RESUMO: O presente trabalho tem como escopo analisar o instituto da parentalidade socioafetiva frente ao instituto da adoção civil no ordenamento jurídico brasileiro, bem como responder ao questionamento se aquele instituto se configura como uma burla a consecução desse. Diante disso, será abordada a origem dos dois institutos e suas peculiaridades, bem como conceitos, requisitos e finalidades segundo a legislação e a evolução do pensamento doutrinário.
PALAVRAS-CHAVE: Parentalidade Socioafetiva. Adoção. Burla.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Reconhecimento extrajudicial da parentalidade socioafetiva; 3. Adoção civil; 4. Conclusão; 5. Referências.
1.INTRODUÇÃO
O Código Civil de 1916 era extremamente patrimonialista e conservador, principalmente no que se referia a família, uma vez que só protegia a família legítima, ou seja, aquela constituída e reconhecida pelo matrimônio, cuja dissolução era vedada.
Sendo assim, a família era necessariamente biológica e baseada no trinômio casamento, sexo e reprodução, sendo reconhecidos somente os filhos nascidos dessa relação a fim de salvaguardar a entidade, restando, portanto, negligenciados os considerados espúrios, adulterinos ou incestuosos e os adotivos.
Com o advento da Constituição Federal de 1988 grandes mudanças ocorreram na família. A Carta Magna trouxe três eixos que merecem destaque, a saber: as famílias plurais, igualdade de gêneros e igualdade de filiação.
Segundo o doutrinador Silvio Venosa:
Em nosso país, a Constituição de 1988 representou, sem dúvida, o grande divisor de águas do direito privado, especialmente, mas não exclusivamente, nas normas de direito de família. O reconhecimento da união estável como entidade familiar (art. 226, § 7º) representou um grande passo jurídico e sociológico em nosso meio. É nesse diploma que se encontram princípios expressos acerca do respeito à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). Nesse campo, situam-se os institutos do direito de família, o mais humano dos direitos, como a proteção à pessoa dos filhos, direitos e deveres entre cônjuges, igualdade de tratamento entre estes. Foi essa Carta Magna que também alçou o princípio constitucional da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros (art. 226, § 5º) e igualdade absoluta dos filhos, não importando sua origem ou a modalidade do vínculo (art. 227, § 6º). (VENOSA, Silvio de Salvo, Direito Civil: Direito Civil: Direito de Família. 11. Ed. São Paulo: Atlas S.A, 2011, v. 6. p.7.)
No que tange aos filhos, a Constituição de 1988 em seu artigo 226, §6º, mudou o entendimento anterior de que somente os filhos legítimos teriam proteção legal, estendendo o reconhecimento a todos os filhos, sejam ou não oriundos do casamento, promovendo a maior evolução no direito à filiação ocorrida até então em nosso ordenamento jurídico.
O Código Civil de 2002, por sua vez, passou a compreender a paternidade socioafetiva no art. 1.593, insculpida pela expressão ‘outra origem’, quando dispôs que ‘o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem’, consoante interpretação do enunciado nº 103, aprovado na Jornada de Direito Civil do Superior Tribunal de Justiça de 2002, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal no período de 11 a 13 de setembro de 2002.
No dia 17 de novembro de 2017, foi publicado o Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que disciplinou o reconhecimento do filho socioafetivo no Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais independentemente de sentença judicial, configurando um marco para a disposição extrajudicial desse instituto.
Com isso, ‘explodiu-se’ a quantidade de casos de crianças que passaram a ser reconhecidas extrajudicialmente e que poderiam perfeitamente serem adotadas pelos mesmos pais que optaram pelo reconhecimento socioafetivo, trazendo a lume o questionamento se esse procedimento não estaria se configurando como uma ‘burla’ ao processo legal da adoção, o que será analisado nesse artigo.
2.RECONHECIMENTO EXTRAJUDICIAL DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA
O direito de família brasileiro admite uma série de vínculos como suficientes para o estabelecimento da filiação. Biológicos, presuntivos, registrais, adotivos, decorrentes de reprodução assistida e afetivos perfilam lado a lado no nosso sistema jurídico, todos passíveis de constatar uma relação de parentesco.
Há mais de três décadas vem sendo conhecida entre nós a denominada paternidade socioafetiva, relação precursora do reconhecimento dos vínculos socioafetivos na filiação.
A parentalidade socioafetiva, gênero do qual se insere a paternidade e a maternidade socioafetiva, é considerada como um tipo de filiação pautada no afeto, carinho e amor, caracterizando-se pela ausência de vínculo biológico entre as pessoas, embora seja possível a concomitância entre a filiação biológica e a construída pela afetividade.
