a autoridade nomeante e aquele que ocupará o cargo comissionado.
Nesse sentido, importa transcrever lições extraídas do parecer da Douta Procuradoria-Geral da República no supracitado RE 1041210:
As atribuições dos cargos criados não cumprem os requisitos da categoria. Os cargos em comissão, vocacionados a serem transitoriamente preenchidos por ocupante de confiança da autoridade nomeante, dirigem-se àquelas atividades inerentes à direção, à assessoria e à coordenação, na hierarquia administrativa dos órgãos, com vistas à concepção de programas de governo. Tais características devem decorrer logicamente da descrição de suas atribuições.
Não obstante a utilização de vocábulos indutores dessa conclusão, as atividades descritas para os cargos impugnados nada têm de assessoramento, direção ou chefia. Revelam-se, antes, tipicamente de função técnica, operacional ou meramente burocrática. Tampouco demandam relação de confiança com a autoridade superior para o exercício das atividades ali propostas, por serem definíveis sobretudo como a execução em maior ou menor grau de programas normativos condicionais, e não finalísticos.
Os cargos intitulados de Assessor enunciam conjunto de atividades rotineiras técnicas ou burocráticas das diversas áreas administrativas. De seus conteúdos não se infere logicamente atribuição de comando ou direção da administração, vinculadas à necessária relação de confiança. Ao reverso, descrevem tarefas executivas de funções tipicamente organizadas em carreira do serviço público. A mera conjugação da execução de tarefas triviais com suposta direção não supre o requisito constitucional, que exige atribuições de efetivo estabelecimento de diretrizes, planejamento de ações com amplo espectro de discricionariedade e tomada de decisões políticas. Já o assessoramento requer conhecimentos técnicos, no auxílio especializado à tomada de decisões dos chamados programas normativos finalísticos, em que se abrem grandes campos de avaliação e de opções discricionárias dos agentes públicos. Nada disso está presente aí. Preponderam, ao revés, atribuições de supervisão da aplicação de normas de mais variada natureza, ditadas pelo legislador ou pelos regulamentos editados em patamares mais elevados da administração pública e que, portanto, não se encontram à disposição dos servidores mencionados. Ao contrário, sujeitam-se eles aos termos de sua execução.
Nesse diapasão, observa-se a inviabilidade jurídica de implementação de cargos de comissão nos conselhos profissionais, nos moldes estabelecidos na Constituição Federal, uma vez que não há, nessas entidades, criação de cargos por lei com atribuições claras e precisas de direção, chefia e assessoramento.
Há de se ressaltar que, nos conselhos profissionais, como afirmado em linhas anteriores, os Planos de Cargos, Carreiras e Salários são, em regra, criados por Resoluções Administrativas das entidades, aprovados por Decisões de Plenária. Não há, portanto, criação de cargo ou emprego público por lei para tais entidades.
Ademais, a Lei nº 9.962/2000, que disciplina o regime de emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional, proíbe expressamente que o pessoal submetido ao Regime Celetista na Administração Pública seja contratado por intermédio de cargo de provimento em comissão, in verbis:
Art. 1º O pessoal admitido para emprego público na Administração federal direta, autárquica e fundacional terá sua relação de trabalho regida pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e legislação trabalhista correlata, naquilo que a lei não dispuser em contrário.
§ 1º Leis específicas disporão sobre a criação dos empregos de que trata esta Lei no âmbito da Administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo, bem como sobre a transformação dos atuais cargos em empregos
§ 2º É vedado:
I – submeter ao regime de que trata esta Lei:
a) (VETADO)
b) cargos públicos de provimento em comissão;
II – alcançar, nas leis a que se refere o § 1o, servidores regidos pela Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, às datas das respectivas publicações.
§ 3o Estende-se o disposto no § 2o à criação de empregos ou à transformação de cargos em empregos não abrangidas pelo § 1º.
Acerca da contratação por intermédio do “emprego em comissão”, é pertinente transcrever excerto elucidativo do inteiro teor do acórdão prolatado no AIRR – 1863-95.2011.5.10.0003, pelo Tribunal Superior do Trabalho, no qual se afirma que a Constituição Federal não prevê a figura do “emprego em comissão”:
Com a promulgação da Carta da República de 1988, ficou definitivamente obstada a contratação de empregado pela Administração Pública direta e indireta sem a prévia aprovação em concurso público, conforme dicção expressa do artigo 37, inciso II, nos seguintes termos:
“a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.”
