Resumo: O presente artigo tem como fonte a pesquisa jurisprudencial a respeito da possibilidade da venda direta de ativos durante o processamento da recuperação judicial, para tanto buscou-se a interpretação da legislação atual sobre o tema, com a leitura de artigos específicos também, sem olvidar das decisões de tribunais e do Superior Tribunal de Justiça.
Abstract: This article is based on jurisprudential research regarding the possibility of direct sale of assets during the processing of judicial reorganization, for which purpose the interpretation of the current legislation on the subject was sought, with the reading of specific articles as well, without forgetting the decisions of courts and the Superior Court of Justice.
Palavras chave: Direito Empresarial; Recuperação Judicial; Venda de ativos; Jurisprudência.
Sumário: 1. Introdução – 2. Desenvolvimento. 3. Considerações finais. 4. Referências.
1 Introdução
As crises econômicas afetam não só pessoas físicas como também as sociedades empresárias, essas últimas acabam por refletir suas crises na sociedade em geral pois produzem bens e serviços, além é claro de ofertar empregos. Ao levar em consideração a escolha pelo legislador constituinte brasileiro pelo capitalismo, a crise de uma sociedade empresária deve ser socorrida no intuito de permitir sua manutenção no mercado e quitação de suas dívidas. Para isso o legislador brasileiro publicou a lei 11.101/2005 prevendo o instituto da recuperação judicial ao cumpridor de seus requisitos iniciais, concedendo oportunidades ao empresário em crise. Assim sendo, dentro desse instituto é atribuído ao empresário ainda em atividade a suspensão de execuções, parcelamento de dívidas, deságio de dívidas, dentro de um plano a ser aprovado de recuperação.
Ainda no contexto da crise não é demais mencionar que a busca por numerários será insistente para a concretização do almejado soerguimento da empresa, ocorre que uma das formas de entrada de dinheiro é a venda de ativos. Toda empresa é possuidora e proprietária de ativos que podem ser interessantes ao mercado, inclusive à concorrência, empresa em crise não é sinônimo de empresa desinteressante, nem obsoleta, sempre há algo a ser vendido. Ocorre que essa venda tem que ser facilitada de modo a ser interessante e célere, além de não depreciar com o tempo o bem que pode ser vendido logo. Nesse pensamento é que o presente texto abordará a questão da venda direta dos ativos da empresa em recuperação judicial sem a necessidade da venda concorrencial determinada em alguns casos, sem a necessidade das formalidades de leilão, propostas fechadas e pregão. A facilitação da venda de ativos na forma direta e com autorização judicial ajudará a empresa a manter-se no mercado, e aumentará o interesse de compradores se for possível uma compra rápida, segura, sem os ônus do adquirente. É essa a ideia que o presente trabalho irá desenvolver, ao cotejar a legislação do instituto e suas possíveis interpretações com os casos concretos e o enfoque jurisprudencial, na tentativa de dinamizar e não engessar, é claro que com toda a segurança jurídica que o caso requer, a recuperação judicial, lhe possibilitando a venda direta dos ativos como uma das alternativas de entrada de numerário ao empresário.
2 Desenvolvimento
Quando pensamos em recuperação judicial na forma como atualmente proposta, e não como um antigo favor legal, nos moldes da antiga concordata, pensamos numa empresa endividada porém com esperança e compromisso na manutenção de suas atividades, contratos, pagamentos e fornecimentos, enquanto busca e cumpre um plano de recuperação judicial para saldar suas dívidas conquanto mantém suas atividades.
A Lei 11.101/2005 foi editada, tendo como princípios basilares a preservação da empresa, a proteção aos trabalhadores, e por fim os interesses dos credores. Não foi por acaso a escolha do legislador inclusive nessa ordem dos valores a serem tutelados, a saber primeiro a manutenção da produção, segundo o emprego dos trabalhadores e depois os interesses dos credores, nota-se que os dois primeiros valores tutelados são de ordem coletiva e social próximos da chamada função social da empresa e o terceiro o compromisso contratual da empresa inclusive no pagamento de seus credores.
Lei 11.110/05 Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Esta preocupação da manutenção da empresa conforme o artigo 47 da lei 11.101/2005 veio a dar efetividade aos princípios constitucionais da ordem econômica, dispostos no artigo 170 da Constituição Federal, vejamos:
CF Art.170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I- soberania nacional;
III- função social da propriedade;
VI- defesa do meio ambiente;
VII- redução das desigualdades regionais e sociais;
IX- tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte (itálicos nossos).