Para se chegar ao conceito de parentalidade socioafetiva é necessário enveredar pela análise da socioafetividade e do afeto, onde será possível galgar a ideia central de seu conceito, estabelecendo os seus parâmetros e limites.
Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf conceitua a afetividade como a relação de carinho ou cuidado que se tem com alguém íntimo ou querido, como um estado psicológico que permite ao ser humano demonstrar os seus sentimentos e emoções a outrem, sendo também, considerado como o laço criado entre os homens, que mesmo sem características sexuais, continua a ter uma parte de amizade mais aprofundada. (MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p.18)
Paulo Luiz Netto Lôbo complementa a lição sobre o afeto, ensinando que ele possui origem constitucional:
O princípio da afetividade tem fundamento constitucional; não é petição de princípio, nem fato exclusivamente sociológico ou psicológico. No que se respeita aos filhos, a evolução dos valores da civilização ocidental levou a progressiva superação dos fatores de discriminação entre eles. Projetou-se no campo jurídico-constitucional, a afirmação da família como grupo social fundado essencialmente nos laços da afetividade. Encontram-se na CF quatro fundamentos essenciais do princípio da afetividade, constitutivos dessa aguda evolução social da família, máxime durante as últimas décadas do século XXI: a) todos os filhos são iguais independentemente de sua origem (art. 227, §6º); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família, constitucionalmente protegida (art. 226, §4º); d) o direito à convivência familiar e não a origem genética, constitui prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, caput).(LÔBO.In:AZEVEDO,2003.p.42)
Até pouco tempo, o reconhecimento e registro de uma relação filial socioafetiva somente poderia se dar por intermédio de uma intervenção do Poder Judiciário, ou seja, os interessados em ver registrada uma dada filiação socioafetiva consensual deveriam, necessariamente, ajuizar uma ação judicial para obter o provimento, o que demandava a intervenção de um advogado, o custo e tempo de um processo judicial, dentre outros percalços que envolvem uma demanda em juízo.
Entretanto, a partir de 2013 essa situação começou a mudar no cenário brasileiro, pois alguns estados passaram a permitir o reconhecimento da filiação socioafetiva de forma extrajudicial diretamente no cartório de registro de pessoas naturais, sendo o primeiro deles Pernambuco, seguido de Maranhão, Ceará, Amazonas, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e Sergipe. Contudo, cada estado regulou o procedimento com as suas particularidades, sem que houvesse uma uniformização nacional, enquanto que em outros o procedimento não era sequer permitido ainda.
Diante do grande dissenso nacional sobre a temática, o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM elaborou um pedido de providências ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) solicitando a uniformização do procedimento a fim de que houvesse igualdade e padronização na possibilidade do reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva em todos os cartórios de registro de pessoas naturais do País.
Em resposta, o Conselho Nacional de Justiça admitiu a necessidade de uniformização do procedimento entendendo que o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva teria fundamentação legal no art. 1º, III e art. 227, caput e §6º, ambos da Constituição Federal, bem como no art. 1.593 e 1.596 do Código Civil e art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, além de farta fundamentação doutrinária e jurisprudencial.
Com isso, no dia 14 de novembro de 2017 o Conselho Nacional de Justiça editou o Provimento nº 63 para regularizar o reconhecimento voluntário de paternidade ou maternidade socioafetiva perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais em todo o território nacional, tendo sido revisto em alguns pontos no dia 14 de agosto de 2019 quando da aprovação do Provimento n° 83, razão pela qual analisaremos o primeiro provimento com as devidas alterações.
O Provimento nº 83 alterou o anterior logo no seu art. 10, que é o primeiro que trata acerca da paternidade socioafetiva, informando que o reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 (doze) anos seria realizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais, enquanto que seu texto original não fazia limitação de idade para a realização desse procedimento.
Ademais, inseriu-se uma alínea no art. 10 contendo quatro parágrafos, cujo caput informava que a paternidade ou maternidade socioafetiva deveria ser estável, ou seja, consolidada ao longo do tempo e exteriorizada socialmente.
Os parágrafos primeiro e segundo informaram que o registrador deveria atestar a existência do vínculo afetivo mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos demonstrados por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, como por exemplo, apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida.
No entanto, o parágrafo terceiro trouxe uma ressalva, alegando que a ausência desses documentos não impediria o registro, desde que justificada a impossibilidade, devendo o registrador atestar como apurou o vínculo socioafetivo.