A norma em comento foi expressa em exigir a submissão a concurso público para a investidura em cargos ou empregos públicos, sendo os ocupantes desses últimos regidos pela legislação trabalhista.
A exceção da contratação por tempo determinado, para atender necessidade temporária de excepcional interesse público (CRFB, art. 37, inciso IX), a possibilidade de investidura nos quadros da administração pública sem a realização do concurso público ocorre em relação aos cargos declarados em lei de livre nomeação e exoneração. Estes são os chamados cargos em comissão destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento (CRFB, artigo 37, V), submetendo-se os seus ocupantes ao regime estatutário.
A Constituição da República não faz alusão à figura do ‘emprego em comissão’, que seria uma situação sui generis do dito ‘cargo em comissão’, pois, apesar de destinados à função de direção, chefia e assessoramento, de livre nomeação e exoneração, estariam os seus ocupantes sujeitos às normas trabalhistas.
(AIRR – 1863-95.2011.5.10.0003, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 21/10/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/10/2015)
Sendo assim, após a pacificação do entendimento exarado pela Suprema Corte no sentido da aplicabilidade do regime celetista ao pessoal dos conselhos profissionais, é inconteste que as vagas do quadro de pessoal de tais entidades serão preenchidas por empregos públicos criados por meio de atos administrativos internos, a serem preenchidos por concurso público.
Nesse diapasão, caso haja a autorização jurisprudencial para a criação de “empregos públicos em comissão”, tais entidades teriam em suas mãos a possibilidade jurídica de burlar facilmente a obrigatoriedade da realização de concurso público. Nesse contexto, poderiam, por exemplo, criar diversos “empregos públicos em comissão” de “assessores” ou “gerentes” para o desempenho de atividades técnicas no âmbito destes conselhos, a serem preenchidos sem concurso público, como ocorre em algumas dessas entidades.
6 DOS LIMITES CONSTITUCIONAIS À CONTRATAÇÃO POR COMISSIONAMENTO DE ADVOGADO PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÕES TÍPICAS E PERMANENTES NO ÂMBITO DOS CONSELHOS PROFISSIONAIS
É certo que, no âmbito da excepcionalidade ao concurso público, torna-se possível que a Administração Pública proceda à contratação precária a título de cargo comissionado, desde que tal contratação se efetive com obediência ao art. 37, incisos II e V, da CF, consoante explicitado no item 5.
Nessa linha de raciocínio, importa ressaltar que cargos comissionados não podem ser utilizados para o exercício de atividades técnicas e permanentes do órgão. Segundo o que determinam os preceitos constitucionais e legais, tais cargos devem ser utilizados apenas para as funções de direção, chefia e assessoramento.
Além disso, quando há a permissão de contratação por meio de cargos comissionados, que deve ser realizada sob estrita observância ao disposto no texto constitucional, para atividades exclusivas de direção, chefia e assessoramento, é necessário atentar, ainda, para o disposto no artigo 50 da Lei 8.460/92, que exige que pelo menos 50% dos cargos em comissão sejam preenchidos pelos servidores de carreira.
Outrossim, cumpre ressaltar que a Lei nº 9.962/2000 proíbe expressamente a contratação de pessoal sob o regime celetista para cargos comissionados.
No que concerne à contratação de advogado para o quadro de pessoal dos conselhos profissionais, é importante explicitar que as funções desempenhadas por tais profissionais são permanentes e fundamentais ao órgão de fiscalização profissional, e, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, são funções típicas da advocacia pública, não podendo ser exercidas por meio de contratações precárias, pois envolvem, entre outras atribuições, a cobrança judicial de créditos tributários, a representação judicial e extrajudicial, bem como a consultoria e/ou assessoramento jurídico aos gestores de tais entidades.
