RESUMO: A Ação popular é via constitucional capaz de defender os interesses da coletividade, permitindo a condenação pessoal dos administradores envolvidos em ato ilegal e lesivo que tenha prejudicado o patrimônio público, a moralidade administrativa, o meio ambiente ou o patrimônio histórico e cultural. O estudo em apreço faz uma análise da Lei 4.717 de 1965 – a Lei da Ação Popular. Embora seja uma lei antiga e com contornos históricos complicados, já que surgiu dois anos antes da Constituição de 1967 e um ano após o golpe militar, encontra-se em plena vigência e determinando o rumo da ação constitucional. Com o advento da Constituição Federal de 1988, a ação ganhou amplitude, abrangendo um rol maior de direitos tutelados. Hoje, a Ação Popular é forma de exercício direto na democracia Estatal, propiciando a participação do cidadão na estrutura administrativa do país.
Sumário:1. Introdução – 2. Questões processuais da Lei 4.717/65; 2.1 A distribuição da Ação Popular; 2.2 A Sentença na Ação Popular; 2.3 Lei da Ação Popular x Lei da Ação Civil Pública – 3. Conclusão
1 Introdução
A Ação popular constitucional está presente no contexto nacional desde a Constituição Imperial de 1824, onde possuía caráter penal e era restrita à atos ilícitos de juízes e oficiais de justiça no exercício do cargo público.
Ao longo da história das Constituições brasileiras, o instituto da ação popular por vez estava presente, vez estava ausente do cenário.
A estabilidade do instituto no ordenamento jurídico deu-se com a vigência da Lei 4.717 no ano de 1965, a Lei da Ação Popular.
Com este marco, a ação constitucional esteve presente em todas as Cartas seguintes, inclusive na Constituição de 1967 e mantida pela Emenda de 1969, que preceituava que “qualquer cidadão será parte legítima para propor Ação Popular que vise a anular atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas”.
Posteriormente, com a vigência da Carta Cidadã, o instituto veio à tona com maior força de eficácia, já que a Constituição de 1988 trouxe a possibilidade da ação tutelar outros direitos além do patrimônio público – já previsto na Lei 4.717/65, incluindo a moralidade administrativa, o meio ambiente e o patrimônio histórico cultural.
A Constituição de 1988 alterou o panorama social do Brasil, que acabara de enfrentar uma era ditatorial com supressão de direitos fundamentais e ameaça ao Estado Democrático de Direito. Outrossim, o instituto da ação popular atendeu ao princípio da cidadania estampado no início da Carta, atendendo, enfim, um povo antes esquecido e sem voz.
Nesse interim, com a vigência da Constituição de 1988, a lei 4.717/65 ganhou maior aplicabilidade e nova perspectiva, pois a Ação Popular passou a ser vista como um concreto instrumento de fiscalização do poder público, possibilitando a qualquer cidadão, no gozo de seus direitos políticos, ir à juízo em um embate direto com as pessoas públicas e privadas que deram causa a ato lesivo/ilegal e buscando suas responsabilidades pessoais.
Esse estudo apresentará um verdadeiro passeio pelos institutos previstos na Lei da Ação Popular, pontuando sempre que esta deve ser interpretada à luz da CF88.
2 Questões processuais da Lei 4.717/65
A lei da Ação Popular é composta por vinte e dois artigos de simples redação, os quais definem o procedimento a ser aplicado nas ações populares. Nesta exordial estudaremos as questões práticas que envolvem a Ação Popular.
A peça que inaugura o procedimento da ação popular no poder judiciário deve conter os requisitos do artigo 319 do Código de Processo Civil, prova da cidadania do autor a partir da juntada de cópia do título eleitoral ou documento equivalente, além de ser requisito para figurar-se como Autor Popular, a regularidade perante a justiça eleitoral.
Embora o instituto objetive a autonomia do cidadão, este não possui capacidade postulatória para ajuizar a demanda, devendo conceder mandato para advogado devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil.
A LAP (Lei da Ação Popular) prevê (art. 11) que os pedidos contidos na petição inicial poderão ser pela: (i) decretação de invalidade do ato ou da omissão administrativa; (ii) à desconstituição do ato; (iii) à condenação à reparação dos prejuízos causados ao Erário Público; (iv) à condenação na restituição de bens e valores indevidamente apropriados.