Por fim, o parágrafo quarto esclareceu que os documentos colhidos na apuração do vínculo socioafetivo deveriam ser arquivados pelo registrador (originais e cópias) juntamente com o requerimento.
Prosseguindo a análise o art. 11, caput, apontou para a desnecessidade do procedimento ser realizado perante o mesmo ofício de registro civil onde foi lavrado o assento de nascimento, entretanto, deverá haver a exibição do documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação.
Os parágrafos primeiro e segundo desse artigo referem-se a coleta de dados pessoais do requerente, bem como sua qualificação e assinatura, informando que deverá ser mantido em arquivo a cópia de toda a documentação juntamente com o termo assinado. O parágrafo terceiro, por sua vez, aduz que além de constar no termo os dados do requerente, constarão os dados do campo FILIAÇÃO e o do filho, devendo o registrador colher a assinatura do pai e mãe do reconhecido, caso este seja menor.
O parágrafo quarto houve uma alteração, onde se passou a exigir o consentimento do menor de 18 anos para a validade do procedimento, enquanto que o parágrafo originário informava apenas que se o filho fosse maior de 12 (doze) anosa o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigiria o seu consentimento, ou seja, a alteração veio ratificar a vedação do reconhecimento extrajudicial do menor de 12 (doze) anos já esposada.
Os parágrafos quinto e sexto, por sua vez, esclarecem que a anuência do pai, da mãe e do filho maior de 12 (doze) anos deverá ser feita pessoalmente e, em caso de impossibilidade deles ou de sua manifestação válida ou da do filho, o caso deverá ser apresentado ao juiz competente.
Quando o procedimento envolver a participação de pessoa com deficiência, serão observadas as regras da tomada de decisão apoiada constante no capítulo III, título IV, do livro IV do Código Civil conforme aduz ipsis litteris o parágrafo sétimo.
Por fim, o parágrafo oitavo informa que o reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva poderá ocorrer por meio de documento público ou particular de disposição de ultima vontade, desde que seguidos os trâmites legais.
O provimento nº 83 acrescentou um parágrafo ao art. 11 com mais três incisos, cujo caput informa que depois de atendidos os requisitos legais para o procedimento, o registrador encaminhará o expediente para o representante do Ministério Público a fim de que este emita um parecer.
Somente após o parecer favorável do Ministério Público, o registrador poderá realizar o procedimento, caso contrário, deverá arquivá-lo e comunicar o ocorrido ao requerente O inciso III finaliza esclarecendo que qualquer dúvida poderá ser sanada em juízo.
Em caso de suspeita de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho, o registrador deverá recusar a realização do ato e encaminhar o pedido ao juiz competente.
O art. 13 traz um óbice para a realização do procedimento que ocorre quando houver discussão em juízo sobre o reconhecimento da paternidade ou um processo de adoção, razão pela qual o requerente deverá declarar que desconhece a demanda judicial, sob pena de incorrer em ilícito civil e penal.
O reconhecimento da maternidade ou paternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral, não podendo ser realizado o registro de mais de dois pais ou de duas mães no campo filiação no assento de nascimento, sendo essa mais uma alteração introduzida pelo novo provimento no caput do art. 14. No entanto, o parágrafo segundo traz uma exceção à regra quando informa que caberá ao poder judiciário a inclusão de mais de um ascendente socioafetivo.
Por fim, o provimento se encerra com o art. 15, cujo teor informa que o procedimento extrajudicial não obstaculiza a discussão judicial sobre a verdade biológica.
Com a promulgação desses provimentos consolidou-se a valorização do elo afetivo, passando a importar muito mais o respeito, carinho, companheirismo e amor mútuos do que fatores de ordem biológica ou jurídica, inclusive, desde a promulgação da carta magna, percebe-se não só a ocorrência de uma igualdade entre a filiação biológica e afetiva, mas um reconhecimento maior da importância dessa em face das demais.
3.ADOÇÃO CIVIL
A adoção é uma prática que não é fruto de um resultado inovador do legislador contemporâneo, mas sua existência remonta a antiguidade, tendo como adoção mais emblemática dessa época a de Moisés, que foi encontrado às margens do rio Nilo e adotado pela filha do faraó, conforme escrito na bíblia sagrada.
Na antiguidade, a adoção não era apenas um ato de amor ao próximo, mas uma necessidade da família de que se mantivessem os cultos, as leituras diárias sagradas e as demais crenças revestidas de religiosidade da época.