A importância da manutenção da empresa fundamenta-se no artigo constitucional exposto acima, notadamente porque valoriza o trabalho humano e a livre iniciativa, garantindo que a empresa atinja a sua função social e mantenha a concorrência, já que a extinção de uma empresa ou várias do mesmo ramo pode levar à predominância de uma ou apenas algumas no mesmo ramo, diminuindo assim a paridade competitiva tão salutar à economia. Não se pode olvidar que as empresas guardam grande interesse social, pois sua existência preserva os empregos e os direitos trabalhistas que dele descendem, por ser unidade produtiva fomenta a economia, já que através delas se consegue distribuir bens e serviços, atendendo à demanda de consumo interno, e também para que se fomente o mercado internacional no caso das exportações, gerando ao final saldo favorável na balança comercial, essencial para economia do país.
Ao preservar a empresa, o emprego e o pagamento dos credores, o artigo 47 da lei 11.101/05 acima comentado, preserva o trinômio perfeito da economia composto por produção, consumo, pagamento de fornecedores e credores. O emprego gera renda, ninguém é somente trabalhador mas sim também um consumidor em potencial, a produção coloca bens no mercado para serem consumidos, e uma vez o trabalhador adquirindo esses bens fulcrados no recebimento de salários os pode pagar, uma vez entrando dinheiro fruto das vendas de produtos próprios da empresa, essa consegue saldar seus compromissos com fornecedores e credores. Se um dos elementos desse trinômio for atingido, as bases da economia enfraquecerão exponencialmente. No presente trabalho nos atentaremos aos credores e a satisfação de seus interesses na recuperação judicial. Já adiantamos que vendas serão necessárias por parte da recuperanda, não liquidar parte do patrimônio seria um luxo de que a recuperanda não poderia usufruir.
A recuperação judicial nada mais é que um recurso que a lei brasileira confere ao empresário em crise para evitar a falência, na qual será elaborado um plano a ser apresentado ao juiz na tentativa de cumprimento de seus compromissos financeiros anteriormente assumidos. Entendido isso e o contexto da crise é forçoso concluir que algumas vendas serão necessárias para o objetivo inclusive de cumprimento do plano. A venda de ativos da recuperanda apresenta-se como uma forma de entrada de recursos financeiros propiciando a manutenção da atividade e facilitando os pagamentos já esboçados no plano.
Há ativos na empresa que são de grande interesse comercial e prescindíveis da recuperanda naquele momento, assim como há ativos de manutenção onerosa para a recuperanda, e que a prudência aconselha desfazer se deles na crise da empresa.
Para o alcance da venda de ativos podemos concluir que a lei confere a possibilidade da modalidade ordinária de venda conforme o artigo 142 da lei de falências:
Art.142 da lei 11.101/2005 O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do Comitê, se houver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma das seguintes modalidades: I – leilão, por lances orais; II – propostas fechadas; III – pregão (itálicos nossos).
Ocorre que o artigo 142 retromencionado está contido na Seção X do Capítulo V da Falência, na lei 11.101/05, ou seja não se trata de um artigo específico da Recuperação Judicial mas sim do instituto da falência, por outro lado trata-se de um artigo exigente de formalidades para a alienação, como o leilão, propostas fechadas e pregão que são modalidades públicas de venda e que demandam um maior dispêndio de tempo na negociação, afastando assim eventuais interessados na compra dos ativos, embora proporcionador de maior segurança na venda dos mesmos se levarmos em consideração possíveis fraudes e ilicitudes.
Seria justificável a indagação portanto: Deveríamos estender a aplicação desse artigo 142 também à venda de ativos na recuperação judicial? Somente permitindo as vendas de ativos na recuperação judicial em sua forma ordinária? A resposta mais sensata conforme a exegese jurídica é não, pois trata-se de um artigo restritivo às possibilidades de venda, permitindo essa somente se dentre as três formalidades apresentadas, nem sequer mencionando a venda direta, e um artigo restritivo deve ter também uma interpretação restritiva, não sendo aplicável extensivamente nem interpretado extensivamente, não incidindo luzes a outros institutos que não unicamente o que está inserido expressamente. Dessa forma pode-se entender que é possível a venda direta de ativos na recuperação judicial, ou venda extraordinária como classifica a doutrina desde que com autorização judicial como veremos adiante.