A pessoa jurídica estatal que figurar no polo passivo da demanda, poderá regressar contra os funcionários causadores do dano, quando comprovado que incorreram em culpa.
De acordo com o procedimento previsto na LAP, há especial atenção para a juntada das certidões e informações necessárias para comprovação da inicial.
O cidadão pode requerer as certidões e informações que entender necessária à Administração Pública, e em caso de negativa do órgão, o Autor poderá ajuizar a demanda sem estes documentos, a serem posteriormente requeridos ao Juízo que determinará o ofício às instituições, ocorrendo, enfim, a regularização dos documentos da inicial.
Ainda na petição inicial, é oportunizado ao Autor manifestar-se pela citação via edital dos requeridos, opção que deve ser expressamente mencionada e fundamentada em tópico da peça inaugural.
A petição inicial deverá incluir o valor da causa, que deverá ser o “benefício a ser obtido com a ação popular puder ser precisamente configurado”.[1]
Quanto as regras de competência para o endereçamento e protocolo da inicial, observa-se que é pacifica a competência dos juízos que decidem causas referentes à Fazenda Pública, seja federal, estadual ou municipal, como preceitua o artigo 5º da LAP.
Em primeiro plano, no que tange à competência em relação à matéria, a origem do ato definirá se a competência é da justiça federal ou, subsidiariamente, da justiça estadual. Sendo o ato ilegal/lesivo praticado por autoridade federal, a competência será da Justiça Federal, enquanto que, sendo a autoridade impugnada estadual ou municipal, a competência será da Justiça Estadual.
No segundo viés, ainda quanto à competência, para se identificar a competência territorial, observaremos a autoridade pela qual emanou o ato impugnado.
Sendo a autoridade da administração federal direta, aplicar-se-á o disposto no artigo 109, CF[2]. Caso seja autoridade estadual ou municipal ou do distrito federal, as organizações judiciárias decidirão o foro competente no respectivo território.
A regra do artigo 109 da Constituição Federal é extremamente interessante e auxilia a natureza da ação popular, já que é facultado ao autor escolher entre as hipóteses de foros trazidas no texto legal para ajuizar a demanda.
A lei prevê no artigo 5, §1º uma competência por equiparação:
Art. 5º - § 1º - Para fins de competência, equiparam-se atos da União, do Distrito Federal, do Estado ou dos Municípios os atos das pessoas criadas ou mantidas por essas pessoas jurídicas de direito público, bem como os atos das sociedades de que elas sejam acionistas e os das pessoas ou entidades por elas subvencionadas ou em relação às quais tenham interesse patrimonial.
Na esfera municipal e estadual, essa equiparação se dá somente para pessoas jurídicas de direito privado, já que as autarquias e fundações públicas inserem-se no conceito da Fazenda Pública, por terem personalidade jurídica pública.
Há ainda a regra do parágrafo 2º:
Art. 5º - § 2º - Quando o pleito interessar simultaneamente à União e a qualquer outra pessoas ou entidade, será competente o juiz das causas da União, se houver; quando interessar simultaneamente ao Estado e ao Município, será competente o juiz das causas do Estado, se houver.
Segundo a doutrina, trata-se, portanto de competência privilegiada:
por interesse simultâneo, ou seja, havendo interesse simultâneo da União e de qualquer outra pessoa ou entidade, será competente o juiz das causas da União, se houver interesse simultâneo do estado e do município, será competente o juiz da causa daquele. O interesse que justifica a alteração de competência é naturalmente o interesse jurídico que ocorre quando há possibilidade de se afetar e esfera jurídica de alguém.[3]
A ação popular não é, em nenhuma hipótese, de competência originária dos Tribunais, devendo ser endereçada sempre ao juízo de primeiro grau. Assim, não há foro privilegiado para o presidente da república, governador ou prefeito, ou nenhuma autoridade. É o que decidiu o Tribunal do Rio de Janeiro/RJ:
A competência para julgar ação popular contra ato de qualquer autoridade, inclusive aquelas que o mandado de segurança estão sob jurisdição do STF, é do juízo de primeiro grau de jurisdição, pois a enumeração do artigo 102, I, “a”, “d”, “e”, “q”, da Constituição não prevê ação popular. (j. 27.05.91, DJU 18.07.91. Agravo de Instrumento 90226023-7 – RJ) [4]
O artigo 5º ainda traz uma regra sobre conexão, isto é, aquelas ações intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos:
Art. 5º - § 3º - A propositura da ação prevenirá a jurisdição do juízo para todas as ações, que forem posteriormente intentadas contra as mesmas partes e sob os mesmos fundamentos.