O Código de Hamurabi (1728/1686 a.c) foi a norma que colocou o start em todo o ordenamento jurídico, pois foi com base nele que muitas normas relacionadas a adoção surgiram, tendo sido a primeira norma codificada que previa questões relacionadas a adoção, família e sucessões.
No Código de Hamurabi adoção era considerada um contrato entre o adotante e o adotado, no qual se compunham obrigação entre as partes, além de dispor severas penalidades para aqueles que ousassem denegar a família adotiva.
Outro código que também regulamentou a adoção em seus dispositivos foi o de Manu, uma legislação indiana escrita em sânscrito em 150 a.c, que permitia em seu art. 543 que o primeiro filho de uma mulher no qual o pai não tinha filhos, fosse considerado filho de seu pai.
Na idade média, com as crenças católicas se considerava que somente os filhos de sangue (biológicos) eram considerados legítimos e que a adoção era um ato nocivo ao matrimônio. Os aristocratas reputavam que a adoção não era correta, pois, para eles, somente os filhos legítimos tinham o direito de suceder os bens e heranças, não podendo haver desvios. Com isso, a adoção ‘caducou’ e não foi mais usual por um bom tempo.
Foi Napoleão Bonaparte quem resgatou o assunto em seu Código Napoleônico de 1804 a partir da revolução francesa, estabelecendo a adoção para maiores de 50 anos de idade, impulsionando as demais legislações do mundo a restabelecerem o instituto.
O Código Civil de 1916, mesmo sendo revolucionário ao estabelecer o instituto da adoção no ordenamento jurídico brasileiro, ainda carregava o peso do passado em seus artigos quando declarava que a adoção só poderia ser efetivada por adotantes maiores de 50 anos de idade, sem nenhum descendente legítimo e com uma diferença mínima de 18 anos de idade em relação ao adotado.
Com o passar dos anos, em 1957 o projeto de lei nº 3.133/57 foi aprovado e alterou o código civil no que se referia a idade mínima para que os adotantes pudessem adotar reduzindo-a para 30 anos, bem como a diferença de idade entre as partes que passou a ser de 16 anos.
O Código Civil de 2002, por sua vez, revogou o Código Civil de 1916 e dispôs sobre a adoção em seus artigos 1.618 a 1.629 do capítulo IV, porém não trouxe grandes alterações em sua matéria, uma vez que várias disposições traziam normas iguais às do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O diploma se atualizou ao mencionar que o consentimento dos pais biológicos a adoção era revogável até a sentença constitutiva de adoção (art. 1.621, §2º), no entanto, nesse momento, algumas crianças já poderiam estar adaptadas a nova família, razão pela qual o juiz deveria analisar o caso concreto.
Outra modificação relevante foi o fato de que a adoção só passaria a produzir seus efeitos após o trânsito em julgado de sentença constitutiva, exceto se o adotante falecesse no curso do processo, podendo inclusive, haver modificação do nome e prenome do adotado a pedido de ambos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) entrou em vigor em 13 de julho de 1990 e trouxe um frescor ao ordenamento jurídico brasileiro no tocante a adoção, passando a priorizar o interesse da criança e adolescente. Competia às Varas da Infância e Juventude solucionar as lides do adotado menor de 18 anos, enquanto que para os maiores caberia as Varas de Família comuns, regidos pelo Código Civil de 2002.
Uma das inovações foi a imprescindibilidade do consentimento dos pais ou representantes legais e o da criança caso fosse maior de 12 anos, com exceção dos pais que haviam sido destituídos do pátrio poder ou estivessem desaparecidos.
O estágio de convivência, que consiste no tempo em que a criança deverá permanecer sob a tutela do Estado com a família eleita a adotá-la, passou a ser um requisito indispensável, uma vez que é a partir dele que se perceberá se a adoção logrará êxito ou não, sendo dispensável tão somente no caso de o adotado ter menos de um ano de idade ou já estar inserido na família a muito tempo constatando-se a configuração do vínculo afetivo.
O Ministério Público é o órgão competente para fiscalizar o processo de adoção, assumindo a posição de curador do adotando e analisando as causas da adoção, no entanto, a constituição do vínculo só será possível com a decisão judicial, onde será realizado um novo registro e o adotando passará a ter o nome da família adotante, rompendo definitivamente o vínculo com os pais e parentes consanguíneos, exceto nas questões de impedimento para contrair matrimônio.
A lei n° 12.010/09 sancionada em 3 de agosto de 2009, trouxe significativas mudanças no instituto da adoção, priorizando ainda mais o vínculo afetivo, o convívio e o bem-estar entre as partes.