Sobre o assunto a nobre juíza e professora Renata Mota Maciel M. Dezem, em artigo publicado em conjunto com Newton De Lucca leciona (2016, p. 402):
“ Nesse aspecto, a prática mostra diversos exemplos nos quais a venda de ativos por modalidades alternativas é muito benéfica ao processo de recuperação da empresa, sobretudo em nichos de mercados específicos, nos quais a gama de interessados nos ativos da empresa é reduzida ou restrita. Portanto, não se pode sumariamente tachar de fraudulenta ou suspeita toda e qualquer proposta de venda alternativa de ativos, ou mesmo excluir-lhe as garantias legais, como a não sucessão pelo adquirente, que torna atraente (ou menos arriscada) a aquisição de bens de empresas em recuperação judicial.”
Também no artigo entitulado, Venda direta de ativos na recuperação judicial, de autoria de Gildásio Pedrosa de Lima, advogado, especialista em Direito Empresarial no site https://velosodemelo.com.br/venda-direta-de-ativos-na-recuperacao-judicial/ acessado em 07/01/2021 foi defendido que a venda direta em recuperação judicial pode ser autorizada pelo juiz sem prejuízo do andamento das atividades da empresa e do processo, e com economicidade e praticidade, assim escrito:
“A alienação por oferta pública nesses casos, embora traga lisura e segurança quanto a busca pela melhor oferta, implica em demora excessiva ante a necessidade de elaboração e publicação de editais. É também onerada pelos custos com a publicações e contratação de leiloeiro. Tais ritos e despesas não tem sentido prático e econômico se não há expectativa de concorrência ou se a demora puder inviabilizar o negócio.
Dessa forma, o juiz, auxiliado pelo Administrador Judicial e o Comitê de Credores, deve analisar as circunstâncias fáticas e autorizar que a alienação ocorra de forma extraordinária e direta, dispensando o procedimento ordinário, sempre que a situação claramente assim requerer para a preservação da empresa e do interesse dos credores.”
O outro ponto que se coloca em análise é a ausência de sucessão do adquirente dos ativos nos ônus, principalmente trabalhistas e fiscais, pois caso haja a sucessão nas obrigações do devedor poucos serão os interessados em comprar algum ativo da recuperanda, vez que nenhum sentido terá a autorização da venda dos ativos se aquele que se dispõe a comprar herdar com seu ato as dívidas do devedor em recuperação judicial. Ciente disso, o legislador expressamente, no artigo 60 parágrafo único libera o comprador da sucessão para casos de venda das filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, desde que observada a forma pública ordinária de venda como visto anteriormente, quais sejam, o leilão, por lances orais; as propostas fechadas; e o pregão.
Art. 60 da Lei 11.101/05 Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei (itálicos nossos).
Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta Lei.
Da leitura do artigo acima e sua mera interpretação gramatical poder-se-ia chegar à conclusão de que a desoneração do adquirente da condição de sucessor e isenção do bem alienado de quaisquer ônus, inclusive os tributários, somente ocorreria se, os objetos a serem alienados fossem as filiais e/ou unidades produtivas isoladas e, mesmo assim com a modalidade de venda ordinárias ou públicas. Contudo entendemos que se a alienação pretendida for por venda direta, mas contar com a aprovação dos credores, colacionados ao plano pronunciando-se favorável em assembléia, do administrador judicial e do Ministério Público não haverá problemas em levar a venda a autorização judicial e assim sob o manto da justiça conseguir novos valores líquidos para sem prejudicar as atividades da empresa, ingressar um montante que proporcionará fôlego para os pagamentos do plano elaborado.
A melhor interpretação legislativa para o caso em comento é a interpretação sistemática de todo o arcabouço da lei 11.101/2005 e da Constituição Federal para ficar o adquirente desonerado da condição de sucessor e o objeto da alienação livre de quaisquer ônus, consoante os artigos 60, parágrafo único, e 141,inciso II da referida norma.
O juiz competente pode e deve ter autonomia para autorizar a venda por outros meios, sempre que for necessário, mesmo na recuperação judicial, a exemplo do que já ocorre na falência, ainda que aqui com autorização expressa da lei consubstanciada no artigo 144.
Art. 144 da Lei 11.101/05 Havendo motivos justificados, o juiz poderá autorizar, mediante requerimento fundamentado do administrador judicial ou do Comitê, modalidades de alienação judicial diversas das previstas no art. 142 desta Lei.