Imprescindível se faz anotar, por oportuno, que a atividade de advogado de conselho profissional é atividade permanente para o funcionamento regular do órgão, tendo em vista que se trata de órgão de fiscalização profissional, o qual possui, inclusive, capacidade tributária, com o poder de executar judicialmente as contribuições devidas pelos profissionais nele registrados, atividade esta que é realizada por meio dos advogados do órgão. Ademais, é importante ressaltar que os advogados do órgão desempenham a representação judicial e extrajudicial nas mais diversas demandas desses órgãos, a exemplo de ações de execução fiscal, mandado de segurança, ações civis públicas, ações de cobrança, ações anulatórias de débito fiscal, dentre outras. Dessa forma, por ser atividade técnica e permanente, não se pode admitir a manutenção de contratações temporárias em detrimento da realização de concurso público para o exercício de tais atividades, sob pena de se solidificar a famigerada cultura de contratação por interesses políticos e econômicos.
Na hipótese de se concretizar tal permissão, restará clarividente a burla ao preceito constitucional previsto no artigo 37, II, da CF, posto que cargos em comissão não podem ser utilizados para suprir carência de cargos ou empregos públicos de provimento efetivo, com atribuições técnicas, como é o caso do advogado.
Outrossim, situação mais grave ocorre quando há a realização de concurso público para o desempenho das atividades de advogado, com candidatos aprovados, e, apesar disso, o órgão mantém contratações precárias pra o exercício de tais atividades. Nesses casos, é indubitável a burla ao concurso público, ocasionando, inclusive, a criação de emprego público por via oblíqua, considerando que o órgão disponibiliza vagas para a contratação precária enquanto existem candidatos aprovados em concurso público válido.
Sobre o exercício de atribuições típicas da Advocacia Pública por pessoas investidas em cargos de provimento em comissão, há emblemática e esclarecedora jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI ESTADUAL Nº 8.186/2007 (ALTERADA PELAS LEIS nºs 9.332/2011 e 9.350/2011) DO ESTADO DA PARAÍBA: ART.3º, INCISO I, ALÍNEA A (“na elaboração de documentos jurídicos) E ANEXO IV, ITENS NS. 2 A 21 (NAS PARTES QUE CONCERNEM A CARGOS E A FUNÇÕES DE CONSULTORIA E DE ASSESSORAMENTO JURÍDICOS) – CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO – FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO – APARENTE USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS RESERVADAS A PROCURADORES DO ESTADO E DO DISTRITO FEDERAL PELA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA (ART. 132) – PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA PRETENSÃO CAUTELAR – MANIFESTAÇÕES FAVORÁVEIS DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO E DO PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA – DECISÃO CONCESSIVA DE SUSPENSÃO CAUTELAR DE EFICÁCIA DAS NORMAS IMPUGNADAS INTEIRAMENTE REFERENDADA, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR, PREJUDICADO O RECURSO INTERPOSTO. O SIGNIFICADO E O ALCANCE DA REGRA INSCRITA NO ART. 132 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: EXCLUSIVIDADE E INTRANSFERIBILIDADE, A PESSOAS ESTRANHAS AO QUADRO DA ADVOCACIA DE ESTADO, DAS FUNÇÕES CONSTITUCIONAIS DE PROCURADOR DO ESTADO E DO DISTRITO FEDERAL. – É inconstitucional o diploma normativo editado pelo Estado-membro, ainda que se trate de emenda à Constituição estadual, que outorgue a exercente de cargo em comissão ou de função de confiança, estranho aos quadros da Advocacia de Estado, o exercício, no âmbito do Poder Executivo local, de atribuições inerentes à representação judicial e ao desempenho da atividade de consultoria e de assessoramento jurídicos, pois tais encargos traduzem prerrogativa institucional outorgada, em caráter de exclusividade, aos Procuradores do Estado pela própria Constituição da República.
Precedentes do Supremo Tribunal Federal. Magistério da doutrina. – A extrema relevância das funções constitucionalmente reservadas ao Procurador do Estado (e do Distrito Federal também), notadamente no plano das atividades de consultoria jurídica e de exame e fiscalização da legalidade interna dos atos da Administração Estadual, impõe que tais atribuições sejam exercidas por agente público investido, em caráter efetivo, na forma estabelecida pelo art. 132 da Lei Fundamental da República, em ordem a que possa agir com independência e sem temor de ser exonerado “ad libitum” pelo Chefe do Poder Executivo local pelo fato de haver exercido, legitimamente e com inteira correção, os encargos irrenunciáveis inerentes às suas altas funções institucionais.