O juízo que possuir a competência territorial e primeiro despachar acerca da inicial, será o juízo prevento ou se tratando de competência territorial múltipla, será prevento o juízo que primeiro promover a citação valida, em consonância com o artigo 240 do Código de Processo Civil.
Por fim, a peça inaugural poderá conter pedido de tutela antecipada ou, a depender do caso concreto, a concessão da suspensão liminar do ato.
Ao protocolar a inicial, o processo será distribuído ao Juízo competente, conforme as regras do Código de Processo Civil e dos Regimentos internos dos tribunais.
2.1 A distribuição da Ação Popular em juízo
Devidamente distribuída ao juízo competente, o artigo 7º, inciso I, impõe a atuação do magistrado, que determinará: (i) a citação dos réus; (ii) a intimação do Ministério Público; (iii) a requisição de informações necessárias à elucidação dos fatos, se indicadas e requeridas na petição inicial.
Em caso de indeferimento da inicial, o juízo deverá comunicar ao cidadão-Autor e ao Ministério Público, para que avaliem a fundamentação, sendo a decisão passível de apelação.
A outro giro, o recebimento da inicial não gera a possibilidade de recurso.
Quanto ao recolhimento de preparo, a CF/88 isentou de custas judiciais e ônus de sucumbência o autor da AP, o que abrange a taxa judiciária, as despesas indispensáveis com publicação, os emolumentos devidos, possível indenização devidas às testemunhas e honorários advocatícios.
Assim, se um dos réus contratar advogado para defesa de seus interesses, mesmo que sejam acolhidos, não haverá recebimento de honorários de sucumbência.
Este regime de custas se dá pois o cidadão-Autor não visa a tutela de direito particular e individual seu, mas sim de direito comum à toda a sociedade, prevalecendo portanto, os interesses coletivos em detrimento do interesse privado de sucumbência.
No entanto, merece tratamento distinto o autor que age com má fé no ajuizamento da demanda, isto é, aquele que manejar a ação por “vindita”, luta política, vantagem pessoal indevida ou qualquer outro objetivo escuso deve ser responsável pelo pagamento das custas e verbas honorárias.[5]
No que tange à possibilidade de concessão de liminar capaz de suspender o ato lesivo imediatamente, desde a vigência da LAP em 1965, houve muitas críticas, já que o texto não trazia esta hipótese.
Somente em 1977 com os acréscimos trazidos pela Lei 6.513, é que a situação foi pacificada (artigo 5º, §4º): “Na defesa do patrimônio público caberá a suspensão liminar do ato lesivo impugnado”.
A interpretação deste dispositivo deve ser ampla, pois não cabe tutela preventiva apenas quando a tutela versar sobre o patrimônio público, mas sobre todo e qualquer bem que estiver sob lesão ou na iminência de lesão.
A tutela preventiva pode ser determinada de oficio pelo magistrado, ou a requerimento do Ministério Público ou do cidadão-autor. No entanto, deverão ser comprovados os requisitos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, como preceitua o Código de Processo Civil.
Em relação a atuação do Ministério Público na demanda popular, a sua atuação tem natureza de fiscal da lei, defendendo a tutela dos direitos difusos em questão.
A atuação do MP está prevista no art. 6º, §4º da LAP, o que sempre causou estranheza na doutrina, pois o texto legal retrata a impossibilidade do Ministério Público defender o ato impugnado ou seus autores, o que não condiz com as funções da instituição e seus limites de atuação.
Diante do artigo 6º da LAP, a doutrina interpretou a atuação do Ministério Público na demanda popular essencialmente como fiscal da lei, isto é, não atuando em defesa dos autores, mas também não se portando contra o autor da ação popular, podendo, evidentemente, manifestar-se pela improcedência da inicial, quando faltarem provas.
O Ministério Público assume posição interessante na ação popular no caso de desistência da ação ou abandono da causa pelo cidadão, oportunidade em que o órgão deve assumir o polo ativo da ação e promover a execução em caso de sentença favorável ao autor, caso nenhum cidadão o faça.