Sobre o assunto vejamos o acórdão do STJ (STJ - REsp: 1819057 RJ 2019/0049402-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 10/03/2020, T3 -TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 12/03/2020):
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA ALIENAÇÃO DE BENS QUE INTEGRAM O ATIVO PERMANENTE DAS SOCIEDADES DEVEDORAS. OBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 142 DA LEI 11.101/05. DESNECESSIDADE. NORMA QUE SE DESTINA À REALIZAÇÃO DO ATIVO DE SOCIEDADES FALIDAS. EXCEÇÃO LEGAL (ART. 60 DA LFRE) QUE PREVÊ SUA INCIDÊNCIA EM PROCESSOS DE SOERGUIMENTO UNICAMENTE QUANDO SE TRATAR DE ALIENAÇÃO DE FILIAIS OU UNIDADES PRODUTIVAS ISOLADAS. ART. 870 DO CPC/15. INAPLICABILIDADE. HIPÓTESES DE INCIDÊNCIA DISTINTAS DA SITUAÇÃO DOS AUTOS. 1. Recuperação judicial distribuída em 12/11/2013. Recurso especial interposto em 28/7/2017. Autos conclusos à Relatora em 4/4/2019. 2. O propósito recursal é definir se, uma vez reconhecida a utilidade e a urgência na alienação de bens integrantes do ativo permanente de empresa em recuperação judicial, o juiz deve observar a sistemática prevista no art. 142 da Lei 11.101/05. 3. A Lei de Falência e Recuperação de Empresas prevê, em seu art. 66, a possibilidade de alienação de bens integrantes do ativo permanente do devedor. Para tanto, o juiz responsável pela condução do processo deve autorizar a venda, caso reconheça a existência de evidente utilidade na adoção de tal medida. Não há exigência legal de qualquer formalidade específica para avaliação dos ativos a serem alienados, incumbindo ao juiz verificar as circunstâncias específicas de cada caso e adotar as providências que entender cabíveis para alcançar o melhor resultado, tanto para a empresa quanto para os credores e demais interessados. 4. Os dispositivos apontados como violados pela recorrente não guardam relação com a hipótese fática dos autos: o art. 142 da LFRE cuida de matéria afeta, exclusivamente, a processos de falência, regulando de que forma será efetuada a realização do ativo da sociedade falida; o art. 60 do mesmo diploma legal possui como hipótese de incidência a alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor; e o art. 870 do CPC/15 trata, tão somente, de enunciar os sujeitos encarregados pela determinação do preço de bens penhorados em processos de execução por quantia certa. 5. A Lei 11.101/05 contém mecanismos de fiscalização e controle dos negócios praticados pelo devedor, a fim de que não sejam frustrados os interesses dos credores. Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, as atividades da sociedade passam a ser rigorosamente fiscalizadas pelo administrador judicial e, quando houver, pelo comitê de credores, sendo certo que todos eles, juntamente com o devedor, respondem pela prática de atos incompatíveis com o bom andamento da ação recuperacional. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
Vejamos também o acórdão 1151274, 07015733620188070000, Relator Des. Teófilo Caetano, 1ª Turma Cível, data de julgamento: 13/02/2019, publicado no DJe: 22/02/2019.
DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PROCESSAMENTO. ALIENAÇÃO DIRETA DE UNIDADE PRODUTIVA DA RECUPERANDA. DESONERAÇÃO DO ADQUIRENTE DA CONDIÇÃO DE SUCESSOR E ISENÇÃO DO IMÓVEL ALIENADO DE QUAISQUER ÔNUS. FORMA EXTRAORDINÁRIA DE DISPOSIÇÃO PATRIMONIAL. ANUÊNCIA DOS CREDORES, DO ADMINISTRADOR JUDICIAL E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. FORMA DE ASSEGURAR EFETIVIDADE À RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA REGULAÇÃO LEGAL (LEI Nº 11.101/05, ARTS. 60, 141, II, 144 e 145). OBTENÇÃO IMEDIATA DE ATIVOS INDISPENSÁVEIS À VIABILIZAÇÃO DO PROCESSAMENTO DA RECUPERAÇÃO. PRODUTO. DEPÓSITO EM JUÍZO E REVERSÃO À REALIZAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO. DEFERIMENTO DA VENDA. OBJETO DO RECURSO. DESISTÊNCIA DA AQUISIÇÃO DE UMA UNIDADE PRODUTIVA. AFETAÇÃO. PREJUDICIALIDADE. CONHECIMENTO PARCIAL. MODULAÇÃO. 1. Manifestando a sociedade empresária interessada na aquisição de ativos da recuperanda desistência na aquisição de uma das unidades produtivas isoladas cuja alienação integra o objeto do recurso em razão de ter restado materialmente inviabilizada, a formulação, que independe de anuência ou oitiva da parte contrária, afeta o objeto recursal, pois fica prejudicado quanto à unidade especificada, determinando a modulação do objeto do inconformismo em conformidade com a pretensão reformatória remanescente. 