(ADI 4843 – MC – ED – Ref, Relator (a): Min. Celso de Mello. Data de Publicação: 19/02/2015. Grifos nossos.)
Percebe-se, desse modo, que o ocupante de cargo em comissão, estranho ao quadro de pessoal, não pode exercer representação judicial e o assessoramento jurídico, atribuição típica e permanente de carreira, conforme preleciona o texto constitucional.
Nesta senda, torna-se imperioso afirmar que o exercício de representação judicial e extrajudicial dos órgãos públicos não pressupõe relação de confiança entre a autoridade nomeante e o ocupante de cargo comissionado, sendo atividade eminentemente técnica. Assim, a representação judicial e extrajudicial de entidades que, embora não integrem a estrutura orgânica da Administração, possuem personalidade jurídica de direito público, também não necessita da relação de confiança entre a autoridade nomeante e aquele que desempenha as atribuições supramencionadas.
Desse modo, não se pode admitir a existência de cargo comissionado, em entidades que possuem personalidade jurídica de direito público, com atribuições voltadas ao desempenho de atividades técnicas, profissionais, permanentes e típicas da advocacia de tais órgãos, pois tais funções devem ser exercidas por pessoal aprovado em concurso público.
Sendo assim, no caso dos conselhos profissionais, aos quais deve ser aplicado o regime celetista de pessoal, não há margem constitucional e jurisprudencial para a implementação do “emprego público em comissão” de advogado ou procurador, uma vez que não há lei para criação dos cargos dessas entidades, bem como as funções desempenhadas por tais profissionais são funções eminentemente técnicas e permanentes.
Além disso, deve-se ressaltar que a Lei nº 9.962/2000 veda a contratação de pessoal sob o regime celetista para cargos comissionados no âmbito da Administração direta, autárquica e fundacional, fato que, em razão da segurança jurídica e da proteção à confiança, impõe a aplicabilidade da interpretação analógica aos conselhos de fiscalização profissional, acarretando na impossibilidade de contratação por comissionamento, pelas entidades de direito público, quando há submissão do pessoal ao regime celetista.
Destarte, considerando os argumentos suprarreferidos, as funções de advogado devem ser realizadas por advogado aprovado em concurso público, sob pena de caracterização de desvio de finalidade e de burla ao concurso público.
7 DO POSICIONAMENTO DO TCU ACERCA DA MATÉRIA
O Tribunal de Contas da União possui jurisprudência pacífica no sentido da necessidade de realização de concurso público para o exercício de assessoria jurídica inerente às atividades finalísticas dos conselhos profissionais:
VISTOS, relatados e discutidos estes autos da Representação autuada pela então 6ª Secex, em decorrência de possíveis irregularidades ocorridas no Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – Coffito concernentes à contratação irregular de advogados e ao acúmulo indevido de prerrogativas do cargo.
ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em:
9.1. conhecer desta Representação, uma vez preenchidos os requisitos de admissibilidade estabelecidos nos arts. 235 e 237, inciso VI, do Regimento Interno/TCU, para, no mérito, considerá-la procedente;
9.2. reiterar a determinação veiculada por meio do subitem 9.4.1 do Acórdão n. 933/2008 – Plenário, no sentido de que, na contratação de empregados para prestação dos serviços de assessoria jurídica que sejam inerentes às atividades finalísticas da entidade, o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – Coffito promova o devido concurso público, nos termos do art. 37, inciso II, da CF/1988.
(TCU. Processo n. TC 034.000/2011-9. Plenário. Acórdão 0944/2014. Grifos nossos)
Importa, ainda, transcrever excertos da proposta de deliberação do julgado supramencionado, a fim de trazer à baila a análise realizada pelo Tribunal de Contas da União acerca da contratação de advogados pelos conselhos profissionais para o exercício de atividades técnicas e permanentes do órgão:
3. [...] verificou-se que os advogados Hebert Chimicatti, Gustavo Salermo Quirino, Vinicius Barros Rezende, Ellen Daher Rodrigues Delmas, Alexandre Schimitt da Silva Mello e Roberto Pretto Juchem foram contratados para atuarem na assessoria jurídica do Conselho sem prévia realização de concurso público, contrariamente ao disposto no art. 37, inciso II, da Constituição Federal/1988 e em descumprimento à determinação contida no subitem 9.4.1 do Acórdão n. 933/2008 – Plenário, abaixo reproduzida:
“9.4. determinar ao Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Coffito) que:
9.4.1. na contratação de empregados para prestação dos serviços de assessoria jurídica que sejam inerentes às atividades finalísticas da entidade, promova o devido concurso público, nos termos do art. 37, inciso II, da CF/1988;”
[...]
