Nacionalmente, a data de 29 de janeiro é considerada o Dia Nacional da Visibilidade de Travestis e Transexuais (ou Dia da Visibilidade Trans). Desde o ano de 2004, notadamente após uma parceria do Ministério da Saúde com o movimento de travestis e transexuais no Brasil, o país possui esta data como de alta significância visando à conscientização sobre a relevância da inclusão social destas pessoas e do combate a qualquer tipo de discriminação por elas sofrida.
À época, em 2004, houve uma inovadora campanha nacional advinda da supracitada parceria e voltada para este público. A partir de então, o dia 29 de janeiro passou a ser fixado como um momento de reflexão social sobre a luta desta parcela da população no que tange à efetivação de seus direitos constitucionais.
No que concerne ao aspecto jurídico, nos últimos anos, ocorreram várias conquistas do público LGBTQQICAPF2K+s[1]. É possível citar no âmbito do Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.275 em que se definiu a possibilidade de alteração de nome e gênero no assento de registro civil, ainda que sem a realização de cirurgia de redesignação de sexo. Na mesma oportunidade, o STF reconheceu que para esta alteração não é necessária autorização judicial.
Em outro julgamento do STF na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 527 se determinou que as presas transexuais femininas fossem transferidas para presídios femininos.
Apreciando a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26 e o Mandado de Injunção (MI) nº 4.733 a Suprema Corte definiu que a transfobia, juntamente com a homofobia, estão equiparadas ao crime de racismo, até que o Congresso Nacional edite lei que criminalize atos desta natureza.
Ainda, na análise das ADIs nº 5.537, nº 5.580 e 6.038 e das ADPFs nº 461, 465 e 600, a Corte máxima do país julgou inconstitucional uma lei de Alagoas que instituiu o programa “Escola Livre” e três normas municipais que proibiam o ensino sobre questões de gênero e sexualidade na rede pública.
A partir destas reflexões é possível se verificar a inexistência de um cenário jurídico que ampare quaisquer condutas discriminatórias em face do público LGBTQQICAPF2K+s, inclusive na seara previdenciária.
Não obstante isto, em diversos casos submetidos ao Poder Judiciário ainda se verificam defesas tanto da Fazenda Pública quanto de particulares em questões de índole previdenciária, as quais buscam desconstituir a proteção constitucional garantida pelo STF ao público LGBTQQICAPF2K+s.
É o caso, por exemplo, de peças contestatórias e recursais da Fazenda Pública ou de particulares onde os relacionamentos afetivos havidos entre determinada pessoa e outra (esta última falecida) são equiparadas a meros encontros casuais ou de natureza fantasiosa, com a finalidade de se negar o acesso ao devido e justo benefício previdenciário.
Durante depoimentos em audiências de conciliação, instrução e julgamento as partes e até testemunhas tratam estes relacionamentos afetivos com elevado teor depreciativo, não raro ocorrendo advertências do Juiz e do Ministério Público sobre a necessidade de respeito ao ser humano e ao ambiente forense.
A situação é ainda mais grave quando envolve pessoas de idade avançada, na medida em que estas classificam os relacionamentos afetivos do público LGBTQQICAPF2K+s com palavras de baixo calão, seja por incompreensão culposa da realidade atual, seja por odiosa e intencional discriminação social. De qualquer maneira, condutas inadmissíveis.
Inclusive, é no caso concreto que se definirá de modo justo e objetivo, a partir de ampla instrução probatória, acerca da condição de dependente previdenciário de qualquer pessoa e não mediante achismos ou preconceitos descabidos contra o público LGBTQQICAPF2K+s.