2. Consoante a disciplina legal, havendo motivos justificados, o juiz da recuperação poderá autorizar, mediante requerimento fundamentado do administrador judicial ou do comitê de credores, modalidades de alienação do patrimônio da recuperanda diversas das ordinariamente previstas, ressalvado que eventual alienação extrajudicial não poderá contar com as salvaguardas pertinentes à desoneração do adquirente da condição de sucessor e isenção do bem alienado de quaisquer ônus, inclusive tributários, da responsabilidade da recuperanda (Lei nº 11.101/05, art. 144). 3. Aviada proposição de alienação direta de unidade de propriedade da recuperanda pelo administrador, contando com a anuência dos credores reunidos em assembleia e do Ministério Público, estando a proposta formulada pelo interessado aparelhada, ademais, por laudo que atesta sua coincidência com os valores de mercado, coincidindo a disposição patrimonial com o interesse de ser viabilizado o processamento da recuperação e erguimento da recuperanda, conquanto não ultimado o ato de alienação em sede de leilão, mas derivando de autorização judicial motivada pela necessidade premente de serem apurados ativos destinados à realização do plano de recuperação, viável que ao adquirente e ao imóvel sejam asseguradas a blindagem legalmente resguardada. 4. Mediante interpretação sistemática da regulação legal, sobeja viável que, em situações excepcionais, conquanto consumada a alienação de patrimônio destacado da recuperanda de forma isolada e à margem da sistemática ordinária, sejam assegurados ao adquirente e à unidade alienada, evidenciada a higidez do negócio, a blindagem assegurada quando a disposição é realizada em sede de leilão judicial como forma de ser assegurada viabilidade ao processamento da recuperação e ao soerguimento da recuperanda (Lei nº 11.101/05, arts. 60, 141, II, 144 e 145). 5. Agravo parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido. Unânime.
3 Considerações Finais
Embora da leitura pura e simples dos art. 60, parágrafo único e 141 inciso II, 144 e 145 da lei 11.101/2005 possa se vislumbrar num primeiro momento a impossibilidade da venda direta dos ativos da empresa em recuperação judicial, durante o processamento da mesma e a execução do plano, ao buscar se uma interpretação sistemática e teleológica das normas, com a adição dos princípios de manutenção da empresa e da função social empresária, chega-se à conclusão de que a venda direta ou extraordinária de ativos pode representar uma possibilidade de entrada rápida de numerário para a empresa, possibilitando assim com maior facilidade o cumprimento do plano traçado.
A mesma interpretação sistemática possibilita a conclusão de que é possível a venda direta dos ativos, conforme a jurisprudência colacionada segundo alguns critérios, como a concordância dos credores e do administrador judicial em assembleia, a anuência do ministério público de primeiro grau, somados ao manto da autorização judicial. O importante é que a venda, ainda que direta, seja de parte dos ativos para que não seja o instituto assemelhado ao da falência, onde a liquidação total é o alvo, porém se tal venda se der apenas de parte do patrimônio na recuperação judicial, com segurança jurídica, ausência de fraudes e ilicitudes e ainda com a finalidade de saldar as dívidas apresentadas no plano de recuperação de forma mais célere, o instituto se mostra muito útil e eficiente não havendo motivos para rechaçá-lo.
REFERÊNCIAS
COSTA, DANIEL CARNIO; RODRIGUES FILHO, JOÃO DE OLIVEIRA. Prática de Insolvência Empresarial. Curitiba: Juruá Editora, 2019.
DE LUCCA, NEWTON; DEZEM, RENATA MOTA MACIEL. A venda de ativos na recuperação judicial e os reflexos no âmbito dos registros públicos. In: MENDES, BERNARDO BICALHO DE ALVARENGA. (Coord.). Aspectos Polêmicos da Lei de Recuperação de Empresas. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016. v. 1, cap. 18, p. 383-413.
DE LIMA, Gildásio Pedrosa; https://velosodemelo.com.br/venda-direta-de-ativos-na-recuperacao-judicial/
acórdão 1151274 https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/informativos/2019/informativo-de-jurisprudencia-n-387/recuperacao-judicial-2013-possibilidade-de-alienacao-direta-de-unidade-produtiva
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
procuradora do município de Campinas, Procuradora do Município de Campinas, Especialista em Direito Administrativo pela USP Ribeirão Preto; Especialista em Processo Civil e Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura/SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, valeria vaz de. A possibilidade de venda de ativos na recuperação judicial sob o manto do Judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 fev 2021, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56144/a-possibilidade-de-venda-de-ativos-na-recuperao-judicial-sob-o-manto-do-judicirio. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
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