A primeira delas se refere ao cadastro estadual, onde o poder público passou a disponibilizar locais para cadastramento em todo território nacional, estabelecendo programas, projetos e ações sociais que orientem e desmistifiquem a adoção com o intuito de divulgá-la.
Uma segunda mudança foi a fiscalização que o poder público passou a exercer nas crianças que se encontravam em abrigos e a necessidade de ser realizada uma avaliação a cada 6 meses a fim de se constatar a reintegração a família biológica ou a adoção, caso as crianças já estivessem no abrigo por um período maior que 2 anos.
Outro ponto relevante foi a prioridade de adoção pela família extensa como tios, primos e parentes próximos, pois favorecia o desenvolvimento da criança e adolescente dentro da convivência familiar e, em caso de grupo de irmãos, deveria ser priorizado a colocação na mesma família substituta, levando em consideração os laços sanguíneos e afeto existente entre eles.
A idade mínima para adotar passou a ser 18 anos, sendo que a diferença de idade entre adotante e adotado passou a ser de 16 anos, sem contar a responsabilidade e consciência que o adotante passou a ter para com o adotando no que diz respeito a subsistência e tudo o que for necessário para o seu desenvolvimento saudável.
Para o processo de habilitação, o casal passará por orientações psicossociais onde serão informados acerca a importância da adoção e a responsabilidade que terão a partir daquele momento. Em seguida, serão apresentados a criança a fim de observar a afeição entre eles e, em caso de boa receptividade, será dado o aval para adotar. Esse aspecto foi muito positivo no procedimento, uma vez que evitou a devolução dos adotandos, o que ocorria com frequência antes do advento desta lei e ocasionava-lhes danos emocionais e psicológicos.
Outro aspecto importante foi a possibilidade da criança ou adolescente poder conhecer sua família biológica sem que necessitasse da anuência dos pais adotivos, uma vez que se está falando em direitos personalíssimos, contudo, se o filho for menor de 18 anos deverá ser acompanhado por uma equipe interdisciplinar.
Por fim, a lei ratificou a imprescindibilidade do estágio de convivência, excepcionando-o apenas no caso de a criança já estar sob os cuidados da família substituta durante um tempo suficiente que configure uma boa adaptação. Por outro lado, a mera guarda não dispensa o estágio de convivência, porque não será viável a comprovação e confirmação de uma ligação saudável entre a criança e a família adotante.
A adoção e seus efeitos são irrevogáveis, essa é a característica mais intensa desse instituto, motivo pelo qual existe tanta burocracia e requisitos a serem preenchidos para que seja efetivado.
4.CONCLUSÃO
O presente artigo se propôs a realizar um aprofundamento dos institutos jurídicos da parentalidade socioafetiva e da adoção civil, bem como responder ao questionamento se o primeiro instituto não estaria negligenciando ou ocasionando uma ‘burla’ a consecução do segundo, tendo em vista a grande quantidade de casos que passaram a obter o reconhecimento socioafetivo nos últimos anos.
Sendo assim, os dois institutos foram analisados sob vários aspectos como origens, conceitos, características, pressupostos legais entre outros, a fim de se constatar a verossimilhança entre eles, entretanto, o que se percebeu é que eles se propõem a objetivos diversos, pois enquanto a parentalidade socioafetiva não almeja a ruptura do vínculo biológico, mas a sua coexistência, a adoção destitui o poder familiar e o filho passa a obter um novo registro de nascimento.
Visualizou-se, também, outras diferenças como, por exemplo, a possibilidade da existência da multiparentalidade no reconhecimento socioafetivo, o que não ocorre no da adoção e a oportunidade da realização daquele pela via extrajudicial no caso de pessoas maiores de 12 anos, o que não é permitido nesse.
Ademais, na parentalidade socioafetiva já existe um vínculo afetivo entre as partes que apenas almejam reconhecê-lo, enquanto que na adoção, na maioria dos casos, as partes necessitam passar pelo estágio de convivência a fim de se constatar a existência do vínculo entre elas.
Com isso, resta claro que os institutos foram criados com objetivos diferentes e em momentos diferentes, coexistindo-os sem que um represente uma ‘burla’ ao outro e ratificando a diversidade atual do pensamento jurídico na sociedade e a sua constante evolução.
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Advogado. Graduado em direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FALCAO, RENAN MOTTA. Reconhecimento da parentalidade socioafetiva: burla ao processo de adoção? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jan 2021, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56061/reconhecimento-da-parentalidade-socioafetiva-burla-ao-processo-de-adoo. Acesso em: 23 dez 2024.
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