Nessa esteira, a jurisprudência é bastante consolidada para rechaçar as práticas de discriminação no campo previdenciário, a saber:
FUNCIONÁRIO PÚBLICO MUNICIPAL - PENSÃO POR MORTE -RELAÇÃO HOMOAFETTVA - PROVA SEGURA FEITA POR MEIO DE DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO, PROFERIDA EM AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO -INTELIGÊNCIA DO ART 223, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COM RELAÇÃO ÀS RELAÇÕES HOMOSSEXUAIS E SEU DIREITO COMO ENTIDADE FAMILIAR - "Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa a suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico "Art 201 - Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a [ ]V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2º 7 - Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito ( .)".(REsp n° 395 904/RS - 6a Turma de Superior Tribunal de Justiça - Min Hélio Quagha Barbosa, j 13/12/05 "- alteração da verba honorária - Redução para 10% sobre o valor da condenação, mas considerando-se o montante atualizado das prestações vencidas e mais um ano das vincendas, conforme é orientação desta Câmara - Recursos parcialmente provido. (TJSP - AC 842.594.5-8-00, 11ª C. Dir. Publ.,Rel. Des. Pires de Araújo, j. 27.04.2009)
PENSÃO POST MORTEM. RELAÇÃO HOMOAFETIVA. CONVIVÊNCIA. DEFERIMENTO LIMINAR. SÚMULA 58, DO T.J.R.J.. Mandado de Segurança. Liminar que determina pagamento de pensão por morte de companheiro homoafetivo. Amparo legal no art.29 da Lei Estadual n. 285/1979, com redação dada pela Lei n. 4.320/2004, cuja inconstitucionalidade não foi declarada, ante a pendência de julgamento da Representação n. 2004.007.00166 pelo Órgão Especial deste Tribunal. Documentação hábil a trazer verossimilhança às alegações do agravado, quanto à convivência. Presentes os pressupostos para deferimento da liminar. Inteligência do Enunciado n. 58 da Súmula de Jurisprudência desta corte. Improvimento do recurso. (TJRJ – AI 006.002.18551, 12ª C.Civ.,Rel. Des. Custodio Tostes, j.27.02.2007)
CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PREVIDENCIÁRIO: DIREITO À PENSÃO POR MORTE; RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO; POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
1.-As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais devem ter, necessariamente, aplicação imediata, não carecendo da mediação concretizadora do legislador ordinário, para serem diretamente eficazes e conformadoras do nosso sistema normativo, inclusive previdenciário.
2.-A bem da verdade, os direitos, liberdades e garantias não dependem de intervenção legislativa, prevalecendo, inclusive, contra a lei, quando esta introduz preceito discriminatório, em nítida desconformidade com a Carta Magna.
3.-Exatamente por isso, quando o art. 201, V, da Lei Fundamental, estabelece a pensão por morte do segurado, mencionando “homem ou mulher”, “cônjuge ou companheiro e dependentes”, é claro que não exclui as relações homoafetivas, pois não poderia a seção relativa à Previdência Social ser interpretada em desarmonia com o princípio da dignidade da pessoa humana, que não autoriza nem endossa qualquer tratamento discriminatório com base na opção sexual do segurado.
4.-A salvaguarda dos direitos fundamentais, que constitui um dos objetivos da nossa República, segundo a dicção do art. 3º, IV, da Carta Magna, conduz, necessariamente, à ideia de unidade valorativa do texto constitucional, que não contém, nem pode conter, normas ou princípios isolados, e muito menos que recebam interpretação conflitante ou antinômica com princípios constitucionais sensíveis, como a dignidade da pessoa humana.
5.-Se a Constituição da República, ao estabelecer os direitos e garantias individuais, proibiu qualquer tipo de discriminação, inclusive de sexo, não se pode interpretar o art. 201, V, com os olhos da mediocridade, adotando-se um pensamento reducionista e restritivo, que menoscaba os direitos fundamentais de cidadãos brasileiros e estrangeiros, com base apenas em sua opção sexual e afetiva.
6.-É preciso harmonizar o sistema previdenciário que tem natureza puramente contributiva, com a proibição ao tratamento discriminatório, e isso só pode ser feito se revisitarmos o conceito de união estável, que não pode ser excludente das relações homoafetivas, sob pena de se erigir um preconceito em definição de entidade familiar.
7.-Por isso, o conceito de união estável, para estar em harmonia com o princípio da prevalência da dignidade da pessoa humana, que recebeu proteção diferenciada do Constituinte, deve ser interpretado de forma a dar vida aos direitos que resultam das relações homoafetivas.