5. Em 2008, o Tribunal, ao apreciar processo de Representação a respeito de irregularidades ocorridas nos exercícios de 2003 e 2004 na administração do Coffito e do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 3ª Região – Crefito-3/SP, identificou que, naquelas entidades, estavam sendo feitas contratações diretas para a prestação de serviços de assessoria jurídica para serviços, de natureza permanente e que apresentavam características de atividades rotineiras para profissionais da categoria.
[...]
8. Naquela oportunidade, registrei, ao relatar o referido processo, a deficiência do setor jurídico da instituição e a necessidade de a administração implementar providências para corrigir a situação. Lembrei ainda que este Tribunal já havia se posicionado, em diversas ocasiões, acerca dos procedimentos legais relativos às contratações de empregados para prestação dos serviços de assessoria jurídica, no âmbito dos Conselhos de Fiscalização de Profissões Regulamentadas (entre outras deliberações, Acórdãos ns. 143/1999 – 2ª Câmara, 341/2004 – Plenário e 3.347/2006 – 1ª Câmara).
9. Dessarte, o Plenário, por meio do Acórdão n. 933/2008, prolatado em 21/05/2008, determinou ao Coffito que promovesse o devido concurso público na contratação de empregados para prestação dos serviços de assessoria jurídica.
[...]
14. No tocante ao argumento embasado no inciso II do art. 37 da Constituição Federal, creio que a mera criação de um cargo em comissão não pode ser óbice à regra do processo seletivo, quando evidenciado que as atribuições a ele cometidas, como no presente caso, não se enquadram no disposto no art. 37, inciso V, da Constituição Federal de 1988, em que o vínculo de confiança explicaria o regime de livre nomeação e exoneração.
15. Assim, reafirmo o entendimento no sentido de que a contratação de servidos de assessoria jurídica inerentes às atividades finalísticas da entidade, como é o caso da contratação de Procuradores Jurídicos para atuarem na área de Assessoria Técnica Permanente, não atendem aos preceitos do art. 37, inciso II, da CF/1988.
(TCU. Processo n. TC 034.000/2011-9. Plenário. Acórdão 0944/2014. Grifos nossos)
Apesar de entender que o exercício das atividades técnicas e permanentes da assessoria jurídica dos conselhos de fiscalização profissional seja desempenhada por advogados aprovados em concurso público, o TCU tem admitido a implementação de “empregos em comissão” nos Conselhos Profissionais, desde que observados os critérios constitucionais relativos aos cargos comissionados:
7.2.3 Cargos Comissionados
Ao analisar o TC 016.756/2003 – 0, relativo ao percentual de cargos comissionados junto aos Conselhos de Fiscalização Profissional, o TCU concluiu da seguinte forma (Acórdão TCU 0341 – Plenário):
• Necessidade de os conselhos de fiscalização profissional adequarem suas instruções normativas internas ao art. 37, inciso V, da Constituição Federal, estabelecendo, ainda, o percentual mínimo de 50% dos cargos em comissão a serem preenchidos por empregados de carreira, a exemplo da orientação fixada pelo art. 14 da Lei 8.460/92.
• Nos termos das disposições constantes do art. 37, inciso V, da Constituição Federal, ‘as funções de confiança devem ser exercidas, exclusivamente, por servidores ocupantes de cargos ou empregos efetivos, enquanto que os comissionamentos, jungidos ao aspecto de confiança, devem ser preenchidos, preferencialmente, por servidores efetivos do quadro de carreira da entidade, em percentuais pré-fixados, destinando-se estes, apenas, às atribuições próprias de direção, chefia e assessoramento’.
• Inexistindo lei que estabeleça para os conselhos os percentuais mínimos, seria plausível fixar o percentual de 50% dos comissionamentos para o pessoal com vínculo efetivo com as entidades, ficando a outra metade para livre escolha dos administradores.