2.2 A Sentença na Ação Popular
A sentença proferida nos autos da ação popular poderá ser de natureza declaratória, constitutiva ou condenatória.
Ainda em relação à sentença, menciona-se o artigo 13 da LAP, alvo de muitas polêmicas após a vigência da CF/88. Isto porque, determina que: “A sentença que, apreciando o fundamento de direito do pedido, julgar a lide manifestamente temerária, condenará o autor ao pagamento do décuplo das custas”.
Após a CF/88, o autor de boa-fé não recolhe custas, sendo apenas cobrada em caso de atuação de má-fé. No entanto, o artigo 13 prevê a condenação do décuplo das custas, trazendo, assim, uma sanção para aqueles que litigarem de forma temerária.[6]
No entanto, a maioria da doutrina entende que a sanção é constitucional e que não há incompatibilidade com a norma constitucional.[7]
A coisa julgada seguirá os ditames do Código de Processo Civil, salvo o que preceitua o artigo 18 da LAP, que excetua a formação da coisa julgada à deficiência de provas, oportunidade em que “qualquer cidadão poderá intentar com outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
Necessário pontuar que não há limite subjetivo da coisa julgada na ação popular, já que produz efeito erga omnes. A produção deste efeito é razoável, já que a lide se concentra em direito transindividual, que pertence a toda a coletividade, devendo o seu resultado também ser imposto de maneira indefinida.
Transitada em julgada a sentença, sua liquidação será feita nos próprios autos da ação popular, como preceitua o CPC, pelo cidadão-autor, por outro cidadão ou, em último caso, pelo Ministério Público, conforme preceitua o art. 16 da LAP.
O art. 19 prevê a possibilidade de agravo de instrumento contra decisões interlocutórias, bem como de apelação contra sentença que julga a Ação Popular. Embora a LAP traga apenas menção a esses dois recursos, é passível a ideia de que aplica-se todo o regramento do Código de Processo Civil ao diploma de recursos na ação popular, tendo em vista que a própria lei traz a aplicação do procedimento ordinário subsidiariamente.
A possibilidade de aplicação subsidiária do CPC está no art. 22 da LAP. Outrossim, define a LAP que aplicar-se-á subsidiariamente à lei, o Código de Processo Civil, salvo os dispositivos que contrariem a lei ou sua “natureza específica”.
Neste contexto, necessário entender a intenção do legislador ao nomear a “natureza específica da ação popular”:
‘Talvez tenha o legislador feito referência à ‘’ natureza específica’’ pelo fato de que, à época da edição da Lei 4717/65, era assente na doutrina que só se poderia mover uma demanda desde que houvesse interesse direto no litigio. Os casos excepcionais em que alguém agisse em nome próprio, defendendo direito alheio, dependeriam de previsão expressa da lei (substituição processual). Ora, como a ação popular se caracteriza pela faculdade, atribuída ao cidadão, de zelar pela coisa pública, em nome de toda a coletividade, estaria promovendo um “fenômeno rebelde a várias exigências do direito de agir ‘’[8], e daí sua especificidade.[9]
Como se sabe, a legitimidade ativa e passiva da ação popular estão previstas logo no início da Lei. Nesse ponto do estudo, torna-se relevante a análise da peculiar situação da pessoa jurídica pública prevista no artigo 6º:
Art. 6º - A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo. §3º A pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.
Esse dispositivo prevê a possibilidade da pessoa jurídica Ré atuar ao lado do autor quando houver interesse público. Assim, a Ré assume posição ativa na ação popular, oportunidade em que deixa de contestar a ação e muda de polo, atuando lado a lado com o Autor em busca dos interesses do Estado.
Alguns autores entendem não ser possível esta previsão para as ações populares ambientais, já que o direito ao meio ambiente não é de titularidade do Estado, mas de toda coletividade. No entanto, prevalece entendimento no sentido do domínio e controle estatal sobre todas as coisas:
Todavia, compreendemos que o Estado tem domínio eminentemente sobre todas as coisas que estão e seu território e tem o dever e o interesse em proteger o patrimônio natural e cultural, inclusive, estando legitimado para a propositura da ação civil pública, nos termos do artigo 5º da lei 7.347/85, por isso se justifica a previsão da faculdade do ente aderir às razões dos cidadão também na ação popular ambiental.[10]
Esta excepcionalidade do §3º não exclui a possibilidade de responsabilização de qualquer legitimado da ação judicial, pois mesmo que a pessoa jurídica seja beneficiada na ação popular, isto é, tenha interesse na ação, ela pode vir a ser condenada à adoção de medidas que não tomaria caso não fosse coagida por uma decisão judicial.