8.-Portanto, qualquer interpretação reducionista, enfim que restrinja o conceito de entidade familiar à relação do homem com a mulher, constitui, na verdade, um absoluto desrespeito aos direitos fundamentais de cidadãos brasileiros, que também contribuem para o sistema previdenciário, e têm direito de inscrever o seu companheiro ou companheira como dependente, se atendidos, no que couber, os pressupostos exigidos dos casais heterossexuais. (TJAC – Reex. Nec. 2007.001819 – 4, Rel. Des. Miracele Lopes j. 25.09.2007)
Não por outra razão que o STF, ao julgar a ADI nº 4.277, também decidiu que:
EMENTA: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.
(ADI 4277, Relator(a): AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341 RTJ VOL-00219-01 PP-00212)
Exatamente por esta visão onde o Estado e as pessoas não devem praticar atos de índole discriminatória, mas sim garantir aos indivíduos a livre busca das suas realizações na vida pessoal, é que a doutrina do eminente jurista alemão Ernst Benda assevera:
[...] ao menos idealmente toda pessoa está capacitada para sua autorrealização moral. Está vedado ao Estado distinguir os indivíduos em função de seu presumido valor moral. O Estado não se deve arrogar o direito de pronunciar um juízo absoluto sobre os indivíduos submetidos a seu império. O Estado respeitará o ser humano cuja dignidade se mostra no fato de tratar de realizar-se na medida de suas possibilidades. Inclusive quando tal esperança pareça vã, seja por predisposições genéticas e suas metamorfoses, seja por culpa própria, nunca deverá o Estado emitir um juízo de valor concludente e negativo sobre o indivíduo. (tradução livre do espanhol)[2]
Portanto, ainda há muito a se avançar no que tange ao combate dos atos discriminatórios, sendo o Dia Nacional da Visibilidade de Travestis e Transexuais (ou Dia da Visibilidade Trans) um momento de necessária reflexão social sobre os rumos da sociedade brasileira, sem prejuízo aos valores sociais que a Constituição Federal também se propôs a garantir, a exemplo da liberdade de religião e de crença.
Não se trata de endossar de maneira particular as decisões individuais do público LGBTQQICAPF2K+s acerca da livre busca das suas realizações de vida pessoal, mas sim de garantir que ninguém venha a ser discriminado em função de sua trajetória pessoal[3]. Em arremate, é descabida, pois, em toda a sua extensão, a perspectiva de pessoas jurídicas ou físicas que se sentem no direito de atuar enquanto censoras jurídicas da vida alheia de terceiros, sob o falso pretexto de concretização da Constituição Federal.
[1] LGBTQQICAPF2K+s é a sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis, Queer, Questionando, Intersexo, Curioso, Assexuais, Pan e Polissexuais, Amigos e Familiares, Two-spirit, Kink e simpatizante.
[2] In BENDA, Ernst et al.. Manual de Derecho Constitucional. 2. ed. Madrid: Marcial Pons, 2001, p. 125.
[3] BRASIL. Ministério Público Federal. O Ministério Público e a Igualdade de Direitos para LGBTI: Conceitos e Legislação. Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Ministério Público do Estado do Ceará. 2. ed. rev. e atual. Brasília: MPF, 2017. Disponível em: <http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/pfdc/midiateca/nossas-publicacoes/o-ministerio-publico-e-a-igualdade-de-direitos-para-lgbti-2017>. Acesso em 31 jan 2021.
Procurador do Estado de Alagoas. Advogado. Consultor Jurídico. Ex-Conselheiro do Conselho Estadual de Segurança Pública de Alagoas. Ex-Membro de Comissões e Cursos de Formação de Concursos Públicos em Alagoas. Ex-Membro do Grupo Estadual de Fomento, Formulação, Articulação e Monitoramento de Políticas Públicas em Alagoas. Ex-Técnico Judiciário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Ex-Estagiário da Justiça Federal em Alagoas. Ex-Estagiário da Procuradoria Regional do Trabalho em Alagoas. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALHEIROS, Elder Soares da Silva. Aspectos polêmicos sobre a condição de dependente previdenciário: o caso dos LGBTQQICAPF2K+s Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 fev 2021, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56146/aspectos-polmicos-sobre-a-condio-de-dependente-previdencirio-o-caso-dos-lgbtqqicapf2k-s. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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