• Para que seja evitada a ocorrência de fraude à exigência de concurso público, os casos de terceirizações devem limitar-se às modalidades de mão de obra que não constituem ‘invasão ou substituição das atribuições próprias e inerentes ao pessoal do quadro de carreira’ (TCU, 2014, p. 110).
Percebe-se, assim, que o TCU vem aceitando a existência de “empregados em comissão” nos Conselhos Profissionais, observando-se o parâmetro mínimo de 50% dos empregos preenchidos pelo pessoal de carreira, assim como a exigência de que o pessoal contratado nessa modalidade não se destine ao desempenho de atribuições próprias do pessoal de carreira.
Tais “empregos em comissão”, de acordo com o entendimento da Corte de Contas da União, devem ser exclusivos para funções de “direção, chefia e assessoramento”, não implicando “invasão ou substituição das atribuições próprias e inerentes ao pessoal do quadro de carreira”. Observados esses critérios, seriam constitucionais e legais tais contratações.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da análise doutrinária e jurisprudencial realizada nesse trabalho, é possível afirmar que, à luz das normas constitucionais, não há espaço para a criação e implementação de “empregos públicos comissionados” no âmbito dos conselhos de fiscalização profissional, uma vez que tais entidades criam sua estrutura de pessoal por meio de atos administrativos internos.
Além disso, tais entidades, embora não integrem a estrutura orgânica da Administração Pública, são classificadas pela doutrina e jurisprudência majoritária como autarquia sui generis, com personalidade de direito público, fato que impõe a necessidade de observância ao preceito constitucional relativo à exigência de concurso público para provimento de cargos e empregos na Administração Pública. Desse modo, as contratações de pessoal por tais entidades devem ser precedidas de certame público.
Outrossim, no que se refere às contratações de advogados por tais entidades, é pertinente registrar que as funções desempenhadas por tais profissionais, por serem funções técnicas e permanentes, devem ser preenchidas por empregados aprovados previamente em concurso público. Nesse sentido, havendo contratação com observância dos critérios de isonomia e merecimento, presume-se que haverá maior rigor no trato com a coisa pública, bem como maior controle nos atos administrativos voltados à efetivação de procedimentos licitatórios e à formalização de contratos administrativos.
E, conquanto haja entendimento do TCU no sentido da possibilidade de implementação de “empregos em comissão” no âmbito dos conselhos profissionais, é oportuno consignar que esses entendimentos estabelecem, de forma explícita, que as contratações por comissionamento no âmbito dos conselhos profissionais devem ser realizadas com observância da proporcionalidade prevista constitucionalmente, assim como não deve ser utilizada para o desempenho das atribuições próprias do pessoal de carreira.
Todavia, nesse estudo, advoga-se a ideia de que o entendimento do TCU vai de encontro ao artigo 37, II, da Constituição da República, pois não há previsão expressa constitucional e legal acerca da possibilidade de existência do “emprego público em comissão” nas autarquias, mesmo que estas sejam consideradas “sui generis”, como é o caso dos conselhos de fiscalização da atividade profissional.
Sendo assim, defende-se que, para a contratação de advogado no âmbito dos conselhos profissionais, deve ser realizado concurso público, tendo em vista que as funções desempenhadas por esses profissionais, no âmbito dos conselhos profissionais, são técnicas e não podem ser exercidas por advogados contratados por comissionamento.
9 REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998.
BRASIL. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Disciplina o regime de emprego público do pessoal da Administração federal direta, autárquica e fundacional, e dá outras providências. Lei nº 9.962, de 22 de fevereiro de 2000.
GARCIA, Emerson. Improbidade Administrativa. São Paulo: Saraiva, 2013.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
Advogada. Especialista em Direito Público. Especialista em Ciências Penais. Especialista em Investigação Forense e Perícia Criminal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMORIM, JULIANA BARRETO DE CARVALHO. A exigência constitucional de concurso público para ingresso de advogado no quadro de pessoal dos conselhos federais de fiscalização profissional: uma análise à luz da jurisprudência dominante Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jan 2021, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56056/a-exigncia-constitucional-de-concurso-pblico-para-ingresso-de-advogado-no-quadro-de-pessoal-dos-conselhos-federais-de-fiscalizao-profissional-uma-anlise-luz-da-jurisprudncia-dominante. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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