Esta hipótese do §3º é a possibilidade da pessoa jurídica não resistir às razões do Autor, mas ao contrário, aderir à elas.
2.3 Lei da Ação Popular x Lei da Ação Civil Pública
As ações populares e civis públicas podem, eventualmente, possuir uma identidade plena, no caso do Ministério Público assumir a legitimidade ativa na ação popular (quando o cidadão desiste da demanda).
É possível, portanto, coexistir uma Ação civil pública e uma ação popular sobre fatos análogos, mas com pedidos diversos, em que haverá conexão, devendo as ações serem reunidas de acordo com as regras de prevenção do juízo.
Surge na doutrina dúvida quanto a hipótese da ação civil pública e a ação popular não possuírem estrita coincidência das partes, principalmente no polo ativo.
Neste caso, defendem os doutrinadores que haveria identidade no polo ativo, mesmo que não representados pela mesma parte (pois são legitimados para propositura da ACP os órgãos do art. 5º da Lei 7347/85 e no caso da ação popular, qualquer cidadão) pois tanto o cidadão como os legitimados da ação civil pública são substitutos processuais da coletividade.
Caso divergentes os polos passivos, somente a parcial coincidência de partes passivas permite inferir a litispendência, sendo a causa de pedir e o pedido idênticos.[11]
No entanto, há também entendimento no sentido de que existindo uma ação civil pública e uma ação popular sobre o mesmo tema, deve-se aplicar a regra da reunião das ações para evitar julgamentos contraditórios, havendo litispendência quando a tríplice identidade ocorrer em relação a todos os elementos da ação e houver identidade de procedimentos.[12]
Superada enfim a possibilidade de coexistência das ações, a Lei da Ação Civil Pública (7.347/85) traz a possibilidade do ensejo do chamado dano material e dano moral coletivo.
Alguns autores entendem, que mesmo que a LAP não tenha previsto essa possibilidade, o fato de os bens tutelados serem também relevantes e a Lei da Ação Civil Pública ser mais recente, torna-se analógica a aplicação do dispositivo que permite os danos coletivos, embora a jurisprudência seja tímida neste sentido:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. HIPÓTESES DE CABIMENTO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. – A Ação Popular, como regulada pela Lei nº 7.417 de 29.06.1965, visa à declaração de nulidade ou à anulação de atos administrativos quando lesivos ao patrimônio público, como dispõem seus 1º, 2º e 4º. – A condenação que pretende ‘’ obrigação de não-fazer’’ e ‘’ pagamento de indenização pelo dano moral coletivo’’, revela-se pedido juridicamente impossível, na espécie. (TRF – 4ª Região, AC 2001710000335481 UF: RS, 3ª T., DJU 16/05/2017). [13]
Outrossim, embora ainda inadmitido nas maioria das jurisprudências, o dano moral coletivo em sede de ação popular será tema futuro de discussão, já que garantidor de reparação moral justa à coletividade.
Diante da análise dos artigos da Lei da Ação Popular e da comparação com a Ação Civil Pública, é possível destrinchar o procedimento da ação popular e findar todas as dúvidas acerca do tema, possibilitando que o cerne da discussão não paire sobre o procedimento da demanda popular, mas sobre a possibilidade de ampliação de sua eficácia.
3 Conclusão
A Lei da Ação Popular é eficaz e à frente do seu tempo, trazendo institutos próprios e o intuito bem definido de possibilitar que o cidadão, exercendo suas prerrogativas constitucionais, fiscalize o Poder Pública através de ação judicial.
Deveras, com razão, a Carta Magna ser também nomeada de Carta Cidadã, oportunidade em que deu voz aos brasileiros após uma era ditatorial. No exemplo da Ação Popular, o cidadão, portando seu título de eleitor, ocupa o polo ativo da Ação, e, em paridade processual, enfrenta o poder público visando a tutela de bem coletivo.
Cumpre ainda mencionar que o acesso à justiça é garantido pelo fato de inexistir custas processuais para a movimentação da ação no Judiciário (ressalvado o caso de evidente má fé processual do litigante), podendo o cidadão demandar livremente buscando a tutela de bem coletivo e a responsabilização pessoal dos administradores.
Este é ponto crucial dessa demanda, a possibilidade de responsabilização pessoal dos administradores envolvidos no ato ilegal/lesivo (Artigo 6º da Lei), o que, de fato, traz grande efetividade para a ação popular, pois quando houver benefício direto do ato lesivo, as pessoas públicas e privadas estarão no polo passivo respondendo com seu patrimônio pessoal.
Outro instituto que declara a finalidade protetiva da ação popular é o do artigo 6º, §3º, que possibilita que a (s) Ré (s), pessoas jurídicas estatais, diante do interesse público, juntem-se ao (s) autor (es) em busca da condenação pessoal e desconstituição do ato administrativo maculado.
Assim, a Lei 4.717/65 veio instrumentalizar no Estado Brasileiro uma ação constitucional capaz de atingir atos do executivo maculados pela lesividade e ilegalidade.
É instrumento processual que foi ampliado pela Constituição de 1988 e em conjunto com os meios de proteção do Código de Defesa do Consumidor constitui sistema de tutela de direitos coletivos.
Isto posto, ponderou-se que o Brasil está em avançado patamar legislativo no que tange à proteção de direitos extrapatrimoniais. No entanto, diante das condições sociais ainda existentes na realidade do país, entende-se que a ação popular, se mais abrangente, seria capaz de tornar-se instrumento de eficácia protetiva de grande valia para o povo.
Referências Bibliográficas
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[1] DIDIER Jr. Fredie, ‘’ Ações constitucionais’’. Editora Juspodivm. 4º Ed. 2009.
[2] Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: § 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa, ou, ainda, no Distrito Federal.
[3] PRADE, Pericles. Ação Popular. São Paulo: Saraiva. 1986.
[4] j. 27.05.91, DJU 18.07.91. Agravo de Instrumento 90226023-7 – RJ.
[5] “Ação popular. Processo extinto, por falta de interesse de agir (art. 267, IV, CPC). Má fé do autor. Sucumbência: art. 5, LXXIII, da CF/88. Age de má fé quem ajuíza ação popular para impedir exercícios militares sabidamente já concluídos, à data da distribuição da inicial. Nestas circunstancias, deve o processo ser extinto, por falta de interesse de agir (Art. 267, VI, CPC), suportando o litigante de má fé as custas judiciais e o ônus de sucumbência (Art. 5º, LXXIII, da CF/88). Remessa oficial desprovida’’- TRF- 1º Região, REO 90.01.06198-2/DF – Remessa ox officio, 2ª T., DJU: 03.09.1990, p. 19750, Rel. Juiz Hércules Quasimodo
[6] Temerária significa: arriscada, perigosa, precipitada.
[7] Nesse sentido, PINHO, Humberto Dalla Bernadina; MARTINS, Guilherme Magalhaes. Algumas considerações sobre a lei da ação popular. Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, n. 6, jul/dez. 1997.
[8] SILVA, José Afonso. Ação Popular constitucional, p. 73
[9] FERRARESI, Eurico. ‘’ Ação Popular, Ação Civil Pública e Mandado de Segurança Coletivo – 1 ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2009.
[10] DIDIER, Fredie Jr. Ações constitucionais. 4º Ed., p. 283.
[11] Da Ação Popular em Procedimentos Especiais. São Paulo: Saraiva, 2009 e Uma nova modalidade de legitimação à ação popular. Possibilidade de conexão, continência e litispendência. ADV. Advocacia dinâmica, julho 1995, p 3-4.
[12] Procedimentos especiais cíveis. Legislação extravagante. São Paulo: Saraiva, 2003. P. 385.
[13] TRF – 4ª Região, AC 2001710000335481 UF: RS, 3ª T., DJU 16/05/2017.
Bacharelanda no curso de Direito. Parecerista na Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VITALE, Marcela Mitiura. A Lei 4.717/65 – Lei da Ação Popular Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jan 2021, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56087/a-lei-4-717-65-lei-da-ao-popular. Acesso em: 23 dez 2024.
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